FUSÃO, MAGISTRATURA & MEMÓRIA

Autores

  • Jorge Luís Rocha da Silveira Professor Adjunto IBMEC / RJ

DOI:

https://doi.org/10.22409/conflu13i1.p162

Palavras-chave:

Fusão, Magistratura, Memória.

Resumo

O processo “nascimento” desse Judiciário foi dos mais complexos, pois os tribunais de Justiça dos antigos estados do Rio e da Guanabara não foram fundidos, como ocorreu com os departamentos e serviços administrativos, as casas legislativas etc., mas extintos e substituídos por uma nova Corte. Os respectivos quadros de magistrados e funcionários foram reestruturados em um “golpe de força” típico dos regimes de governo autoritários e discricionários. A chamada Ditadura Militar (1964/89) simplesmente os alijou de seus direitos constitucionais e prerrogativas funcionais. O mesmo se pode afirmar dos chamados “serventuários da Justiça”, cujos planos de carreira, remuneração, realidades profissionais etc., eram diferentes e específicos. Os serviços judiciais e administrativos foram alterados sem maior planejamento. A Fusão desafiou magistrados e funcionários, enquanto membros de uma estrutura burocrática, a lidar com o exercício da dominação política e tornou evidentes os limites da sua equidistância em relação ao poder. Mais do que isso, a disputa entre os aparelhos de Estado não subtraiu o embate interno travado pelos grupos que foram reunidos e deixou marcas indeléveis na memória coletiva – na história - da instituição. Conhecer estas cicatrizes é recuperar o processo de hegemonia de determinado grupo na constituição desse poder estatal. Por isso interessou, particularmente como estudo de caso, a memória da Fusão na magistratura fluminense. Esta observação demonstrou que ela serviu, ao reforçar e fundamentar o sentido de pertencimento, para definir o que é peculiar a este grupo agora. A lembrança ligou o que a Fusão separou. Entrevistas com membros do Poder Judiciário revelaram que, na construção das memórias acerca da Fusão, ocorreu todo um trabalho de enquadramento e de manutenção da lembrança de certos eventos, momentos e figuras, em detrimento do que foi vivido pelo próprio grupo. Um exercício a manter sua unidade e continuidade ao longo do tempo. O Tribunal de Justiça do novo Estado, com seus laços profissionais e pessoais – em outras palavras: de classe -, estabelecendo as fronteiras de “pertencimento” entre seus membros, delimitou a memória da fusão a ser lembrada. O próprio esprit de corps instruiu o que lembrar. A existência de limites bem definidos, fixados no controle das funções administrativas, das instâncias disciplinadoras, da ética dos comportamentos etc., a partir das quais se tornou possível formar um conjunto específico de relações sociais, ditou o que lembrar ou esquecer – ao menos em público... Formas particulares da memória sobre a Fusão foram - e continuam a ser - elaboradas em determinados setores da vida social, em grupos e instituições, com a pretensão de tecer a rede de uma história única, universal. Este processo tem se desdobrado, muitas vezes, através de mecanismos que se confundem com a própria disputa de poder, de hegemonia, dentro e entre os aparelhos que compõem o Estado. O trabalho apresentado nesta oportunidade resume parte do estudo realizado sobre o funcionamento do Poder Judiciário nascido da fusão dos estados da Guanabara e Rio de Janeiro, em 1975.

Downloads

Não há dados estatísticos.

Referências

ABREU, Antônio I. C. O judiciário fluminense: período republicano. Rio de Janeiro: edição

do próprio autor, 2007.

ALBERTI, Verena. Ouvir contar: textos em história oral. Rio de Janeiro: Editora FGV,

ALMEIDA, Amaro M. Valeu à pena: memórias. Niterói: Ed. Cromos, 1993.

ALVES, Antônio José L. Depoimento Prestado ao Programa de História Oral & Visual

do Poder Judiciário. Rio de Janeiro: Museu da Justiça, 20 de jul. 2000. Entrevista n.º 60.

BOSI, Ecleá. Memória e sociedade: lembranças de velhos. 10.ª ed. São Paulo: Cia. das

Letras, 2003.

CARVALHO NETO, Luiz A. C. Depoimento Prestado ao Programa de História Oral &

Visual do Poder Judiciário. Rio de Janeiro: Museu da Justiça, 08 de ago.2002. Entrevista n.º

CHARTIER, Roger. História cultural: entre práticas e representações. Lisboa: Difel, 1990.

COELHO, Mauro G. A fusão e o Poder Judiciário. Em: Revista de Jurisprudência do

TJERJ. 2.ª Fase. Rio de Janeiro: Ano XXVI, 1977, n.º 41, pp. 1-10.

COSTA, Álvaro José F. M. Depoimento Prestado ao Programa de História Oral & Visual

do Poder Judiciário. Rio de Janeiro: Museu da Justiça, 05 de nov. 1998. Entrevista n.º 34.

DIÃO, Nilson C. Depoimento Prestado ao Programa de História Oral & Visual do Poder

Judiciário. Rio de Janeiro: Museu da Justiça, 03 de jun. 2002. Entrevista n.º 77.

EVANGELISTA, Hélio A. A fusão dos estados da Guanabara e do Rio de Janeiro. Rio de

Janeiro: Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro, 1998. (Série Monografias Premiadas,

.

FREIRE, Américo. Evento político e representação parlamentar: a fusão e os senadores da

Guanabara e do Rio de Janeiro. Em: ______; SARMENTO, Carlos E. & MOTTA, Marly S.

(Coord.). Um estado em questão: os 25 anos do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Ed. FGV,

GLANZ, Samy. Depoimento Prestado ao Programa de História Oral & Visual do Poder

Judiciário. Rio de Janeiro: Museu da Justiça, 21 de nov. 2002. Entrevista n.º 90.

GRAMSCI, Antonio. Cadernos do cárcere. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000a, vol. 2.

_____. Cadernos do cárcere. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000b, vol. 3.

HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. São Paulo: Nova Centauro, 2006.

HOBSBAWM, Eric. A era dos extremos: o breve século XX. 1914-1991. São Paulo: Companhia

das Letras, 1995.

LE GOFF, Jacques. História e memória. 4.ª ed. São Paulo: Ed. UNICAMP, 1996.

LIMA, Floriano P. F. Depoimento Prestado ao Programa de História Oral & Visual do Poder

Judiciário. Rio de Janeiro: Museu da Justiça, 22 de set. 1998. Entrevista n.º 25.

MARX, K. & ENGELS, F. A ideologia alemã. 10.ª ed. São Paulo: Ed. Hucitec, 1996.

MOTTA, Marly S. Fusão: desafios. Em: FREIRE, Américo; SARMENTO, C. E. & ______

(Coord.). Um estado em questão: os 25 anos do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 2001.

PASSOS, José Joaquim F. Depoimento Prestado ao Programa de História Oral & Visual do

Poder Judiciário. Rio de Janeiro: Museu da Justiça, 25 de out. 2004. Entrevista n.º 115.

POLLAK, Michel. Memória e identidade social. Em: Revista Estudos Históricos. Rio de

Janeiro: s/ed., 1992, vol. 5, n.º 10, p. 200-212.

_____. Memória, esquecimento, silêncio. Em: Revista Estudos Históricos. Rio de Janeiro: s/ed.,

, vol. 2, n.º 3, p. 3-15.

PORTELLI, Alessandro. O massacre de Civitella Val di Chiana (Toscana, 29 de junho de 1944):

mito, política, luto e senso comum. Em: AMADO, J. & FERREIRA, M. M. Usos e abusos da

história oral. 5.ª ed. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 2002, pp. 103-130.

_____. A filosofia e os fatos. Narração, interpretação e significado nas memórias e nas fontes

orais. Em: Tempo. Rio de Janeiro, Vol. 1, n.º 2, dez. 1996, p. 59-72.

REIS, Daniel A. Ditadura e sociedade: as reconstruções da memória. Em: ______; RIDENTI,

Marcelo & MOTTA, Rodrigo P. S. (orgs.). O golpe e a ditadura militar: quarenta anos depois

(1964-2004). São Paulo: Edusc, 2004, p. 29-52.

RIBEIRO, Adolphino A. Depoimento Prestado ao Programa de História Oral & Visual do

Poder Judiciário. Rio de Janeiro: Museu da Justiça, 03 de set. 1998. Entrevista n.º 19.

RIO DE JANEIRO (Estado). Estruturas básicas do Estado do Rio de Janeiro e Lei da Fusão

com o estado da Guanabara. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1975.

SILVA, Luiz C. B. Depoimento Prestado ao Programa de História Oral & Visual do Poder

Judiciário. Rio de Janeiro: Museu da Justiça, 14 de jun. 2000. Entrevista n.º 56.

STEELE FILHO, Luiz H. Depoimento Prestado ao Programa de História Oral & Visual do

Poder Judiciário. Rio de Janeiro: Museu da Justiça, 20 de ago. 1998. Entrevista n.º 12.

Downloads

Publicado

2012-11-08

Como Citar

Rocha da Silveira, J. L. (2012). FUSÃO, MAGISTRATURA & MEMÓRIA. Confluências | Revista Interdisciplinar De Sociologia E Direito, 13(1), 33-55. https://doi.org/10.22409/conflu13i1.p162

Edição

Seção

Artigos