
| ARTIGO
OTRIBUNALPENALINTERNACIONALE AS QUESTÕES DE GÊNERO: da representatividade e o crime da gravidez forçada.
Maria Walkíria de Faro Coelho G. Cabral Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) E-mail: mwcabral@ippur.ufrj.br
Danielle Aparecida Mendes Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais(PUC-Minas) E-mail: dani.mendess@hotmail.com
RESUMO
O presente trabalho apresenta nuances das questões de gênero abordadas no âmbito do Tribunal Penal Internacional, realizando análises sobre a representatividade, bem como sobre a tipificação do crime de gravidez forçada. Para tanto, o trabalho tem base na teoria feminista do direito, a fim de que a análise possa ser feita por uma via diversa da tradicional, isto é, patriarcal e engessada e que contribui para a perpetuação das violações. Na perspectiva da teoria feminista do direito, a assistência às mulheres vítimas de violência é uma obrigação estatal, independente de crime de gravidez forçada, tendo em vista o princípio da dignidade da pessoa humana. Nesse sentido, é dever inafastável do Estado resguardar direitos de escolha e de autodeterminação da mulher e, consequentemente, seu direito fundamental à saúde, colocada em risco quando o aborto precisa ser realizado clandestinamente, sem as devidas e corretas condições para sua realização. Palavras-chave: Tribunal Penal Internacional; Representatividade; Gravidez forçada.
THE INTERNATIONAL CRIMINAL COURTAND GENDER ISSUES:
The representativeness and the crime of forced pregnancies.
ABSTRACT
The present work presents the gender issues addressed in the International Criminal Court, conducting analyses on representativeness, as well as on the typification of the crime of forced pregnancies. To this end, the work is based on the feminist theory of the law, so that the analysis can be done by a different way from the traditional, that is, patriarchal and cast and that contributes to the perpetuation of the violations. In the perspective of the feminist theory of law, the assistance to women victims of violence is a state obligation, regardless of the crime of forced pregnancies, in view of the principle of the dignity of the human person. In this sense, it is the indistant duty of the State to safeguard the rights of choice and self-determination of women and, consequently, their fundamental right to health, placed at risk when abortion needs to be carried out clandestinely, without proper and correct Conditions for its realization.
Keywords: International Criminal Court; Representativeness; Forced pregnancy.
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INTRODUÇÃO
Para que seja possível uma análise acerca das questões de gênero no Tribunal Penal Internacional (TPI), é necessário observar as regras do referido tribunal, tais como sua composição e sua estruturação normativa nas questões envolvendo gênero, bem como os casos de responsabilização internacional.
Em outras palavras, os sujeitos de direto internacional possuem tutelas jurídicas estabelecidas nas mais diversas fontes normativas, pelos mais diversos sistemas e que, quando violadas, ensejam em responsabilidades, por isso é necessário entender inicialmente como essas estruturações são dadas perante o TPI.
No tocante às formas de responsabilidade, há ainda mais peculiaridades, visto que princípio da responsabilidade tem se transformado ao longo dos anos, sendo aplicado de várias formas, na tentativa de reparar as violações causadas pelos Estados e por seus agentes contra a humanidade.
Assim, estando as mulheres inseridas formalmente no conceito de humanidade e, consequentemente, sendo parte dos novos sujeitos de Direito Internacional, haverá situações nas quais as violações contra esse grupo serão reparadas dentro da perspectiva geral.
Ocorre que a estrutura patriarcal, que rege os órgãos internacionais, os Estados e as normas por eles produzidas, não está pronta para adequar tais reparações a ponto de modificar definitivamente a situação de opressão.
Nesse sentido, o presente trabalho visa apresentar as nuances das questões de gênero abordadas no âmbito do Tribunal Penal Internacional, a fim de contribuir para análises críticas sobre o instituto da representatividade, no TPI, bem como sobre a tipificação do crime de gravidez forçada.
1. OS SUJEITOS FEMININOS E OTRIBUNALPENAL INTERNACIONAL.
Com o fim da Segunda Guerra Mundial, a comunidade internacional passa a perceber a necessidade de agir diante dos diversos atos criminosos que até aquele momento não eram tipificados pela justiça internacional. A extensa lista de violações aos Direitos Humanos oriunda da segunda guerra, cresce ainda mais, como as guerras civis como da ex-Iugoslávia e de Ruanda, formando, principalmente, um cenário cruel de violações sexuais contra as mulheres.
Diante da necessidade de responsabilizar agentes e Estados pelo caos instalado pelas guerras, os Estados decidem instituir tribunais com o fim de buscar os responsáveis pelos atos
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criminosos, fazendo valer do ideal de uma real justiça, voltada a todos e não a uma determinada classe ou ainda comunidade.
Nesse sentido, para tentar entender o movimento de encobrimento e descobrimento do sujeito feminino produzido pelo Tribunal Penal Internacional atualmente vigente, bem como para buscar saídas para esse sujeito, é necessário entender dois aspectos basilares do TPI, sendo o primeiro a responsabilização penal internacional e o segundo a formação de tribunais ad hoc que abriram espaço para a concretização dessa responsabilização que hoje ocorre no TPI.
A responsabilidade penal sofre influência direta do iluminismo, afastando a lei divina como base e fundamento para a legislação, bem como restringindo a pena ao apenado. “A pena passou a ser aplicada em obediência ao princípio moral de que a responsabilidade tem a ver com ações, que são manifestações do exercício consciente da vontade do indivíduo, no uso e gozo de suas faculdades mentais” (Farias, Braga Netto, Rosenvald 2015). Assim, a doutrina moderna consagra a separação entre a responsabilidade civil e penal, conforme irá ser apresentado mais à frente.
Sendo o Direito Internacional Penal uma área do Direito Internacional, os princípios desenvolvidos nestes serão respeitados naquele. Contudo, devido à especificidade do Direito Internacional Penal, os princípios de Direito Internacional funcionarão como auxiliares, servindo de base para a criação dos princípios penais (Cassese, Gaeta 2003).
Assim, a responsabilidade internacional como princípio geral de direito está a amparar o desenvolvimento dessa área do Direito Internacional, permitindo assim que o Direito Internacional Penal desenvolvesse a sua própria forma de responsabilização, qual seja, a Responsabilidade Penal Internacional de caráter individual. Assim, a responsabilização individual trata-se da única hipótese de responsabilidade penal no sistema internacional.
Desde a segunda guerra mundial [...] tem-se desenvolvido formas reais de responsabilidade criminal individual sob o direito internacional. […]. Por outro lado, até então, não houve nenhum desenvolvimento para a responsabilidade penal no direito internacional. Sob os dois estatutos ad hoc e do estatuto de Roma, somente as pessoas físicas podem ser acusadas [perante o Tribunal Penal Internacional]. O Conselho de segurança muitas vezes aborda as recomendações ou exigências de oposição, insurgente ou grupos de rebeldes – mas sem insinuar que estes têm personalidade distinta no direito internacional (Crawford; Olleson
2010, tradução nossa1 ).
Como já mencionado, foi a partir das experiências com os tribunais penais ad hoc que a sociedade internacional desenvolveu o que hoje é considerado como o Direito Internacional Penal, no entanto, a origem da responsabilidade penal internacional está no combate aos atos de pirataria, quando grupos conquistavam mares com navios sem bandeiras, declaradamente contra todas nações. Se contra todos as nações estavam, contra eles todas nações se voltaram.
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No séc. XIX, a pirataria passou a ser crime universal previsto por exemplo, no Código Lieber. As Convenções de Paz de Haia de 1899 e 1907, também marcaram o início da responsabilização individual envolvendo situação de guerra no ambiente internacional, a exemplo do disposto nos artigos 3º da 4º Convenção de 1907.
Com o fim da 1ª Grande Guerra, durante as tratativas para os tratados de paz, os Estados atribuíram aos países derrotados, Alemanha especialmente, o máximo de responsabilidades possíveis pelos resultados desastrosos da guerra. Aprimeira ação se deu pela criação de um tribunal, o Alto Tribunal Aliado, para julgar a responsabilidade por ato de guerra. Criaram também artigos no Tratado de Versalhes que responsabilizava o Kaiser alemão, bem como estabelecia o tribunal e os Estados que os comporiam para julgar Guilherme II de Hohenzollern. Ocorre que o Kaiser recebeu asilo nos países baixos, lá permanecendo, tornando sem sucesso a investida de responsabilização (Dal Ri Jr; Zen 2016).
Quando a Turquia promoveu o genocídio Armênio entre 1915 e 1923 (Mets Yegherrn), o Tratado de Sévirs foi ratificado declarando a competência dos aliados para julgar os envolvidos dos atos genocidas. O governo britânico pressionou para instauração do Tribunal de Malta.
Durante a elaboração do Estatuto da Corte Permanente de Justiça Internacional, os juristas que compunham a Comissão receberam demanda para a constituição de uma Corte Penal Internacional, paralelo à Corte Permanente.
A ideia foi bem recebida, mas a sugestão dos juristas era de que se deveria deixar casos penais por conta das Cortes internas e que, internacionalmente, ao invés da criação de uma Corte Criminal, poderia se instituir uma câmara criminal dentro da própria Corte Permanente de Justiça Internacional, tendo sido essa ideia rejeitada pela Assembleia Geral da própria Liga das Nações. Essa posição da Liga das Nações suscitou um debate entre os juristas internacionalistas da
época. Esses passaram a apontar o surgimento do Direito Internacional Penal como a nova tendência do DI na época (Dal Ri Jr; Zen, 2016). Percebeu-se que os Estados, cada vez mais alinhados em uma comunidade internacional, precisavam tomar para si a competência para julgar os atos de agentes e outros indivíduos que comprometesse tal ordem internacional para a paz que estavam estabelecendo, visto que os Estados lesados pela agressão por vezes se encontravam em reconstrução ou qualquer outra situação de fraqueza que os impedia de punir os indivíduos responsáveis pela desordem.
É sob tais argumentos que se forma o estudo do Direito Internacional Penal e que, por sua vez, se concretiza na prática, com a criação dos tribunais de Nuremberg e Tóquio.
O Direito Internacional Penal é marcado por características peculiar em relação do direito penal constituído internamente. Aprimeira característica é a Joint Criminal Enteprise, que garante a
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responsabilidade múltipla quando o ato é fruto de uma articulação conjunta entre os agentes envolvidos, isto é, todos os agentes e organizações serão responsabilizados pelo ato de arquitetado em conjunto. A segunda característica marcante é a garantia de responsabilização de todos os agentes, independente do cargo ser de caráter oficial, isto é, o agente que cometer o crime será responsabilizado independente do cargo que ocupe no governo do Estado. Esta perspectiva surge a partir dos tribunais ad hoc estabelecidos no pós-guerra, em especial, nos tribunais de Nuremberg e Tóquio (Dal Ri Jr; Zen 2016).
Ainda, outra característica do Direito Internacional Penal é a aplicação flexível do princípio nullum crimen, nulla poena sine lege, afirmando que é necessário que o agente compreenda que aquilo é um delito, porém não implica que, para tanto, seja necessária tipificação formal pré-estabelecida (Dal Ri Jr; Zen 2016). Tal flexibilização era necessária para legitimar a atuação dos tribunais ad hoc criados para julgar os crimes da Segunda Grande Guerra, dos quais não seria possível extrair tipificação.
Dal Ri Jr. e Zen apontam que no Procès des Grands Criminels de Guerre, nome dado ao documento que contém as decisões do Tribunal de Nuremberg, está estabelecido que “as obrigações internacionais que se impõem aos indivíduos transcendem os deveres deles de obediência para com o Estado do qual são cidadãos”(Dal Ri Jr; Zen 2016: 11).
Diante dessas decisões, é possível concluir que os movimentos pós Segunda Grande Guerra para consolidação de um Direito Internacional Penal foram intensos. Segundo Dal Ri Jr. e Zen, juristas, como Donnédieu de Vabres, que até então não reconhecia a possibilidade de um Direito Internacional Penal, mas tão somente um Direito Penal Internacional a ser tratado nas cortes internas, passam a perceber a importância de um sistema internacional que responsabilize os indivíduos, penalmente, independentemente e soberanamente em relação aos Estados, para que o poder de repressão dos agentes que controlam os Estados, permaneça nas mãos deles mesmos (Dal Ri Jr; Zen 2016).
Assim, a idealização dos primeiros tribunais ad hoc não foi uma medida imediatista, mas sim uma construção dos Estados, após algumas conferências, como as de Moscou e Teerã em 1943 e as realizadas em Yalta e Potsdam, em 1945. Tais conferências forma realizadas pelas grandes potências aliadas na segunda guerra, quais sejam, EUA, URSS e Grã-Bretanha e posteriormente a França, que se juntou ao grupo dos Aliados.
Mesmo com as críticas perpetradas2, a sociedade internacional não deixou de constituir os referidos tribunais sempre que julgou necessário. Com isso, após a formação do Tribunal de Nuremberg e de Tóquio, que marcaram a história dos tribunais ad hoc, foram instituídos também os
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tribunais da ex-Iugoslávia e de Ruanda consagrando a era dos tribunais ad hoc no direito internacional.
Destarte, os tribunais ad hoc, após atingirem sua finalidade de julgar crimes provenientes das guerras passadas, foram extintos. No entanto, não deixaram de contribuir imensamente para construção da justiça penal internacional, tornando as experiências neles vividas. grandes influências para a futura concepção do Tribunal Penal Internacional (TPI).
Nesse sentido, os tribunais ad hoc foram sendo criados até 1992, quando a Assembleia Geral das Nações Unidas, por meio da Resolução 47/33, solicitou à Comissão de Direito Internacional a elaboração de um Estatuto para a criação de um Tribunal Penal Internacional de caráter permanente.
As discussões estenderam até 1998 quando finalmente foi possível a realização das articulações necessárias, para o fechamento do draft através de grupos de trabalho, como o Like Minded Group, e de reuniões informais lideradas em sua maioria pelo canadense Philipe Kinsch, que viria a ser o primeiro presidente do Tribunal Penal Internacional.
Importante frisar que durante as negociações alguns pontos foram mais controversos como: i) os aspectos da jurisdição; ii) o mecanismo de ação da corte (se por iniciativa do promotor ou por deliberação exclusiva do Conselho de Segurança); iii) o papel do Conselho de Segurança; iv) o crime de agressão (tão controverso que só foi finalizado na Resolução de 2010); v) a tipificação do crime de gravidez forçada 3
Finalmente, em 18 de julho de 1998, as negociações foram finalizadas. O draft ficou disponibilizado para assinatura até 31 de dezembro de 2000 e, assim, concluído. Em abril de 2002, o Estatuto atingiu o número previsto de ratificações, entrando em vigor no mês de julho do mesmo ano. Nesse momento, restava consolidado juridicamente o Estatuto que criara uma Corte de caráter permanente, atuando de forma independente, apenas complementando as jurisdições dos Estados4 .
O Estatuto de Roma se tornou, então, a base legal definitiva do Direito Internacional Penal5. O objetivo principal para a criação do Tribunal Penal Internacional era julgar e punir os indivíduos que praticaram crimes contra a humanidade que violavam de forma violenta o Direito Internacional Humanitário. Para a realização de seu objetivo principal, o Tribunal Penal Internacional possui um rol de competências subdividido em: competência material, pessoal, temporal e territorial.
Assim, os crimes de sua competência já estão tipificados no Estatuto de Roma, e nada mais há que se falar em relação à retroatividade da lei, já que sua competência material inicia-se com a ratificação do Estatuto de Roma.
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Nesse sentido, é necessário esclarecer que o Tribunal Penal Internacional possui competência material para o julgamento dos crimes de genocídio, crimes contra a humanidade, crimes de guerra e crimes de agressão, conforme o artigo 5º do Estatuto de Roma, que assim dispõe:
Artigo 5º. 1. A competência do Tribunal restringir-se-á aos crimes mais graves, que afetam a comunidade internacional no seu conjunto. Nos termos do presente Estatuto, o Tribunal terá competência para julgar os seguintes crimes:
a) O crime de genocídio;
b) Crimes contra a humanidade;
c) Crimes de guerra;
d) O crime de agressão (TPI 2002).
No mesmo plano, a competência pessoal do TPI, ou seja, a rationae personae é em relação às pessoas físicas que atuam em conjunto com os Estados ou em separado. Assim, as pessoas jurídicas que atuam no auxílio à pessoa física não podem ser julgadas pelo TPI, por não fazerem parte de sua jurisdição. Esse assunto deu origem a diversas críticas na sociedade internacional, e segundo William Schabas, foi criada uma proposta pela França, para a inserção das pessoas jurídicas na competência de julgamento do TPI, contudo não foi aceita sob o argumento de que diversos Estados não admitem em seu ordenamento jurídico a responsabilização de pessoas jurídicas (Lamounier 2011).
Outro ponto importante são os casos dos menores de 18 anos. O TPI não trata esses casos como inimputabilidade, conforme o Direito Penal Brasileiro, mas sim, uma exclusão de jurisdição. Assim, se um menor de 18 anos praticar um dos crimes previstos no artigo 5º do Estatuto, o TPI não será capaz de julgá-lo e puni-lo, por não fazer parte de sua jurisdição.
Por derradeiro, o Estatuto será aplicado a todos os indivíduos sem distinção de cargo ou qualidade de oficial, como forma de erradicação dos crimes contra a humanidade que violam de forma cruel o Direito Internacional Humanitário.
No que diz respeito à competência, necessário é também esclarecer as competências temporal e territorial. A competência temporal define que o TPI será competente para o julgamento dos crimes que tenham sido praticados após a entrada em vigor de seu Estatuto, isto é, a partir de 1º de julho de 2002, quando 60 Estados ratificaram o Estatuto e passaram a fazer parte do sistema penal internacional que ali nascia (Lamounier 2011).
No mesmo plano, em relação à competência territorial, o TPI exerce sua jurisdição em relação aos crimes praticados no território dos Estados-membros. Observa-se, contudo, que se o crime for cometido fora do território de alcance jurisdicional do TPI, mas for praticado por um nacional de Estado-membro, o TPI continua a ter jurisdição sobre este fato criminoso.
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Existe, ainda, uma exceção quanto à atuação do TPI que ocorrerá nos casos em que o próprio Conselho de Segurança da ONU invocar essa jurisdição, vez em que a análise do crime pelo TPI dependerá de remessa do caso pelo Conselho (Lamounier 2011).
2. A“REPRESENTATIVIDADE” NO TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL
A questão da representatividade como algo a garantir minimamente a proteção das mulheres no sistema internacional faz parte da discussão no Tribunal Penal Internacional desde sua origem.
Quando dos trabalhos para elaboração do Estatuto, por exemplo, os possíveis Estados membros contaram com a participação especial de alguns coletivos de mulheres, tendo o Women’s Caucus for Gender Justice como principal grupo atuante que propulsiona toda a discussão no referido tribunal.
Assim que a comunidade internacional finalmente iniciou a elaboração do Estatuto de Roma, que iria estabelecer o TPI, um grupo de atores internacionais feministas jurídicas criou o Women’s Caucus for Gender Justice em meados da década de 1990 para contribuir para o design do Estatuto. Cautelosos em seu engajamento e conscientes da capacidade limitada da lei para efetuar a mudança, sua influência sobre a evolução do Estatuto foi, no entanto, evidente no acordo global dos Estados na Conferência de Roma 1998 para prover o TPI com o mais avançado mandato de Justiça de gênero de qualquer instituição de justiça internacional (Chappell; Durbach 2014: 534, tradução nossa6).
Em 1998, os Estados conseguiram chegar um consenso para tratar das questões de gênero no Tribunal. No entanto, as discussões não foram amenas e partiram desde a problematização sobre o que significaria “gênero” até a questão dos direitos relativos às questões de gênero, como será abordado na sequência.
Em 1998, ninguém podia alegar ignorância do avanço que havia representado a luta das mulheres por alcançar o reconhecimento de como a construção social dos papéis de ambos os sexos (sic) no patriarcado discrimina e exclui as mulheres. Por isso em Roma não se claudicou. Porém, finalmente, houve que se contemporizar com os intransigentes (países árabes e seus aluados do Vaticano) para os quais a simples menção do termo “gênero” levantava fantasmas de liberdade na orientação sexual das pessoas (Odio-Benito 2016: 78)
Assim, antes de adentrar na questão da representatidade propriamente, cabe ressaltar as duras críticas que sofreu o texto final do Estatuto ao estabelecer o significado do termo “gênero” no artigo 7º.3: “Para efeitos do presente Estatuto, entende-se que o termo "gênero" abrange os sexos masculino e feminino, dentro do contexto da sociedade, não lhe devendo ser atribuído qualquer outro significado”(TPI 2002).
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Por óbvio, como se pode deduzir pela leitura do artigo mencionado, a redação final teve o intuito de atender os países conservadores, deixando de lado qualquer possibilidade de se criar um avanço na proteção das questões de gênero.
Mesmo depois dos embates quanto ao uso da expressão “gênero”, para definir a parte do Estatuto relacionada ao mandato, não foi muito fácil, pois as inúmeras discussões entre lideranças família, feministas, Estados liberais e conservadores permaneceram.
Assim, no tocante à representatividade nos mandatos do TPI, em setembro de 2002, depois de muito debate da Assembleia de Estados-Membros, foi possível instituir uma regra com critério de votação para que se conseguisse chegar a um número mínimo relativo a indicação de candidatos para o cargo de juiz no TPI.
O critério está estabelecido, inicialmente, no Estatuto de Roma, no artigo 36.8, a), iii, que exige que se tenha consideração por uma igualdade de gênero na hora de selecionar os juízes, porém sendo necessário observar que os juízes terão que apresentar experiência com violência sexual de gênero e de crianças, conforme disposição do artigo 36.8, b).
Artigo 36
Qualificações, Candidatura e Eleição dos Juízes
1. Sob reserva do disposto no parágrafo 2o, o Tribunal será composto por 18 juízes .
8. a) Na seleção dos juízes, os Estados Partes ponderarão sobre a necessidade de assegurar que a composição do Tribunal inclua:
i) Arepresentação dos principais sistemas jurídicos do mundo;
ii) Uma representação geográfica eqüitativa; e
iii) Uma representação justa de juízes do sexo feminino e do sexo masculino ;
b) Os Estados Partes levarão igualmente em consideração a necessidade de assegurar a presença de juízes especializados em determinadas matérias incluindo, entre outras, a violência contra mulheres ou crianças (TPI 2002, grifos nossos).
Os Estados partes devem, então, indicar uma quantidade aproximada de homens e mulheres e, ainda, considerar os candidatos por região geográfica mundial. Dentre os indicados também deve constar 9 candidatos com experiência em Direito Penal e Processo Penal, bem como 5 candidatos que demonstrarem experiência em Direito Internacional, em especial Direitos Humanos e Humanitário. Ainda, a cada 3 anos se renovam os juízes, escolhendo 6 novos juízes dentre os indicados. Ao final de todo o processo, esse critério não garantirá que as mulheres terão um número mínimo de assentos, apenas que serão indicadas e que deverão ser consideradas na hora da escolha. Em 2015, o TPI foi o primeiro Tribunal Internacional que apresentou todos os seus cargos
de lideranças ocupados por mulheres. Nesse ano, tanto a promotora quanto a presidenta e a vice- presidenta eram mulheres, bem como outros cargos de grande responsabilidade.
Importante ainda ressaltar a atuação da Procuradora do TPI, Fatou Bom Bensouda, eleita em 2011, tendo o mandato iniciado em 2012 e com prazo final em 2021.
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Hilary Charlesworth (2010) sugere, no quesito criação de normas, que apenas representatividade não basta. A jurista australiana argumenta que as experiências das mulheres são ignoradas na construção da norma internacional.
O sexo [gênero] do elaborador de um princípio não necessariamente determina o alcance ou significado do conceito, embora possa afetar a maneira que é apresentada. Mas pelo menos marca que as realidades da vida das mulheres não contribuem de qualquer forma significativa na formação de princípios internacionais (...) na representação dos interesses das mulheres por homens é improvável que seja adequada. O desequilíbrio na representação dos homens nas estruturas de tomada de decisões a nível internacional permite que as experiências de vida masculina sejam vistas como regra geral, ao invés de algo específico, uma categoria [apenas] (Charlesworth 2010: 234, tradução nossa7 ).
A representatividade no TPI, ou em qualquer tribunal, não garantirá um avanço revolucionário, pois a simples composição com base nas questões biológicas não mexe na estrutura normativa, nem garante que tais sujeitos serão capazes de atuar de maneira diferenciada. No entanto, o olhar diferenciado produzido por pessoas diferentes pode ser o primeiro e importante passo para que a construção ideológica de uma Corte seja igualmente diferenciada, o que a predispõe para mudanças significativas.
3. GRAVIDEZ FORÇADA
Para além da questão da representatividade, o Estatuto de Roma também apresenta alguns pequenos avanços, porém importantes, no que diz respeito à construção de normas que reconhecem situações que envolvam violência sexual contra as mulheres como questões relevantes para a humanidade8 .
Conforme explicado anteriormente, as reuniões de criação dos esboços do Estatuto do Tribunal Penal Internacional contaram com a participação das ONG's e movimentos de mulheres que se tornaram o marco inicial da mudança de percepção das questões de gênero nos tribunais internacionais. Cabe ressaltar, novamente, a atuação da Women’s Caucus for Gender Justice, que trabalhando em conjunto com os demais movimentos, contribuiu de forma decisiva para suprir as lacunas das questões de gênero, presentes no esboço do Estatuto criado pela Comissão de Direito Internacional (Odio-Benito 2016).
Como fonte histórico-material, as guerras de consecução internacional, em especial a Segunda Grande Guerra, bem como (e principalmente) as guerras da Ex-Iugoslávia e de Ruanda9 , formaram um cenário cruel de violações sexuais contra as mulheres, que marcou a sociedade internacional, dando razão às exigências feministas ao longo da criação do Estatuto.
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A experiência de centenas de mulheres mulçumanas na Bósnia-Herzegovina, que foram estupradas repetidamente por soldados sérvios até engravidarem e mantidas em cativeiro para que dessem à luz crianças sérvias, demonstrou até onde chega a maldade da violência sexual que pode ser cometida contra as mulheres em afã de usá-las como armas de guerra e extermínio contra grupos inimigos.
E essa experiência foi a que, na jurisprudência do TPIY, deu origem a esse crime de “gravidez forçada” com todos os elementos corretos (Odio-Benito 2016: 76).
A 4º Convenção de Genebra também serviu de precedente para a construção do crime de gravidez forçada no TPI. Aproteção contra atentados à honra e a dignidade da mulher está disposto em seu artigo 27, in verbis :
Artigo 27. As pessoas protegidas têm direito, em todas as circunstâncias, ao respeito da sua pessoa, da sua honra, dos seus direitos de família, das suas convicções e práticas religiosas, dos seus hábitos e costumes. Serão tratadas, sempre, com humanidade e protegidas especialmente contra todos os atos de violência ou de intimidação, contra os insultos e a curiosidade pública.
As mulheres serão especialmente protegidas contra qualquer ataque à sua honra, e particularmente contra violação, prostituição forçadas ou qualquer forma de atentado ao seu pudor.
Sem prejuízo das disposições relativas ao seu estado de saúde, idade e sexo, todas as pessoas protegidas serão tratadas pela Parte no conflito em poder de quem se encontrem com a mesma consideração, sem qualquer distinção desfavorável, especialmente de raça, religião ou opiniões políticas.
Contudo, as Partes no conflito poderão tomar, a respeito das pessoas protegidas, as medidas de fiscalização ou de segurança que sejam necessárias devido à guerra (ONU 1950).
O instituto estabeleceu proteção apenas à dignidade e honra da mulher. E nesse contexto, a liberdade sexual e de autodeterminação da mulher foram deixados de lado.
Nesse sentido, dentre todas as exigências das organizações feministas, pode-se afirmar a grande preocupação desses grupos com a necessidade de criação de um tipo penal que punisse os autores de agressões sexuais das mais diversas formas, baseado nas situações ocorridas nas guerras que precederam o TPI.
Ademais, mesmo com tanto trabalho a fim de efetivar a proteção internacional aos direitos sexuais da mulher e com tão pouco resultado, visto as inúmeras restrições que a própria condição de crimes contra a humanidade já impõe, toda a conquista foi questionada por alguns Estados- membros, incluindo o Brasil e o Vaticano10 .
Assim, pode-se dizer que ao longo da Conferência de elaboração do Estatuto de Roma ocorreram algumas discussões e muitas divergências sobre a possibilidade de se incluir o crime de gravidez forçada no Estatuto de Roma como tipificação de crime contra a humanidade.
Três tensas e intensas semanas durou essa discussão, que chegou inclusive a paralisar o cronograma da Conferência, até que finalmente se estabeleceram pontes que permiritam construir um consenso. Em uma reunião informal convocada especialmente para esse fim se acordou que o crime de “gravidez forçada” (forced pregnancy) sob o Direito Internacional Humanitário não poderia interferir com as leis nacionais relativas ao aborto. Também houve
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acordo preliminar sobre os elementos que deveriam ser incluídos na definição do crime. Mas aqui, as discussões seguiram tensas entre os grupos acerca dos elementos da definição do crime aparecesse uma intenção ante o tipo de crime que se queria punir internacionalmente. Finalmente, na décima primeira hora, a hora final da Conferência, com o relógio parado, se acordou o texto que figura no artigo 7º, §2º, alínea f, do Estatuto (Odio- Benito 2016: 77).
Os Estados e demais atores internacionais que defendiam a inclusão do referido crime baseavam seu posicionamento na necessidade de punição dos responsáveis pelas graves violações aos direitos da mulher, isto é, violação à dignidade das mulheres usadas para ataques de ódio.
Já os membros do processo de elaboração do Estatuto que eram contra a consolidação do crime de gravidez forçada, como o Vaticano, os países árabes e demais Estados com forte influência católica (o Brasil, inclusive), defenderam a necessidade de substituição do termo crime de “gravidez forçada” (forced pregnancy) por “fecundação forçada” (forcible impregnation ).
Os motivos que levaram o Vaticano e demais Estados-membros a tal o posicionamento estavam ligados à preocupação com a possibilidade de se criar uma obrigação para que cada Estado-Parte garantisse os meios necessários para a realização do processo abortivo, no caso de reconhecido crime de gravidez forçada.
Talvez a parte mais intrigante do tratamento da gravidez forçada pelo TPI é que a definição "não será de forma alguma interpretada como afetando as leis nacionais relacionadas à gravidez.". Esta língua foi adicionada ao artigo 7.2 (f) sobre a insistência do Vaticano e os Estados opostos ao aborto. Estas delegações para a conferência preparatória estavam preocupadas que a gravidez forçada seria "usada para suplantar leis anti aborto e pôr em perigo os hospitais católicos que se recusaram a realizar abortos." Esta linguagem assegura
que o TPI não irá reconhecer um direito geral ao aborto (Markovic 2017, tradução nossa 11 ).
Enquanto instituição eclesiástica, a Igreja Católica demonstra claramente os motivos do posicionamento do Vaticano contra a possibilidade de reparação dos danos da vítima através da interrupção da gravidez.
A Igreja Católica, claramente contrária à prática do aborto, apresentando tal posicionamento, veda da possibilidade de escolha e autodeterminação da mulher, influenciando os demais Estados-membros negativamente nas tentativas de avanço dos direitos das mulheres. Segundo os representantes internacionais da instituição eclesiástica, o procedimento abortivo é uma forma de matar um ser humano que acaba de ser concebido, pois o feto, desde o momento da concepção, já poderia ser considerado uma vida e nenhuma vida poderá ser violada, nem mesmo pelos Estados, conforme dita o art. 71 do Evangelho Vitae (Evangelho da Vida).
Para bem do futuro da sociedade e do progresso de uma sã democracia, urge, pois, redescobrir a existência de valores humanos e morais essenciais e congénitos, que derivam da própria verdade do ser humano, e exprimem e tutelam a dignidade da pessoa: valores
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que nenhum indivíduo, nenhuma maioria e nenhum Estado poderá jamais criar, modificar ou destruir, mas apenas os deverá reconhecer, respeitar e promover.
[...] Por isso mesmo, a lei civil deve assegurar a todos os membros da sociedade o respeito de alguns direitos fundamentais, que pertencem por natureza à pessoa e que qualquer lei positiva tem de reconhecer e garantir. Primeiro e fundamental entre eles é o inviolável direito à vida de todo o ser humano inocente. Se a autoridade pública pode, às vezes, renunciar a reprimir algo que, se proibido, provocaria um dano maior, ela não poderá nunca aceitar como direito dos indivíduos — ainda que estes sejam a maioria dos membros da sociedade —, a ofensa infligida a outras pessoas através do menosprezo de um direito tão fundamental como o da vida. A tolerância legal do aborto ou da eutanásia não pode, de modo algum, fazer apelo ao respeito pela consciência dos outros, precisamente porque a sociedade tem o direito e o dever de se defender contra os abusos que se possam verificar em nome da consciência e com o pretexto da liberdade (João Paulo II 2017, grifos nossos).
Fato é que a Igreja defende a proteção à vida, independentemente das circunstâncias em que a gravidez ocorreu, por entender que a mulher é sujeita capaz de se proteger de possíveis ataques ou violações.
Cumpre destacar que com as novas perspectivas da Igreja Católica, ocorrem algumas mudanças importantes para as mulheres, em que pese a manutenção do entendimento de proibição do aborto. O posicionamento atual da Igreja, pelas das declarações do Papa Francisco, se inclina para o dever de perdão às mulheres que praticaram o aborto. Em sua carta apostólica, o novo Papa aduz que todos os padres deveriam ter o direito de dar o perdão, já que, antigamente, somente os Bispos dispunham desse direito. Destacou, ainda, que o perdão e a misericórdia possuem grande valor social e que contribuem para devolver a milhares de pessoas sua dignidade. Para ele, o perdão é extensível tanto às mulheres que praticam o auto aborto quanto aos médicos que realizam o procedimento12 .
Quanto ao atual posicionamento do Estado brasileiro em relação a prática do aborto também é possível notar uma positiva mudança ainda mais intensa que a do Vaticano, porém ainda tímida para as mulheres.
Nesse sentido, o STF já se posicionou a favor da descriminalização do aborto nos três primeiros meses de gestação, devendo ser considerado tal ato como uma interrupção da gravidez. Em julgamento ao Habeas Corpus 124306, em 29 de novembro de 2016, a Primeira Turma
do Supremo Tribunal Federal, com o voto do Ministro Luís Roberto Barroso, declarou que a criminalização da interrupção voluntária da gravidez efetivada dentro do prazo dos três primeiros meses viola os direitos fundamentais da mulher e o princípio da proporcionalidade.
1. O habeas corpus não é cabível na hipótese. Todavia, é o caso de concessão da ordem de ofício, para o fim de desconstituir a prisão preventiva, com base em duas ordens de fundamentos.
2. Em primeiro lugar, não estão presentes os requisitos que legitimam a prisão cautelar, a saber: risco para a ordem pública, a ordem econômica, a instrução criminal ou a aplicação
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da lei penal (CPP, art. 312). Os acusados são primários e com bons antecedentes, têm trabalho e residência fixa, têm comparecido aos atos de instrução e cumprirão pena em regime aberto, na hipótese de condenação.
3. Em segundo lugar, é preciso conferir interpretação conforme a Constituição aos próprios arts. 124 a 126 do Código Penal –que tipificam o crime de aborto –para excluir do seu âmbito de incidência a interrupção voluntária da gestação efetivada no primeiro trimestre. A criminalização, nessa hipótese, viola diversos direitos fundamentais da mulher, bem como o princípio da proporcionalidade.
4. A criminalização é incompatível com os seguintes direitos fundamentais: os direitos sexuais e reprodutivos da mulher, que não pode ser obrigada pelo Estado a manter uma gestação indesejada; a autonomia da mulher, que deve conservar o direito de fazer suas escolhas existenciais; a integridade física e psíquica da gestante, que é quem sofre, no seu corpo e no seu psiquismo, os efeitos da gravidez; e a igualdade da mulher, já que homens não engravidam e, portanto, a equiparação plena de gênero depende de se respeitar a vontade da mulher nessa matéria.
5. A tudo isto se acrescenta o impacto da criminalização sobre as mulheres pobres. É que o tratamento como crime, dado pela lei penal brasileira, impede que estas mulheres, que não têm acesso a médicos e clínicas privadas, recorram ao sistema público de saúde para se submeterem aos procedimentos cabíveis. Como consequência, multiplicam-se os casos de automutilação, lesões graves e óbitos.
6. A tipificação penal viola, também, o princípio da proporcionalidade por motivos que se cumulam: (i) ela constitui medida de duvidosa adequação para proteger o bem jurídico que pretende tutelar (vida do nascituro), por não produzir impacto relevante sobre o número de abortos praticados no país, apenas impedindo que sejam feitos de modo seguro; (ii) é possível que o Estado evite a ocorrência de abortos por meios mais eficazes e menos lesivos do que a criminalização, tais como educação sexual, distribuição de contraceptivos e amparo à mulher que deseja ter o filho, mas se encontra em condições adversas; (iii) a medida é desproporcional em sentido estrito, por gerar custos sociais (problemas de saúde pública e mortes) superiores aos seus benefícios.
7. Anote-se, por derradeiro, que praticamente nenhum país democrático e desenvolvido do mundo trata a interrupção da gestação durante o primeiro trimestre como crime, aí incluídos Estados Unidos, Alemanha, Reino Unido, Canadá, França, Itália, Espanha, Portugal, Holanda e Austrália.
8. Deferimento da ordem de ofício, para afastar a prisão preventiva dos pacientes, estendendo-se a decisão aos corréus (STF 2016, grifos nossos).
.
O Ministro enfatizou, em seu voto, o fato de que a criminalização do aborto na verdade acarreta maiores danos à vida da mulher. Aquelas que não desejam prosseguir com a gravidez e que por muitas vezes não possuem condições financeiras de realizar o procedimento abortivo em clínicas seguras acabam fazendo em clínicas clandestinas e por diversas vezes carregam consigo, graves sequelas e às vezes até a morte. Cumpre anotar, ainda, que Barroso, também fez menção em seu voto, aos diversos países desenvolvidos, que não criminalizam o aborto.
Tal como a Suprema Corte dos EUA declarou no caso Roe v. Wade, o interesse do Estado na proteção da vida pré-natal não supera o direito fundamental de a mulher realizar um aborto 31.No mesmo sentido, a decisão da Corte Suprema de Justiça do Canadá, que declarou a inconstitucionalidade de artigo do Código Penal que criminalizava o aborto no país, por violação à proporcionalidade 32. De acordo com a Corte canadense, ao impedir que a mulher tome a decisão de interromper a gravidez em todas as suas etapas, o Legislativo teria falhado em estabelecer um standard capaz de equilibrar, de forma justa, os interesses do feto e os direitos da mulher. Anote-se, por derradeiro, que praticamente nenhum país democrático e desenvolvido do mundo trata a interrupção da gestação durante
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a fase inicial da gestação como crime, aí incluídos Estados Unidos, Alemanha, Reino Unido, Canadá, França, Itália, Espanha, Portugal, Holanda e Austrália (STF, 2016).
A referida decisão abarca apenas o caso específico supracitado. Contudo, poderá servir de jurisprudência para diversos casos futuros que por ventura envolverem a vontade da mulher de interromper a gravidez até as 12 primeiras semanas de gestação. Nesse sentido, pode-se considerar que atualmente o Brasil também estaria, certamente, em uma posição menos arbitrária do que esteve na época da Conferência para elaboração do Estatuto de Roma.
É logicamente compreensível o receio dos Estados que criminalizam o aborto, quanto ao crime de gravidez forçada, em um primeiro momento. O uso arbitrário do poder do Estado em criminalizar o aborto, cerceando os direitos da mulher de se autodeterminar, poderia se enquadrar em uma espécie de gravidez forçada, porém fora do alcance do TPI, visto que para a tipificação do crime no tribunal internacional é preciso estar atento ao fato de ser a gravidez forçada uma decorrência de um crime contra a humanidade.
Nesse sentido, cabe ressaltar que, mesmo com a luta travada para a manutenção do crime de gravidez forçada, o avanço do reconhecimento das violências sexuais como violação de direitos das mulheres foi mínimo ou quase inexistente, pois ao serem caracterizadas como uma das espécies de crimes contra a humanidade, colacionadas no Estatuto de Roma, artigo 7º13, pouco alcance terá o tipo penal, além de se apresentar como um bem jurídico de um grupo e não das mulheres em si. Para melhor compreensão do enfraquecimento do tipo penal ao ser colocado como crime
contra a humanidade, cabe explicar o funcionamento da caracterização do referido tipo, também chamado de crimes lesa-humanidade.
Os crimes contra a humanidade possuem elementos específicos de caracterização, sendo então considerados apenas quando a conduta for cometida no quadro de um ataque, sistematizado ou não, dirigida contra uma população civil, e quando o agente possuir conhecimento da ilicitude da conduta. Nesse sentido, a conquista feminista está restrita às situações de guerra ou de grandes conflitos reconhecidos internacionalmente.
Ainda em relação ao conceito de crimes contra a humanidade, é importante notar que desde o Tribunal Militar Internacional de Nuremberg, até o advento do Tribunal Penal Internacional, diversas mudanças ocorreram, principalmente em decorrência das interpretações jurisprudenciais. Nesse sentido, alguns ajustes foram sendo criados até a configuração que se tem hoje no Estatuto de Roma (Gil 2016).
É o caso do sujeito passivo do crime contra a humanidade, que será, inicialmente, o indivíduo portador do direito lesionado pelo ato. No entanto, atualmente, a doutrina majoritária passa a entender que este delito atinge não só o indivíduo, mas também a sociedade como um todo,
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tratando-se de uma ameaça à paz internacional, pela violação de um valor supremo, isto é, um bem jurídico da essência do indivíduo (Gil 2016).
Dentro dessa concepção de crimes contra a humanidade, a gravidez forçada será, então, o ato de confinamento forçado de uma mulher, com o intuito de fazê-la manter uma gestação, fruto de um estupro, para dar vida a um indivíduo com modificação da estrutura étnica. Por óbvio, nesse sentido, o sujeito ativo deverá ser de etnia diferente à da vítima.
A expressão “pela força” (forcibily) deve ser interpretada no sentido de gravidez causada por um ato sexual não consentido, em coerência com a definição de estupro do Estatuto de Roma, que admite outras hipóteses de falta de consentimentos distintos da aplicação da força física para vencer a resistência da vítima. A conduta exige, portanto, primeiro um delito contra a liberdade sexual do qual derive uma gravidez, e o posterior confinamento da grávida para que prossiga a gravidez com o objetivo de modificar a composição étnica, ao ser o sujeito ativo da agressão sexual de etnia diferente à da vítima (...) (Gil 2016: 186).
Em outras palavras, visto os ocorridos em Ruanda e Iugoslávia, os Estados se preocuparam, na criação do TPI, em estabelecer o detalhamento do crime de gravidez forçada como um dos tipos possíveis para a caracterização do crime contra a humanidade. Contudo, o crime foi constituído diante de uma perspectiva da preocupação da dominação entre os grupos, sobre um discurso de proteção da mulher. Nesse sentido, há de se posicionar criticamente em relação à parte final da alínea “f” do segundo parágrafo do artigo 7º, que trará a descrição específica de gravidez forçada, qual seja:
Artigo 7º. 2. f) Por "gravidez à força" entende-se a privação ilegal de liberdade de uma mulher que foi engravidada à força, com o propósito de alterar a composição étnica de uma população ou de cometer outras violações graves do direito internacional. Esta definição não pode, de modo algum, ser interpretada como afetando as disposições de direito interno relativas à gravidez (TPI 2002, grifos nossos) .
A tipificação penal apresentada no trecho final trata da dignidade do grupo social e da prevalência do princípio da soberania, delimitando a configuração do crime apenas para as situações de guerra e quando tiver o propósito de alterar a etnia.
Neste caso, o ato de submeter uma mulher ao grupo rival, é um ato que importa por questionar o poder do grupo de origem da mulher, tendo nesse caso a mulher como objeto ou ainda como capital simbólico a ser protegido pelo Direito Internacional. Em outras palavras, a tipificação, da forma como está redigida, apresenta uma preocupação de proteção da mulher, enquanto objeto a ser disputado em uma guerra, por grupos rivais.
O crime de gravidez forçada como crime decorrente de guerra, sem se valer da problematização acerca dos direitos da mulher, deixa claro a diferença existente entre violar os
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direitos de uma mulher e agredir a um determinado grupo a partir do ataque a uma mulher que pertence (como objeto) a esse grupo.
Acaso houvesse algum interesse em proteção da dignidade da mulher enquanto ser independente de um grupo, a gravidez forçada não se tipificaria apenas pela condição “de guerra”, mas pela conduta de qualquer sujeito que força a mulher a dar continuidade a uma gravidez indesejada.
Nesse sentido, qualquer forma de impedir que a mulher decida sobre seu corpo, suas escolhas e seu futuro, significa a violação do seu direito à autodeterminação, logo, impedir que a mulher faça essas escolhas é uma forma de praticar a gravidez forçada.
Cabe ressaltar que a gravidez forçada não ocorre somente em decorrência do estupro, conforme já reconhecido nas normas internacionais. Dessa forma, firma-se aqui entendimento que, ainda que não haja tipificação, há gravidez forçada não apenas no âmbito da guerra, mas também pela ação do Estado em, dentro outras práticas, criminalizar o aborto.
Aimposição arbitrária do Estado em criminalizar o aborto também é uma forma de forçar a gravidez, que por diversas vezes não é desejada pela mulher. A atuação do Vaticano totalmente contra o aborto, também não deixa de ser uma forma de vetar essa possibilidade de escolha da mulher, ou de ao menos pressionar a manutenção desse status de criminalização.
Resta por evidente que o crime de gravidez forçada foi implementado de forma a convencer os países que criminalizam o aborto a ratificar o tratado, garantindo-lhes a máxima proteção contra eventuais imputações de atos criminosos contra a humanidade ao não legalizar a prática abortiva.
Portanto, faz-se mister a modificação do entendimento geral das nações sobre o tema, pois fica evidenciado o problema sociológico desencadeado com a criação de uma proteção à mulher, de forma insuficiente, visto que a tipificação do crime de gravidez forçada, tal como se apresenta no Estatuto de Roma, resulta em uma norma que promove a manutenção da força dos Estados sobre os corpos das mulheres, ao invés de considera-los como bens jurídicos a serem protegidos sob quaisquer aspectos e instâncias.
CONSIDERAÇÕES FINAIS:
Assim, resta-se evidenciado que somente descriminalizando o aborto, seria possível falar efetivamente em internacionalização da proteção dos direitos da mulher, no tocante a autonomia sobre o próprio corpo, bem como o direito ao acesso à saúde, para a realização do procedimento
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abortivo, além da liberdade em relação a com quem deseja construir uma família, ou o momento correto para dar início a uma formação familiar.
O aborto, se descriminalizado, além de respeitar os direitos de liberdade e sexuais da mulher, também diminuirá significativamente a taxa de mortalidade em razão de complicações por abortos realizados clandestinamente.
Outra questão acerca da tipificação do crime de gravidez forçada como crime contra a humanidade pode ainda ser levantada, qual seja, no quesito representatividade. Participaram da elaboração da alínea tipificadora do crime de gravidez forçada 2 (duas) mulheres, dentre os 11 (onze) delegados constituídos para tal função, restando claro que não se tratou de consagrar um tipo penal em consideração ao que as mulheres tinham para dizer sobre os fatos, mas tão somente caracterizar como crime uma percepção generalizada sobre o uso da força no corpo da mulher.
Na perspectiva da teoria feminista do direito, a assistência às mulheres vítimas de violência sexual deverá ser sempre uma obrigação estatal, independente de crime de gravidez forçada, tendo em vista o princípio da dignidade da pessoa humana.
Nesse sentido, é dever inafastável e inegável do Estado resguardar os direitos de escolha e de autodeterminação da mulher e, consequentemente, seu direito fundamental à saúde, colocada em risco quando o aborto precisa ser realizado clandestinamente, sem as devidas e corretas condições – inclusive estruturais - para sua realização.
Assim, conclui-se que somente descriminalizando o aborto, torna-se possível efetivar a internacionalização da proteção dos direitos da mulher, em tempos de guerra ou paz, garantindo ainda o direito ao acesso à saúde, para a realização do procedimento abortivo, bem como o direito à autonomia privada, a liberdade sexual, entre outros direitos das mulheres que se encontram cerceados na atual realidade da sociedade.
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TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL (TPI). 2002. Estatuto de Roma .
NOTAS:
1 No original: Since the Second World War, by contrast, real forms of individual criminal responsibility under international law have developed. (…) By contrast, so far there has been no development for corporate criminal responsibility in international law. Under the two ad hoc Statutes and the Rome Statute only individual persons may be accused. The Security Council often addresses recommendations or demands to opposition, insurgent, or rebel groups – but without implying that these have separate personality in international law.
2 Críticas a respeito da instituição de tribunais ad hoc são feitas até hoje, uma vez que, os atos cometidos não eram considerados crimes no momento de sua ocorrência e, com o advento destes tribunais, passariam a ser. Muitos consideram os tribunais ad hoc uma afronta aos princípios da não retroatividade de lei maléfica e da legalidade, gerando grande controvérsia no cenário internacional. Ainda que estes princípios, aplicados ao Direito Internacional, não tenham
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sido observados naquelas circunstâncias, a criação dos tribunais foi a única forma que a sociedade internacional encontrou de colocar tudo nos eixos e restabelecer a proteção aos Diretos Humanos (AMARAL JUNIOR, 2003).
3 Sobre este aspecto, considerando o enfoque na questão da mulher, trataremos ao longo desse trabalho.
4 Necessário esclarecer que a jurisdição do Tribunal Penal Internacional é complementar a do Estado, ou seja, sua atuação ocorrerá nos casos em que o Estado não atuar ou o fizer de forma insuficiente. Assim, a responsabilidade principal de punir os indivíduos que praticam crimes contra a humanidade é do Estado, sendo o Tribunal Internacional subsidiariamente responsável, conforme o princípio da complementariedade, anteriormente citado.
5 A responsabilidade internacional penal ficou estabelecida no artigo 25 do referido diploma legal, onde ficou determinada a conceituação da ideia de autoria e “(co)autoria mediata mediante o domínio da organização ou da empresa criminal comum” (ALONSO, 2016, p. 446), ou seja, a Joint Criminal Enteprise. Para entender melhor a ideia dessa responsabilização individual no Direito Internacional é preciso entender que, no âmbito penal, aplica-se antes de mais nada os clássicos conceito de autoria e participação aplicados no direito interno. No direito interno, todos - absolutamente todos - que de qualquer modo concorrerem para alguma prática criminosa, responderão pela pena a ela cominada, na medida da sua culpabilidade, uma vez que todos os indivíduos são sujeitos de direitos e deveres. É justamente por conta deste último mandamento constante no artigo 29, caput, do Código Penal que surge a necessidade de se estabelecer uma diferenciação entre autor e partícipe. Sujeitos estes que são os responsáveis na esfera penal. Nesse sentido, a doutrina entende que na concepção original, autor seria aquele que leva a efeito o núcleo do verbo constante em cada tipo penal previsto de forma abstrata. Ex. O sujeito que efetivamente subtrair determinada coisa alheia móvel será o autor do crime, de sorte que quem eventualmente plantar a ideia na cabeça do autor, ou instigá-lo a cometer ou auxiliá-lo materialmente, será o partícipe. Logo, autor é quem pratica efetivamente a conduta prevista abstratamente no tipo penal. Partícipe, de outro modo, é aquele que induz, instiga ou auxilia materialmente o autor do delito. Ele induzirá quando plantar a ideia do crime. Ele instiga quando ajudar a reforçar a ideia já existe. Ele auxiliará materialmente quando emprestar, p.ex., o revólver para o autor praticar o homicídio. Independentemente de quem concorrer para a prática criminosa (se autor ou partícipe), todos eles responderão pela mesma pena existente no delito, só na medida da culpabilidade, de sorte que a dosimetria penal levará em consideração o papel de cada um no crime. No entanto, é necessário dar tratamento especial a questões de Joint Criminal Enteprise, com origem nas ideias internas de “crime organizado” – quando há grande quantidade de pessoas envolvidas e quando for verificada uma grande complexidade das organizações através das quais se pratica o crime. (ALONSO, 2016).
6 No original: As the international community finally began the drafting of the Rome Statute that would establish the ICC, a group of international feminist legal actors created the Women’s Caucus for Gender Justice in the mid-1990s to contribute to the Statute’s design. Cautious in their engagement and conscious of the law’s limited capacity to effect change, their influence on the evolution of the Statute was nonetheless evident in the global agreement of states at the 1998 Rome Conference to provide the ICC with the most advanced gender justice mandate of any international justice institution.
7 No original: The sex [gender] of the architets of a principle does not necessarily determine the reach or significance of the concept, although it may affect the way that it is presented. But it at least clear that the realities of women’s lives do not contribute in any significant way of shaping of international principles (…) men’s representation of women’s interests is unlikely to be adequate. The imbalance in men’s representation in decision-making structures at the international level allows male life experiences to be seen as a general, rather than a specific, category [only]
8 Ao trabalhar os antecedentes históricos das violências sexuais contra as mulheres, Elizabeth Odio-Benito aponta que a doutrina internacionalista não diverge ao considerar que tais violências sempre estiveram presentes nos cenários de guerras. Ocorre que a autora deixa a entender que a proteção contra tais violações sempre ocorreram pensando na agressão perpetrada contra o grupo que possui mulheres violentadas. Em outras palavras, é preocupante notar que a análise (ainda que positiva) das violências contra as mulheres parte do entendimento que se viola “grupos humanos” (sic) e que se estaria atentando contra os “direitos da família” (sic), como menciona a autora (ODIO-BENITO, 2016, p. 72)
9 Em 1961 com a proclamação da independência pela população de tutis, que contavam com 15% dos povos, estes acabaram perdendo o poder hegemônico que possuíam, e começaram a ser perseguidos pelos hutus. Esse conflito terminou com diversos hutus mortos e outros refugiados para países vizinhos. (AMARAL JUNIOR, 2003). Nesse sentido, as atrocidades vinham ocorrendo no território de Ruanda durante o longo período da guerra civil. Os conflitos ocorreram de forma cruel, atingindo principalmente as mulheres que sofreram com estupros em série, tiveram cabeças decepadas, e ao final, diversos corpos jogados no rio Kagera, porém o ápice de guerra se deu com o ataque que resultou na morte do Presidente de Ruanda à época, Juvenal Habyarimana, e Ceyprien Ntaryamira, também Presidente do
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Burundi. (LAMOUNIER 2011). O Conselho de Segurança da ONU, em 22 de junho de 1994, adotou a Resolução 929 que reconheceu a relevância da guerra civil que resultou na enorme crise humanitária de Ruanda, e ameaçavam a paz e a segurança internacional. (AMARAL JUNIOR 2003). No mesmo ano, de 1994, que o Conselho de Segurança, através da Resolução nº 955, criou O Estatuto do Tribunal ad hoc para Ruanda, para julgar e punir os responsáveis pelas atrocidades que violavam o Direito Internacional Humanitário. A competência material do Tribunal abrangia para julgamento os crimes contra a humanidade, crimes de genocídio e violações à Convenção de Genebra. Sua jurisdição se estendia tanto a pessoas físicas pertencentes ao território de Ruanda, quanto aos seus nacionais que praticaram os crimes em territórios vizinhos.
10 Sujeito sui generis de Direito Internacional
11 No original: Perhaps the most puzzling part of the ICC's treatment of forced pregnancy is that the definition "shall not in any way be interpreted as affecting national laws relating to pregnancy."45 This language was added to Article 7.2(f) on the insistence of the Vatican and states opposed to abortion. These delegations to the preparatory conference were concerned that forced pregnancy would be "used to supplant antiabortion laws and endanger Catholic hospitals that refused to provide abortions." This language ensures that the ICC will not recognize a general right to abortion.
12 Ah! O perdão. Aqui é possível se deparar com Derrida como fonte de inspiração para as mudanças necessárias.
13 Artigo 7º. Crimes Contra a Humanidade: [...] g) Agressão sexual, escravatura sexual, prostituição forçada, gravidez forçada, esterilização forçada ou qualquer outra forma de violência no campo sexual de gravidade comparável; (TPI, 2002).
AUTORES:
Maria Walkíria de Faro Coelho G. Cabral
Doutora e Mestra em Direito Público. Professora Adjunta do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional - IPPUR/UFRJ.
Danielle Aparecida Mendes
Pós-graduanda em Ciências Penais pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Graduada em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Advogada.
CONFLUÊNCIAS | Revista Interdisciplinar de Sociologia e Direito. Vol. 21, nº 1, 2019. pp. 127-147. 147