RESUMO
Neste texto, aborda-se a permanência e a destruição de monumen-
tos, no intuito de discutir a participação das obras na construção e na
reinvenção de territorialidades e de identidades. No Brasil, o debate
sobre a permanência e a colonialidade dos monumentos é incipiente,
por vezes, inexistente. Em Salvador, primeira capital do Brasil, as obras
constituem parte da paisagem urbana, mas, na maioria dos casos, não
participam diretamente na vida cotidiana. De forma geral, fica eviden-
te que os monumentos comemorativos não têm os mesmos valores e
significados que tinham no passado, quando não são completamente
esquecidos. Na ausência de cultivo da memória e de um debate sobre
a função social das obras, a relação com os monumentos é frequen-
temente mediada por diversos níveis de apatia, ignorância e auto-
ritarismo do Estado. No artigo busca-se analisar as transformações
da relação com os monumentos em um espaço público em disputa,
destacando-se os deslocamentos de sentido e a (im)permanência dos
monumentos naturais e históricos.
Palavras-chave: monumento, memória, temporalidade, materialidade
(Im)permanências: memória e esquecimento
no espaço público
(Im)Permanence: Memory and Forgetting in the Public Space
(Im)Permanencias: memoria y olvido en el espacio público
Ines Linke
Universidade Federal da Bahia, Brasil
arte: lugar : cidade | volume 1, número 1, maio/out. 2024 | doi: 10.22409/arte.lugar.cidade.v1i1.62466 59
RESUMEN
Este texto aborda la permanencia y destrucción de monumentos, con
el objetivo de discutir la participación de las obras en la construcción
y reinvención de territorialidades e identidades. En Brasil, el debate so-
bre la permanencia y colonialidad de los monumentos es incipiente,
a veces inexistente. En Salvador, la primera capital de Brasil, los mo-
numentos forman parte del paisaje urbano, pero en la mayoría de los
casos no desempeñan un papel directo en la vida cotidiana. En general,
está claro que los monumentos conmemorativos no tienen el mismo
valor y significado que en el pasado, cuando no están completamente
olvidados. A falta de un cultivo de la memoria y de un debate sobre la
función social de las obras, la relación con los monumentos suele estar
mediatizada por diversos niveles de apatía, ignorancia y autoritarismo
por parte del Estado. El artículo pretende analizar las transformaciones
en la relación con los monumentos en un espacio público en dispu-
ta, destacando los cambios de significado y la (im)permanencia de los
monumentos naturales e históricos.
Palabras clave: monumento, memoria, temporalidad, materialidad
ABSTRACT
This text deals with the permanence and destruction of monuments
in order to discuss their role in the construction and reinvention of
territorialities and identities. In Brazil, the debate on the permanence
and coloniality of monuments is incipient, sometimes non-existent. In
Salvador, Brazil’s first capital, monuments are part of the urban landsca-
pe, but in most situations, they don’t play a direct role in everyday life.
In general, it is clear that commemorative monuments do not have the
same values and meanings as they did in the past, when they are not
completely forgotten. In the absence of the cultivation of memory and
of a debate on the social function of the works, the relationship with
the monuments is often mediated by various levels of apathy, ignorance
and authoritarianism on the part of the state. The article seeks to analy-
ze the transformations in the relationship with monuments in a disputed
public space, highlighting the shifts in meaning and the (im)permanence
of natural and historical monuments.
Keywords: monument, memory, temporality, materiality
Ines Linke é artista, pesquisadora e curadora. Graduada em artes pela Universidade de Iowa, mestre e doutora
em Artes pela EBA/UFMG, é Professora Associada da Escola de Belas Artes da Universidade Federal da Bahia.
Integra o thislandyourland e coordena o grupo de pesquisa Urbanidades e o Intervalo - fórum de arte.
https://orcid.org/0000-0001-6913-5294 | ineslinke@yahoo.com
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© 2024 Ines Linke
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1. Bendegó
A história é objeto de uma construção cujo lugar não é o tem-
po homogêneo e vazio, mas um tempo saturado de “agoras”.
Walter Benjamin, 1940.
Em setembro de 2018, um incêndio de grandes proporções no
Museu Nacional, localizado no Rio de Janeiro, consumiu valiosos
acervos do Brasil e da América Latina. Em seu conjunto de objetos
e documentos constavam, entre outros objetos, uma coleção de
arte egípcia, vestígios materiais de Herculano e Pompéia, além de
inúmeros registros históricos de povos e culturas, destruídos pelo
fogo. Entretanto, a Pedra Bendegó, elemento composto de ferro/
níquel, manteve-se intacta. As imagens veiculadas pela mídia, pós-
-incêndio, focaram no “sobrevivente brasileiro”, estabelecendo uma
estranha ambiguidade entre patrimônio nacional, memória e (im)
permanência que pretendo desenvolver a partir da reflexão sobre
os fluxos e deslocamentos, da temporalidade de materiais e de
objetos, a partir de monumentos naturais e humanos constituídos
de pedra.
Marc Ferrez, 15º de trabalho - Transferência do Meteorito de Bendegó, 1887.
(Fonte: Instituto Moreira Salles)
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As narrativas em torno do sobrevivente enquadraram o meteorito
por meio de ações e de feitos humanos principiados com o desco-
brimento da pedra no sertão baiano em 1784, passando por momen-
tos de esquecimento e por recordações1, assim como por tentativa
fracassada de remoção e, finalmente, com o transporte bem suce-
dido para o Rio de Janeiro em 1888. Todavia, pouco se falou sobre
seu significado sociocultural na Bahia. O que ficou em seu local?
Conforme relatos históricos, em um primeiro momento, no local da
queda e da descoberta do meteoro edificou-se um pequeno obe-
lisco denominado “D. Pedro II”, homenageando a família imperial, o
Ministro da Agricultura Rodrigo Silva, o Visconde de Paranaguá e os
membros da Comissão de Transporte do Bendegó. Em um segundo
instante, um marco memorial aos serviços de engenharia da logística
de transporte também foi erguido na Estação Ferroviária de Jacu-
rici. No translado da rocha até a capital, projetavam-se interesses
políticos e internacionais, como, também, a possibilidade de contri-
buir com o conhecimento científico. Sua remoção contou com uma
solenidade cívica, proveniente de ato do Estado que celebrava os
avanços tecnológicos necessários ao transporte do objeto à capital,
onde a pedra foi cortada2 e recebida em grande estilo.
No interior da Bahia, o meteorito tornou-se uma referência para a
população local, um monumento natural que se inseriu na memória
social enquanto elemento responsável pelo equilíbrio entre os ele-
mentos da natureza. Os obeliscos não compensaram sua ausência
energética, enquanto as reproduções destinadas aos distintos es-
paços institucionais representam-na apenas em suas características
formais, sem, contudo, conferir-lhe ou transferir-lhe poderes atribu-
ídos ao original3.
Nas informações veiculadas em diversos locais e distintos momen-
tos históricos da pedra, pouco se falou em outras temporalidades,
modos de concebê-la fora do contexto nacional ou mesmo de uma
perspectiva estritamente antropocêntrica. Raramente se enfatizou
sua formação geológica, sua criação e viagem por bilhões de anos
no sistema solar, assim como sua entrada na atmosfera, vindo a se
chocar chocou com a Terra. Na perspectiva do sistema solar, suas
1 Estudos pontuais
foram realizados por cientis-
tas e naturalistas, a exemplo
de Aristides Franklin Mornay,
William Hyde Wollaston, Carl
Friedrich Philipp Von Martius e
Johann Baptist Von Spix, que
viajaram pelo Brasil.
2 Um pedaço de
60 kg foi cortado, dividido e
doado a instituições nacionais e
estrangeiras.
.
3 Foram confec-
cionadas quatro réplicas da
pedra. Em 1889, uma réplica,
que se encontra hoje no Palais
de la Découverte, foi exposta
na Exposição Universal de
Paris. As outras três cópias se
encontram na Bahia (no Museu
do Sertão em Monte Santo, no
Museu Geológico da Bahia em
Salvador, e no Museu Antares
de Ciência e Tecnologia, em
Feira de Santana).
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