Ensaios de Geografia Essays
of Geography | POSGEO-UFF
AO CITAR ESTE TRABALHO, UTILIZAR A SEGUINTE REFERÊNCIA:
ALVES, Daniel Cardoso. As subjetividades do agir socioambiental no atual cenário político brasileiro. Revista Ensaios de
Geografia. Niterói, vol. 6, nº12, pp. 10-29, setembro-dezembro de 2020.
Submissão em: 27/02/2020. Aceito em: 24/10/2020.
ISSN: 2316-8544
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AS SUBJETIVIDADES DO AGIR SOCIOAMBIENTAL NO ATUAL CENÁRIO
POLÍTICO BRASILEIRO
SUBJECTIVITIES OF SOCIOENVIRONMENTAL ACTION IN THE
CURRENT BRAZILIAN POLITICAL SCENARIO
Daniel Cardoso Alves
1
Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG)
dca.uemg@gmail.com
Resumo
Este artigo apresenta uma reflexão sobre o modelo de desenvolvimento historicamente eleito e
culturalmente moldado pela sociedade brasileira, cujas atividades humanas revelam-se incompatíveis com
as necessidades sociais de comunidades locais e com a dinâmica dos ecossistemas, inserindo a causa
socioambiental em posição secundária na hierarquia dos interesses políticos e econômicos. A questão
central que o permeia é a seguinte: quais os impactos das atuais declarações do presidente brasileiro em
termos de participação social e apropriação cultural do meio ambiente no Brasil? Para tanto, adota uma
abordagem qualitativa e se constitui como uma revisão de literatura, por meio da qual são consultados
artigos, dissertações, teses, capítulos, livros e outras fontes que tratam da temática em estudo, o que
subsidiará as reflexões posteriores.
Palavras-chave: Participação social. Apropriação cultural. Causa socioambiental. Discursos políticos.
Abstract
This article presents a reflection on the development model historically elected and culturally shaped by
Brazilian society, whose human activities are incompatible with the social needs of local communities
and with the dynamics of ecosystems, placing the socio-environmental cause in a secondary position in
the hierarchy of political and economic interests. The central question that permeates it is the following:
What are the impacts of the current statements by the Brazilian president in terms of social participation
and cultural appropriation of the environment in Brazil? To this end, it adopts a qualitative approach and
constitutes itself as a literature review, through which articles, dissertations, theses, chapters, books and
other sources that deal with the subject under study are consulted, which will subsidize the later
reflections.
Keywords: Social Participation. Cultural appropriation. Social and environmental cause. Political
speeches.
Introdução
A necessidade de consumir atrelada ao processo de desenvolvimento da
humanidade sempre foi questão elementar para a intensidade e o aprimoramento das
técnicas suficientemente capazes de atender as aspirações humanas. Entretanto, o
1
Professor da Faculdade de Educação da Universidade do Estado de Minas Gerais, Campus Universitário
de Belo Horizonte (FaE/UEMG-CBH).
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modelo de desenvolvimento econômico predominante entre as sociedades
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ocidentais
intensificado notadamente em fins do século XVIII, decorrente das profundas mudanças
advindas com o fenômeno da Revolução Industrial, acentuou a subjugação das
necessidades de subsistência e sobrevivência humanas ao infindável consumismo
capitalista. De acordo com Branco (1988):
O consumismo é um processo eticamente condenável, pois faz com que as
pessoas comprem mais coisas do que realmente necessitam. Através de
sistemas complexos de propaganda, que envolvem sutilezas psicológicas e
recursos espetaculares, industriais e produtores em geral convencem a
população a adquirir sempre os novos modelos de carros, geladeiras,
relógios, calculadoras e outras utilidades, lançando fora o que possui. Esse
processo garante aos fabricantes uma venda muito maior de seus produtos,
permitindo a ampliação contínua das instalações industriais (BRANCO,
1988, p.43).
Esse modelo, fundado nos princípios econômicos liberalistas, disseminados,
sobretudo, pelo pensador escocês Adam Smith através da obra “A Riqueza das Nações”
(1996), propiciou as bases ideológicas para a estabilização do Capitalismo como
sistema econômico vigente, impactou tecnologicamente o processo produtivo no
mundo, influenciou político e culturalmente as sociedades e contribuiu para o processo
de fugacidade dos anseios das gerações humanas presentes e futuras, pelo que:
[…] toda a nossa economia se tornou uma economia do desperdício, na
qual todas as coisas devem ser devoradas e abandonadas quase tão
rapidamente quanto surgem no mundo, a fim de que o processo não chegue a
um fim repentino e catastrófico. Mas, se esse ideal estivesse realizado e
passássemos realmente de membros de uma sociedade de consumidores,
não viveríamos mais num mundo, mas simplesmente seríamos impelidos por
um processo em cujos ciclos perenemente repetidos as coisas surgem e
desaparecem, manifestam-se e somem, sem jamais durar o tempo suficiente
para conterem em seu meio o processo vital (ARENDT, 1997, p.147).
Com isso, a satisfação insaciável dos anseios humanos tem aumentado a
competitividade entre as pessoas, que se mostram cada vez mais individualistas, o que
incentiva explorações intensas da natureza, num ritmo descompassado com o tempo
natural de que os ecossistemas precisam para se autoproduzirem, resultando numa
relação conflitante entre a sociedade e a natureza.
2
“A rápida industrialização no Brasil e a agricultura brasileira a partir dos anos sessenta agravaram ainda
mais a miséria de expressivos contingentes da nossa população. A fronteira agrícola funcionou como um
regulador da intensificação de capital no campo e como condicionante e resultado do processo de
desenvolvimento da agricultura brasileira” (SILVA, 1985, p. 43).
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Consequentemente, o meio ambiente, no mundo, vem sendo utilizado como
espaço de reprodução das necessidades capitalistas, o que acentua o descuido para com
as áreas naturais e a apropriação dos recursos, ocasionando sérios problemas de ordem
humana e socioambiental e resultando num meio ambiente extremamente vulnerável
dada a superexploração dos seus recursos em nome desse consumo, cujas “relações com
a natureza estão se tornando cada vez mais alienadas [...] (cuja) tendência é a [...] eterna
expansão do consumo dos recursos naturais e do espaço” (LASCHEFSKI et. al., 2005,
p. 252).
Ao mesmo tempo, nos deparamos no ano de 2019 com a total perda de sentido
da Vigésima Quinta Conferência sobre o Clima da Organização das Nações Unidas (25
COP/ONU) realizada em Madrid. Essa Conferência, que teve como slogan “tempo de
agir” perdeu a sua intenção, visto que os principais pontos da pauta como a
regulamentação do mercado de carbono que, conforme Juras (2012, p. 3), “[...] é um dos
mecanismos usados para a mitigação do aquecimento global e da mudança do clima
[...]”, e a apresentação de metas cio e ambientalmente mais ambicionas firmadas no
Acordo de Paris, firmado em 2015 na Convenção Quadro das Nações Unidas sobre
Mudanças do Clima com vistas a “defender e promover a cooperação regional e
internacional de modo a mobilizar a ação climática mais forte e mais ambiciosa de todos
os interessados [...]” (ONU/COP, 2015, p. 3). Entretanto, ambas estratégias não
lograram êxito, sendo postergadas para o ano de 2020.
Contraditoriamente, o Clima apresenta-se como assunto que jamais sai de cena
dos noticiários no mundo: greves globais contrárias às mudanças climáticas,
intensificação dos desmatamentos, recorde das concentrações de gases que provocam o
aumento do efeito estufa, evidências das catástrofes ambientais relacionadas ao aumento
da temperatura no planeta, disputas políticas entre nações em prol de interesses
econômicos, aumento de doenças com a proliferação de vetores e condições climáticas
desfavoráveis ao organismo humano, fenômeno da acidificação das águas ocasionando
a mortandade de peixes e outras espécies aquáticas, eventos climáticos extremos,
discursos negacionistas acerca do aumento da temperatura do planeta, entre tantos
outros assuntos e episódios relacionados à questão socioambiental no mundo.
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Parecendo ignorar que um grau a mais na temperatura do planeta implica em
mais vidas afetadas, mais refugiados do clima e na necessidade de mais recursos para
remediar os efeitos, que vem numa escala crescente desde a Primeira Revolução
Industrial no século XVIII, recentemente, o presidente da República Federativa do
Brasil, ao ser questionado por jornalistas sobre a divulgação dos dados pelo Instituto
Nacional de Pesquisa Espaciais (INPE) sobre o aumento das queimadas na Amazônia e
a morte do jovem indígena maranhense Erisvan Guajajara, supostamente envolvido com
o tráfico de drogas, preferiu duvidar dos dados, supondo o envolvimento criminoso de
Organizações Não Governamentais (ONGs) e caracterizar com o termo “pirralha” uma
das maiores personalidades de 2019 da causa socioambiental no mundo reconhecida
pelas renomadas revistas científicas Times e Nature, a sueca ativista ambiental Greta
Thunberg.
Essa declaração do presidente brasileiro causou indignação de ativistas
ambientais, ONGs que se pronunciaram por meio de nota de repúdio e da própria Greta
Thunberg que, ironicamente, se autodenominou “pirralha” na sua rede social Twitter.
É válido rememorar que estamos falando do discurso do presidente de uma
nação que que vivenciou nos anos de 2015 e 2019 tragédias socioambientais de
imensuráveis proporções: Rompimento da barragem de mineração no município de
Mariana MG controlada pela empresa Samarco Mineração S. A., gerando o maior
impacto ambiental do mundo com a contaminação do Rio Doce por dejetos industriais e
rompimento da barragem de mineração no município de Brumadinho - MG controlada
pela empresa Vale, causando mais de 250 mortes, respectivamente.
Diante dessa histórica e conflituosa relação entre sociedade e natureza, bem
como, entre sujeitos e valores humanos e, principalmente, das recentes declarações do
presidente do Brasil, é que este artigo tem como objetivo apresentar uma reflexão sobre
o modelo de desenvolvimento historicamente eleito e culturalmente moldado pela
sociedade brasileira, cujas atividades humanas revelam-se incompatíveis com as
necessidades sociais de comunidades locais e com a dinâmica dos ecossistemas,
inserindo a causa socioambiental em posição secundária na hierarquia dos interesses
políticos e econômicos.
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A questão central que o permeia é a seguinte: Quais os impactos das atuais
declarações do Presidente brasileiro em termos de participação social e apropriação
cultural do meio ambiente no Brasil?
Para tanto, adota uma abordagem qualitativa (BOGDAN; BIKLEN, 1994) e se
constitui como uma revisão de literatura, por meio da qual são consultados artigos,
dissertações, teses, capítulos, livros e outras fontes que tratam da temática em estudo, o
que subsidiará as reflexões posteriores.
O artigo estrutura-se, assim, em quatro seções, sendo a primeira esta introdução.
Na sequência, apresentamos a seção intitulada “As subjetividades do agir
socioambiental”, a fim de relacionarmos a literatura com as análises que realizamos a
partir das atuais declarações do chefe de estado da nação brasileira acerca da ativista
socioambiental Greta Thunberg e da atuação de ONGs no Brasil.
Com as considerações finais, concluímos entendendo que a humanidade, ao
longo dos tempos, vive um paradoxo sócio, político, econômico e ambiental que se
traduz na concepção incompatível de progresso com a causa socioambiental. Com isso,
os problemas ambientais são agravados, em meio aos discursos, ora fundados
(re)apropriação social da natureza, ora na racionalidade econômica e, por vezes, de
cunho puramente ideológico.
As subjetividades do agir socioambiental
A contemporaneidade é caracterizada pela massificação do agir social, ou seja,
em tempos de globalização são tamanhas as investidas de se inserir uma cultura que seja
universalmente incorporada como hegemônica, cujos fins são a padronização das
atitudes humanas. De acordo com Zaoual (2003), pensador crítico sobre as políticas de
ocidentalização cultural no mundo,
A busca desesperada da uniformidade leva inelutavelmente a modelos sociais
explosivos. A mundialização sob o jugo de um e único modelo, predatório
com relação a recursos naturais e destruidor da diversidade, gera de fato as
condições de uma guerra de civilizações e de culturas (ZAOAUAL, 2003, p.
86).
A desconsideração das pluralidades culturais culmina numa sociedade apartada
de seus símbolos próprios, os quais além de se referirem a sua gênese, são reveladores
da sua dinâmica espaço-temporal, em suma, reveladores do seu agir social. A
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massificação cultural, nessa perspectiva excludente, afasta o homem de sua gênese,
fragmentando-o culturalmente em prol de uma cultura única, distante, desconhecida,
desconexa do seu mundo e que, ao ser imposta ideologicamente como a hegemônica,
pode representar um fim em si mesma, uma vez que não aponta para outros caminhos.
Com isso,
[...] a lógica financeira apoiada nas inovações tecnológicas da informática e
das telecomunicações se sobrepõe à lógica produtiva, acarretando graves
consequências no plano do emprego e da produção [...]. As transformações
em curso, por sua vez, qualitativas e quantitativas, são capazes de destruir
economias inteiras de um dia para o outro, a exemplo da volatilidade dos
capitais fictícios/improdutivos aplicados nos mercados financeiros, que saem
e entram de um país para o outro, transitando de um lado do mundo para
outro, através das redes informatizadas de telecomunicações (DRUCK;
FRANCO, 1997, p.16).
Entretanto, Zaoual (2003) entende que a mundialização cultural possibilitou ao
homem o diálogo com culturas diferentes, o que é extremamente enriquecedor por
contribuir para a ampliação dos horizontes culturais, ideológicos e espaciais. Mas, o
caminho de volta, o retorno ao seu sítio
3
, segundo o autor, é o que possibilita ao homem
o engajamento social dentro da sua comunidade, pois o sentimento de pertencimento o
motiva ao agir social. Em outras palavras, apreende-se que o contato com o global, dada
a percepção da condição de efemeridade deste, impulsiona no homem a busca pelo
local, com o qual possui laços perenes de identidade, pois
A cultura do sítio está no horizonte dos paradigmas do futuro. É ela que
constitui o cadinho dos modos de organização e de estímulo dos atores locais
em torno das mudanças necessárias. O sítio funciona assim como um perito
cognitivo e coletivo. Ele desencadeia mecanismos de cooperação que
estabilizam a desordem inerente aos organismos sociais (ZOAUAL, 2003, p.
103).
Para Zaoual (2003), o conceito de sítio ultrapassa a identificação físico-
geográfica do local pelo homem, uma vez que ele é também a manifestação das
simbologias formadoras do local. Esta segunda condição é reveladora de que a
identificação com o local está associada com a noção de pertencimento, evidenciando
3
“Enquanto „pátria imaginária‟, um sítio é, antes de tudo, uma entidade imaterial, logo, invisível.
Impregna de modo subjacente os comportamentos individuais e coletivos e todas as manifestações
materiais de um dado lugar (paisagem, habitat, arquitetura, saber fazer, técnicas, ferramentas, etc.)”
(ZAOUAL, 2003).
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que o local, como parte do global, se explica por suas subjetividades. Assim, o local
pode também ser compreendido como o lugar de uma sociedade, considerando que
Todos os lugares são pequenos mundos: o sentido do mundo, no entanto,
pode ser encontrado explicitamente na arte mais do que na rede intangível
das relações humanas. Lugares podem ser símbolos públicos ou campos de
preocupação [...], mas o poder dos mbolos para criar lugares depende, em
última análise, das emoções humanas que vibram nos campos de
preocupação (TUAN, 1979, p. 421).
Mas, sabendo-se que é perceptível aquilo que o sentido da visão permite ver,
logo, aquilo que é concreto, como perceber os pequenos mundos que um lugar carrega?
Sobre isso, diversas reflexões vêm numa perspectiva da análise do perceptível e do
visível para além do que é visto, ou seja, para além do aparente morfológico da
paisagem que salta aos olhos. A paisagem, assim, deixa de ser apenas forma, pois ela
“não é o mundo tal e qual, é também uma construção, uma composição e uma forma
de ver o mundo" (NOGUÉI FONT, 1986, p. 36). Semelhantemente, Santos (2008)
assim a define:
A paisagem é o conjunto de objetos que nosso corpo alcança e identifica. O
jardim, a rua, o conjunto de casas que temos à nossa frente, como simples
pedestres. Uma fração mais extensa de espaço, que a nossa vista alcança do
alto de um edifício. O que vemos de um avião que voa a mil metros de altura
é uma paisagem, como a que apreendemos numa extensão ainda mais vasta,
quando de uma altura maior. A paisagem é o nosso horizonte, estejamos onde
estivermos (SANTOS, 2008, p. 84).
Os estudos sobre paisagem, cada vez mais, se concentram na sua característica
de dualidade: real e simbólica, em que, “[...] indesvinculável da idéia de espaço, é
constantemente refeita de acordo com os padrões locais de produção, da sociedade, da
cultura, com os fatores geográficos [...]” (YÁZIGI, 1998, p. 123). As paisagens dos
lugares são, assim, além de formas geográficas, produtos do imaginário social e, por
isso, estão num constante refazer-se, pois “A cada instante, mais do que o olho pode
ver, mais do que o ouvido pode perceber, um cenário ou uma paisagem esperando para
serem explorados” (LYNCH, 1997, p. 1)
A significância do lugar pela sociedade, materializada e perceptível no agir
social, está associada com a valoração ambiental desse lugar. A imagem ambiental
como “[...] resultado de um processo bilateral entre o observador e seu ambiente”
(LYNCH, 1997, p. 7), será o reflexo da significância social do lugar, em que “[…] se o
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ambiente for visivelmente organizado e nitidamente identificado, o cidadão poderá
impregná-lo de seus próprios significados e relações. Então se tornará um verdadeiro
lugar, notável e inconfundível” (LYNCH, 1997, p. 101-102).
Um ambiente, quando tomado como o lugar de uma sociedade, contrapõe a
lógica homogeneizante, uma vez que “quanto mais os lugares se mundializam, mais se
tornam singulares e específicos, isto é, únicos” (SANTOS, 1988, p. 34). Essa condição
singular é permitida pela mediação cultural entre a sociedade e o ambiente, seu lugar. O
ambiente, como o lugar de vida social, deixa de ser entendido apenas por sua condição
de habitat natural para se referir à materialização da cultura no espaço geográfico.
Dessa forma,
O ambiente não pode ser reduzido simplesmente aquilo que circunda os
indivíduos e espécies biológicas, porque esse tipo de reducionismo
escamoteia o fato de que o meio ambiente é também uma construção social
[…] é produto de uma conjugação de processos que tem raízes tanto numa
ordem física quanto social (LEFF, 2001, p. 224).
Nesse sentido, a compreensão do ambiente requer um olhar para o processo de
construção da sua imagem, que é perceptível na forma de paisagem, uma vez que, o
ambiente se define pela mediação da relação com a sociedade, pela Cultura, definida
por Geertz (1989) como um emaranhado de teias de significado criadas pelo homem e
conceituada percebidas e/ou camufladas nas marcas impressas no lugar, pois “A cultura
contém em seu bojo a compreensão e leitura da natureza” (ALMEIDA, 2004, p.19). Ela
permite a vinculação entre o imaginário social e a realidade concreta.
A percepção do ambiente é, assim, o resultado do imaginário social, o qual, de
acordo com Lynch (1997), se constrói da relação observador e ambiente, ou seja, é fruto
da imagem ambiental que, mediada pela cultura, se singulariza na apropriação social
(estrutura), diferenciação (identidade) e valoração (significado) do ambiente pelos
sujeitos. Dessa forma, a percepção ambiental
4
varia em função das imagens ambientais,
e por não se resumir à percepção sensorial propiciada pelos sentidos da visão e da
audição, fornece uma compreensão em sentido amplo do ambiente, pois, ela além da
4
A percepção ambiental explica a forma como o homem vê, interpreta, convive e se adapta à realidade
do seu meio, principalmente em ambientes instáveis ou vulneráveis sócio e ambientalmente
(OKAMOTO, 2002). A percepção ambiental é também entendida como uma tomada de consciência do
ambiente pela sociedade, ou seja, o ato de perceber o ambiente que se está inserido, com vistas ao seu
cuidado e a sua proteção (FAGGIONATO, 2011).
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capacidade sensorial orgânica do homem, explora o seu sistema perceptivo não
sensorial, valendo-se da cultura, da memória, da experiência de vida, dentre outros
meios cognitivos, como elementos que contribuem para a leitura do agir social sobre o
espaço.
Para Santos (1998), dado o atual modelo de sociedade, caracterizado como
“técnico-científico-informacional”, os espaços ganharam um novo significado: local da
reprodução do capital. Esses espaços passaram a ser funcionais para a produção e a
reprodução do capital e deixaram de ser lugares de vida social. Diante da nova função
dada aos espaços, em que
Os novos objetos surgem para atender os reclamos precisos de produção
material ou imaterial, criando espaços exclusivos de certas funções. À cidade
como um todo, teatro da existência de todos os moradores, superpõe essa
nova sociedade moderna seletiva, Cidade técnico científico-informacional,
cheia de intencionalidades do novo modelo de produzir, criada na superfície e
no subsolo, nos objetos visíveis e nas infra-estruturas, ao sabor das
exigências sempre renovadas da ciência e da tecnologia (SANTOS, 1998, p.
38).
Os estudos de Percepção Ambiental possibilitam o poder de visibilidade,
inerente a toda sociedade, das formas desiguais de apropriação dos espaços, das suas
novas funções e dos recursos da natureza, muitas vezes ocultas. Sobre isso, Bourdieu
(1989) destaca que,
[...] o poder simbólico não reside nos <<sistemas simbólicos>> em forma de
uma <<illocutionary force>> mas que se define uma relação determinada e
por meio desta entre os que exercem o poder e os que lhes são sujeitos,
quer dizer, isto é, na própria estrutura do campo em que se produz e se
reproduz a crença. [...] (BOURDIEU, 1989, p. 14-15).
Mas, perceber a visibilidade das formas ocultas do ambiente diante do processo
de aculturação capitalista, que se reflete na apropriação desigual dos espaços e da
natureza, requer que o sujeito se reconheça como parte indissociável do espaço
habitado, o qual é definido por lutas simbólicas de interesses distintos nele travadas.
Faz-se mister, para o sujeito, a percepção de que “O espaço social e as diferenças que
nele se desenham <<espontaneamente>> tendem a funcionar simbolicamente como
espaço dos estilos de vida ou como conjunto Stände, isto é, de grupos caracterizados por
estilos de vida diferentes” (BOURDIEU, 1989, p. 144).
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A percepção holística da realidade vinculada à noção de pertencimento ao lugar
em que se vive, evidencia a importância do poder simbólico como elemento
emancipador e possibilita a tomada de consciência, pelos sujeitos, da força que têm
como sociedade organizada, para manifestarem em atitudes concretas os ideais de
construção de um espaço sócio e ambientalmente mais justo, superando ações
individuais e imediatistas. É desta forma, que os sujeitos sociais exercerão a sua
capacidade cidadã, entendida por Loureiro (2002) [...] Como algo que se constrói
permanentemente, que não possui origem divina ou natural, nem é fornecida por
governantes, mas se constitui ao dar significado ao pertencimento do indivíduo a uma
sociedade, em cada fase histórica” (LOUREIRO, 2002, p. 75).
Nesse sentido, os estudos de Percepção Ambiental podem significar a mudança
de atitude através de uma nova visão de mundo, pois nessa sociedade “técnico-
científica-informacional”, ainda que o concreto engane, as paisagens dos espaços não
deixam de ser reflexos do conteúdo oculto no processo de apropriação sociocultural.
Esses estudos evidenciam que diversas são as possibilidades pelas quais se pode
explicar a realidade do espaço vivido. E, valer-se de um olhar holístico, do todo, quando
se propõe ao estudo dessa realidade, requer, antes de tudo, uma atenção especial para o
seu conteúdo.
Discursos político-ideológicos, participação social e apropriação cultural do meio
ambiente no brasil
Apropriar-se do espaço que se habita de forma a percebê-lo como o seu lugar,
implica na formação identitária do sujeito, que decorre de uma dupla gênese semântica,
em que:
O modo de pensar e tornar operacional esta distinção entre "identidade
pessoal" (o que sou/gostaria de ser) e "identificação social" (como sou
definido/o que dizem que sou) dá margem a múltiplos desdobramentos e
permite caracterizar, de modo bastante grosseiro, não apenas as grandes
teorias da socialização na literatura das ciências sociais (Dubar 1991) como
também as concepções correntes, subjacentes aos discursos comuns, que, às
vezes, constituem uma espécie de vulgarização das primeiras. Duas
orientações se opõem: uma, chamada por alguns de "psicologizante", mas
que prefiro chamar de essencialista, fundada no postulado da realidade de um
self (ou de um ego, ou de um eu...) como realidade "substancialista",
permanente e autônoma construindo sua unidade (Abramowski 1987 etc.); e
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a outra, inversa, às vezes chamada de "sociologista", embora eu prefira
chamá-la de relativista, que reduz o self e, portanto, a identidade biográfica a
uma "ilusão", ocultando a pluralidade dos papéis sociais e sua dependência
para com a posição ocupada em cada campo social em particular, e no
sistema das classes sociais em geral (Bourdieu 1986) (DUBAR, 1998, p. 1-
2).
Ao nos apropriarmos desses dois sentidos que carregam o processo de formação
da identidade do sujeito e relacionarmos com a análise do recente discurso proferido
pelo presidente do Brasil à sueca ativista socioambiental Greta Thunberg
5
, passamos a
entender que chamá-la de “pirralha” vai muito além do seu significado denotativo de
“criança ou jovem, geralmente pequeno, indivíduo de pequena estatura” (Houaiss,
2009)”, impacta numa identidade coletiva sócio-representativa, ou seja, impacta nas
identidades pessoais dos diversos sujeitos que com ela se identificam identitária e
socialmente.
Greta Thunberg representa a importância da participação da sociedade na causa
ambiental, consolida a perspectiva socioambientalista como condição para se pensar a
política de meio ambiente e, principalmente, insere a juventude nessa causa, como
preconiza o próprio texto constitucional da República Federativa do Brasil:
Art. 225. Todos m direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado,
bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-
se ao Poder Público e à coletividade o dever de defen-lo e preservá-lo
para as presentes e futuras gerações (grifos do autor, BRASIL, 1988).
Greta Thunber, ainda, (re)significa o reducionismo adultocêntrico em se olhar
para a capacidade cidadã da juventude. Reducionismo este que advém de uma tradição
filosófico-educacional ocidental que reduz esse sujeito a uma etapa menos importante
da vida (a infância), porém, necessária para a constituição do adulto futuro, ao qual é
dado todo o protagonismo referente à capacidade de materializar sonhos e utopias
capazes de transformarem a sociedade.
O autor, contrário a essa visão, nos propõe que ampliemos os horizontes da
temporalidade, ou seja, que entendamos a infância para além de uma perspectiva
5
Uma jovem de dezesseis anos de idade totalmente engajada com a causa socioambiental no mundo, que
tem influenciado milhões de pessoas, enfrentado chefes de Estado de nações poderosas, buscado apoio de
pontífices religiosos com o único fim de contribuir para a construção de um mundo sócio e
ambientalmente mais justo e que tem se configurado como personalidade do ano de 2019 por revistas
científicas de renome mundial.
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AO CITAR ESTE TRABALHO, UTILIZAR A SEGUINTE REFERÊNCIA:
ALVES, Daniel Cardoso. As subjetividades do agir socioambiental no atual cenário político brasileiro. Revista Ensaios de
Geografia. Niterói, vol. 6, nº12, pp. 10-29, setembro-dezembro de 2020.
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meramente cronológica, valorizando um outro tipo de temporalidade, a aiônica, em que
a infância passa a ser concebida
[...] Como acontecimento, como ruptura da história, como revolução, como
resistência e como criação. É a infância que interrompe a história [...]. É a
infância como intensidade, um situar-se intensivo no mundo; um sair sempre
do „seu‟ lugar e se situar em outros lugares, desconhecidos, inusitados,
inesperados (KOHAN, 2004, p. 63).
Há, portanto, uma ideologia implícita no discurso do atual chefe do poder
executivo brasileiro na tentativa de excluir a sociedade e, especialmente os jovens, de
assuntos que, como o meio ambiente, são constitucionalmente definidos com uma causa
de engajamento coletivo e público. Para tanto, transcrevemos o discurso do presidente
relacionado à ativista:
Como é, índio? Qual o nome daquela menina lá? Não, de fora, lá. Aquela
Tabata, não. Como é? Greta. A Greta falou que os índios morreram porque
estão defendendo a Amazônia. É impressionante a imprensa dar espaço para
uma pirralha dessa aí. Uma pirralha
6
(PORTAL G1, 2019).
Da mesma forma, supor a responsabilidade criminosa do aumento das
queimadas na Amazônia a ONGs, significa um discurso de retrocesso à democratização
7
da causa socioambiental no Brasil, em que, desde a constitucionalização do tema e
instituição da política nacional de meio ambiente, tornou-se notória a intensificação de
novos protagonistas sociais que, mesmo sem deterem o poder de Estado, se organizam
como sociedade civil, na busca de transformarem em atos concretos seus protestos e
ideais socioambientais.
A respeito do aumento das queimadas na Amazônia em 2019, o atual presidente
do Brasil declarou:
[...] Isso é conversa, pessoal faz, toma decio e ponto final. Você pode ver, pega o
que se manda verbas biliorias, 40% para ONG, essa ONG vai para mão dessas
pessoas para ficar rodando a Amania e ficar fazendo campanha contra nós o tempo
todo. Perderam a boquinha também [...]. (O governo) o está insensível para as
queimadas e avalia medidas a serem adotadas com os ministérios da Defesa e do
Meio Ambiente. ONGs representam interesses de fora do Brasil [...]. Não estou
afirmando (que ONGs são as responsáveis pelas queimadas). Temos que combater o
6
No início da noite, o porta-voz da Presincia, Otáviogo Barros, comentou as declarões de Jair Bolsonaro.
Negou que ele tenha sido descortês ou inadequado, disse que pirralha” é uma pessoa de pequena estatura, uma
criança (PORTAL G1, 2019).
7
O direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado passou a ser, a partir de 1988, um direito
fundamental de todos os brasileiros e de todas as pessoas que estiverem no Brasil. Por ser direito
fundamental, é um direito indisponível, do qual não se pode abrir mão (NALINI, 2003, p. 290).
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crime, depois vamos ver quem é o possível responsável pelo crime. Mas, no meu
entender, há interesse dessas ONGs, que representam interesses de fora do Brasil [...].
A queso da queimada na Amazônia, que no meu entender pode ter sido
potencializada por ONGs, porque eles perderam grana, qual é a intenção? Trazer
problemas para o Brasil (PORTAL G1, 2019).
Em alinhamento à declaração do presidente a respeito do suposto envolvimento
criminoso das ONGs com as queimadas na Amazônia, o ministro do meio ambiente
publicou em sua rede social Twitter: Tempo seco, vento e calor fizeram com que os
incêndios aumentassem muito em todo o País. Os brigadistas do ICMBIO e IBAMA,
equipamentos e aeronaves eso integralmente à disposição dos Estados e já em uso(PORTAL
G1, 2019). Essa publicação foi posteriormente replicada na rede social do presidente.
A Associação Brasileira de ONGs (ABONG), em oposição às declarações do
presidente do Brasil, se pronunciou em seu site institucional por meio de nota escrita e
ilustrada ironicamente intitulada de Bolsonaro não precisa das ONGs para queimar a
imagem do Brasil no mundo inteiro”:
Os focos de incêndio em todo Brasil aumentaram 82% desde o início deste
ano, para um total de 71.497 registros feitos pelo INPE, dos quais 54%
ocorreram na Amazônia. Diante da escandalosa situação, Bolsonaro disse que
o seu “sentimento” é de que “ONGs estão por trás” do alastramento do fogo
para “enviar mensagens ao exterior”. O aumento das queimadas não é um
fato isolado. No seu curto período de governo, tamm cresceram o
desmatamento, a invasão de parques e terras indígenas, a exploração ilegal e
predatória de recursos naturais e o assassinato de lideranças de comunidades
tradicionais, indígenas e ambientalistas [...]. O Presidente deve agir com
responsabilidade e provar o que diz, ao invés de fazer ilações irresponsáveis e
inconsequentes, repetindo a tentativa de criminalizar as organizações,
manipulando a opinião pública contra o trabalho realizado pela sociedade
civil. Bolsonaro não precisa das ONGs para queimar a imagem do Brasil no
mundo inteiro (ABONG, 2019).
Pelo exposto, esses discursos do chefe do governo brasileiro, na essência, tanto
impactam nas identidades dos sujeitos, quanto retrocede ao texto constitucional e à Lei
Federal nº. 9.795, de 27 de abril de 1999, que dispõe sobre Educação Ambiental no
Brasil e institui a Política Nacional de Educação Ambiental, documentos em que a
participação social é questão prioritária para proteger o meio ambiente que é o meio de
vida do homem. Ele não é um simples amontoado de elementos desordenados, mas o
resultado de uma combinação dinâmica portanto, em movimento, em transformação
de elementos físicos e humanos que, interagindo uns com os outros, fazem dele um
conjunto único e inseparável, em constante evolução.
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Considerações finais
O histórico padrão de vida civilizatório associado às atividades econômicas
altamente predatórias e poluentes resultou, na contemporaneidade, no aumento
inadequado do aproveitamento dos recursos naturais disponíveis no planeta, cujo
procedimento de utilização dos complexos processos de capacidade técnica contribui
para a problemática socioambiental no mundo.
Todavia, estudos revelam que as preocupações de cunho socioambiental não
tiveram um marco temporal exato, pelo contrário, surgiram de forma bastante
diferenciada e disseminada pelo mundo. Diversas foram as formas de alertas para a
necessidade de uma maior preocupação com as questões desse caráter sobretudo a partir
do ano de 1950, momento em que o mundo percebeu, de forma latente, ao assistir às
tragédias ambientais vivenciadas pelo Japão, que meio ambiente e sociedade são
dimensões indissociáveis.
Desde essa percepção, foram inúmeros os encontros, as conferências, as leis e os
movimentos voltados para a proteção do meio ambiente, com destaque para a
Conferência de Estocolmo em 1972 que inseriu a qualidade de vida ambiental nas
agendas políticas de todas as nações. A publicação do livro “Primavera Silenciosa”, no
ano de 1962, de autoria de Rachel Carson, foi também um marco, ainda anterior, que
possibilitou a popularização para a conscientização da humanidade sobre a
vulnerabilidade da natureza. Com contribuição semelhante, o Clube de Roma, em 1968,
evidenciou a problemática socioambiental eminente em todo o mundo ao projetar um
futuro caracterizado por situações ambientais catastróficas.
No contexto brasileiro, como vimos, até meados dos anos de 1980, as questões
ambientais, no que se referiam à defesa e à preservação de um meio ambiente
ecologicamente equilibrado, eram tratadas de forma muito limitada à esfera estatal, ou
seja, não havia uma participação efetiva e legitimada da sociedade civil nessas questões,
haja vista a política centralizadora implementada pelo Estado. Foi somente a partir da
promulgação da Constituição Federal de 1988, por força do artigo 225, que as questões
envolvendo o Meio Ambiente passaram a ser, constitucionalmente, partilhadas com a
sociedade.
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Verificou-se que houve no Brasil, com a constitucionalização da causa
socioambiental, uma descentralização do poder de legislar sobre esse assunto,
contribuindo para que diversas normatizações fossem criadas no país, destacando-se,
sobretudo, a atuação do poder local e a instituição de uma política nacional para meio
ambiente e educação ambiental.
No entanto, o que se percebe na histórica problemática socioambiental brasileira
é que o papel do Estado, como instância representativa e administrativa dos direitos
sociais, de acordo com Souza e Rodrigues (2004), não é o de transpor a situação de
injustiça estrutural dos problemas, mas o de colaborar para a manutenção das regras do
jogo político, de um status quo que se mantém da subjugação de classes
economicamente desfavorecidas.
As políticas implementadas pelo poder público brasileiro, cuja missão principal
deveria ser colocar em prática projetos políticos voltados para a busca de maior justiça
socioambiental, acabam por privilegiar o econômico em detrimento do social e do
ambiental. Consequentemente, o que se tem verificado é um Estado capitalista de
atuação mínima, que através de projetos paliativos, ações imediatistas e relações de
clientelismo, transfere à sociedade civil o ônus de arcar com a sua ausência. Todavia,
ainda que louvável e necessário seja o engajamento social na causa ambiental, como
advertem Cunha e Guerra (2007), o Estado não deve se valer da participação da
sociedade para se eximir da sua função.
Na conjuntura atual, os reclames sociais por condições ambientais sócio,
econômico e ecologicamente mais justas e equilibradas têm sido recorrentes em todo o
mundo, uma vez que as desigualdades econômicas se acentuam e se repetem, também,
no acesso desigual aos recursos naturais. Com isso, cada vez mais ganham vozes novos
atores sociais, os chamados ativistas socioambientais.
Dentre esses ativistas, a jovem sueca Greta Thunberg apresenta-se como a de
maior representatividade mundial. Recentemente acerca da morte de um indígena
brasileiro e do aumento das queimadas na Amazônia, Thunberg se pronunciou nos
seguintes termos: “[...] qualquer morte preocupa. Queremos cumprir a lei. Nós somos
contra o desmatamento ilegal, somos contra queimada ilegal, tudo o que for contra a lei,
nós somos contra” (PORTAL G1, 2019).
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A respeito desse pronunciamento, o atual presidente da república do Brasil,
numa deliberada intenção de infantilizar as palavras de Greta Thunberg, a chamou de
“pirralha”. Essa postura discursiva do presidente, além de não contribuir em nada para a
causa socioambiental no mundo, demonstra uma visão preconceituosa adultocêntrica
que, segundo Kohan (2004), foi culturalmente construída no ocidente, pois, ainda que a
democratização da causa socioambiental seja recente no Brasil, é constitucionalmente
inaceitável desmerecer a participação do jovem nessa causa.
Também a respeito da atuação de ONGs ambientais no Brasil, o presidente do
Brasil, no contexto do aumento das queimadas na Amazônia, se posicionou colocando
em suspeita a possibilidade do envolvimento criminoso dessas Organizações.
Para além de discursos de cunho político-ideológico, o que temos é um Estado
pouco preocupado em transpor as barreiras da problemática socioambiental, atuando de
forma mínima por meio de políticas públicas imediatistas e paliativas, em que
“contemplar grande parte das cidades brasileiras provoca um sentimento de desolação.
É a degradação dos ambientes, agravados pela miséria, mas não ela [...]” (YÁZIGI,
2005, p. 254).
A predominância do Estado mínimo, com princípios neoliberais de apropriação
do meio ambiente como fonte de acumulação do capital, contribui para o fortalecimento
de políticas públicas imediatistas, lineares e desintegradas, que desvinculam os
problemas ambientais dos anseios sociais e dificultam, quando não excluem, a efetiva
participação da sociedade dos direcionamentos das questões socioambientais no país.
Essas políticas perpetuam na sociedade a ideologia do consumo a qualquer
preço, a fim de se acompanhar a reprodução ampliada do capital, em busca de um
crescimento econômico que parece não ter fim, mesmo que para isso a vida, o equilíbrio
e a qualidade socioambiental sejam ameaçados.
Mas é claro que o consumo por si só não é o problema, sua raiz está no consumo
demasiado e diferenciado, em que uma maioria desprivilegiada sócio e economicamente
tem tirado de si o direito do uso equitativo do espaço geográfico e dos seus recursos, em
favor do usufruto irracional pela minoria dominante.
Concluímos pelas reflexões expostas neste artigo que o exercício da cidadania
está estritamente relacionado com o despertar para a consciência socioambiental.
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Contudo, o cenário político atualmente vivenciado no Brasil parece não priorizar esse
despertar quando reduz a importância de uma jovem ativista mundialmente reconhecida
para a causa socioambiental e coloca sob suspeita as finalidades e atuação de ONGs
ambientais.
Assim, no Brasil, a questão socioambiental além de ser agravada pelos
problemas decorrentes das atividades nefastas ao meio ambiente praticadas pelas
sociedades ao longo dos tempos, se depara com a difícil tarefa de ter o acesso à reflexão
crítica do modelo desenvolvimentista politicamente adotado, diante de estratégias de
manipulação ideológica, que reduzem a participação social a etapas menos importantes
das políticas públicas ambientais e desmerecem sujeitos e organizações civis que,
mesmo sem deterem o poder de Estado, se empenham nos assuntos relacionados a
problemática socioambiental no Brasil e no mundo.
Por fim, as atuais declarações do presidente brasileiro acerca da ativista
socioambiental Greta Thunberg e da atuação das ONGs ambientais não condizem com
os preceitos constitucionais que reconhecem a causa socioambiental como coletiva e
pública, como o próprio exercício da cidadania, essencial para a efetividade da política
nacional de proteção e conservação do meio ambiente no Brasil.
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