Artigo

JURISDIÇÃO EM DIREITOS HUMANOS E JUS STANDI INDIVIDUAL: a emancipação do indivíduo enquanto sujeito de direito internacional
Tamires de Lima de Oliveira
Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul – UNIJUI
E-mail: oliveira.tamireslima@gmail.com
Tiago Meyer Mendes
UniSociesc
E-mail: tmeyermendes@hotmail.com
RESUMO
Inserido no campo da filosofia do Direito Internacional, este artigo analisa duas importantes questões jurídico-filosóficas da contemporaneidade: a realização do ideal de justiça internacional e a emancipação do ser humano, enquanto sujeito de Direito Internacional. Estas questões ganham maior destaque a partir do desenvolvimento e consolidação da jurisdição internacional em direitos humanos. De modo que, a atribuição do jus standi internacional aos indivíduos tanto contribui para a sofisticação e efetividade do sistema internacional de proteção dos direitos humanos, quanto reaproxima o próprio homem do Direito em sentido universal, o que implica em um resgate e ressignificação de valores e uma substituição das noções tradicionais próprias de uma antiga sociedade internacional estatalista. O método empregado na pesquisa é o hipotético-dedutivo, com a técnica da revisão bibliográfica.
Palavras-Chave: Direitos Humanos; Direito Internacional; Jurisdição Internacional.
ABSTRACT
Inserted in the field of International Law Philosophy, this article looks at two important legal and philosophical issues of contemporary society: the ideal of international justice realization and the human emancipation being a subject of International Law. These issues gain greater prominence from the development and consolidation of international jurisdiction on human rights. Then, the assignment of international jus standi to individuals contribute to the sophistication and effectiveness of the international human rights system of protection, reconnecting the man of the law on universal sense, which implies a redemption and redefinition of values and a replacement of own traditional notions of an old international statist society. The me thod employed in research is the hypothetical-deductive, with the technique of the literature review. Keywords: Human Right; International Law; International Jurisdiction.
OLIVEIRA, Tamires de Lima de JURISDIÇÃO EM DIREITOS HUMANOS E
MENDES, Tiago Meyer JUS STANDI INDIVIDUAL
É chegado o tempo para que o homem se dê a sua meta. É chegado o tempo para que o homem plante o germe de sua mais alta esperança (Nietzsche 2014: 27) .
INTRODUÇÃO
A proteção internacional dos Direitos Humanos marca, sem dúvidas, um (re)nascer do humano e o desenvolvimento de um novo paradigma ético e jurídico global.
O grande ideal do Direito Internacional dos Direitos Humanos é, sem dúvidas, a primazia do indivíduo em relação ao Estado1. E, o grande ideal do Direito Internacional da pós-modernidade é, por sua vez, a manutenção da paz internacional e a promoção de valores de dignidade e justiça à humanidade. Dois ideais que se mostram, cada vez mais, indissociáveis.
De fato, a emancipação do indivíduo enquanto ator de importância e agora potencial sujeito de direitos na sociedade internacional surge em um cenário de caos, que caracteriza o ser humano na dicotômica identidade de vítima e autor de violações de direitos humanos, mas, sobretudo, o faz existir novamente enquanto sujeito detentor do poder de dar a si a sua própria “meta”.
O processo de legitimação dos indivíduos representa um avanço nesse sentido, tanto contribuindo à sofisticação dos sistemas internacionais de proteção dos direitos humanos, como também ao desenvolvimento do próprio Direito Internacional, uma vez que desafia e denuncia o fracasso da lógica estatalista2 de sua efetividade.
Reconhecer a personalidade do humano não apenas como vítima tutelada, mas como promotor ativo da defesa de seus direitos contribui, ademais, para a formação de uma consciência jurídica internacional verdadeiramente humana, que devolve ao homem seu protagonismo enquanto fundamento e dever ser do direito.
Nesse sentido, este artigo objetiva analisar através do método hipotético-dedutivo e com a técnica da revisão bibliográfica, a urgência do reconhecimento de um jus standi internacional3 do indivíduo perante as Cortes Internacionais de Direitos Humanos, verificando a potencialidade de tal fenômeno em ressignificar as bases tradicionais, positivistas do Direito Internacional, no sentido de humanização de princípios tais como a justiça internacional, bem como a questão da subjetividade internacional.
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1. O SER HUMANO NO DIREITO INTERNACIONAL E O PAPEL DOS TRIBUNAIS INTERNACIONAIS
Em âmbito filosófico e doutrinário, a discussão acerca da subjetividade internacional dos indivíduos vem se construindo ao longo de vários séculos. Ainda no estágio embrionário de desenvolvimento do Direito Internacional público que conhecemos hoje, a figura do indivíduo enquanto sujeito de “direitos das gentes” permeou a filosofia jusinternacionalista moderna.
Entre os autores de destaque, considerados fundadores do Direito Internacional e que compõem a filosofia clássica deste ramo do direito, destacam-se Francisco de Vitória, Francisco Suárez, Emmerich de Vattel e Hugo Grotius4, pensadores que vivenciaram um complexo período de transição entre o paradigma medieval teocêntrico e o nascimento da modernidade secularizada, fundada nas razões de Estado e na consolidação das soberanias estatais5 .
No que concerne ao tema dos sujeitos de Direito Internacional, a contribuição de Francisco de Vitória, reside na substituição realizada pelo autor do termo hominis por gentes, designando nações (ainda que nações cristãs e não políticas). Dessa forma, segundo Paulo E. V. Borges de Macedo (2010), o autor contribuiu para a visão positivista-estatalista que viria a se consolidar mais tarde, principalmente por considerar o direito das gentes como parte do direito positivo.
Além disso, ao reconhecer também aos povos não-cristãos a possibilidade de exercer autoridade soberana e domínio, Vitória estabeleceu as bases para que releituras de sua obra pudessem identificar em sua communitas orbis um direito entre os povos, de natureza positivista, inserto numa sociedade internacional sobreposta à soberania estatal.
A noção de comunidade humana, como destinatária do Direito Internacional, encontra-se também na doutrina de Francisco Suárez, que ao conceituar o direito das gentes, afirma que a razão de ser desse direito é que o gênero humano de modo que cada Estado é também, em relação ao gênero humano, de certo modo um membro dessa comunidade universal (Macedo, 2014). Pouco tempo mais tarde, Emmerich de Vattel (Mancuso 2014) inova transmutando essa compreensão para a teoria da soberania estatal, transferindo a titularidade do poder soberano do Estado para a Nação, que passaria a ser o real sujeito de Direito Internacional.
Na abordagem de Hugo Grotius6 à questão dos sujeitos de Direito Internacional, de acordo com Arno Dal Ri Jr. (2004) verifica-se o abandono da visão realista predominante e adoção de uma base humanista. Grotius considera os indivíduos como sujeitos do direito natural e do jus gentium , no sentido de que o código moral aplicado aos Estados deveria ser o mesmo que o aplicado aos
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indivíduos, sugerindo um direito criador de obrigações e deveres tanto para Estado, quanto para indivíduos.
O centro da consolidação do Estado como detentor de todo o poder tem seu marco após a Paz de Vestfália7. O paradigma das relações internacionais passa a pautar-se exclusivamente nas relações de poder entre os Estados soberanos (Bedin, 2011), logo, a conduta dos indivíduos significa a própria conduta do Estado, ou seja, inexiste a figura da responsabilidade individual, mas tão somente a responsabilidade estatal.
O Direito Internacional “tradicional”, vigente até a segunda metade do século passado, foi marcado pelo voluntarismo estatal, sob o manto do paradigma de uma soberania absoluta e, consequentemente, excludente e individualista. O modelo vestfaliano, assim chamado aquele introduzido no cenário internacional a partir da Paz de Vestfália, induzia a atomização e fragmentação (no sentido de exclusão e diferenciação) da comunidade internacional. Com o advento do positivismo jurídico e a consolidação dos Estados-nação – e a ilusão da soberania absoluta –, o papel do indivíduo relegou-se a um status de coadjuvante quase não-existente ante ao Direito Internacional8 .
A preocupação do momento direcionava-se à efetivação de um Direito Internacional nos moldes do direito estatal, que pudesse ser hard em seu poder vinculante, com instituições fortes, capaz de estabilizar conflitos e regular condutas. As pautas da agenda internacional de então voltavam-se para questões de guerra, comércio, conquista territorial, expansão tecnológica. O indivíduo estava ali, mas não estava, sempre de uma forma simbólica, uma figura quase.
Foi, novamente, no âmbito do direito de guerra que as preocupações com a “pessoa humana” do indivíduo na sociedade internacional voltaram a ter importância, através do chamado direito humanitário. O Direito Internacional Humanitário teve sua origem com a Convenção de Genebra de 1864, que objetivava melhorar a sorte dos militares nos exércitos em campanha, sendo responsável pela criação da organização internacional Cruz Vermelha (referida no artigo 7º). A este texto seguiram-se a Segunda (1906), a Terceira (1929) e a Quarta Convenção de Genebra (1949), que ao lado das Convenções de Haia contribuíram para a codificação de normas costumeiras de proteção humanitária em tempos de conflitos (Mello, 1997).
O papel do indivíduo, nesse contexto, era tangencial e vitimado. Uma consequência da guerra. Cujo cuidado ficava muito mais a cargo das organizações internacionais humanitárias, que dos Estados diretamente. Especialmente no decorrer das Grandes Guerras Mundiais esse papel se destacou.
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Ações de organizações como “Médicos Sem Fronteiras”9 marcam episódios importantes no processo de conscientização política, da necessidade de proteção internacional do ser humano e relativização do paradigma absoluto da soberania estatal10 .
Outrossim, a realidade das grandes guerras do século XX, trouxe à tona a figura do indivíduo também em outro contexto. Não apenas como destinatário de proteção humanitária, mas como potencial responsável por ilícitos internacionais. O término das guerras e a necessidade de punição dos “culpados”, acelerou a especialização de um Direito Internacional penal, principalmente em matéria jurisdicional.
Dos eventos que marcam essa especialização, destaque-se o Tribunal Militar Internacional de Nuremberg, responsável pela criação do chamado “Direito de Nuremberg”, um conjunto de resoluções da Assembleia Geral da ONU e tratados internacionais objetivando a punição dos autores de crimes contra a humanidade. Na prática isso implicava num reconhecimento da possibilidade de afastar a imunidade dos agentes públicos para puni-los individualmente por ilícitos internacionais graves (Ramos, 2012).
Posteriormente, já no final do século XX, o Conselho de Segurança da ONU instituiu tribunais penais internacionais ad hoc para a ex-Iugoslávia e para Ruanda, marcando novamente a preocupação em punir crimes bárbaros contra a humanidade, marcando a estabilidade da preocupação internacional com a penalização em matéria de proteção humanitária. Recentemente, questão foi cristalizada com a criação do Tribunal Penal Internacional, primeiro tribunal com jurisdição compulsória e legitimidade para julgar diretamente indivíduos responsáveis por crimes internacionais.
Perceba-se que, nesses casos, indivíduos foram pessoalmente responsabilizados por violações do Direito Internacional, ou seja, foi lhes atribuído uma espécie acesso indireto e subjetividade passiva internacionais. No entanto, é possível também perceber que, até aqui, o indivíduo adquiriu a forma de, pelo menos, três personagens ante ao Direito Internacional moderno: a) mero elemento da concepção de Estado, inserido no componente humano, “povo”; b) membro vitimado da comunidade internacional, destinatário de ajuda humanitária; c) indivíduo responsável e responsabilizável em determinados casos por crimes internacionais.
Todos esses personagens encerram um caráter passivo ao indivíduo (ativo apenas enquanto autor de ilícito), que deve ser protegido, pode ser demandado e encontra-se sob a soberania de um ente internacional. É no contexto de internacionalização dos direitos humanos que processo de atribuição de um caráter propriamente ativo e o reconhecimento do protagonismo do indivíduo
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enquanto sujeito de Direito Internacional, passa a tomar forma concreta, tornar-se a figura de ator internacional.
Destaca-se, no quesito normativo, a adoção da Carta da ONU em 1945, sob a qual os Estados signatários comprometeram-se a reafirmar a fé nos direitos fundamentais do homem, na dignidade e no valor do ser humano, bem como o advento da Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, à qual seguiram-se às convenções regionais.
Entretanto, pouca significatividade teriam tais normas não fosse a ação efetiva das Cortes Regionais, que compõem o chamado Sistema Internacional de Proteção dos Direitos Humanos, integrado pela Declaração de 1948 e pelos Sistemas Regionais de Proteção, quais sejam, a Corte Europeia de Direitos Humanos (CEDH), a Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) e a Corte Africana de Direitos do Homem e dos Povos (CADHeP), bem como suas respectivas Declarações Regionais e os Estatutos.
2. A LEGITIMIDADE DO INDIVÍDUO NOS SISTEMAS REGIONAIS DE PROTEÇÃO INTERNACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS
A construção da personalidade jurídica internacional, através do acesso individual aos sistemas de proteção de direitos humanos – no sentido da humanização do direito e dos meios de acesso à jurisdição –, desafia a ressignificação dos conceitos mais tradicionais do Direito Internacional.
Noções há muito arraigadas, tais quais competência nacional exclusiva, domínio reservado do Estado e soberania se não ultrapassadas, estão, ao menos, bastante relativizadas. Realmente, a própria concepção de identidade nacional já não mais se sustenta em moldes absolutos, em face do multiculturalismo e da globalização cultural e mercadológica.
Em especial, no que refere ao reconhecimento de subjetividade internacional aos indivíduos, as cortes internacionais de Direitos Humanos, assumem papel preponderante, compondo o processo maior chamado humanização do Direito Internacional. Tal processo se manifesta nos tribunais internacionais contemporâneos, através da ação destes em assegurar a centralidade das vítimas no processo internacional, buscando atender às reais necessidades da comunidade internacional (Trindade, 2013).
É necessário compreender a humanidade do indivíduo como o pressuposto da sua percepção como detentor de direitos humanos e direitos jurídicos autônomos no âmbito internacional. Essa dicotomia da relevância do Estado e sua soberania como garantidora exclusiva do indivíduo cria um
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cenário de cerceamento de defesa quando o próprio Estado é quem promove as infrações. Os Estados mantêm este poder de forma absoluta, o que dificulta o desenvolvimento de uma sociedade mundial (Wermuth; Mendes 2016).
A questão acerca da capacidade processual dos indivíduos teve suas primeiras discussões no âmbito da Corte Internacional de Justiça (CIJ) e sua antecessora, a Corte Permanente de Justiça Internacional (CPJI). Um comitê da então Liga das Nações foi designado, em 1920, para discorrer sobre o tema. Dos dez membros do comitê apenas dois pronunciaram-se a favor do jus standi aos indivíduos. A maioria dos juristas presentes argumentaram que os indivíduos não são sujeito de Direito Internacional e que somente os Estados, na condição de pessoas jurídicas internacionais, poderiam ser partes perante a Corte (Trindade, 2002).
Ainda na década de vinte, Nicolas Politis em sua monografia Les Nouvelles Tendances du Droit International (1927), criticou o pensamento estatalista, afirmando que os Estados nada mais são que ficções, uma vez que compostos de indivíduos, de modo que o real fim de todo direito é o ser humano. Uma verdade obscurecida pela ideia da soberania. De acordo com Politis (1927), o acesso direto do indivíduo à Corte além de promover o direito de fazer valer seus interesses legítimos, traria ainda a vantagem de despolitizar o procedimento judicial (pautado na proteção diplomática discricionária do contencioso interestatal). No mesmo sentido, destacava-se a necessária evolução da organização internacional a fim de garantir ao indivíduo o direito de defender, ele próprio, seus direitos internacionalmente, independentemente da tutela de seu Estado e mesmo em desfavor deste (Trindade 2002).
Apesar de tais críticas, o pensamento pela não subjetividade dos indivíduos prevaleceu e foi mantido no texto legal do Estatuto da CIJ (artigo 34 (1)). A evolução para um regime de defesa geral de direitos humanos ocorreu apenas após os horrores do pós-Segunda Guerra Mundial. Na segunda metade do século XX é que se firmou uma progressiva aceitação da capacidade processual do indivíduo. Capacidade esta expressamente conferida pelos Estados. A jurisprudência começou a mover-se nesse sentido, como, por exemplo, no caso da “Jurisdição dos Tribunais de Dantzig ”, onde opinou-se no parecer consultivo que tratados internacionais podem outorgar legitimidade diretamente a indivíduos (Ramos, 2012).
Com efeito, foi com a adoção do sistema de internacional de proteção dos direitos humanos que alguns tratados passaram a prever a possibilidade de peticionamento individual perante tribunais internacionais – notadamente as Cortes Europeia e Interamericana de Direitos Humanos. As condições para a caracterização do indivíduo como sujeito do Direito Internacional, atualmente são duas: 1) o indivíduo deve possuir direitos/deveres regulados diretamente pelo
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Direito Internacional; 2) o indivíduo deve possuir capacidade processual tanto ativa quanto passiva para agir em juízo, caso cometa ilícitos internacionais ou para o pleito de direitos. Nesse contexto, a questão da personalidade jurídica internacional do indivíduo, direciona a atenção principalmente para a responsabilidade internacional do Estado por violação de direitos humanos e para os limites da ação individual nestes casos (Ramos, 2012).
Observe-se que na processualística internacional dos direitos humanos o indivíduo já logra do chamado direito de comunicação, que consiste no requerimento aos tribunais internacionais de uma resposta acerca da denúncia de uma violação de direito humano, conforme prevê o artigo 24 da Declaração Universal de Direitos Humanos (Ramos, 2012).
O que usualmente se chama direito de petição, previsto nos estatutos das três cortes regionais de direitos humanos, por muito tempo consistiu na possibilidade de o indivíduo realizar diretamente uma espécie denúncia de violação de direitos humanos, acionando os órgãos responsáveis pela instauração do processo – mormente, as Comissões de Direitos Humanos das Cortes – contra o Estado agressor.
O peticionamento, como verdadeiro jus standi, no sentido de o indivíduo inaugurar o processo enquanto parte ativa e direta foi inaugurado pela Corte Europeia de Direitos Humanos. De acordo com o Regimento da CEDH que regulamenta o artigo 34 da Convenção (com as alterações dos protocolos nº 11 e 14), tanto indivíduos, quanto ONGs e grupos de indivíduos podem apresentar petições, agindo por iniciativa própria ou através de um representante, sendo vedado aos Estados criar quaisquer entraves ao exercício efetivo desse direito.
Os critérios de admissibilidade das petições estão dispostos no artigo 35 da Convenção e envolvem: a) o esgotamento das vias jurisdicionais nacionais; b) que o pedido à Corte seja feito dentro do prazo de seis meses após a decisão final do tribunal nacional; c) a petição não pode ser anônima; d) não pode haver coisa julgada internacional, ou seja, a questão já ter sido examinada pela Corte ou submetida a outra instância judicial internacional, bem como não contenha nova informação relevante; e) a petição deve ser bem fundada, compatível com as disposições da Convenção e dos protocolos, não podendo caracterizar abuso do direitos de petição; f) o requerente necessita ter sofrido desvantagem significativa, com exceção do caso em que o respeito pelos direitos humanos exija a análise do pedido sobre o mérito, especialmente nos casos em que o caso não tenha sido devidamente considerado pelo tribunal nacional.
Importante mencionar, que antes da entrada em vigor do protocolo n. 14 à Convenção, o procedimento judicial europeu seguia um modelo processualístico chamado modelo bifásico. Tanto as vítimas quanto os Estados-partes apresentavam suas petições à Comissão e não à Corte
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diretamente, cabendo à primeira analisar as alegações e decidir pela propositura da ação ou não. O procedimento era lento e o filtro bifásico, por vezes, constituía um dificultador da proteção dos direitos humanos11 .
Apesar disso, o mencionado modelo bifásico é ainda o procedimento em vigor na Corte Interamericana de Direitos Humanos. A CIDH ainda não prevê o peticionamento direto das partes, que devem submeter suas petições à Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Ademais, o indivíduo, neste sistema, não possui o direito de ação direta à Corte, tal qual no sistema europeu. Permanece apenas o direito de petição no sentido restrito, ou seja, de provocar a Comissão
para análise do mérito e então acionamento ou não da Corte. Esta é a regra do artigo 61 da Convenção, segundo o qual somente a Comissão ou os Estados-partes podem demandar Estados perante a Corte. O indivíduo depende assim do intermédio da Comissão Interamericana ou do Estado para acessar a jurisdição regional.
Casos concretos, no entanto, tem progressivamente destacado o valor da participação do indivíduo no contencioso internacional e, aos poucos, a ideia de abertura ao jus standi individual consolida-se nas opiniões da Corte e a tendência que se vislumbra é de que a CIDH siga o molde europeu atual (Trindade, 2002).
Interessante observar que a mais recente Corte a compor os sistemas regionais de direitos humanos, a Corte Africana de Direitos Humanos e dos Povos, já deu passos nesse sentido, ainda que de forma meramente formal. Em relação ao direito de ação à Corte, esta prevê o que se tem chamado de acesso condicionado do indivíduo. Isso significa que, enquanto a legitimidade para a propositura de ações é estendida à Comissão Africana, ao Estado-parte (ativa ou passivamente), o Estado de nacionalidade da vítima, organizações internacionais intergovernamentais africanas, o indivíduo e organizações não governamentais dependem da adesão facultativa dos Estados-partes (Ramos 2012).
Quanto a esse modelo, Ramos (2012), chama atenção para as dificuldades que o indivíduo ou ONG enfrentam para ter acesso à Corte, pois além da declaração estatal de anuência mencionada, existe a discricionariedade da própria Corte em aceitar ou não a ação individual.
O que se percebe, não apenas na Corte Africana e Interamericana, mas também na Europeia, é que a proteção internacional dos direitos humanos é subsidiária e que a visão estatalista ainda predomina, apesar de suas diferenças quanto a uma maior ou menos abertura de legitimidade ao indivíduo.
O sistema regional e global de proteção dos direitos humanos é um sistema que, nas palavras de Ramos (2012: 53), age na falha do Estado. Falha esta que, em regimes democráticos, não é
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reparada principalmente por conta do engendramento dos mecanismos de ação por parte das maiorias que capacitam o poder estatal. É nesse sentido, refere o autor, que a interpretação internacional dos direitos humanos tem a importante característica de ser contramajoritária, porque as violações que chegaram ao crivo internacional não foram reparadas mesmo após o esgotamento dos recursos internos (a visão majoritária) .
É por conta disso também, que a afirmação e o reconhecimento da personalidade e capacidade jurídicas internacionais do homem perante os tribunais internacionais de direitos humanos, inclusive em litígio contra o próprio Estado, constitui um dos avanços mais importantes na realização do ideal de justiça internacional. Juntamente ao elemento de obrigatoriedade dessas jurisdições, o direito de ação forma os pilares básicos da emancipação do ser humano enquanto sujeito de Direito Internacional e contribui para a realização do ideal de justiça internacional (Trindade, 2010).
3. JUSTIÇA INTERNACIONAL E DIREITO INTERNACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS: O (RE)NASCIMENTO JURÍDICO DO HUMANO EM NÍVEL GLOBAL
Ao observar o caminhar do direito na sociedade internacional contemporânea, marcada pela lógica de proteção e efetivação de direitos humanos, constata-se que, como bem articula Cançado Trindade (2013: 12) no âmbito do novo jus gentium de nossos dias, a pessoa humana tem logrado emancipar-se de seu próprio Estado, e acudir à justiça internacional, sempre que este se afasta de seus fins humanos e se transforma em mecanismo de opressão .
A noção de justiça internacional da atualidade liberou-se das amarras da mera prática dos Estados, e agora efetivamente vindica para si a sua função legitima de dizer o direito, tarefa vinculada à responsabilidade maior e inevitável de proteção e afirmação de direitos básicos de dignidade à humanidade.
Pode-se apontar a evolução do conceito de justiça, desde o conceito de virtude grega, onde Aristóteles apontaria como uma virtude, podendo esta ser natural ao homem bom, em um critério (jus)naturalista e já a partir do conceito moderno o conceito de justiça tem a ver com liberdade e libertação.
Este conceito de liberdade individual, nascido com a Reforma Protestante, unido a um conceito de libertação, sob o prisma de um sujeito autônomo erga omnis, do qual se origina o ideal de justiça internacional autogerida, onde o sujeito por só tem a liberdade de propor uma ação contra garantindo direitos fundamentais, sendo estes personalíssimos ou coletivos.
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Um conceito de justiça mais acessível relaciona-se com o “dever ser” do Direito a partir da visão kantiana, bem como, possibilita uma maior proteção aos direitos humanos, garantindo as liberdades necessárias para uma sociedade internacional balizada em uma estrutura jurídica, não opressora (Sandel, 2010).
É preciso demonstrar e comprovar que o Direito Internacional não se reduz a um instrumento de poder, mas que su destinatario final es el ser humano, debiendo atender a sus necessidades e aspiraciones básicas, entre las quales se destaca la de la realización de la justicia (Trindade 2013: 24).
O Direito Internacional estreita a relação do indivíduo com o mundo por meio do afastamento de possíveis restrições do Estado ao sujeito, ou uma transgressão dos direitos realizada por este (Mendes; Mendes 2015). Realmente, Não se pode visualizar a humanidade como sujeito de direito a partir da ótica do Estado; impõe-se reconhecer os limites do Estado a partir da ótica da humanidade (Trindade, 2006: 139).
Conforme afirmam Arruda Junior e Gonçalves (2002: 125) hoje a busca de uma ordem na desordem é absolutamente uma questão de vida ou morte para a humanidade. O mundo encontra- se em meio a um esforço para relacionar diagnósticos da promessa moderna, receituário das modernizações experimentadas nos séculos XIX e XX, e prognósticos para este século .
Veja-se que em uma perspectiva positivista, a justiça representaria um péssimo critério a seguir devido à sua incerteza e relatividade. No entanto, quando a questão entre direito e justiça é dialogada não mais apenas do ângulo jurídico interno, mas através de um mínimo ético internacional, há uma modificação interessante. Isso, porque esse mínimo ético não representa uma concepção específica de justiça, mas uma espécie de fundamento ou estrutura que permite a eficácia normativa do direito (Arruda Junior; Gonçalvez, 2002).
Nesse sentido, em meio às perspectivas atuais, os direitos humanos representam o que se tem de mais próximos a um consenso axiológico vigorante em meio ao politeísmo de valores das sociedade mundiais, mesmo com todas as armadilhas que possam daí surgir (Arruda Junior; Gonçalvez 2002: 128). Esse consenso tem se formado não somente através de acordos internacionais, mas especialmente pela atuação das Cortes internacionais de direitos humanos.
Os tribunais internacionais contemporâneos contribuem de forma progressiva para a expansão da jurisdição internacional, que está vinculada à própria afirmação e consolidação da personalidade jurídica internacional do ser humano, como sujeito tanto ativo, como passivo do Direito Internacional, em face dos tribunais internacionais de direitos humanos (legitimidade ativa) e dos tribunais penais internacionais (legitimidade passiva).
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A busca da justiça se materializa, portanto, na própria expansão da função judicial internacional. Em que pese à eficácia normativa desta justiça de que tratamos continue a ser um problema dos Estados, no plano mundial este fenômeno de jurisdicionabilidade dos direitos humanos demonstra que os mecanismos processuais positivos da contemporaneidade não são estáticos, mas mutáveis. Mesmo quando direitos humanos não estão positivados, permanecem vinculados a uma expectativa de eficácia por parte da sociedade, sendo potencialmente capazes de constituir-se em “direito forte” pela atuação de um organismo judicial.
Sob o prisma dos direitos humanos, a concepção da justiça parece perpassar a noção de Rawls (2002: 694) de justiça enquanto equidade, segundo a qual a sociedade não está subdividida no que diz respeito ao reconhecimento mútuo de seus princípios primeiros. Isso contribui para a ação unificadora da concepção de justiça. Antes de ser instrumento de legitimação genérica de queixas, como aduz Rawls, a justiça serve de instrumento de reconciliação no coque de visões e reivindicações diversas, reconciliando através da razão, ou seja, partindo daquilo que todas as partes envolvidas têm em comum.
Daí a importância da noção de que a justiça deve partir de algum consenso, como pode-se resgatar da teoria grotiana. Essa ideia hoje se encontra na noção de consciência jurídica universal (Trindade, 2013), como resultado da evolução do Direito Internacional dos direitos humanos e da ascensão da pessoa como sujeito do Direito Internacional, que cria uma espécie de novo ethos a ser seguida e traduz a justiça internacional tanto como uma busca por um ideal ético comum de dignidade humana, quanto à efetivação desse ideal através de mecanismos jurisdicionais adequados e eficientes.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os dois principais marcos jurídicos em matéria de direitos humanos da sociedade internacional, quais sejam o advento da Carta da ONU de 1945 e da subsequente Declaração Universal de Direitos Humanos de 1948, a qual se seguiram as Cartas regionais, ocasionaram o que pode ser chamado de (re)nascimento do indivíduo enquanto ator de acentuada importância em âmbito internacional, cuja própria subjetividade já começa a ser ventilada.
Em que pese esta seja uma discussão bastante contemporânea, muito antes, juristas e filósofos que hoje reconhecemos como fundadores do Direito Internacional depararam-se com questões de impressionante atualidade, entre elas a existência de um direito comum a toda a humanidade e a possibilidade de sua afirmação, um “direito das gentes” verdadeiramente no senti do
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ético da palavra, destinado aos indivíduos e aos povos como um todo e não somente originário desta inter-relação.
Nestes tempos, em que a aproximação entre direito e justiça retorna à reflexividade intelectual autores, como Hugo Grotius (2005: 981), que escreveu há mais de cinco séculos, relembra o que a Modernidade apenas recentemente e após terríveis eventos reconheceu: que cada indivíduo não é somente vingador de seu próprio Direito, mas [...] é também daquele de outrem . Neste cenário, a questão a respeito da necessidade de afirmação de um Direito Internacional
válido e efetivo reveste-se de um novo viés. Antigos princípios de raiz humanista retornam ao debate internacionalista, dentre eles, a busca pela efetivação de um ideal de justiça internacional e o reconhecimento da subjetividade humana perante o Direito Internacional, hoje relacionados a um mínimo ético e dignitário sob a égide dos direitos humanos.
Dessa forma, é que a questão da necessidade de reconceituação das bases do ordenamento jurídico internacional, e dos conceitos outrora cristalizados pela lógica estatalista e positivista, toma espaço definitivo na prática e na teoria do Direito Internacional.
A possibilidade de autonomia do indivíduo de autocomposição em sua defesa jurídica internacional, demonstra que a figura do ser humano está acima da soberania estatal e acima do próprio Estado. É uma garantia inerente a proteção do sujeito contra a própria estatalidade, alterando de forma significativa a ideia de cosmopolitismo, tirando seu cunho de globalização estatizada e lhe outorgando o caráter de humanidade complexa que interage.
O reconhecimento do jus standi internacional dos indivíduos, enquanto seres humanos igualmente dotados de uma prerrogativa inata e cosmopolita de ver defendidos e efetivados seus próprios direitos, é um passo decisivo para o reestabelecimento do “elo perdido” entre a Humanidade e o Direito.
REFERÊNCIAS:
AGAMBEN, Giorgio. Profanações. Trad. Selvino J. Assman. São Paulo: Boitempo Editorial, 2007.
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NOTAS:
1 A evolução que se dá desde o momento da concepção do Estado Leviatã, onde demonstra o Estado como o “devorador” de sujeito na figura individualizada, até o “nascimento” simbólico da figura do cidadão, titular de direitos e com certa autonomia, na Reforma Protestante, se dá sempre pela busca da transformação do Estado inimigo em Estado Social, como o idealizado, principalmente, na Revolução Mexicana de 1910 a 1920.
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A expressão “lógica estatalista” refere-se à realidade jurídica, consolidada na Modernidade, em que há a figura do Estado enquanto monopolizador do poder, que se apresenta como a fonte de todo o direito, não admitindo outros meios de produção de normas e, assim, mantendo-se dissociado da realidade social, em especial a internacional.
3 Jus standi é expressão latina utilizada nas Ciências Jurídicas com o significado de acesso direito à determinada Corte ou Tribunal. Logo, a expressão “jus standi internacional” refere-se à possibilidade de acesso direto às Cortes e Tribunais Internacionais, em especial os de Direitos Humanos, referindo-se, ainda, à possibilidade de que esse acesso direto seja realizado pelo próprio indivíduo.
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Relativamente à temática aqui abordada, podem-se destacar as seguintes obras dos autores mencionados: Francisco de Vitória – “Os Índios e o Direito da Guerra”, Editora UNIJUI, 2006; Francisco Suárez – “Tratado de las leyes y de Dios legislador”, Instituto de Estudios Políticos , 1967; Emmerich de Vattel – “O Direito das Gentes (Le Droit Des Gens)”, Editora UNIJUI, 2008; Hugo Grotius – “O Direito da Guerra e da Paz”, volumes I e II, Editora UNIJUI, 2005.
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Consoante não olvidar que o desenvolvimento de um pensamento de Direito Internacional moderno, como um todo, se dá, somente, através da ruptura teocrática, ocorrida no paradigma Iluminista, através da profanação do sagrado, onde as divindades começam a ganhar signos humanos, levando a representação humana para o sagrado, desta forma, aproximando, ou devolvendo, o metafísico ao físico (Agamben 2007). Nesta tomada do teocêntrico para o homocêntrico surge a figura do pensamento humanista, com autores como São Tomás de Aquino, Antonio de Montesinos, Bartolomeu de Las Casas, entre outros.
6
Hugo Grotius (1583-1645) foi um jurista e filósofo neerlandês que é considerado um dos “ pais fundadores do Direito Internacional”, a partir de uma noção avançada para a época acerca do “direito das gentes” e do direito natural.
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A expressão “Paz de Vestfália” designa vários tratados internacionais que encerraram a Guerra dos Trinta Anos, série de conflitos que diversas nações europeias travaram entre si a partir de 1618 por motivos variados: rivalidades religiosas, territoriais e comerciais.
8 Diz-se isso tanto no plano teórico quanto no plano pragmático da realidade internacional. Não se olvida, contudo, que a questão da subjetividade do indivíduo não passou despercebida da doutrina juspositivista moderna, principalmente pelo viés da responsabilização internacional direta. Hans Kelsen, em obra intitulada “A paz pelo Direito” (2011) argumenta que a manutenção da paz internacional necessitaria de dois pilares básicos: a instituição de tribunais internacionais de jurisdição compulsória e a adoção de responsabilização individual por atos contrários ao direito internacional público.
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9 “Médicos Sem Fronteiras” é uma organização humanitária internacional que leva cuidados de
saúde a pessoas afetadas por graves crises humanitárias. Para mais informações acesse: < https://www.msf.org.br/>.
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Relata Mario Bettati (1996) que anos que se seguiram após a elaboração da Carta da ONU, iniciou-se um acirrado debate jurídico e político a fim de definir quais os assuntos seriam essencialmente decorrentes da competência nacional, ou seja, assuntos estritamente internos. Isso tinha especial relevância porque envolvia saber até que ponto estaria relativizado o princípio da não-intervenção (corolário da soberania estatal) subscrito no artigo 2º, §7 da Carta, pois havia enorme resistência entre os Estados em reconhecer que a defesa dos Direitos Humanos pudesse ultrapassar suas fronteiras domésticas. Assim, inúmeros países adotavam uma lista tão vasta quanto possível do que seriam tais “assuntos” e consideravam qualquer hipótese de intervenção internacional como a mínima interferência em seus atos internos. A África do Sul, por exemplo, um dos primeiros países a dar interpretação restritiva à Carta, se opunha a qualquer olhar exterior sobre suas políticas racistas, notadamente com relação ao Apartheid .
11 De acordo com Ramos (2012), desde o primeiro julgamento da CEDH, o “Caso Lawless versus Irlanda” (14 de novembro de 1960), até a data da extinção da Comissão (1998), haviam sido recebidas aproximadamente 45 mil petições, a Corte, no entanto, havia julgado somente 837 casos. Desde a modificação do procedimento, que permite agora o direito de ação direto das partes demandantes, os julgamentos cresceram exponencialmente, tendo-se chegado, apenas dez anos depois (2008) ao número de dez mil julgamentos. Embora isso caracterize uma maior abertura ao princípio do acesso à justiça, não se pode olvidar o problema orgânico que o sistema europeu enfrenta no que diz respeito à taxa de congestionamento (diferença entre entrada de petições e casos julgados). Essa é, atualmente, um dos maiores desafios e constante alvo de críticas à defesa da instituição do jus standi dos indivíduos perante tribunais internacionais.
AUTORES:
Tiago Meyer Mendes
Mestre em Direito, com ênfase em Direitos Humanos pelo Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul - UNIJUI. Docente de Ensino Superior na UNISOCIESC campus de Blumenau (Grupo Ânima) das matérias de Direito Internacional Público, Direito Comercial Internacional, Direito Constitucional, Filosofia, Ciência Política e Teoria do Estado e Direito Empresarial para o Curso de Ciências Jurídicas e Sociais - Direito. Pesquisador na área do Direito Internacional, Direitos Humanos, Direito Constitucional e Sociedade Mundial. Tem experiência na área das Ciências Jurídicas e Sociais, atuando principalmente nos seguintes temas: Direito Internacional, Sociologia, Sociedade Mundial, Direito Constitucional, Ciência Política, Direitos Humanos, Estado democrático de Direito, Cidadania, Democracia, Filosofia jurídica e Sociologia do direito.
Tamires De Lima De Oliveira
Mestre em Direito, com ênfase em Direitos Humanos, pelo Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (UNIJUI), cursado com bolsa integral da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (PROSUP/CAPES). Bacharel em Direito na mesma instituição (2015). Experiente em pesquisa na área de Direito Público, Direito Internacional, Direitos Humanos, Filosofia do Direito e
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OLIVEIRA, Tamires de Lima de JURISDIÇÃO EM DIREITOS HUMANOS E
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Teoria do Estado. Experiente em prática jurídica nas áreas de Direito e Processo do Trabalho e Direito e Processo Civil. Advogada inscrita na Ordem dos Advogados do Brasil - RS (OAB/RS 105.978). Associada ao Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-graduação em Direito (CONPEDI - Brasil).
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