Raul Penteado Neto
Universidade de São Paulo, Brasil
José Joubert Lancha
Universidade de São Paulo, Brasil
Correspondências contemporâneas: diálogos
entre arquitetura portuguesa e a escultura do
País Basco
Contemporary Correspondences: Dialogues between Portuguese
Architecture and Sculpture from the Basque Country
Correspondencias contemporáneas: diálogos entre la arquitec-
tura portuguesa y la escultura del País Vasco
Trabalho submetido: 16/3/2024
Aprovado: 18/4/2024
Este documento é distribuído
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Internacional (CC-BY-NC)
© 2024 Raul Penteado Neto,
Joubert Lancha
RESUMO
Este artigo revela alguns resultados e desdobramentos de uma pes-
quisa de doutorado recentemente concluída no IAU-USP, que analisou
um conjunto de obras produzidas por arquitetos portugueses. Explo-
ra o caráter transdisciplinar desta produção, tentando identificar en-
contros, convergências, intersecções e a utilização de estratégias de
outras disciplinas, principalmente de alguns escultores do País Basco
como referência para a arquitetura. Este presente recorte de estudo
propõe e apresenta possíveis correspondências entre um conjunto de
obras de arquitetura portuguesa produzidas por três estúdios e a obra
dos escultores Jorge Oteiza e Eduardo Chillida. O método utilizado
para tentar demonstrar o pressuposto é o de comparação de imagens
complementadas por uma breve revisão bibliográfica sobre as obras e
estúdios abordados. Este trabalho busca iluminar modos contemporâ-
neos de utilização de estratégias de outras disciplinas na produção da
arquitetura.
Palavras-chave: arquitetura portuguesa, transdisciplinaridade, arte-ar-
quitetura, Jorge Oteiza, Eduardo Chillida
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RESUMEN
Este artículo revela algunos resultados y desarrollos de una investigación doctoral recientemen-
te finalizada en el IAU-USP, que analizó un conjunto de obras producidas por arquitectos portu-
gueses. Explora el carácter transdisciplinar de esta producción, intentando identificar encuen-
tros, convergencias, intersecciones y el uso de estrategias de otras disciplinas, principalmente
de algunos escultores del País Vasco como referente de la arquitectura. Este estudio propone
secciones y presenta posibles correspondencias entre un conjunto de obras de arquitectura
portuguesa producidas por tres estudios y la obra de los escultores Jorge Oteiza y Eduardo
Chillida. El método utilizado para intentar demostrar el supuesto es la comparación de imágenes
complementada con una breve revisión bibliográfica de los trabajos y estudios abordados. Este
trabajo busca iluminar formas contemporáneas de utilizar estrategias de otras disciplinas en la
producción de arquitectura.
Palabras clave: arquitectura portuguesa, transdisciplinariedad, arte-arquitectura, Jorge Oteiza,
Eduardo Chillida
ABSTRACT
This article reveals some results and developments of a recently completed doctoral resear-
ch at IAU-USP, which analyzed a set of works produced by Portuguese architects. It explores
the transdisciplinary nature of this production, trying to identify meetings, convergences,
intersections and the use of strategies from other disciplines, mainly from some sculptors
from the Basque Country as a reference for architecture. This study section proposes and
presents possible correspondences between a set of works of Portuguese architecture pro-
duced by three studios and the work of the sculptors Jorge Oteiza and Eduardo Chillida. The
method used to try to demonstrate the assumption is the comparison of images comple-
mented by a brief bibliographical review of the works and studies covered. This work seeks
to illuminate contemporary ways of using strategies from other disciplines in the production
of architecture.
Keywords: Portuguese architecture, transdisciplinarity, art-architecture, Jorge Oteiza,
Eduardo Chillida
Raul Penteado Neto é arquiteto e urbanista pela FAU-PUC-Campinas (2001), mestre (2019) e doutor (2023) pelo
IAU-USP, ambos com coorientações pela FAUP, Portugal. Teve passagem pelos escritórios dos arquitetos portugueses
Álvaro Siza e José Carlos Nunes Oliveira. Professor de projeto de arquitetura na Unisal (SP). Responsável pela ideia origi-
nal, pesquisa e argumento do documentário Paisagem Concreta, produzido por Olé + Duo2 para o Canal Arte1 (2022).
https://orcid.org/0000-0002-5614-2193 | raulneto@usp.br
Joubert Lancha é arquiteto e urbanista pela FAU-PUC-Campinas (1985), com mestrado e o doutorado (1999) em Ar-
quitetura e Urbanismo pela Universidade de São Paulo. Em 2008 obteve o título de Livre Docente junto a Universidade
de São Paulo com o trabalho intitulado “Os textos de Palladio”, e coordenou a primeira tradução para o português do I
Quatro Libri dell’Architettura de Andrea Palladio - São Paulo, Hucitec 2009. Professor associado da Universidade de São
Paulo atuando junto ao Instituto de Arquitetura e Urbanismo onde exerce desde 2013 a presidência da Comissão de
Pesquisa. Fundador e membro do Núcleo de apoio à pesquisa – Estudos de linguagem em arquitetura e cidade (N.ELAC
– IAU-USP). Professor convidado do Politecnico di Milano no Dipartimento di Architettura e Studi Urbani (2014/2015).
https://orcid.org/0000-0002-1690-6857 | lanchajl@sc.usp.br
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1. Introdução
Este artigo tem o objetivo de apresentar resultados e desdobra-
mentos preliminares de uma pesquisa de doutorado concluída no
Instituto de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo
(IAU-USP), vinculada ao Núcleo de Apoio à Pesquisa para os Estu-
dos de Linguagem em Arquitetura e Cidade (N. ELAC). Aproveita o
aprendizado obtido no período de bolsa sanduíche vivido em Portu-
gal, entre março e agosto de 2023, para propor o estudo da obra de
um grupo de arquitetos portugueses que, a partir do começo dos
anos 2000, tem proposto uma abordagem projetual que transcen-
de e transgride algumas certezas disciplinares e tradições regionais
construídas até então.
O estudo encampado pelo doutorado se ocupou do exame de um
conjunto de obras dos arquitetos portugueses Aires Mateus, com
o objetivo de clarificar a presença direta e indireta do arcabouço
teórico do Pensamento Complexo no modus operandi da dupla,
contribuindo para o estabelecimento de nexos surpreendentes com
abordagens de outros campos do saber.
A contribuição original deste artigo reside em iluminar a tentativa
de três ateliês de arquitetura portugueses em reatar ou reforçar
laços esquecidos com a arte. Aprofunda a investigação sobre os di-
álogos e correspondências entre um conjunto de obras dos ateliês
de Álvaro Siza (1933), Gonçalo Byrne (1941) e dos irmãos Francisco
(1964) e Manuel Aires Mateus (1963) com a escultura dos artistas
bascos Jorge Oteiza (1908-2003) e Eduardo Chillida (1924-2002).
Esta alusão assumida pelos arquitetos selecionados não fica apenas
na concepção formal das obras, mas principalmente no entendi-
mento mais aprofundado do tema fundamental da produção dos
dois escultores bascos: o vazio. Coloca ainda como a prática da
escultura, instalação, ou design, por alguns destes arquitetos estu-
dados, em alguns casos, pode impulsionar sua produção arquitetô-
nica, naturalmente, para caminhos transdisciplinares (Pombo, 2021).
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2. Breve contextualização histórica
No campo da arquitetura, em meados dos anos 1990, acelera-se um
processo de desprendimento progressivo dos valores revisionistas
tão presentes na década anterior, que ainda vivia sob o manto de
premissas historicistas e preservacionistas herdadas das discussões
teóricas dos anos 1960 e 1970, colocadas principalmente por Ro-
bert Venturi (1966, 1995), Aldo Rossi (1966,1995), Colin Rowe e Fred
Koetter (1978), caminhando para uma arquitetura mais livre de pa-
radigmas, baseada em uma prática mais reflexiva (Frampton, 2015).
Em Portugal, a formação universitária dos arquitetos em Escolas de
Belas Artes até o final dos anos 1980 contribuiu intensamente para
um olhar transversal, livre de preconceitos e com intimidade com as
estratégias utilizadas nos campos do saber paralelos à atividade da
arquitetura.
Quase todos frequentaram a Escola Superior de Belas Artes no
Porto ou em Lisboa. Nestas escolas, a arquitectura era ainda
compreendida como irmã da pintura e da escultura. A formação
era feita em classes conjuntas com a dos outros estudantes de
Belas-Artes, o que não só deu aos arquitectos profundos co-
nhecimentos de arte, mas também lhes criou um ambiente, no
qual estavam sempre presentes os métodos da arte contempo-
rânea. (Land et al., 2005, p. 13)
Álvaro Siza intensificará o experimentalismo em sua obra a partir de
meados dos anos 1990, em uma “escandalosa artisticidade” (Cos-
ta, como citado em Figueira, 2008, p. 33), a partir dos encontros,
experiências e estímulos proporcionados pelos projetos elaborados
para espaços de exposição entre 1988 e 1998. Siza estabelecerá em
sua arquitetura um franco diálogo com procedimentos da escultura
(Penteado Neto, 2019) e esta abordagem não passará desapercebi-
da pelas novas gerações de arquitetos portugueses.
A partir do zeitgeist internacional, em que os novos arquitetos
“deixam para trás o antigo ofício e se aplicam com fervor a construir
outra disciplina” (Galliano, 2000, p. 3, tradução nossa) e a partir do
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aprendizado com as transformações ocorridas na obra de Siza, as
novas gerações portuguesas irão também se arriscar em um diálogo
mais intenso com outros procedimentos, já a partir dos primeiros
anos da primeira década do século XXI.
3. A complexidade do vazio
Debaixo do guarda-chuva do arcabouço teórico da complexidade,
um grupo de arquitetos portugueses percebe que a arquitetura
deve, antes de tudo, ser dotada da máxima flexibilidade para aten-
der às demandas do usuário em um mundo cada vez mais incerto
e mutante, convertendo-se em um simples “contentor de vida”
(Byrne, como citado em Kamita & Nobre, 2019, p. 55). Esta plas-
ticidade ou adaptabilidade das edificações pode ser indutora de
uma maior durabilidade das obras, dotando-as da perenidade que
o planeta tanto carece, em tempos de quase extinção da espécie
humana (Kolbert, 2015). O arquiteto Gonçalo Byrne, ex-colaborador
de Nuno Teotônio Pereira (1922-2016) e de Nuno Portas (1934),
considerado há décadas um dos principais arquitetos em atividade
em Portugal, com obras e projetos em toda Europa, esclarece em
entrevista, como a complexidade poderia ser entendida como o
pano de fundo para uma (re) aproximação da arquitetura com os
procedimentos da arte:
nas minhas aulas dizia com muita frequência que o que toca fi-
nalmente a nossa forma de conhecimento é pensar, é imaginar,
com toda a cultura, com conhecimento do sítio, com conheci-
mento do utilizador e com a dimensão poética da arquitetura
por trás, que faz parte da própria teoria. Onde é que a arquite-
tura é uma arte? É uma boa questão. A arquitetura toca a vida
das pessoas e os arquitetos pensam, fazem, imaginam, dese-
nham o projeto, mas no fundo, produzem contentores de vida.
Quer seja um edifício, quer seja uma casa, quer seja um equipa-
mento, um cinema, um escritório, quer seja um espaço público,
quer seja uma paisagem. E, portanto, é aqui, que eu acho que
está a dimensão da arquitetura que convoca a complexidade.
(Byrne, como citado em Penteado Neto, 2023, p. 278)
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Byrne ainda avança em direção ao interesse específico dos arquite-
tos portugueses pelo tema do vazio e por tudo o que ele pode pro-
porcionar. O vazio, quando priorizado nas edificações, poderia ser
o conceito que proveria à arquitetura a tão desejada flexibilidade e
durabilidade, sucessivamente. O apreço pelo vazio como “poética
do nada” (Pueyo, 2020) teria sido aprendido a partir da observação
atenta da arte, com destaque para a obra dos escultores bascos
Jorge Oteiza e Eduardo Chillida:
O Oteiza é um místico da escultura e tem pensamentos so-
bre a escultura que são muito úteis à arquitetura. E o Chillida
também. Útil porque no fundo tem esta ideia de ‘arquitetura
escavada’, vem despertar no arquiteto um tema que é muito re-
cente e que o Manuel [Aires Mateus] para mim é talvez um dos
principais arquitetos portugueses por aí, a olhar para a cidade
e a olhar para o edifício não como uma construção, mas como
vazio [...] O que falta aqui no raciocínio, em minha opinião, é que
a descoberta do vazio é importante. Mas o vazio não é inerte
e este é que é o grande problema. O vazio faz sentido a partir
do momento em que contém vida. E a maneira como o vazio é
apropriado, a maneira como o vazio é vivido, quer numa casa,
quer no espaço público, é que é importante. (Byrne apud Pen-
teado Neto, 2023, pp. 297-300)
A ideia do vazio como espaço livre que oportuniza plena liberdade
de uso é a chave para entender o interesse destes arquitetos portu-
gueses pela obra de Oteiza e Chillida. Considerar a vida do usuário
mais importante que a arquitetura que o abriga, mesmo sendo
paradoxal, explica muito a respeito da produção destes arquitetos
destacados neste artigo.
4. Breves notas sobre Jorge Oteiza e Eduardo Chillida
Antes de abordar a produção dos arquitetos selecionados, serão
feitas algumas breves considerações a respeito do trabalho destes
dois importantes escultores do País Basco: Jorge Oteiza (1908-
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2003) e Eduardo Chillida (1924-2002). Artistas premiados ao longo
de toda a vida, Oteiza e Chillida, respectivamente, são reconheci-
dos por receberem o Diploma de Honra na IX e X Trienal de Milão
em 1951 e em 1954, além do Grande Prêmio Internacional de Escul-
tura na IV Bienal de São Paulo em 1957 e na XXIX Bienal de Veneza
em 1958. São considerados os principais escultores espanhóis já
no final da década de 1960, com trabalhos incluídos na mostra New
Spanish Painting and Sculpture, realizada no MoMA de Nova York
no ano de 1960, comissariada pelo poeta Frank O’Hara (Durana,
2022).
Fundadores do grupo de artistas denominado GAUR, criado em
1966, referência na cultura basca contemporânea, atuaram como
agitadores sociopolíticos decididos a “mudar as mentalidades so-
ciais” com a implementação de um modelo alternativo de organiza-
ção cultural no País Basco, segundo Durana (2022, p. 163, tradução
nossa).
Participaram em conjunto com outros artistas de exposição pa-
trocinada pela revista Nueva Forma, em 1967. Foram escultores
em diálogo e ajuda mútua em vida e em obra, entre os anos 1950
e 1960. Entretanto, acabaram por se desentender anos mais tarde,
reatando relações apenas poucos anos antes de morrer, em 1997.
Ambos começaram com obras figurativas e partiram, em parale-
lo e simultaneamente, para uma pesquisa que culminaria na ideia
de silenciamento da expressão, quietude do espaço aberto, vazio
metafísico (Manterola, 2006). Apresentam um esfoço comum em
subtrair a matéria, geometrizar o vazio, em busca de revelar o nada
que é tudo. São reconhecidos por uma prática experimental, inova-
dores em sua época. São considerados os fundadores da Escuela
Vasca de Escultura (Álvarez, 2008).
Em 2022, a Exposição Jorge Oteiza y Eduardo Chillida: Diálogo en
los años 50 y 60, patente no Museu San Telmo, em San Sebastián,
reaproxima a obra dos dois artistas décadas depois da sua morte
e escancara definitivamente o compartilhamento de interesses e
inquietudes criadoras em parte importante da sua produção: obras
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