O dossiê criado para esta edição inaugural do periódico arte: lugar:
cidade apresenta uma seleção de artigos publicados originalmen-
te nos Seminários Internacionais do Grupo de Estudio sobre Arte
Publico en Latinoamérica - GEAP LA, fundado em Buenos Aires,
Argentina, no ano de 2008. A criação do GEAP LA foi responsá-
vel por sistematizar uma importante rede para a pesquisa sobre o
campo da arte pública e suas relações com o passado e o presente,
visando diferentes perspectivas construídas de modo interdiscipli-
nar. Por meio de seus seminários bienais, este grupo colaborou com
a integração de estudiosos de variados países da América Latina e,
[apresentação]
Estética, política e memória:
conceitos-chave para o campo da arte pública a partir dos seminários
do Grupo de Estudio sobre Arte Público en Latinoamérica
Sylvia Furegatti
Universidade Estadual de Campinas, Brasil
Gabriela Freitas
Universidade de Brasília, Brasil
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com o passar dos anos, essa extensão territorial não limitou a par-
ticipação de outros pesquisadores, latino-americanos ou europeus,
que passaram a contribuir com os trabalhos do grupo a partir de
estudos realizados em instituições de ensino e cultura localizadas
em outros continentes.
A postura investigativa voltada ao eixo sul-sul encontrou bom eco
junto aos historiadores da arte, arquitetos e urbanistas, filósofos e
artistas atentos à importância dos referenciais teóricos e modelos
da práxis artística e patrimonial representativos das especificidades
de nossos ambientes urbano-industrial e natural, bem como dos
tipos de organização social e política que tipificam a paisagem de
nosso continente, onde se localizam os objetos de estudo e agen-
tes atuantes do campo da arte pública.
O Brasil tem mantido uma presença bastante expressiva junto a
este Grupo, representando cerca de 50% das adesões de profes-
sores pesquisadores, doutorandos e mestrandos de diversas IES do
país, públicas e particulares, que têm participado ativamente dos
seminários, para além de eventos híbridos ou projetos especiais
realizados pelo GEAP LA. Os brasileiros, aliás, participaram da fun-
dação do grupo latino-americano em Buenos Aires e conduziram,
quase que imediatamente, a formação de um de seus primeiros
grupos nacionais, o Grupo de Estudos sobre Arte Pública no Brasil
- GEAP BR, que alcança, neste ano de 2024, seu quinto seminário
nacional consecutivo, realizado também bienalmente. Essa cir-
cunstância pode ser lida como indicativa do interesse expresso há
muitas décadas, em nosso país, pelo trabalho de pesquisas vincula-
das aos programas de pós graduação, curadorias, políticas públicas
de incentivo ou editais de projetos, bem como por meio das mais
variadas formas assumidas pela manifestação artística em âmbito
público, que tem no entorno urbano e nos fluxos de suas comunida-
des sua contextualização crítica e criadora.
A extensão do arco de conceituações sobre a arte pública, assim
como o mapeamento de suas ações temporárias ou permanentes,
inseridas na paisagem das cidades, além da participação de seus
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agentes e as urgências locais ou globais suscitadas por este campo
de reflexão e práxis artística têm constituído o escopo de atenção
dos representantes formais do GEAP. Seus pesquisadores buscam
burilar, nos artigos publicados nos anais de cada seminário realiza-
do, as nuances entre o fixo e o fluxo que determinam as distintas
formas dos modelos de apropriação do espaço comum, submetido
às intempéries materiais, tanto quanto estruturadas pela oscilação
dos humores e pela renovação dos códigos simbólicos e políticos
que formam a relação entre arte, espaço urbano e comunidade,
hoje.
Desse modo, a seleção dos artigos para este dossiê levou em conta
a representatividade de questões consideradas importantes para
os seminários realizados pelo GEAP LA, desde seu surgimento.
Trata-se de um conjunto de textos cuja abordagem sinaliza para
a urgência daquelas experiências trabalhadas com fôlego investi-
gativo e comprometimento teórico de seus autores, tanto quanto
demonstram, pela distância de tempo de sua elaboração, como a
complexidade própria dos objetos de estudo do campo da arte pú-
blica demanda, de seus interessados, um comportamento de vigília
constante às revisões de seu perfil, em construção continuada, que
não se dissolve nem dispensa as análises construídas tempos atrás.
Assim é que se propõe o convite à leitura dos recortes temáticos
enfrentados pelos autores eleitos para este dossiê, como análises
diagnósticas de situações urbanas tratadas com a persistência
necessária para o pontual, reservado o espaço que lhes permita o
movimento. Ao todo, são quatro artigos publicados nos anos de
2015, 2019 e 2021 nas atas dos seminários realizados, respectiva-
mente, em Cali, Colômbia; Lima, Peru, e na edição conduzida de
modo exclusivamente virtual, devido à pandemia do coronavírus.
Os autores refletem sobre a tensão político-estética promovida
pela fricção entre o artístico e o jovem ativismo político; ou aquela
reconhecível na participação de coletivos com ou de artistas mu-
lheres que, junto de outros companheiros de grupo e comunidades
envolvidas, alteram a paisagem urbana das diferentes cidades lati-
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no-americanas, carregando em seus discursos o reconhecimento
crítico e autocrítico da arte pública. Assim também se vê represen-
tada a urgência do debate sobre os monumentos tradicionais e dos
contra-monumentos, em sua singular relação com as camadas de
organização espacial das cidades contemporâneas.
O artigo apresentado por Almerinda da Silva Lopes no IV Seminá-
rio GEAP LA (Cali, 2015) – O corpo do artista leva a arte à rua:
As performances e o ativismo político de Paulo Bruscky em plena
ditadura militar – traz um breve panorama da obra do artista per-
nambucano durante a ditadura militar, contextualizando-o entre a
geração de jovens artistas que emergia no período interessados em
refutar os valores estéticos tradicionais ao articular formas inusita-
das de experimentação que diluíam as fronteiras entre arte e vida e,
consequentemente, aproximavam arte e ativismo político. Bruscky
dedicou-se a ações performáticas e de intervenções urbanas em
espaços alternativos fora da instituição do museu. Seu trabalho,
de caráter volátil e efêmero, colocava o corpo em evidência como
linguagem, matéria e suporte da arte e requeria, justamente por sua
natureza momentânea, o registro das propostas performáticas e in-
tervenções públicas seja por processos fotográficos ou videográficos.
A autora destaca a importância de tal prática como forma de
subversão à censura em vigor no período, não só no Brasil, mas
também em grande parte da América Latina, que sofria sob inter-
venções de regimes ditatoriais. Tais registros circulavam de maneira
underground alimentado uma rede de arte correio sem levantar
qualquer suspeita dos militares. Além disso, a prática da documen-
tação e do registro das performances e intervenções também con-
tribuiu para a amplificação, diversificação e hibridização das lingua-
gens artísticas, formando um grande espectro de imagens híbridas
que constituem, hoje, um importante arquivo da arte contemporâ-
nea realizada no período de restrição dos direitos políticos, durante
a ditadura militar. Almerinda Lopes analisa algumas performances,
intervenções e obras do artista, dentre elas: Arte Cemiterial (1971),
Enterro Aquático I (1972), Enterro Aquático II (1973), Meu Cérebro
Desenha Assim (1979), Limpos e Desinfetados (1984), entre outros.
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O artigo reforça, ao final, o reconhecimento tardio à obra do artista
por seu ineditismo criativo que o destaca como referência na arte
conceitual e experimental no Brasil e no exterior.
Também nos artigos de Carolina Vanegas Carrasco e de Ines Linke,
ambos apresentados no VI Seminário GEAP Latinoamérica (Lima,
2019), encontramos uma forte ligação entre arte e política, em
ambos os casos ligadas à discussão patrimonial de monumentos
urbanos. No artigo (Im)permanências: memória e esquecimento
no espaço público, Ines Linke se interroga sobre a presença de
obeliscos no interior e na capital da Bahia, Brasil, inserindo-os em
uma longa tradição que remonta ao Egito antigo e à simbologia e à
lógica do poder colonial, ao longo da história: a violência da sub-
tração de seu local original, o desrespeito às culturas de origem, os
deslocamentos e as reapropriações. A autora aponta para o fato de
que a tradição ao monumento em homenagem a fatos e a perso-
nalidades históricas não se restringiu ao período do Brasil Colônia
ou Brasil Império, mas prolonga-se mesmo após a proclamação da
República. Ela cita especificamente o "Obelisco a Dom João", situ-
ado na praça da Aclamação, em Salvador, cuja obra foi iniciada em
1815 para celebrar a passagem do então príncipe pela cidade. Parte
da paisagem da cidade, o obelisco hoje encontra-se em estado de
abandono e perdeu sua importância na memória social, bem como
seu valor histórico para a população.
Assim, Ines Linke cita ações possíveis de ressignificação desse tipo
de monumento, como é o caso do artista mexicano Damián Orte-
ga que, em 2004, criou um obelisco transportável e, dessa forma,
levantou questões como a desterritorialização dos monumentos, a
autonomia desses objetos, bem como as políticas de esquecimento
que determinam as dinâmicas de poder envolvidas. A autora desta-
ca ainda a importância das relações sociais que se dão ao redor do
monumento em si, para conferi-los ou tirá-los da invisibilidade, dos
lugares sem memória que os transformam muitas vezes em escom-
bros e cinzas, reduzindo-os a uma pilha de sedimentos destinados a
formarem um palimpsesto geológico.
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No artigo Auras anónimas: un lugar de debate sobre las memorias
de la violencia en Colombia, de Carolina Vanegas Carrasco, a ques-
tão da memória ligada ao monumento é trabalhada para enfatizar
suas importâncias histórica e política. Para tanto, apresenta e discu-
te o trabalho Auras Anónimas (2009) da artista colombiana Beatriz
González,
que fez intervenções nas galerias funerárias (columbários)
do Cemitério Central de Bogotá, então sem uso, desde 2002.
Diante da ameaça de demolição dos columbários para um projeto
de renovação do local, coloca-se em discussão o apagamento da
memória, tendo em vista que os edifícios possuem uma importância
histórica por abrigar centenas de mortos não identificados na re-
volta consequente do assassinato do candidato presidencial liberal
Jorge Eliécer Gaiatán, em 9 de abril de 1948.
A intervenção é constituída por lâminas de acrílico tornados su-
porte para uma série de desenhos que cobrem cada um dos 8957
nichos das quatro galerias funerárias do cemitério. A intervenção de
Beatriz González foi responsável por manter esse episódio históri-
co vivo, a despeito de encontrar-se atualmente sem manutenção.
A autora problematiza como a noção de tabula rasa acompanha
a ideologia contemporânea de progresso de projetos urbanistas e
tantas outras ações de apagamento histórico em nome de um novo
higienizado. O referido conflito tem desagradado gerações por
décadas, com opiniões contrastantes. O artigo reflete, portanto,
sobre a importância da arte pública aliada a estratégias e políticas
da memória para ressignificar a história de um país de forma dialó-
gica e coletiva.
Por fim, apresentamos o artigo Arte y feminismos en el espacio
público: Nuevas metodologías y genealogías de Gemma Argüello
e Natalia de la Rosa apresentado no VII Seminário GEAP LA (2021),
realizado online, durante o período de isolamento da pandemia de
coronavírus. O texto trata da relação entre política e arte pública
feita por mulheres, comumente invisibilizadas ao longo da história
da arte. As autoras revisitam conceitos importantes para a com-
preensão de uma epistemologia da arte pública, tais como os de
memória, antimonumento, museu, arquivo e patrimônio, aliados a
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estratégias do campo, como intervenções, reapropriações e res-
significações para definir uma metodologia de estudo baseada em
revisão crítica e analítica de trabalhos de artistas mulheres mexica-
nas. Entre elas, Mónica Mayer, Maris Bustamante e, mais contem-
poraneamente, Betzamée Torres, Alma Camelia, Cerrucha, além de
coletivos feministas como Anti-Monumenta, Fierras Fieras, Brillan-
tinas con Glitter e El mural que debió ser.
O México, assim como o Brasil, é um país reconhecido por suas
altas taxas de feminicídio. As autoras iniciam o artigo fazendo
referência às manifestações de 2019 quando se efetiva uma convo-
catória para várias organizações e coletivos feministas, sob o tema
#NoMeCuidanMeViolan, para protestar contra a violência de gê-
nero no país e exigir justiça para vítimas de estupros cometidos por
policiais. As autoras contrapõem o conceito de vandalismo ao de
iconoclastia para reconfigurar a ação ativista de mulheres artistas
no país e para discutir a noção de patrimônio público. Argüello e De
la Rosa alertam ainda para o risco de levar tais práticas para dentro
do museu e a possível perda de seu caráter político e insurgente,
transformando-se em mera informação. Para evitar tal processo,
revisitam estratégias artístico-políticas de artistas como Móni-
ca Mayer, por exemplo, e como elas podem transitar entre a arte
pública e o museu. Concluem com a percepção da importância da
ressignificação de monumentos como uma aposta necessária em
países patriarcais, como é o caso do México — e também do Brasil.
Desse modo, reunidos na forma de um dossiê, convidamos os lei-
tores e leitoras a apreciarem esta seleção de artigos originalmente
instigados pelas edições dos seminários do GEAP Latinoamerica,
de forma a aprofundar as discussões sobre o campo da arte públi-
ca pelo viés das problemáticas e dos contextos latino-americanos.
Que este conjunto enxuto e preciso de textos possa difundir a
abordagem decolonial acerca do tema, alavancando novas ponde-
rações para seus pontos fixos e em fluxo. Assim também, este dos-
siê carrega a intenção de promover elementos do conhecimento
do sul global, a partir do trabalho consistente, realizado há décadas,
pelo GEAP Latinoamerica, em sua meta como agente congregador
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de estudos teóricos e elaborações metodológicas para o campo
da arte pública. Por último, mas não menos importante, ressalta-se
a boa sinergia entre o GEAP LA e o projeto inaugural do periódico
arte :lugar :cidade que, juntos, compartilham de múltiplas metas
comuns, ao assumirem para si estruturações transdisciplinares
voltadas ao vasto campo de estudo dos elementos entre arte e
urbanidade.
Sylvia Furegatti é artista visual, Livre-Docente em Processo Criativo / Área de Escultura pelo Instituto de Artes
da Unicamp (2021). Doutora em Arquitetura e Urbanismo pela USP (2007) e Mestre pela mesma instituição
(20020. Integra o quadro permanente do Programa de Pós-Graduação e da Graduação em Artes Visuais (IA
-Unicamp). É atual Coordenadora Geral da Diretoria de Cultura da Pró-Reitoria de Extensão e Cultura (PROEC
-Unicamp). É a atual Co-coordenadora do Grupo de Estudios sobre Arte Público en Latinoamerica (GEAP-LA)
e Coordenadora Nacional do GEAP-BR.
https://orcid.org/0000-0002-8913-400X
sylviaf@unicamp.br
Gabriela Freitas é Professora Associada da Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília. Possui
pós-doutorado pela SUNY Purchase de Nova York, doutorado em Comunicação pela Universidade de Brasília
(2014), com período de doutoramento sanduíche na Université Sorbonne (Paris-IV), e mestrado em Comu-
nicação pela UnB (2009). Integrante dos grupos de pesquisa (ambos registrados no CNPq) Comunicação e
Produção Literária - Grupo Siruiz (UnB) e Grupo de Estudos sobre Arte Pública-Brasil | GEAP-Brasil (Unicamp).
https://orcid.org/0000-0002-6195-3871
gabriela.freitas@fac.unb.br
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© 2024 Sylvia Furegatti, Gabriela Freitas
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