Submissão: 15/10/2018

Avaliações: 12/12/2018 e 15/03/2019

Aceite: 18/03/2019



TECNOLOGIAS DIGITAIS E TEMPORALIDADES MÚLTIPLAS NO ECOS-SISTEMA JORNALÍSTICO




Carlos Eduardo Franciscato

Universidade Federal de Sergipe

Doutor em Comunicação Social pela UFBA e Professora do Departamento de Comunicação da Universidade federal de Sergipe.

E-mail: cfranciscato@uol.com.br
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-5108-8677





Resumo


Novas formas de temporalidades múltiplas demarcam a experiência jornalística contemporânea em um ambiente de expansão de mediações tecnológicas, transfigurando a institucionalidade das mídias em uma multiplicidade de novos ambientes e práticas comunicacionais. Esta proposta de análise é explorada neste artigo por meio de uma articulação entre as noções de temporalidade e de mediação tecnológica. A investigação executou pesquisa bibliográfica e documental em literatura de referência e diagnósticos de institutos de pesquisa sobre as transformações recentes do jornalismo digital, oferecendo elementos para entender essas novas temporalidades jornalísticas atravessadas pela mediação tecnológica.


Palavras-chave


Temporalidade; Mediação Tecnológica; Ecossistema Jornalístico.



Abstract


New forms of multiple temporalities delimit the contemporary journalistic experience in an environment of expansion of technological mediations, transfiguring the institutionality of the media in a multiplicity of new environments and communicational practices. This proposal of analysis is explored in this article by means of an articulation between the notions of temporality and technological mediation. The work consisted on bibliographical and documentary research in reference literature and diagnostics of research institutes on the recent transformations of digital journalism, offering elements to understand these new journalistic temporalities crossed by technological mediation.


Keywords


Temporality; Technological Mediation; Journalistic Ecosystem.


Introdução


Os diagnósticos mais recentes sobre as transformações e tendências das organizações jornalísticas no mundo vêm criando, nos últimos anos, um cenário de transformações no jornalismo em que a tecnologia assume papel primordial nas novas configurações da atividade. Tais mudanças vêm afetando não somente as infraestruturas e as práticas profissionais, mas também vêm desafiando compreensões sedimentadas sobre o jornalismo. Entre essas, está a dimensão temporal que, desde as experiências iniciais do jornalismo no século XVII, tem sido um dos demarcadores de sua especificidade como fenômeno participante da construção de uma experiência de tempo social, resultante de uma objetivação de práticas, de relações sociais e de representações sobre o mundo.

Exploraremos, neste artigo, a hipótese geral de estar ocorrendo uma reformulação da experiência da temporalidade jornalística (e das mídias em geral) tendo por base a mudança no padrão de mediação produzido pelos aparatos da mídia digital. Se, no ambiente das mídias tradicionais, era possível pensar a mídia como sujeito institucional produtor de interações e intermediações no campo midiático, no ambiente das mídias digitais institui-se um novo tipo de mediação, a tecnológica, na forma de infraestrutura, linguagem, plataforma e ferramentas que condicionam e redirecionam formas e experiências comunicacionais. Assim, os termos temporalidade e mediação ganham um esforço de problematização de seus sentidos possíveis dentro do campo comunicacional.

Esse novo ambiente digital (interacional e cognitivo) opera práticas comunicacionais que apontam para uma reconfiguração de formas convencionais de mediação exercidas pelas mídias tradicionais, como a mediação institucional. Com a mediação tecnológica, expandem-se novas lógicas mediadoras, agora capitaneadas pelas tecnologias digitais de participação e interação em redes. Elas transfiguram a institucionalidade das mídias em uma multiplicidade de novos ambientes e práticas comunicacionais que vêm redefinindo organizações e coletividades em direção a uma ampliação no ingresso e participação de novos usuários, reforçando uma ideia de ecossistema com maior capilaridade, diversidade e integração.

Formas temporais características das mídias jornalísticas tradicionais – instantaneidade, simultaneidade, periodicidade, novidade e revelação pública (FRANCISCATO, 2005) – são também atualizadas por esse novo ambiente. A delimitação do tempo presente como um demarcador da experiência jornalística é, assim, inquirida a partir de novas promessas de temporalidades múltiplas surgidas para estes ambientes digitais.

De forma mais específica, a investigação constante neste trabalho explora um tipo particular de mediação, de natureza tecnológica, que tem se tornado uma das bases para as novas configurações e práticas midiáticas na sociedade. Além disso, vem direcionando novas possibilidades de experiências temporais da mídia na sociedade. O jornalismo carrega, entre suas características centrais, a criação de sentidos de tempo presente nos conteúdos e práticas sociais de que participa. Assim, a proposta deste trabalho é procurar entender como essa mediação tecnológica modifica processos e relações temporais na atividade jornalística centralmente afetada pelas tecnologias digitais da informação e da comunicação.

Dois percursos teóricos sustentam essa discussão: por um lado, o entendimento da temporalidade como fenômeno que se manifesta de forma particular no jornalismo; de outro, a mediação tecnológica como uma condição emergente das sociedades contemporâneas. O questionamento sobre os modos como essas duas perspectivas se articulam no jornalismo digitalizado é executado com base em duas operações metodológicas: pesquisa bibliográfica sobre as bases conceituais desses fenômenos; e pesquisa documental em relatórios e diagnósticos sobre jornalismo digital produzidos nos últimos anos por três organizações de pesquisa sobre o jornalismo: The Tow Center for Digital Journalism, Pew Research Center e Reuters Institute for the Study of Journalism. Os dados oferecidos por esses relatórios servirão como material para a interpretação de novos cenários da temporalidade no jornalismo atravessada pela mediação tecnológica.


1. A temporalidade social


O jornalismo tem sido um fenômeno participante da construção de uma experiência de tempo social, por meio de uma objetivação de práticas, de relações sociais e de representações sobre o mundo. Como construção relacional, o tempo do jornalismo se vincula ao tempo da experiência dos atores sociais, um tempo presentificado pela ação social, com tendência à padronização e regulação dos ritmos da vida cotidiana, afetando indivíduos e instituições.

Esta perspectiva social do tempo origina-se em uma abordagem sociológica que tem suas raízes em Durkheim (1965) e posteriormente em Sorokin e Merton (1937), atribuindo ênfase em funções normativas e integrativas. Norbert Elias define o tempo como uma "representação simbólica de uma vasta rede de relações” (1998, p. 17). Giddens (1989, p. 14) observa como a temporalidade se institucionaliza em três dimensões: a durée da experiência cotidiana; o tempo de vida do indivíduo; e a longue durée de instituições – em que "cada uma participa na constituição da outra" (1989, p. 28).

Sabemos que a regulação institucional do tempo se tornou um fator operacional ao funcionamento do capitalismo moderno e da sociedade complexa em geral (SEGRE, 2000, p. 163). Ao mesmo tempo, ela assume um aspecto individual, pois serão indivíduos que agirão no espaço social conforme os condicionantes temporais existentes desde uma etapa muito precoce da vida de cada um (ELIAS, 1998, p. 22).

Um tipo específico de temporalidade é nuclear ao jornalismo: a experiência do tempo presente, a partir da qual diversas literaturas em jornalismo têm adotado a expressão “atualidade jornalística” como marca específica desta atividade. O tempo presente no jornalismo pode ser compreendido a partir de três fundamentos:

a) o tempo presente é perspectivado, dependendo de referências socioculturais que permitem aos indivíduos construírem um sentido de presente em relação a um passado e a um futuro;

b) O tempo da experiência do ator ao agir no mundo é prioritariamente presente. A construção social de um sentido de tempo presente ocorre na tensão e na articulação entre diferentes formas de agir do ator no ambiente social, pois está enraizada na vivência presente. Em sua obra The Philosophy of the Present (1959), George Herbert Mead busca entender o mundo como centrado em um presente;

c) As rotinas da vida cotidiana estão repletas de marcadores do tempo presente. A vivência no mundo da vida cotidiana implica um referencial de lugar e tempo marcado pelo “aqui e agora” (BERGER E LUCKMANN, 1978, p. 39).

O termo cotidiano é referido aqui a um ambiente espaço-temporal caracterizado pela frequência e repetição de ações e conteúdos específicos, que demarcam um tipo de situação ou posição social ou, conforme Giddens, situações em que há “preponderância de estilos e formas de conduta familiares, sustentando e sendo sustentada por um senso de segurança ontológica” (1989, p. 304). Segundo Sodré, o discurso jornalístico “opera uma apropriação industrial do tempo e sua redução à experiência da cotidianeidade”, atendendo a uma “retórica organizadora da singularidade factual do cotidiano” (1996, p. 134-135).

Estudos recentes têm reforçado a multidimensionalidade das experiências contemporâneas do tempo social, atualizando essa abordagem. Green (2002, p. 283) nos indica mudanças na organização temporal ao longo do século XX, envolvendo relações entre o tempo natural, o social, o cronológico e o individual-subjetivo, transformações estas associadas a mudanças na experiência do espaço, mobilidade, fronteiras do público e do privado e na construção das relações espaço-temporais nas cidades. Cipriani desloca-se de uma ideia de tempo homogêneo e contínuo para uma proposta de “pluralidade de temporalidades e uma multiplicidade de formas de conhecimento, consolidadas ou ainda a serem adquiridas” (2013, p. 5). Nugin (2014, p. 342) acentua que o tempo é um “fenômeno de múltiplas camadas”, uma relação entre tempo pessoal e tempo social, mas este também diferindo de um grupo social para outro. Nestas diferentes experiências e percepções temporais, a tecnologia tem exercido um impacto cada vez maior, constata Gray (2017, p. 61), em seus estudos sobre o tempo nos processos educacionais.

Com as novas configurações sociais reorganizadas com base em tecnologias digitais interativas, esse impacto alcança, de forma variada, diferentes grupos e relações sociais. Green (2002, p. 283) explora um desses fenômenos, que são as tecnologias de comunicação móvel, propondo três experiências de tempos móveis emergentes: as alterações dos ritmos das atividades sociais com o uso de dispositivos móveis; a penetração dos dispositivos móveis no cotidiano dos indivíduos, incluindo o espaço familiar; e as relações entre esse tempo cotidiano alterado e processos sociais mais amplos. Por isso, conclui que as relações entre o espaço móvel e o tempo na vida contemporânea não são constantes, mas mediados localmente em vários níveis, desde o pessoal, o institucional e coletivos mais ampliados.


2. A temporalidade jornalística


Essa perspectiva de tempo social dá base para uma formulação que fizemos (FRANCISCATO, 2005) para caracterizar o fenômeno temporal no jornalismo ao destacar alguns de seus traços fundamentais:


Para tornar mais sistemáticas essas percepções, cinco categorias descritivas da atualidade jornalística, construídas historicamente, podem ser usadas para descrever tipos específicos de fenômenos temporais que o jornalismo opera:

a) instantaneidade: refere-se a uma possibilidade material de ausência do intervalo de tempo entre a ocorrência de um evento e seu registro, transmissão e recepção por um público, assim como uma referência simbólica que vincula fenômenos socioculturais a experiências do presente.

b) simultaneidade: o jornalismo opera relações de simultaneidade ao propor sincronizar ações, eventos e sujeitos em um mesmo momento, mesmo que ocorram diferenças na velocidade de realização, duração, conseqüências ou desdobramentos.

c) periodicidade: A produção regular de notícias deu à sociedade um envolvimento continuado com eventos, desenvolvendo padrões de acompanhamento e lembrança e direcionando modos de definir notícia. Hoje, esse modelo tradicional é desafiado pela instantaneidade do fluxo contínuo.

d) novidade: a notícia é indissociável de uma lógica de inovação, originalidade ou renovação que padroniza um modo de reconhecer e definir eventos e os apresentar publicamente por meio do relato jornalístico.

e) revelação pública: o jornalismo constroi temporalidade em sua lógica discursiva, pois intervém na construção do tempo ao ser enunciado por meio de regras discursivas. O tempo da enunciação é, para o jornalismo, um marco zero no tempo de circulação pública de uma notícia.


Nos últimos anos, a temporalidade jornalística tem sido um fenômeno tratado em estudos diferenciados conforme a base teórica que sustenta a abordagem. É perceptível uma ascendência dos estudos de linguagem e narrativa buscando entender os efeitos de sentido temporal presentes no discurso jornalístico, em particular o de atualidade nos jornais impressos diários (ANTUNES, 2007). A noção de acontecimento surge, então, como referencial para repensar essa configuração discursiva do jornalismo.

Com o espalhamento do jornalismo pelos suportes digitais em rede, os gêneros jornalísticos oriundos de mídias tradicionais, como a televisão e o rádio, vêm tendo seus valores temporais de referência redefinidos (OLIVEIRA, 2017) na medida em que o tempo da veiculação não necessariamente corresponde ao tempo da audiência ao assistir a seus produtos, disponíveis na web para acesso em experiências temporais particulares. Se a periodização da veiculação perde centralidade na interação comunicacional, cresce a importância de novos indicadores temporais, como a cultura da velocidade, o fluxo contínuo e a temporalidade múltipla em mídias como o rádio (MELLO, 2014) em ambientes de convergência midiática.

Ao mesmo tempo, suas múltiplas ferramentas e suportes digitais tensionam as construções sociais do tempo. A categoria da memória (RIBAS, 2012) é afetada por dispositivos de indexação e recuperação de informações, alterando padrões de lembrança e esquecimento social, ao tornar disponível o passado indexado para fatos jornalísticos do presente. O jornalismo, ao mesmo tempo em que constrói marcas de temporalidade a partir de sua narrativa cotidiana, influencia as percepções sobre a história ao operar movimentos entre o passado, o presente e o futuro (MATHEUS, 2010).


3. A mediação social


Mediação é um termo polissêmico nas ciências humanas. Tem raízes na filosofia, na educação e nas ciências sociais aplicadas em geral. Seus usos, portanto, também variam entre uma ideia de termo médio na filosofia como forma de articular dois elementos em um raciocínio, passando por uma ideia de intermediário que auxilia ou opera uma aproximação ou encontro entre sujeitos e também uma ideia de substrato que viabiliza ou estabelece as condições para um conhecer ou um agir, seja como ordenamento, atribuição de sentido ou representação de uma realidade. Para os propósitos deste artigo, serão acentuadas a segunda e a terceira formulações, incorporadas pelo jornalismo.

No ambiente teórico das ciências sociais, as formas de mediação social têm sido consideradas do ponto de vista das relações socioculturais (como mediadoras dos processos sociais) ou com um acento aplicado ao papel que os meios de comunicação exercem nesta experiência. Couldry (2008, p. 379) explica que um uso sociológico mais amplo do termo contempla qualquer processo de intermediação, como por exemplo o dinheiro e os meios de transporte. Reconhece, no entanto, um crescimento de sua compreensão nos estudos de mídia a partir da década de 1990, com ênfase sobre os efeitos das atividades midiáticas sobre o mundo social.

Um autor central para os estudos da mediação no campo das ciências sociais é Roger Silverstone (2005, p. 202-203), para quem a crescente centralidade da mídia no exercício do poder e na condução da vida cotidiana das sociedades modernas tem colocado o estudo da mediação no centro da agenda sociológica. O autor reconhece que os processos de mediação apresentam um duplo protagonismo pelos meios de comunicação e pelos sujeitos sociais que recebem esses conteúdos e são, também, mediadores.

Nas práticas midiáticas, a mediação pode ocorrer em diferentes momentos do fluxo comunicacional: na produção, circulação, interpretação, recepção ou recirculação, “à medida que as interpretações voltam à produção ou para a vida social e cultural geral” (COULDRY, 2008, p. 380). Se esse desenho insinua um fluxo circular e linear, Couldry ressalta que uma das características da mediação é sua não-linearidade, ocorrendo em níveis e sentidos diferenciados conforme as situações sociais, reforçando uma ideia de complexidade de processos múltiplos e, muitas vezes, dialéticos (COULDRY, 2008, p. 389). Lunt e Livinstone (2016, p. 464) preocupam-se em diferenciar mediação e midiatização, ressaltando, nesta, características específicas nem sempre presentes no primeiro termo, como a extensão, para o social, das capacidades humanas da comunicação, em alguns momentos substituindo atividades sociais anteriores por experiências midiatizadas.

Devido a essa forte ascendência da mídia nos processos de mediação, é compreensível sua presença como um fenômeno recorrente no campo comunicacional. Nestes estudos, o termo mediação tem alcançado algumas dimensões predominantes: cognitiva (mediação discursiva entre sujeitos e realidade), interacional (prática social de construção de sentidos), institucional (atores com legitimidade social para ter uma atuação mediadora entre atores e campos sociais) e tecnológica (como dispositivo que viabiliza materialmente as interações).

Uma das principais contribuições a esse debate ocorreu por meio da obra de Jesús Martín-Barbero, particularmente seu livro Dos meios às mediações, bem como suas revisões posteriores. Se naquele livro Martín-Barbero (1997) se referia às “mediações culturais da comunicação”, citando particularmente três lugares de mediação – o cotidiano familiar, a temporalidade social e a competência cultural –, em visitações posteriores ele sofistica sua tese e, sem rejeitar as afirmações anteriores, revê o papel da comunicação no processo cultural, propondo as “mediações comunicativas da cultura”: a “tecnicidade”; a “institucionalidade” crescente dos meios como instituições sociais, a “socialidade” e a “ritualidade” (MARTÍN-BARBERO, 2009, p. 151-2).

Foge à pretensão deste artigo explorar a riqueza dessa leitura, mas apenas acentuar o amadurecimento do autor nesta questão: “tinha que fazer uma mudança que não era ir das mediações aos meios, mas perceber que a comunicação se adensava diante da nova tecnicidade, era a ‘institucionalidade’ da tecnicidade” (2009, p. 153). Ao mesmo tempo, pode-se destacar o reconhecimento do pesquisador a respeito do movimento do seu pensamento em busca da compreensão do fenômeno e de “mutações culturais contemporâneas, cujos eixos são tempos/espaços e migrações/fluxos” (2018, p. 24).


A mediação tecnológica

Dentre essas novas mediações comunicativas da cultura, pode-se explorar a “tecnicidade” como categoria analítica para o propósito de elucidar novas temporalidades que se constituem em ambientes do jornalismo digital. Martín-Barbero caracteriza a tecnicidade como a “espessura sociocultural das novas tecnologias”, que possibilita olhar para um “novo estatuto social da técnica” (2018, p. 18). Ela age “não só no espaço das redes informáticas, como também na conexão dos meios – televisão e telefone – com o computador” (2018, p. 18).

Girardi Júnior interpreta esta tecnicidade em Martín-Barbero pela forma como ele reconhece o computador não exatamente como uma máquina de produção e disponibilização de objetos simbólicos, mas executora de uma tarefa de mediação ao processar informações: “O código numérico passa a ser um dos mediadores universais da produção simbólica sob essa nova tecnicidade” (GIRARDI JÚNIOR, 2018, p. 150). É uma lógica computacional que possibilita a emergência de novos formatos industriais. “Não há dúvida de que muitas, até mesmo todas as dimensões da sociedade são agora mediadas por tecnologias digitais em rede de maneiras que importam e, muitos concordariam, que importam cada vez mais”, observam Lunt e Livinstone (2016, p. 463), cenário que os autores acham possível aplicar o termo “midiatização”.


A mediação jornalística

Quais tipos predominantes de mediação o jornalismo exerce na sociedade? As quatro dimensões da mediação midiática citadas anteriormente – cognitiva, institucional, interacional e tecnológica – estão presentes na atividade jornalística. A primeira pode ser expressa na ideia de que “o jornalismo se constitui em uma atividade com base no contrato de mediação cognitiva entre a realidade e os indivíduos” (GUERRA, 2008, p. 143). O que sustenta essa perspectiva cognitiva é a promessa do jornalista de levar os fatos, na forma de relatos, para um público. Para isso, recorre a uma noção de verdade e de fidelidade desses relatos por meio dos quais os indivíduos alcançariam a realidade das ocorrências.

Mas este esforço de busca pela verdade ocorre porque o jornalista procura cumprir outra forma de mediação, a institucional. “O princípio geral que estrutura a instituição jornalística em sua concepção moderna é a função mediadora que lhe cabe, isto é, operar a oferta de informações sobre fatos da atualidade para os indivíduos” (GUERRA, 2008, p. 144). Esta então seria uma mediação restrita à disponibilização de informações jornalísticas, uma mediação informativa.

Acontece que o cenário contemporâneo do jornalismo tem sido afetado por uma ideia de crise ou perda de legitimidade, centralidade, reconhecimento e rentabilidade como organização jornalística capaz de produzir um conhecimento socialmente relevante para seus públicos. Exemplo de tal fato, as tensões entre o modelo de jornalismo comercial e os valores do jornalismo como instituição social,se estabeleceram a partir do século XIX em países como os Estados Unidos, atravessaram o século XX e ganham, neste século, ares de um impasse irreconciliável.

Nesta mesma perspectiva de mediação de sentidos sociais, Cremilda Medina acentuou a dimensão interacional, dialógica e temporal da mediação jornalística, embora operando em uma perspectiva microssocial de análise em que a construção social dos sentidos não está concentrada nas instituições, mas no cotidiano, nas ruas. A autora buscou apreciar “a prática do repórter como um mediador social dos discursos da atualidade” (2003, p. 34) produzindo “mediações socioculturais do presente” (2003, p. 79). Para a autora, a dialogia social presentifica: “ao desejar contar a história social da atualidade, o jornalista cria uma marca mediadora que articula as histórias fragmentadas” (2003, p. 48).


4. Temporalidades jornalísticas e mediações tecnológicas


Como se manifesta a mediação tecnológica no jornalismo digital e como ela altera experiências temporais que o jornalismo produz? Essa questão foi explorada com base em relatórios e diagnósticos sobre cenários e tendências do jornalismo digital produzidos entre 2012 a 2018 por três organizações de pesquisa sobre o jornalismo: The Tow Center for Digital Journalism, Pew Research Center e Reuters Institute for the Study of Journalism. No conjunto, esses dossiês expressam as mudanças mais recentes em curso no jornalismo, sejam estruturais ou inovações em práticas, processos e produtos jornalísticos. Da variedade de novas situações, foram acentuadas aquelas capazes de influir nos processos de construção simbólica e experiência temporal do jornalismo.

A base computacional que regula essa nova prática jornalística rompe com as rotinas e hábitos constituídos nas e pelas mídias tradicionais. Elementos como algoritmos, inteligência artificial, automação, redes sociais digitais e big data são dispositivos que estruturam vastas áreas de operação na internet. Eles compõem essa tessitura de tecnicidade, atuando como mediadores tecnológicos porque condicionam e introduzem novas possibilidades de experiências socioculturais: afetam a lógica de funcionamento das mídias tradicionais, conduzindo-as a operar dentro desse novo espaço informacional; ampliam recursos e competências comunicacionais de produtores e públicos; estabelecem códigos, formatos, possibilidades de conexão, leitura e compartilhamento de unidades textuais diversas; inovam os formatos industriais e alimentam a emergência de novos padrões; intensificam situações de trânsito entre formas de mediação midiática, particularmente a institucional (geradas no seio das mídias) e a interacional (desencadeadas nos encontros pulverizados pelas redes sociais digitais).

Seria equivocado perceber esses elementos tecnológicos como fatores isolados. São, na verdade, expansões de um padrão sociotecnológico comum e, por isso, complementam-se como faces de uma mediação tecnológica midiática. Ao considerar as transformações que introduzem na experiência temporal do jornalismo, afetam em diferentes intensidades cada uma das cinco características da temporalidade jornalística, pois formam a base de um sistema complexo que opera sob lógicas da descentralização e de multiplicidade. A esta diversidade e integração associam-se também princípios de capilaridade (horizontalidade e vocação agregadora de novos membros), contribuindo para constituir um ecossistema informacional em que fluxos de informação e ação têm um tempo contínuo: enredam-se de forma instantânea e simultânea.


4.1. A automação e a memória social

Um dos elementos centrais componentes desses processos de mediação tecnológica na internet é a automação digital. O centro desse conceito é o de possibilizar decisões automatizadas em um vasto campo de atividades, ou seja, a utilização de ferramentas informacionais para que as decisões independam de reflexão humana para ocorrer. Isto pode valer para quase qualquer decisão a ser tomada no ambiente da internet – talvez seja impraticável encontrar um exemplo de ação, no ciberespaço, sem o uso dessas ferramentas automatizadas. Entretanto, esse processo lógico tem alcançado fecundidade nos setores industriais por introduzir mais eficiência e produtividade, entre elas a economia de custos e a otimização do tempo.

A automação afeta de forma diferenciada a temporalidade no jornalismo, mas especialmente reconfigura as fronteiras criadas simbolicamente para separar o presente em relação ao passado. A automação possibilita criar um sistema que integre diferentes regimes temporais em um mesmo ambiente com base na categoria da memória social (PALACIOS, 2010). Nos ambientes das plataformas digitais, as experiências de automação vêm sendo caracterizadas como web semântica – um ambiente web em que agentes inteligentes, como softwares, podem realizar automaticamente tarefas complexas para usuários (BERNERS-LEE, HENDLER, LASSILA, 2002, p. 25).

Estudos como o de Lammel e Mielniczuk (2012, p. 192-193) transportaram essa compreensão para entender processos jornalísticos. Dentre as características que esses autores perceberam, em análise empírica do produto web BBC Wildlife, está a ampliação da potencialidade do uso da memória social disponível nos aparatos informacionais e acionável na forma de um “sistema ativador da memória”. Esta possibilidade indica uma promessa de simultaneidade de temporalidades entre passado e presente no jornalismo: Como destaca Palacios (2010, p. 38-39):


nunca em tempos históricos nossa sociedade esteve tão envolvida e ocupada em processos de produção de memória; nunca o estoque de memória social esteve tão fácil e rapidamente disponível, bem como o jornalismo tão centralmente localizado em meio a tudo isso.


No relatório do Reuters Institute, Journalism, media, and technology - Trends and predictions 2018, os pesquisadores entrevistaram 194 editores, executivos e gestores da área digital de empresas de mídia de 29 países e constataram que a quase totalidade deles pretende adotar estratégias de automatização para aumentar a produtividade sem necessitar exercer uma pressão direta sobre os jornalistas (NEWMAN, 2017, p. 31). Tal estratégia expressa um dos princípios da automação: a otimização do tempo. No ambiente jornalístico, imagina-se que a automação reduza o tempo da produção por meio da eliminação de tarefas repetitivas ou tendentes à mecanização, garimpagem ou gestão de dados, bem como a eliminação de tarefas paralelas (de menor importância e, portanto, automatizáveis) na execução de uma atividade. Dessa forma, criam-se condições mais favoráveis para a adoção de fluxos contínuos de produção, com a redução de etapas que demandem tempo, visando a uma busca acentuada por uma instantaneidade material.


4.2. A temporalidade social e a lógica computacional

O conceito de temporalidade expresso neste artigo tem uma perspectiva social, a qual se defronta com a emergência das bases computacionais introduzindo lógicas de automatização, inteligência artificial, bancos de dados e algoritmos. Aspectos como práticas sociais, institucionalidade das ações sociais e rotinas da vida cotidiana são atravessados por procedimentos e ferramentas lógicas de resolução de tarefas simples ou problemas complexos, consequência, em boa parte, dos modos como a mediação tecnológica reestrutura relações sociais. Assim, a experiência social do tempo presente se ajusta a estruturas de operação de sistemas de lógica computacional e se torna dependente destas competências para gerar suas formas sociossimbólicas de mediação.

A automação se realiza na forma de “conjuntos estruturados de informações e conjuntos de regras de inferência que podem ser usados para conduzir o raciocínio automatizado” (BERNERS-LEE, HENDLER, LASSILA, 2002, p. 26). Um dos modos de aplicar o princípio de automação é o desenvolvimento de dispositivos de inteligência artificial. No jornalismo, a inteligência artificial pode permitir que jornalistas analisem dados, identifiquem padrões, tendências e os tipos de fontes necessárias, observem com mais precisão situações poucos discerníveis e percebam riquezas de detalhes (NEWMAN, 2017, p. 29).

Marconi e Siegman (2013) relatam que jornalistas da agência de notícias Associated Press propuseram, em 2013, que fosse desenvolvido um programa de computador (robô) com habilidade de inteligência artificial para automatizar a criação de determinado conteúdo de notícias. A justificativa apresentada foi a necessidade de dar conta de dois desafios contemporâneos: “o aumento incessante de notícias a serem cobertas e as restrições humanas associadas à cobertura” (2013, p. 1).

A automação e a inteligência artificial criam condições de sincronismo entre processos, etapas, eventos, suas representações e suas recepções ao público, mediadas tecnologicamente pela lógica computacional. Embora o termo inteligência artificial possa parecer aterrador para uma profissão que se deseja intelectual, é cada vez mais corrente a introdução desses dispositivos nos ambientes de trabalho jornalístico.


4.3. Algoritmos e novos fluxos temporais

Outra ferramenta de mediação tecnológica que se intensifica no ambiente das redes digitais é o algoritmo. Ele é como um conjunto de instruções que um computador executa ao processar informação para resolver um problema ou cumprir uma tarefa. Atua como uma ferramenta automatizada que independe de uma decisão humana para cumprir cada tarefa. Hoje, é difícil visualizar uma aplicação web que não possua algoritmos para executar tarefas, seja para automatizar buscas oferecidas por um site especializado, seja para dar visibilidade a determinadas páginas nas redes sociais digitais adequadas a um comportamento do usuário. Como essa padronização resulta de uma decisão humana ou um aprendizado de comportamentos (PEW, 2016, p. 7), o fator humano é relevante na definição das soluções possíveis a problemas.

Os processos jornalísticos nos ambientes digitais são hoje estruturados por algoritmos. A busca por informações na internet por parte de jornalistas, seja dados básicos quanto interpretações, resulta em páginas predefinidas. Ao impor modelos, o algoritmo reduz a possibilidade de diversidade de leituras possíveis e estabelece padrões ao jornalismo (NEWMAN, 2017, p. 29). Ao mesmo tempo, cria a possibilidade de geração de notícias algorítmicas não verificadas (MARCONI, SIEGMAN, 2013).

Os sistemas de tecnologia digital operam com uma lógica de instantaneidade real de seu processamento de informação, a qual se impõe como condição de mediação neste ambiente. Sensíveis a isso, os jornalistas vêm buscando redefinir suas práticas e suas formas de trabalho incorporando esses princípios de instantaneidade e de fluxo contínuo para produzir relatos que tragam experiências múltiplas e simultâneas de tempo. A temporalidade social que o jornalismo cultiva não se perde na lógica computacional, mas se redefine em um processo que é também de múltiplas mediações: institucional, individual e tecnológica.

Os sistemas automatizados alteram a temporalidade da novidade no jornalismo, na medida em que o fluxo contínuo dificulta a espera pelo encerramento de um fato em andamento. Deuze diagnostica uma passagem de um “jornalismo de produto” para um “jornalismo de processo”: neste, “é possível publicar pedaços de história à medida que a mesma se desenrola. Desse modo, você pode manter a história viva e dar a ela continuidade” (DEUZE apud BECKER, 2016, p.206). Tal condição possibilita uma reescrita contínua da notícia, sua reformatação e edição dinâmica, bem como o trânsito entre mídias. Isso indica uma expansão do recorte temporal que o jornalista aplica ao fato, com acréscimos, acúmulos, alterações de pontos de vista e desdobramentos do relato noticioso.


4.4. Banco de dados em fluxo contínuo

O ambiente de dados em que se configurou o jornalismo digital indica a intensidade da nova lógica de mediação tecnológica. O armazenamento, a disponibilização, o acesso, o processamento e a recuperação de dados extrapolam o modelo de periodicidade jornalística ou mesmo de uma temporalidade localizada no evento. É uma dimensão que opera em fluxo contínuo, conduzida por ações de garimpagem de dados, sua análise e configuração de factualidades jornalísticas para sua enunciação pública. Consulta do Reuters Institute em 2017 junto a organizações jornalísticas indicava que “quase dois terços dos editores (62%) disseram que melhorar a capacidade de dados era sua iniciativa mais importante para o próximo ano” (NEWMAN, 2017, p. 27).

Ao mesmo tempo, essa demanda aumenta a dependência do campo jornalístico à mediação tecnológica. “Se há algo que a máquina faz melhor do que o homem é garimpar com rapidez grandes volumes de dados” (ANDERSON, BELL, SHIRKY, 2013, p. 44). Tal cenário parece indicar uma “relação estreita e simbiótica” (2013, p. 49) entre jornalistas, sistemas automatizados de dados e a multiplicidade de redes de usuários.


4.5. Ecossistema jornalístico e temporalidades múltiplas

Anderson, Bell e Shirky (2013) propõem, no documento Jornalismo Pós-Industrial - Adaptação aos novos tempos, a adoção do termo “ecossistema jornalístico” para pensar uma configuração em que há uma interdependência e influência mútua entre os principais atores envolvidos na produção e circulação de informações jornalísticas. No caso das organizações jornalísticas, elas seriam afetadas por mudanças em outras partes do ecossistema. “Hoje, é imperativo que a instituição tenha a capacidade de estabelecer parcerias (formais e informais) possibilitadas pelo novo ecossistema” (ANDERSON; BELL; SHIRKY, 2013, p. 76), o que significaria ampliar sua aproximação com outras organizações e atuação nas redes sociais digitais. Inevitavelmente, um dos objetivos seria a redução de custos de operação, algo que tem se apresentado como imperativo para as organizações jornalísticas sobreviverem nesse ecossistema.

A mediação tecnológica é uma das infraestruturas deste novo ecossistema, estruturado digitalmente. É um ambiente regido por um novo padrão de combinações entre temporalidades no jornalismo, que pode ser denominado como “temporalidades múltiplas”. As temporalidades múltiplas apresentariam três formas relacionais: a) o tempo da produção (relações entre os eventos a serem noticiados e os jornalistas e suas organizações); b) o tempo da recepção (relações entre leitores/usuários e os conteúdos jornalísticos); c) o tempo das interações sociais (relações e interações múltiplas que o jornalismo pode fomentar entre atores sociais, como as colaborações, compartilhamentos, comentários, conversações e debates, com base no conteúdo e no ambiente jornalístico).

Há uma lógica de instantaneidade e de sincronismo no ecossistema jornalístico e, em contrapartida, uma consequente redução de processos sequenciais, lineares e cronológicos (a perda do valor da periodicidade jornalística é uma marca desta nova lógica social). Este ambiente tecnológico incorpora os leitores como mediadores temporais desse ecossistema informativo, pois a eles é atribuído um valor de autenticidade, de interesse no esclarecimento dos fatos, na expressão de opiniões e na superação das mediações institucionais que atuavam como barreiras no acesso aos eventos. As redes sociais digitais criam a sensação de encontro do público entre si, de uma horizontalidade plena e de um valor de verdade jornalística baseado na imediaticidade (a não-mediação).

Assim, o produto jornalístico, reconfigurado por lógicas de mediação tecnológica, expande a presença do “tempo dos leitores” (GOMIS, 1991, p. 29). As redes sociais digitais alimentam um tipo de “presente social” que trabalha uma lógica própria de “sedimentação dessas informações na consciência dos leitores” (1991, p 23). Os relatórios do Reuters Institute apontam também para uma forte presença das mídias sociais como ambiente em que o público tem acesso às notícias (NEWMAN, 2017, p. 7).

O tempo dedicado à leitura exclusiva ou concentrada em um único veículo midiático parece vir sendo substituído por uma temporalidade múltipla caracterizada por leituras em simultaneidade em telas de diferentes dispositivos. É uma reação do leitor a um fluxo constante de oferta noticiosa em um ecossistema em que os intervalos de emissão contidos na ideia de periodicidade se tornam escassos, e o bombardeio é constante na forma de notificações push de conteúdos jornalísticos supostamente de interesse do leitor (principalmente via smartphones): “As organizações de notícias precisam repensar seu papel em um mundo onde as pessoas, cada vez mais, não procuram mídia, mas estão imersas nela” (NEWMAN, 2017, p. 46). Em nível semelhante, encontram-se as recomendações de leitura feitas por usuários em redes sociais digitais por meio de compartilhamentos de notícias (ANDERSON, BELL, SHIRKY, 2013, p. 35).

A mera tentativa de ler conteúdos jornalísticos em agregadores de notícias ou redes sociais digitais – opção da maioria dos leitores em pesquisa realizada em 37 países em 2018 (NEWMAN et al, 2018, p. 13) – passa por um filtro automatizado de preferências que direciona certas informações em detrimento de outras. Ferramentas automatizadas podem bloquear conteúdos jornalísticos indesejáveis, como já acontece na publicidade com os navegadores web que bloqueiam automaticamente a “publicidade excessivamente intrusiva” (NEWMAN, 2017, p. 26). Novos dispositivos de fact-checking podem se tornar disponíveis para jornalistas e demais usuários de conteúdos jornalísticos (NEWMAN, 2017, p. 30) ou mesmo para “produzir textos a partir de dados estruturados” (ANDERSON, BELL, SHIRKY, 2013, p. 44-45).

O relatório Reuters de novembro de 2018 aponta para uma crítica sobre a intensidade dos processos tecnológicos no direcionamento das estratégias da grande indústria jornalística. Sua autora, Julie Posetti (2018, p. 7), pondera sobre os riscos de uma “busca incansável e em alta velocidade da inovação impulsionada pela tecnologia”, o que pode gerar uma “fadiga da inovação”. Em seu diagnóstico, esse impulso tecnológico excessivo poderia ser contrabalançado com um maior envolvimento das organizações com seus públicos e suas reais demandas (não necessariamente tecnológicas).

Para os propósitos deste artigo, o relatório oportuniza um indicador de que a mediação tecnológica não suplanta as outras temporalidades (individuais ou sociais), que operam em lógicas sociossimbólicas ou interacionais apenas parcialmente vinculadas a artefatos tecnológicos. Portanto, auxilia-nos a sinalizar para uma necessidade de leitura qualificada do ecossistema jornalístico e de suas temporalidades múltiplas.


5. Considerações finais


A proposta de temporalidade jornalística no contexto das tecnologias digitais da informação e da comunicação alcançou, neste artigo, a convergência entre três movimentos analíticos: a) as noções e características desta temporalidade à luz das novas configurações do jornalismo contemporâneo; b) o reconhecimento de novas infraestruturas digitais (denominadas aqui mediações tecnológicas) que dão lastro às interações socioculturais, entre elas as temporais; c) a análise de experiências tecnologicamente inovadoras no jornalismo digital contemporâneo como exemplos problematizadores para considerar as relações entre temporalidade e mediação.

Buscou-se demonstrar que, na configuração tradicional do jornalismo, a sua temporalidade produzia uma marca cultural de um tempo presentificado, tendo a notícia como chave de sentido de uma atualidade que afirmava não haver um desencaixe entre o tempo do conteúdo jornalístico e o tempo do mundo social.Além disso, as experiências socioculturais no ambiente da internet utilizam a lógica da conectividade técnica para relacionar diversas experiências temporais. O jornalismo diminui sua força como instituição centralizadora e normatizadora de um tempo social, de uma identidade temporal uniformizadora e cede espaço a temporalidades múltiplas, construídas e vividas em diferentes experiências, seja nos eventos, no processo de produto ou nas formas de recepção, compartilhamento e ressignificação dos conteúdos. Se a visão institucionalista perde força na leitura de uma temporalidade social, a visão ecológica presente na concepção de um ecossistema jornalístico reforça a multidimensionalidade que se impõe ao jornalismo contemporâneo, valorizando um ambiente de abertura para a diversidade e de construção de vínculos entre atores cada vez mais diferenciados no ambiente social.


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