Trabalhadores brasileiros no Amazon Mechanical Turk: sonhos e realidades de “trabalhadores fantasmas”[1]
Bruno Moreschi
Universidade de São Paulo (USP) – São Paulo, São Paulo, Brasil.
E–mail: brunomoreschi@gmail.com. ORCID: 0000-0001-8938-5004.
Gabriel Pereira
Universidade de Aarthus (AU) – Aarthus, Midtjylland, Dinamarca.
E–mail: gabrielopereira@gmail.com. ORCID: 0000-0002-9267-4189.
Fabio G. Cozman
Universidade de São Paulo (USP) – São Paulo, São Paulo, Brasil.
E–mail: fgcozman@usp.br. ORCID: 0000-0003-4077-4935.
Resumo
Contribuindo para os estudos sobre trabalho em plataformas digitais no Sul Global, este artigo apresenta resultados de uma pesquisa por questionário distribuída para 149 trabalhadores brasileiros na plataforma Amazon Mechanical Turk (AMT). Começamos oferecendo uma visão demográfica dos turkers brasileiros e sua relação com o trabalho em geral. Assim como estudos anteriores de turkers nos EUA e na Índia, a AMT oferece más condições de trabalho para os turkers brasileiros. Outros resultados que discutimos incluem: uma grande quantidade de entrevistados afirmou estar em situação de desemprego formal por um longo período de tempo; a importância relativa do pagamento que recebem para a sua subsistência financeira; e como os turkers brasileiros não podem receber seus pagamentos diretamente em suas contas bancárias devido a restrições da Amazon, fazendo com que recorram a soluções criativas para burlar o sistema. É importante ressaltar que esses “trabalhadores fantasmas” – do original ghost workers (Gray e Suri, 2019) – encontram maneiras de se apoiar e se auto-organizar através de um grupo no WhatsApp, onde também se mobilizam para lutar por mudanças na plataforma. Como esse tipo de trabalho ainda está em formação no Brasil e potencialmente crescerá nos próximos anos, argumentamos que, desde já, deve ser estudado com atenção.
Palavras-chaves
Trabalho de plataforma; Amazon Mechanical Turk; Sul Global; Brasil; Capitalismo digital.
Introdução: os trabalhadores fantasmas
Em sua apresentação O trabalho que faz a mágica da IA (The Labor that Makes AI Magic) no seminário AI Now na Casa Branca, Lilly Irani (2016) escreveu em seu primeiro slide, em letras maiúsculas: “INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL. É FEITA DE PESSOAS”.[2] A intenção de Irani em destacar essa frase foi enfatizar uma preocupação raramente levantada pela indústria de tecnologia: a operação de sistemas tecnológicos automatizados, como Inteligência Artificial, depende de uma vasta força de trabalho humana (EL MAARRY et al., 2018; GRAY e SURI, 2019). Além do trabalho humano altamente visível que legitima as Inteligências Artificiais (trabalhadores especializados e bem remunerados, como engenheiros, designers, programadores, cientistas da computação, estatísticos), há – vários níveis abaixo – uma força de trabalho precariamente organizada. Esse exército de pessoas é definido por Mary L. Gray e Siddharth Suri (2019, p. 7) como “trabalhadores fantasmas” (do original, ghost workers): responsáveis pelo “trabalho humano que alimenta muitos aplicativos para celular, sites e sistemas de Inteligência Artificial [que] podem ser difíceis de ver. De fato, muitas vezes é intencionalmente escondido”. O “trabalho fantasma” marca a ironia de uma forma de trabalho que é cada vez mais predominante e, ao mesmo tempo, oculta. Na crescente gig economy (também referida no Brasil como uberização ou economia dos bicos) de hoje, “trabalhadores fantasmas” vendem seu trabalho como tarefas ou serviços em mercados baseados em plataformas.
Neste artigo, estamos interessados em um tipo específico de “trabalhadores fantasmas”, aqueles que executam microtasks (pequenas tarefas) na Amazon Mechanical Turk (chamado aqui de AMT). O trabalhador da AMT, uma forma prototípica de crowdworker, é frequentemente chamado simplesmente de turker. A palavra turker se deve a uma máquina criada pelo inventor húngaro Wolfgang von Kempelen, chamada The Turk, e supostamente capaz de jogar xadrez. Mas o aparente comportamento automatizado era, na verdade, controlado por uma pessoa escondida dentro da caixa. No século XVIII, Kempelen viajou pela Europa com sua máquina – uma ode às máquinas inteligentes, mas de fato possibilitadas pela exploração humana executada como um divertido jogo (AYTES, 2012). Hoje, a lógica do trabalhador invisível permanece praticamente a mesma, não mais na forma de um show público, mas em uma escala de magnitude global.
Os turkers na AMT são responsáveis por realizar microtasks que computadores não podem executar com eficiência, conhecidos como HITs (Human Intelligence Tasks, em português Tarefas de Inteligência Humana).[3] Eles são variados e podem incluir, por exemplo, transcrição de textos, pesquisa de informações na web, resposta a pesquisas e descrição de imagens para projetos como o ImageNet (GERSHGORN, 2017). Microwork, o trabalho de realizar microtasks, não é um recurso exclusivo da AMT; há outras plataformas que competem por esse mercado de trabalho de pequenas tarefas digitais.
Como pode ser visto no infográfico 1, da Anatomia de um Sistema de IA (CRAWFORD e JOLER, 2018), o “trabalho fantasma” é usado no desenvolvimento da IA da Amazon Alexa. Esses trabalhadores estão representados na seção "Mão de obra não remunerada ou mal remunerada", podendo incluir crowdworkers (como os turkers) e outras formas de mão de obra terceirizada. Eles não são a única força de trabalho envolvida na criação e organização dos dados, mas seu nível de pagamento e envolvimento os define em uma escala social totalmente separada dos que constam na seção "Profissionais", como engenheiros e desenvolvedores. Em essência, os turkers são uma das camadas de inteligência humana que transformam “máquinas de computação não inteligentes" (BROUSSARD, 2019, p. 40) em máquinas inteligentes. Como descrito por Irani (2016, slide 3), “a automação não substitui a mão de obra. Ela a desloca.”
Infográfico 1 – Detalhe da anatomia dos sistemas de Inteligência Artificial do Amazon Echo, onde turkers são mencionados como crowdworkers, parte do “trabalho não remunerado e de baixa remuneração”
Fonte: Retirado de Crawford E Joler (2018)
Para contribuir com estudos críticos sobre trabalho em plataformas digitais e aqueles que mostram que elas não são neutras, mas opacas (SILVA, 2019), focamos em um contexto particular: o dos turkers brasileiros. Esse contexto específico no Sul Global é pouco discutido, pois turkers dos EUA e da Índia são mais numerosos e representativos na plataforma.
À medida que o Brasil passa por uma crise econômica com um desemprego substancial – 12,8 milhões de cidadãos desempregados (RENAUX, 2019) –, parte significativa da população procura renda através da gig economy, como pode ser visto no boom de trabalhadores de delivery e de compartilhamento de viagens (ridesharing).[4] Nesse contexto de desemprego/trabalho informal, e seguindo a lógica de que situações de crise fazem com que trabalhadores aceitem trabalho em “condições industriais incipientes” (FUCHS, 2014, p. 7), supomos que o número de “trabalhadores fantasmas” brasileiros tende a aumentar. Portanto, é muito importante entender quem eles são, como veem o trabalho digital que realizam na plataforma AMT e como estão se organizando para lutar por seus direitos. Da mesma forma, como um estudo crítico, consideramos essencial dar visibilidade a como esses turkers brasileiros enfrentam os desafios impostos por fazer parte de uma mão de obra de plataforma digital não regulamentada. Conforme declarado por um de nossos entrevistados:
Definitivamente, precisamos ser ouvidos. Eu penso que muito é dito sobre IA, mas pouco sobre nós [turkers], aqueles que tornam essa área e suas aplicações viáveis. Eu existo e quero que você e outras pessoas saibam disso.
As principais questões que direcionaram nossa pesquisa no estilo questionário (survey study) estavam diretamente relacionadas ao pedido de reconhecimento dos turkers: Quem são os trabalhadores brasileiros na Amazon Mechanical Turk? Como é o trabalho deles e que adversidades enfrentam? Como veem a AMT e qual o papel que tal plataforma desempenha em suas vidas? O que é específico para os turkers brasileiros quando comparados aos turkers de outras nacionalidades?
Começamos este artigo com uma visão geral da AMT e sua operação, incluindo os desafios que os trabalhadores da plataforma enfrentam globalmente. Em seguida, explicamos a metodologia do estudo, que consistiu principalmente em uma pesquisa por questionário (survey study) com turkers brasileiros que se auto-organizam por meio de um grupo no WhatsApp. A seguir, apresentamos os resultados da pesquisa, discutindo os turkers brasileiros, sua cultura de trabalho e sua auto-organização fora da AMT. Como argumentamos, principalmente na conclusão, a posição que os turkers brasileiros assumem envolve a superação de desafios que os tornam o que denominamos uma sub-subclasse – uma vez que, como mostraremos, as dificuldades que eles têm para receber dinheiro por seu trabalho os tornam ainda mais explorados do que a maioria dos outros turkers.
Amazon Mechanical Turk (AMT): trabalho de plataforma digital global
Antes de analisar os turkers brasileiros na AMT, é necessário ter uma visão geral dos desafios que a AMT apresenta para os turkers e pesquisadores em todo o mundo. Embora a Amazon não seja a única empresa que faça a mediação entre “trabalhadores fantasmas” e solicitantes (empresas e indivíduos que pagam por tarefas), a AMT é considerada a maior plataforma de trabalho digital para microtarefas – Clickworker, Figure Oito, Fiverr e JobBoy são alguns de seus concorrentes. Conforme discutido em estudos anteriores sobre turkers (HARA et al., 2019; IPEIROTIS, 2010; ROSS et al., 2010; GRAY e SURI, 2019), o trabalho no mercado da AMT é marcado por uma força de trabalho global e dispersa que é anônima, não recebe contexto para as tarefas que executa e ganha baixos pagamentos por seu trabalho.
Uma pesquisa de Difallah et al. (2018) mostra que 75% dos turkers são dos Estados Unidos, 16% da Índia e os 9% restantes de outros países. De acordo com a Amazon, existem 500.000 trabalhadores registrados na AMT (WELCOME, 2019b), e Ipeirotis estima que 2.000 a 5.000 trabalhadores podem ser encontrados na plataforma a qualquer momento (apud GRAY e SURI, 2019, p. 77). Deve-se notar que nenhum desses números é totalmente confiável; devido à opacidade da plataforma e à dificuldade para pesquisadores em estudá-la, os resultados variam significativamente entre os estudos e os anos em que foram publicados.
Além de serem uma força de trabalho global, os turkers também estão dispersos, pois não é oferecida qualquer maneira formal de comunicação e organização entre eles por meio da própria plataforma AMT. Eles também não precisam, via de regra, se comunicar ou cooperar para concluir suas tarefas. Isso dificulta a existência de qualquer forma de apoio social entre turkers e a mobilização para, por exemplo, melhorar suas condições de trabalho. Turkers, ativistas e acadêmicos formaram organizações e iniciativas independentes que buscam mudar essa situação, como Turkopticon (IRANI e SILBERMAN, 2013), TurkerNation (ZYSKOWSKI e MILLAND, 2018), MTurkForum e ExperimentalTurk. Foi demonstrado que esses fóruns, juntamente com outras plataformas de comunicação usadas pelos turkers, possibilitam uma “rede de comunicação substancial dentro da multidão” (YIN et al., 2016, p. 10). Isso demonstra que, embora a AMT não apoie os esforços organizacionais dos trabalhadores, eles ainda operam e se apoiam como uma rede.
As tarefas que os turkers realizam na AMT são dadas sem nenhum contexto ou especificação do que esse trabalho possibilita. Uma tarefa como, por exemplo, “Marque limites de objetos”, recebe apenas um conjunto breve e direto de instruções. Quase nenhuma das tarefas tem indicações sobre quais infraestruturas digitais ela serve ou os estudos que possibilita. Essa situação parece ser um caso prático do que Marx (2010) chama de externalização (entausserung) do trabalho, que faz não apenas o trabalho se tornar algo com existência externa (aussern), mas também que exista fora do criador (ausser ihm) – gerando uma nova classe trabalhadora chamada por Antunes (2019) de infoproletariado ou cyberproletariado (ver também GROHMANN, 2018).
A computação humana da AMT conta com a invisibilidade desses trabalhadores para torná-la possível (IRANI e SILBERMAN, 2013). Programadores acessam os turkers através do uso de APIs (Application Programming Interfaces), nas quais os trabalhadores são representados como uma impessoal sequência de caracteres, em vez de por um nome (SILBERMAN et al., 2010). Essa zona desumanizada (GRAY e SURI, 2019) faz com que os turkers apareçam no contexto de “uma nova base industrial geral na nuvem”, assim “abstraindo a infraestrutura física e cultural completamente” (FINN, 2017, p. 327). O efeito que esse anonimato fornece, segundo Finn (2017), também pode ser comparado a um processo de gamificação.
Conforme destacado por turkers e pesquisadores, a questão mais premente da AMT é o valor da compensação pelas tarefas executadas. Os solicitantes têm total liberdade ao definirem o valor pago por tarefa, e a Amazon não regula o mercado de nenhuma forma – na realidade, existem tarefas que pagam apenas 0,01 centavos de dólar por minutos ou até horas de trabalho. Embora algumas pesquisas mostrem que os turkers frequentemente têm motivações que podem não ser ganho financeiro ou renda para subsistência (ROSS et al., 2010), trabalhadores do Sul Global podem ser mais dependentes do uso da AMT como fonte primária de renda, levando a uma forma de desigualdade (ibid; HARA et al., 2019; AYTES, 2012).
Embora todos esses desafios sejam frequentemente levantados por turkers, pesquisadores e ativistas, a AMT se posiciona intencionalmente como uma lean platform (plataforma enxuta), permitindo a terceirização de trabalhadores como “contratados independentes”, sem ter responsabilidade pelo trabalho que eles realizam (SRNICEK, 2017, ebook; ver também GILLESPIE, 2010). Um exemplo disso é que, de acordo com as Perguntas Frequentes (FAQ) do site, é importante que os próprios trabalhadores tenham cuidado com golpes e tentativas de phishing, “porque a AMT não está diretamente envolvida na criação dos HITs postados pelos solicitantes” (ABOUT, 2019a, sem paginação). Essa posição como plataforma sem responsabilidade direta está relacionada a um “sistema neoliberal de exceção facilitado pelas redes digitais, aproveitando as zonas legais cinzentas nos regulamentos internacionais do trabalho, a fim de maximizar os lucros para empresas multinacionais” (AYTES, 2012; ver também ONG, 2006).
Metodologia: encontrando e estudando uma comunidade de turkers brasileiros
Nosso principal método de coleta de dados foi uma pesquisa por formulário (survey) de 72 perguntas respondida por turkers brasileiros, publicada no início de junho de 2019 como uma tarefa na AMT. O formulário inspirou-se em pesquisas anteriores sobre turkers em diferentes países, com foco no perfil demográfico (por exemplo, IPEIROTIS, 2010; BERINSKY et al., 2012; ROSS et al., 2010; MILLAND et al., 2019). Também utilizamos o questionário para fazer outras perguntas abertas para entender mais amplamente o trabalho e cultura desses turkers. Pagamos 4,50 dólares a cada turker para responder a uma pesquisa que levaria cerca de 15 minutos para ser concluída – um valor proporcionalmente superior ao salário mínimo nos EUA e no Brasil. Esse processo foi desenvolvido de acordo com as diretrizes da TurkerNation, uma comunidade liderada por turkers no Reddit. O formulário e a pesquisa foram feitos em português.
A principal dificuldade desse processo de pesquisa foi encontrar os turkers brasileiros. Embora seja possível filtrar quem tem permissão para realizar uma tarefa por meio de sua localização, optamos por não fazer isso para incluir também brasileiros que eventualmente moram fora do Brasil ou que possam ter de alguma forma alterado sua localização no sistema. Em nossa pesquisa de teste, que usava um método diferente para restringir o acesso, um turker brasileiro se ofereceu para nos incluir no grupo MTurk, no aplicativo de mensagens WhatsApp. Como esse grupo era composto apenas por participantes brasileiros, usamos o grupo para compartilhar a tarefa e, portanto, pudemos receber respostas de 149 turkers brasileiros. Todos os respondentes do questionário foram verificados como participantes de tal grupo de WhatsApp.[5] Nossa amostra, embora de tamanho limitado e não criada por meio de amostragem probabilística, é particularmente única (até onde sabemos, não houve estudo anterior que se concentrasse especificamente nos turkers brasileiros). O grupo de WhatsApp (que era um dos maiores e mais influentes usados pelos turkers brasileiros) também nos permitiu observar a comunicação desses turkers durante um período de seis meses em 2019. Isso nos ajudou a entender suas rotinas de trabalho, auto-organização e desafios em detalhes mais granulares. Usamos WhatsApp e e-mail para fazer mais perguntas a 21 dos 149 participantes, com o objetivo de esclarecer e aprofundar algumas de suas respostas.
Recebemos o consentimento informado de todos os participantes e sempre nos identificamos como autores de uma pesquisa acadêmica sobre os trabalhadores brasileiros na AMT ao observar e interagir no grupo de mensagens do WhatsApp. Também a todo momento preservamos os IDs dos trabalhadores e os nomes reais dos participantes, garantindo seu anonimato. Esta pesquisa visa abordar as preocupações levantadas pelos turkers brasileiros, adotando uma postura ativista de esclarecer os problemas e questões colocados por esses participantes. Por tais motivos, embora consideremos o uso da plataforma AMT e o compartilhamento de informações sobre esses trabalhadores potencialmente problemáticos, entendemos que compartilhar seus sonhos e realidades é ético, pois responde aos pedidos de reconhecimento dos trabalhadores e aumenta a responsabilidade e prestação de contas da plataforma e solicitantes perante a sociedade.
Entendendo os turkers brasileiros: entre a promessa de dinheiro fácil e as reais dificuldades de ser pago
Para entender os turkers brasileiros e sua relação com o mercado de trabalho digital da AMT, começamos analisando sua composição demográfica e qual a relação deles com o trabalho em geral.
A maioria dos turkers brasileiros entrevistados é branca (64%) e masculina (66,4%), com idade média de 29 anos. O número das raças parda e preta (nomenclaturas do IBGE) corresponde respectivamente a 21,5% e 12,7%. A composição racial dos turkers brasileiros é diferente da população em geral do Brasil, que é de 45,2% branca, 45% parda e 8,8% preta, segundo o IBGE (CONHEÇA, 2015). Em relação à religião, 43% dos turkers entrevistados são católicos, enquanto 29% se declaram não religiosos e 18% evangélicos. O número de não religiosos é particularmente alto, pois na população brasileira geral esse número é de apenas 8% (CENSO, 2012). Conforme mostra o mapa 1, quase todos os turkers brasileiros pesquisados residem no Brasil, principalmente na região sudeste.
Mapa 1 – Respostas à pergunta “Em que país, cidade e estado você mora?”
Fonte: Produzido pelos autores
Os turkers brasileiros trabalham na plataforma, por semana, uma média de 17 horas, com mediana de 10 horas. A maioria dos trabalhadores (cerca de 63% deles) trabalha menos de 18 horas por semana. Isso é particularmente significativo, considerando que 57% dos turkers brasileiros têm algum tipo de trabalho fora da plataforma da AMT. Desse total, 28,9% afirmam ter contrato formal e 23,5% se identificam como autônomos (gráfico 1). Quando perguntados sobre quanta experiência possuem no AMT, 52,3% afirmam trabalhar na plataforma há menos de dois meses – indicando que esse tipo de trabalho é uma realidade recente no Brasil (gráfico 2).
Gráfico 1 – Respostas às perguntas “Você possui algum outro tipo de trabalho?” e “Qual sua condição de trabalho?”
Fonte: Produzido pelos autores
Gráfico 2 – Resposta à pergunta “Há quanto tempo você trabalha no AMT?”
Fonte: Produzido pelos autores
Um total de 44% dos participantes disse que trabalha para outro serviço de microwork e/ou serviços de crowdwork, indicando que a plataforma da Amazon é apenas uma de muitas outras plataformas possíveis de trabalho digital utilizadas pelos turkers brasileiros. Clickworker e Appen foram as duas empresas mais citadas, seguidas pelas Figure Eight e Uber. Cerca de 43% dos turkers pesquisados não têm outro emprego senão os serviços de crowdwork. Desses, 66,1% não têm emprego formal há mais de um ano (gráfico 3). Esse alto número de turkers desempregados há muito tempo mostra como a AMT é uma opção para os chamados desalentados, uma massa crescente de brasileiros que, desencorajados pela frustração contínua de procurar emprego, desistem de buscar uma ocupação formal. Em maio de 2019, segundo o IBGE, os desalentados correspondiam a 4,9 milhões de pessoas no Brasil, a maior quantidade desde que começaram a ser estudadas, em 2016.
Gráfico 3 – Respostas às perguntas “Você tem outro tipo de trabalho?” e “Desde quando você está desempregado?” (Total de respostas: 62 de 149 totais)
Fonte: Produzido pelos autores
Em paralelo com o grande número de turkers que se encontram foram do mercado de trabalho formal, cerca de um terço (31%) deles são completamente ou parcialmente dependentes do AMT para se manter financeiramente (gráfico 4). Esse número é semelhante aos resultados encontrados por Ross et al. (2010) com trabalhadores turkers indianos, e é muito maior do que os encontrados entre os turkers dos EUA (14%). O que complica ainda mais essa dependência da AMT é o fato de que, quando são dadas apenas duas opções, 54,4% dos entrevistados brasileiros sentem que não recebem um pagamento justo pelo trabalho realizado na AMT, enquanto os demais (45,6%) acreditam que a compensação é satisfatória. Isto leva à conclusão de que trabalhadores do Brasil (e potencialmente também de outros países do Sul Global) são mais dependentes dessas plataformas para seu sustento, enquanto recebem também um pagamento muito baixo.
Também é importante destacar que os turkers brasileiros recebem pagamentos em dólares, o que significa uma troca de uma moeda forte (dólar estadunidense) para uma moeda mais desvalorizada (real). Por esse motivo, é muito comum ler celebrações no grupo de WhatsApp quando o dólar está mais valorizado no Brasil, devido a eventos políticos ou econômicos, o que significa que esses turkers irão receber mais por seu trabalho. Essa flutuação da moeda pode causar diferenças de mais de 10% de um dia para o outro, e ainda mais de semana para semana. Essa dependência de uma infraestrutura separada (flutuação da moeda) é mais um risco que os turkers brasileiros assumem e têm de gerenciar como parte de seu trabalho.
Gráfico 4 – Respostas à pergunta “O dinheiro que ganho na AMT é ...?”
Fonte: Produzido pelos autores
O contexto de aumento do desemprego no Brasil é um dos motivos que tornam as complicadas condições de trabalho da AMT atraentes para os turkers brasileiros. Um total de 42% dos entrevistados disse que pesquisa frequentemente na web empregos on-line, renda extra, como ganhar dinheiro sem trabalhar fora de casa e outras consultas relacionadas a ganhos financeiros mediados digitalmente. Como parte desse contexto de busca ávida por oportunidades, eles encontram a AMT como uma plataforma flexível para trabalhar em suas próprias casas. Uma vez encontrada essa oportunidade, os turkers brasileiros tentam fazer o possível para tornar a AMT um local de trabalho sustentável, inclusive apoiando-se como uma comunidade. Durante a observação do grupo do WhatsApp, um ritual de boas-vindas se torna visível quando novos participantes se juntam ao grupo e se apresentam como recém-chegados. Na maioria das vezes, um veterano responde imediatamente com uma mensagem como: “Bem-vindo!! Concentre-se e acredite em você mesmo. Com isso, vai ganhar dinheiro aqui. Deus te abençoe!!”.
Essa retórica que combina empreendedorismo com elementos de religiosidade e autoajuda aparece frequentemente quando os turkers descrevem seus trabalhos realizados na plataforma.[6] Em uma das perguntas da pesquisa, apresentamos a figura do deus Atlas carregando um globo (fotografia 1). Pedimos aos participantes que explicassem se a imagem (apresentada sem legenda) tinha algo a ver com o que fazem na AMT e de que maneira – uma pergunta intencionalmente aberta. Cerca de 45% dos turkers associaram diretamente o esforço desse personagem para levar o mundo nas costas ao trabalho que realizam na AMT. A maioria, no entanto, se distanciou dessa associação, utilizando ideias de superação de adversidades e uma lógica de empreendedorismo e orgulho do próprio esforço:
“Trabalho duro nunca falha”.
“Trabalho escravo? Bem, eu não sou forçado, então não, eu faço isso por minha própria conta”.
“Não, pois estou fazendo por vontade própria, portanto não posso reclamar do peso ou da dificuldade”.
“Acho que os HITs são um teste de resistência, pois a maioria desiste na primeira semana por achar que os de 1 centavo são inúteis”.
“Eu quero mais empregos para poder viver minha vida em grande estilo”.
“Espero continuar prosperando... seguindo em frente sempre... obrigado por tudo”.
Fotografia 1 – Após uma insurgência, Atlas foi punido por Zeus por carregar o mundo e seu conhecimento. Sua história está associada ao excesso de obrigações e tarefas às quais estamos constantemente submetidos
Fonte: Dan Balle. Disponível em: https://br.pinterest.com/pin/468233692503343147/. Acesso em: 12 maio 2019
Essas e outras respostas frequentemente mencionam a ideia de que os turkers fazem parte do futuro do trabalho, que eles identificam como motivo de orgulho e de satisfação. Esse pertencimento a uma comunidade de trabalhadores do futuro é apresentado como um benefício, mesmo que esteja claramente em conformidade à dura realidade imposta pela AMT e suas regras:
“Flexibilidade é o futuro”.
“A tecnologia é uma parte da nossa vida humana. Devemos aceitar isso”.
“Você tem acesso a novas tecnologias que estarão cada vez mais presentes na vida das pessoas”.
“Acredito muito na Inteligência Artificial e é uma honra poder ajudar de certa forma”.
“Talvez eu tenha aderido a um modelo de trabalho que seja comum nos próximos anos”.
Entramos em contato com o último turker da lista acima para entender melhor se esse sentimento de estar em um trabalho que possa ser comum no futuro é uma razão para se orgulhar:
Não vou escrever aqui que é um trabalho leve. Estaria mentindo. Mas como sou grande fã de si-fi [sci-fi] costumo também pensar que é no mínimo muito legal saber que as máquinas estão ficando inteligente por minha causa. Claro que uma parte mínima, mas mesmo assim haha.
Em seguida, perguntamos ao turker se esse sentimento de orgulho em ser parcialmente responsável por uma máquina inteligente seria maior se o trabalho dele fosse mais valorizado e bem remunerado:
Esse é um ponto interessante. Um dia fiquei pensando como seria interessante se eu pudesse receber não só pagamento em dinheiro, mas em cursos, para que me tornasse mais inteligente e, assim, contribuísse para uma tecnologia ainda mais fina. Seria bom se eu fosse visto como um professor – não que um professor seja bem valorizado no Brasil, mas deveria. Um professor de máquinas...
Embora esses trabalhadores frequentemente enfrentem longas horas de trabalho e baixos pagamentos, adotam uma visão de que fazem parte de uma crescente força de trabalho empreendedora e voltada para o futuro. O “trabalho fantasma” é definido como um tipo de trabalho altamente alienado (no sentido de Marx), mas os trabalhadores ainda encontram e constroem para si mesmos noções, ainda que pequenas, de pertencimento a uma comunidade, um propósito, associados a certa esperança e otimismo diante do futuro tecnológico.
Existe certo paradoxo se os turkers se veem ou não como trabalhadores. Quando perguntados diretamente sobre isso, a grande maioria tende a concordar que o que eles fazem é trabalho. Em uma seção do questionário, solicitamos que respondessem à declaração “O que faço no Amazon Mechanical Turk é um tipo de trabalho” (gráfico 5). O grau médio de concordância foi de 2,1; uma proporção significativa; 47% concordam totalmente, seguido por 18,8% que concordam parcialmente. Apenas 5,4% discordaram totalmente da ideia de que suas ações na plataforma podem ser consideradas um tipo de trabalho, indicando que há forte concordância com a frase.
Gráfico 5 – Respostas à frase “O que faço no Amazon Mechanical Turk é um tipo de trabalho”. De uma escala de 1 a 5, em que 1 é “Concordo totalmente” e 5, “Discordo totalmente”
Fonte: Produzido pelos autores
Esse nível de concordância com a AMT ser uma forma de trabalho, no entanto, não é tão fortemente encontrado quando analisamos respostas para outras questões que associam a plataforma a problemas e direitos trabalhistas. Quando perguntados se a ausência de leis regulatórias no AMT (além dos Termos de Serviço da Amazon) é justa, 54,4% dos turkers brasileiros responderam “sim”. Essa maioria parece aceitar as condições regulatórias atuais que privilegiam os solicitantes da AMT em detrimento de trabalhadores como eles. Embora seja um achado interessante, faz sentido à luz do cenário cultural mais amplo do Brasil: 41,4% da população empregada trabalha informalmente (RENAUX, 2019) e parte da população apoia um governo que promete a redução de direitos trabalhistas para supostamente gerar mais empregos.
Outro aspecto que complica a compreensão da AMT como um tipo de trabalho é o contexto doméstico e a flexibilidade oferecidos. Quando perguntado “Olhe para um objeto perto de você e responda: o que você vê?” todas as respostas obtidas indicam que trabalham em suas próprias casas, cercados por muitos tipos de objetos pessoais:
“Um sofá”.
“Eu vejo uma tigela de cereal, minha caixa de charuto, meu telefone e algumas fotos da família ao lado da minha torre de computador”.
“Travesseiro”.
“O controle remoto da televisão”.
“A imagem de um Orixá, Oxumare”.
“Uma foto de Jesus”.
Reforçando esse ambiente de trabalho casual e flexível, os turkers brasileiros responderam que também fazem outras coisas enquanto trabalham na AMT. Uma parcela de 38,3% afirma assistir a conteúdo de TV, Netflix ou YouTube enquanto executa os HITs. Como um turker brasileiro respondeu: “Este é um trabalho típico para um mundo cada vez mais multidesk [multitasking]. Trabalho e lazer estão agora mais misturados do que nunca”. Como mostram muitos outros estudos sobre turkers (GRAY e SURI, 2019; HARA et al., 2019), alguns brasileiros também parecem gostar do que fazem porque podem ficar em casa realizando HITs, evitando assim engarrafamentos, podendo cuidar de familiares, ou aproveitando a flexibilidade do seu tempo. Um exemplo disso é um turker que apontou que a AMT é “uma maneira de ganhar dinheiro porque eu tenho um filho pequeno e prefiro ficar com ele para oferecer mais cuidados”.
Na pesquisa, fizemos perguntas para entender o quanto esses trabalhadores brasileiros se sentiam parte da construção e da manutenção de sistemas tecnológicos, incluindo os de IAs. Cerca de 10% disseram categoricamente que não podiam explicar como o papel deles no AMT está associado à tecnologia. O restante (90%) respondeu de maneira bastante diferente, sugerindo diversos níveis de compreensão de seu apoio aos sistemas tecnológicos. Algumas dessas respostas foram sucintas, como um dos turkers brasileiros que se definiu como “peão da tecnologia”. Outras respostas mais detalhadas incluem:
“Eu rotulo e ajudo máquinas de IA a examinarem dados a partir do meu trabalho, então estou ajudando o mundo a ser mais digital”.
“Ah, puramente análise de dados, né? Às vezes precisa de uma mãozinha pra tecnologia poder analisar tudo, porque os bots confundem muita coisa. Esses dias fiz uma pra analisar uns humanos 3D feitos por computador e que, meu deus, se não tivesse ninguém pra julgar ia sair um negócio muito ridículo”.
“Acredito que isso seja uma forma de estudar nossos comportamentos e habilidades como humano”.
Nossa pesquisa perguntou aos turkers, em uma escala de 1 (“Não responsável”) a 5 (“Muito responsável”), o quanto se sentem responsáveis pela operação e implementação de IAs no mundo atual. Um total de 28,9% entendem que são muito responsáveis, seguidos por 25,5% deles que disseram ser parcialmente responsáveis, o que demonstra um nível considerável de concordância (gráfico 6).
Gráfico 6 – Respostas à pergunta “Você se sente parte do funcionamento e da implementação das Inteligências Artificiais no mundo atual?”
Fonte: Produzido pelos autores
Também pedimos aos turkers que justificassem suas escolhas em respostas por escrito. Estas respostas mostram a frequência com que esses turkers reconhecem seu trabalho como parte de algo maior:
“uehuehuehuehuehuehuehueheuhe, é um orgulhinho bobo que sinto, mas é verdade. Acho uma boa motivação pra continuar fazendo isso aqui”.
“Sem nosso trabalho muita coisa não avançaria na criação e aperfeiçoamento de tecnologia”.
“São os humanos por trás dos dados que fazem os dados gerarem as automações usadas em AI”.
“Estamos de alguma forma contribuindo com padrões de comportamento e psique. As inteligências artificiais serão baseadas no senso comum destes comportamentos”.
“Pois explico tudo para as máquinas”.
Outras respostas revelam que alguns turkers brasileiros se sentem responsáveis, mas com muito mais moderação, compreendendo que o que fazem é uma parte muito pequena do desenvolvimento geral das IAs:
“Apenas damos uma ajudinha”.
“De certa forma tenho alguma importância, embora seja só um de milhares (ou milhões)”.
Por fim, alguns entrevistados não se sentem de todo responsáveis pela operação e implementação das IAs, pois não se consideram totalmente treinados para essa atividade:
“Eu não sou cientista”.
“Eu contribuo de alguma forma, pois utilizo os sistemas, dessa maneira, ele continua aprendendo com aquilo que eu pesquiso e etc., mas não participo de forma efetiva, pois não desenvolvo tais softwares”.
“Na verdade eu não entendo de inteligências artificiais”.
“Ela seria implantada sem minha ajuda”.
Respostas como essas estão diretamente associadas ao fato de que a grande maioria das tarefas na AMT não explica para que serão usadas, sejam aplicativos com IAs ou quaisquer outros serviços e estudos – conforme discutido anteriormente neste artigo.
Na pesquisa, perguntamos qual foi a tarefa mais estranha e a mais interessante que esses turkers brasileiros haviam realizado na plataforma. Isso ajuda a entender com mais precisão o trabalho diário dos turkers: um dia composto por muitas tarefas diversas. Os HITs que descreveram são um imenso conjunto de ações bastante peculiares:
“Analisar imagens de zebras”; “jogar videogame por 1 hora”; “repetir o que a voz do Google e da Alexa falam”; “assistir filmes e avaliá-los”; “identificar flores e frutas em plantas brasileiras”; “desenhar caixas em ratos de laboratório em diferentes fotos”; “marcar partes de corpos de pessoas lutando”; “responder verdadeiro ou falso em um questionário sobre maconha”; “circular quais funcionários em fotos estavam usando capacete”; “localizar endereços comerciais difíceis de serem encontrados em seus websites originais”; “fazer expressões faciais na câmera do computador”; “mapear móveis e pisos em uma cozinha”; “modificar frases escritas de forma imperativas como "tocar pagode na sala" para "dar play em uma música de pagode na sala”; “avaliar tweets no twitter”; “transcrever recibos comerciais”; “descrever o que se vê numa foto do Tom Hanks”; “tirar fotos dos olhos”; “filmar 40 gestos com a mão”; “dançar na frente da câmera”; “contar quantos grãos de milho havia em uma espiga” etc.
Além dessa diversidade, algumas das respostas sobre o trabalho realizado na AMT indicam um ambiente de trabalho repleto de tarefas que, a longo prazo, podem ter consequências negativas para a saúde desses trabalhadores. Isso pode incluir problemas como invasão de privacidade e exposição a imagens pornográficas e/ou violentas – como discutido em outros contextos tanto por Roberts (2019) quanto por Riesewieck e Block (The Cleaners, 2018). É comum encontrar nos títulos dos HITs uma indicação de que eles podem envolver conteúdo ofensivo.[7] Entre essas tarefas, destacamos aqui algumas que os turkers brasileiros mencionaram na pesquisa:
“Apertar um botão pra enviar sms para outras pessoas”; “análise de imagens sexuais”; “moderar fotos de sites de relacionamento adulto”; “produzir vídeos entrando e saindo de casa”; “tirar fotos da calça, muitas vezes com pontos de vistas que incluem regiões íntimas”; “assistir filmes pornográfico de até 30 minutos de duração”; “jogar um jogo no celular enquanto o rosto do trabalhador está sendo filmado”; “categorizar imagens de sites pornográficos”; “escrever uma histórica erótica”; “fazer upload de suas fotos pessoais”; “descrever imagens com pessoas mortas, repletas de sangue” etc.
Mesmo que seja um tipo de trabalho mais exigente, os entrevistados apontaram que as tarefas de moderação de conteúdo têm remuneração semelhante a outras que são menos exigentes: “Certamente a gente deveria ganhar mais por isso, não é fácil. Aqui é uma terra sem lei...”. Existem, no entanto, fortes consequências da Amazon não moderar as tarefas postadas em sua plataforma. Como explica um turker que detalhou este processo:
Olha, tem de tudo. Teve um que era pra fazer quadrados nas cabeças de porcos. Dava pra entender que era pra contar os porcos dos caminhões, mas mesmo assim achei muito cabreiro, um monte de porquinhos filhotes amontoados. Também teve o de analisar os vídeo das pessoas realizando ações em frente à porta, esse dava pra saber que era pra julgar o trabalho dos outros, mas, nossa, era muito estranho, eles falavam que esses vídeos são super confidenciais, de repente eu me sentia invadindo a privacidade das pessoas. Tem também o de julgar as fotos dos aplicativos de paquera, pra falar se tem pênis explícito e tal. E ainda tive uma vez que ficar vendo um monte de russos e japoneses carregando armas, claramente menores de idade. Esse último me deixou bastante mal emocionalmente falando por semanas e semanas.
Com tantos serviços problemáticos, como os listados acima e a falta de apoio ou responsabilidade por parte da Amazon, parece compreensível que alguns turkers tenham dado respostas que indicam se sentirem altamente insatisfeitos e ansiosos:
“Eu odeio esta plataforma. Tudo de errado com o mundo se resume aqui. Patrões que exploram e trabalhadores que se digladiam pra trabalharem que nem escravos”.
“É frustrante na maioria do tempo, parece que não consigo mais desligar, porque não ganho o suficiente e se eu for dormir aparecerá uma tarefa boa e vou estar dormindo. Até fiz uso de alguns remédios para conseguir descansar, meditação não ajudou. Quanto eu fazia um trabalho igual para outra empresa, mas com contrato por carga horária fechada, não cheguei nisso”.
“Eu não gosto de estar no computador tanto”.
Essas reclamações, entre outras, parecem vir do contexto de invisibilidade e informalidade ao qual os turkers estão sujeitos, assim como do papel da AMT como uma plataforma sem responsabilidade e prestação de contas aos trabalhadores. Em resposta a isso, há pouco a fazer além de os trabalhadores se auto-organizarem. Como bem dito por Angela Davis (2018, p. 56), não podemos sentir que basta ter ações individuais, porque “é nas coletividades que encontramos provisões de esperança e de otimismo”.
Em uma troca de e-mail, um turker brasileiro apontou uma relação interdependente entre a incapacidade de os turkers se comunicarem e o baixo pagamento oferecido pelos HITs:
Na minha primeira semana de trabalho, fiz um HIT muito exaustivo que pagou 0,01 centavos. Foi quando percebi que isolar quem trabalha lá [na AMT] é uma estratégia usada pela Amazon: sozinha, não tenho poder suficiente para reclamar da má qualidade das descrições, nem do pagamento.
Em resposta a esse sentimento de alienação, alguns dos turkers brasileiros se auto-organizam através do MTurk, um grupo do WhatsApp muito movimentado. Nele, cerca de 1500 mensagens são trocadas diariamente, incluindo não apenas texto, mas mensagens de áudio e várias imagens, como memes e figurinhas (stickers). A descoberta dessa comunidade de turkers brasileiros e de que eles se encontram e trocam mensagens diariamente também nos ofereceu um vislumbre de uma especificidade no contexto brasileiro: cerca de 120 milhões dos 210 milhões de brasileiros usam o WhatsApp e 92% deles usam a ferramenta pelo menos uma vez por dia.
No grupo, os turkers brasileiros trocam informações como as melhores tarefas do dia, dicas sobre como lidar quando seu trabalho é rejeitado pelos solicitantes e como minimizar as burocracias do sistema. A comunidade MTurk também é usada para a troca de mensagens afetivas e de estímulo, que podem envolver críticas ou piadas sobre algumas das tarefas oferecidas na plataforma – isso funciona como uma forma de interação informal no ambiente de trabalho digital, não muito diferente do que os trabalhadores comentam sobre seus superiores em uma empresa tradicional (ROY, 1959). Cerca de 22% dos stickers (figurinhas como emoticons, muito populares entre brasileiros no WhatsApp) enviados por integrantes do grupo estão associados a sentimentos de estresse ou indignação pelos tipos de trabalho encontrados na plataforma da Amazon, como mostra a imagem 1. Esta formação de uma comunidade local brasileira confirma estudos anteriores de que, em termos gerais, os turkers geralmente se conectam àqueles de uma localização geográfica semelhante (YIN et al., 2016) para, por exemplo, ajudarem-se na inscrição e burocracias de pagamento, assim como compartilhar informações sobre tarefas lucrativas.
Imagem 1 – Alguns das figurinhas (stickers) enviados no grupo MTurk do WhatsApp Essas imagens foram compartilhadas como reações a algumas das tarefas oferecidas na AMT. No segundo adesivo, a capa de um livro lido por Caco, o Sapo (Kermit the Frog) é uma frase que diz “Como socar alguém pela tela do celular”; no terceiro, um cão muito irritado é acompanhado pela legenda "Quê?", expressando indignação
Fonte: Grupo MTurk, no Whatsapp. Acesso em: 12 nov. 2019
Além de servir como uma comunidade de apoio e interação informal, o grupo MTurk do WhatsApp serve como um espaço de reunião para mobilizações em prol de mudanças na AMT. A luta que une os turkers brasileiros efetivamente é a impossibilidade de receber pagamento pelos trabalhos de maneira direta. De acordo com os Termos de Serviço da Amazon, apenas trabalhadores residentes nos Estados Unidos e alguns selecionados da Índia e de 24 outros países podem receber seus pagamentos diretamente em uma conta bancária por transferência on-line. Para todos os turkers localizados em outros lugares, incluindo os brasileiros, o pagamento é transformado em créditos que devem ser usados exclusivamente no site da Amazon dos EUA. Isso adiciona outra camada de exploração aos turkers brasileiros: eles oferecem seus serviços a uma empresa e, quando são pagos, devem gastar seu pagamento em produtos disponibilizados pela própria empresa para a qual trabalham, o que aumenta ainda mais o lucro da empresa em questão. Isso os transforma em uma sub-subclasse, sendo explorada não apenas pelo trabalho que estão realizando e pelos seus baixos rendimentos, mas também pela camada adicional de não serem pagos diretamente por seus serviços.
Para os brasileiros, comprar algo na Amazon EUA significa pagar taxas e impostos expressivos, sem mencionar as muitas semanas até receberem seus produtos via entrega. Por que, então, os brasileiros aceitam condições de trabalho tão problemáticas e trabalham para receber créditos que dificilmente podem usar? O grupo MTurk é um espaço para compartilhar as várias maneiras de contornar essa realidade. Um site, por exemplo, permite comprar produtos da Amazon e receber o valor em bitcoins. Isso funcionou por algumas semanas, mas, sem maiores explicações, todos os turkers brasileiros que fizeram isso foram bloqueados e, desde então, ninguém conseguiu repetir essa operação. A maioria dos turkers brasileiros opta por uma estratégia semelhante: trocam seus créditos da Amazon por códigos de vale presente (gift card) de, entre outros, GooglePlay, Nintendo e Playstation. Em seguida, eles vendem esses gift cards em sites de leilão. Isso significa que, além de usarem uma parte do dinheiro para pagarem as taxas do leilão on-line, eles dependem do mercado volátil desses sites para venderem os gift cards.
Não é incomum os brasileiros serem bloqueados nesses leilões. Quando isso acontece com um dos membros do grupo, as tensões aumentam na expectativa de que essa possibilidade possa ser bloqueada pela Amazon. Por mensagem de áudio, o criador do grupo MTurk – um dos turkers mais ativos e solidários por lá – explicou o processo e seus obstáculos:
Compramos mais créditos do PlayStation porque é o que tem mais demanda, mas está devagar no momento, todo mundo está reclamando. Compramos esses créditos da Amazon e os vendemos no GameFlip, uma plataforma exclusiva para jogos. Lá você pode colocar os créditos que recebeu na Amazon, mas sempre precisa oferecer descontos [para vender os gift cards]. Este mês [julho] é horrível. O processo sempre significa perdas: você compra um gift card por US$ 10 e precisa vendê-lo por cerca de US$ 8,50, muitas vezes até menos do que isso. Como se isso não bastasse, uma vez vendido, você finalmente recebe o dinheiro via Paypal, descontando outros 8% do valor. Quando o valor do dólar cai, tudo fica ainda mais difícil.
Para tentar mudar essa situação de exploração do trabalho que está presente em várias camadas e etapas, os turkers brasileiros estão mobilizados. Quase todos os dias, eles enviam e-mails para a Amazon solicitando à empresa que permita que os brasileiros recebam seus pagamentos diretamente em suas contas bancárias, como acontece nos EUA, e às vezes na Índia e em outros países. Até agora, eles não receberam uma única resposta da Amazon. Embora suas queixas não tenham sido frutíferas e os turkers ainda não tenham poder suficiente para mudar a posição da Amazon, entendemos que esta criação de redes de suporte e organização é um importante passo na sua mobilização como força de trabalho.
Neste artigo, nos concentramos em entender melhor os trabalhadores da AMT (especificamente, os turkers) que são brasileiros. Um dos nossos principais objetivos foi estudar quais são as condições desse tipo de trabalho digital no Brasil. Como esperado, e em consonância com estudos anteriores de turkers nos EUA e na Índia, as más condições de trabalho dos turkers brasileiros envolvem baixa renda, alta carga de trabalho e diferentes formas de estresse e ansiedade. A falta de qualquer regulamentação faz com que, às vezes, os trabalhadores sejam expostos a conteúdo violento ou pornográfico, sempre sem qualquer forma de apoio por parte da plataforma ou solicitantes. Nossos resultados diferem dos estudos anteriores de turkers em outros países em três aspectos: o papel da AMT na vida econômica dos turkers brasileiros, as consequências da falta de pagamento direto e a importância do WhatsApp para sua organização.
Os turkers brasileiros, semelhantemente aos turkers indianos, são mais dependentes do dinheiro que ganham com a AMT para suas despesas básicas do que os turkers dos EUA. Uma grande quantidade de entrevistados afirmou estar em desemprego formal por um longo período de tempo. Esse tipo de trabalho parece estar, portanto, diretamente ligado ao aumento do desemprego no Brasil e à subsequente expansão da gig economy. Outra confirmação disto é que, em julho de 2019, o grupo de WhatsApp para turkers brasileiros contava com 108 participantes, número que aumentou para 165 em agosto de 2019. Uma vez dada a oportunidade de trabalhar na AMT, os turkers brasileiros encontram significado e motivação por meio de uma retórica de “trabalho duro nunca falha”. A flexibilidade dessa forma de trabalho é entendida como um de seus principais pontos positivos, com trabalhadores inseridos em um ambiente doméstico e de multitarefas (multitasking).
A conclusão mais específica deste estudo é que os trabalhadores no Brasil, diferentemente de muitos outros países, incluindo EUA e alguns trabalhadores indianos, são duplamente explorados: o trabalho deles não é apenas exigente e mal remunerado; eles também precisam se utilizar de diferentes subterfúgios para receberem seu pagamento. Como a Amazon não os paga diretamente por transferência para conta bancária, tal qual se remuneram os turkers em alguns outros países, os turkers no Brasil se encontram em uma situação complicada em um mercado não regulamentado. Embora a Amazon aceite trabalhadores do Brasil, seus procedimentos não oferecem a eles o aspecto mais básico de trabalho, que é o pagamento direto pelo serviço. Deste modo, a empresa é capaz de aumentar seus serviços no país, lucrando sem precisar prestar contas aos trabalhadores de sua plataforma, que se transformam, assim, em uma sub-subclasse.
As dificuldades que os turkers brasileiros enfrentam os fazem depender de grupos auto-organizados, como o grupo MTurk no WhatsApp, que funcionam como espaços para esses trabalhadores se reunirem e se apoiarem. Lá eles compartilham as dificuldades de ser um turker e maneiras de contornar a impossibilidade de receber pagamentos diretamente em suas contas bancárias. Essa mobilização ainda é frágil e não altera necessariamente as condições de trabalho da AMT, mas oferece alguma esperança de que, embora o trabalho de plataforma digital tente isolar os trabalhadores, ainda podem existir formas de mobilização e auto-organização. Embora estudos de turkers em outros países tratem de fóruns e de outras formas de conexão, não identificamos relatos sobre turkers usando o WhatsApp como um local crucial de organização como feito no Brasil.
Conforme indicado por Antunes (2019), o modo atual de trabalho digital em contextos do Sul Global possui especificidades em relação ao Norte. Entendemos que há forte necessidade de mais estudos sobre como o “trabalho fantasma” opera no Brasil, especialmente através de plataformas de grande escala do Norte Global que são importadas para o país. Estas operam frequentemente de forma irregular no Brasil, e estudos futuros podem apoiar esses trabalhadores melhor compreendendo seu trabalho e suas consequências sociais, melhorando assim a compreensão pública e a regulamentação/supervisão governamental.
Para concluir, devemos enfatizar que a interação entre humanos e máquinas obviamente não é um problema em si: os turkers são apenas uma maneira particular, um tanto preocupante, em que os seres humanos estão no circuito (humans in the loop). Se a interação homem-máquina é central para o futuro do trabalho, como alguns especulam, é fundamental que trabalhadores como turkers sejam tratados de maneira justa e responsável – mais como um cirurgião, que é mestre de um domínio complexo, do que como um peão de xadrez, uma peça perdida em um jogo complexo e injusto. Da mesma forma, é importante questionar se a insegurança no trabalho enfrentada pelos turkers afeta diretamente a qualidade do crucial trabalho que eles oferecem para apoiar os sistemas de inteligência tecnológica e artificial que são desenvolvidos e mantidos por meio de seus trabalhos. Em outras palavras: trabalhadores mais bem treinados e informados não ofereceriam resultados de maior qualidade a esses sistemas? Essa é uma pergunta fundamental para quem clama por infraestruturas digitais justas e éticas. Estes desafios não residem necessariamente na programação, mas possivelmente também nos contextos trabalhistas que dão suporte a essas tecnologias.
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Bruno Moreschi é doutor em Artes Visuais pela Unicamp e atua como pesquisador no GAIA (Grupo de Arte e Inteligência Artificial) /C4AI/Inova USP, da Universidade de São Paulo. Neste artigo, contribuiu liderando o projeto de pesquisa, conduzindo trabalho de campo e questionários, além de empreender a revisão da literatura e a escrita do texto.
Gabriel Pereira é doutorando pelo departamento de Design Digital e Estudos de Informação na Universidade de Aarhus (Dinamarca). Neste artigo, contribuiu com a metodologia de pesquisa, análise de dados, revisão da literatura e escrita do texto.
Fabio G. Cozman é professor titular na Universidade de São Paulo. Neste artigo, contribuiu com a supervisão de métodos e processos de pesquisa, escrita e revisão do texto.
Submissão em: 11/11/2020. Revisor A: 06/02/2020; Revisor B: 06/02/2020. Aceite em: 09/03/2020.
Ao citar este artigo, usar a seguinte referência: MORESCHI, Bruno; PEREIRA, Gabriel. COZMAN, Fabio G. Trabalhadores brasileiros no Amazon Mechanical Turk: sonhos e realidades de trabalhadores fantasmas. Contracampo, Niterói, v. 39, n. 1, p. 44-64, abr./jul. 2020.
[1] Este artigo foi escrito em colaboração com Gustavo Aires Tiago (gustavo.tiago@usp.br), estudante de graduação em Ciências Sociais da Universidade de São Paulo (USP). Embora Gustavo tenha contribuído para a análise dos dados deste estudo, ele não foi creditado enquanto coautor devido às diretrizes da revista, que não permitem listar um estudante de graduação como coautor. Os autores também gostariam de agradecer aos revisores por suas contribuições construtivas.
[2] Citações em inglês serão traduzidas por nós neste artigo.
[3] Os turkers são um pouco diferentes de outros trabalhadores, como os motoristas do Uber (WOODCOCK e GRAHAM, 2019), pois trabalham completamente pela internet e sem nenhum contato pessoal com os solicitantes do serviço. Há, porém, também semelhanças com esses outros trabalhadores, já que ambos atuam em horários indefinidos, permitindo efetivamente um trabalho sem dormir 24 horas por dia, 7 dias por semana típico do capitalismo tardio (CRARY, 2014).
[4] Um exemplo disso é o fato de o Brasil possuir o segundo maior mercado global da Uber, com mais de 600 mil motoristas registrados (OLIVEIRA e SALOMÃO, 2019).
[5] Como o número de turkers brasileiros não é conhecido, não é possível dizer se essa é uma amostra representativa.
[6] O discurso relacionado ao empreendedorismo também foi observado em outro projeto, Exch w/ Turkers, realizado por dois dos autores deste artigo (MORESCHI e PEREIRA) em parceria com o programador Bernardo Fontes, o designer Guilherme Falcão e a plataforma de arte on-line aarea. Em um site interativo, durante 20 dias de março de 2020, o público pôde conversar com cinco turkers (dois estadunidenses, dois brasileiros e um indiano). O conteúdo dessas conversas pode ser acessado em https://exchanges.withturkers.net/.
[7] Os que optam por executar esses serviços precisam passar por um ridículo e ineficiente controle que consiste basicamente em clicar em um botão de concordância, alegando ser alguém maior de idade e consciente de que pode encontrar algo pornográfico – uma maneira de a Amazon e os solicitantes protegerem-se de uma ação legal.