R. Lippard (1997). Embora o foco principal da reflexão da crítica se
concentre na produção dos artistas que circularam nas exposições
que ela organizou em instituições daquele país, ela percebia forte
tendência à substituição do objeto físico e do produto final por
conceitos, ideias, descrições, textos, esboços, projetos para atu-
ação em grande escala. Segundo Lippard, isso tanto desvelava as
fronteiras que separam a arte das vanguardas da arte contemporâ-
nea, em que as obras de natureza sintático-formal davam lugar a
propostas de natureza semântica, como mostrava que a ditadura da
estética greenberguiana chegava ao fim. A crítica percebia também
na produção de algumas artistas mulheres estadunidenses, algo de
feminino ou político, tema que apenas mais tarde ganharia desta-
que nas discussões sobre a arte da contemporaneidade, bem como
o significado da produção das congêneres sul-americanas1.
Embora se revelasse atenta ao que ocorria no âmbito artístico
internacional, a destemida geração de jovens do “Cone Sul” criou
uma heterogeneidade de proposições experimentais, individuais e
coletivas, que mais que simples imitações ou adaptações daquilo
que lhes chegava dos centros hegemônicos, o supracitado historia-
dor espanhol relacionou com a realidade sócio-política dos países
em que os artistas latino-americanos atuavam, o que significa que
estes buscavam aproximar a arte da vida. Para fazer circular ou
veicular essas propostas – a maioria dotada de forte conotação po-
lítica, no sentido de que ironizavam e denunciavam os desmandos
do poder militar e a realidade social do país –, os artistas prescindi-
ram dos museus, chamados por eles de instâncias elitistas, seletivas
e controladas pelos órgãos de repressão militar. Tais propostas
circularam, assim, de maneira marginal e desafiadora, tendo como
suporte o próprio corpo do artista ou o Correio, o órgão oficial de
comunicações, o que era por si só uma grande ironia. O Correio era
tido pelos usuários como um meio rápido, seguro, relativamente ba-
rato, e um serviço democrático, ao qual todos tinham acesso, desde
que seguissem as normas para efetuar as respectivas postagens e
pagassem as taxas decorrentes dos serviços prestados. No Brasil,
havia suspeitas da existência de provável controle daquilo que era
postado, embora não fossem confirmados casos de violação de
1 Entretanto, em um
dos textos dessa obra, a crítica
faz uma ressalva em que deixa
patente seu desconhecimento
da arte conceitualista sul-ame-
ricana. Afirma que foi na viagem
que realizou na companhia
do crítico francês Jean Clay à
Argentina, ao visitar a cidade de
Rosário, sentiu-se impactada
com o trabalho desenvolvido em
Tucumán Arde (1968). Tanto é,
que no texto Escape Attempts
(1972, p. XX), referiu-se a uma
ação de caráter político, desen-
volvida por Graciela Carnevale
(artista que havia integrado as
ações de Tucumán Arde).
arte: lugar : cidade | volume 1, número 1, maio/out. 2024 | doi: 10.22409/arte.lugar.cidade.v1i1.62622 40