Ensaios de Geografia                  

Essays of Geography | PPGEO-UFF

 

 

OS COMPONENTES FÍSICO-NATURAIS DO ESPAÇO E A GEOGRAFIA ESCOLAR[1]:

 

 

THE PHYSICAL-NATURAL COMPONENTS OF SPACE AND SCHOOL GEOGRAPHY

 

 

Leonardo Ferreira Farias da Cunha

Universidade de Brasília/Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal

leoffarias@yahoo.com.br

 

Cristina Maria Costa Leite

Universidade de Brasília

criscostaleite@gmail.com

 

Resumo

 

O objetivo geral desta investigação foi analisar a abordagem que professores de Geografia do Ensino Médio, em escolas públicas de Taguatinga, no Distrito Federal, deram aos componentes físico-naturais e aos conteúdos a eles relacionados. Trata-se de uma investigação qualitativa que usou, como instrumentos de produção das informações empíricas, entrevistas semiestruturadas, exercícios de problematização, assim como análises dos planos de ensino. Os resultados revelaram que os componentes físico-naturais, de modo geral, são abordados de forma descritiva, informativa e fragmentária; falta clareza conceitual no tratamento dos temas e dos conteúdos que envolvam os componentes físico-naturais e uma abordagem geográfica desses componentes e, por fim, a formação inicial e continuada dos professores tem um efeito decisivo em sua prática pedagógica, principalmente no que se refere à (re)construção didático-pedagógica desses conteúdos.

Palavras-chave

Componentes físico-naturais, Ensino de Geografia, Ensino Médio.

 

 

Abstract

 

The general objective of this research was to analyze the approach that high school geography teachers in public schools in Taguatinga, in the Federal District, gave to the physical-natural components and their related contents. This is a qualitative research that used as instruments of production of empirical information semi-structured interviews, problematization exercises and analysis of teaching plans. The results revealed that, in a general way, the physical-natural components are approached in a descriptive, informative and fragmentary way; conceptual clarity is lacking in the treatment of themes and contents involving the physical-natural components and a geographical approach to them and, finally, the initial and continuing formation of teachers has a decisive effect on their pedagogical practice, especially regarding the didactic-pedagogical (re)construction of these contents

Keywords

Physical and natural components, Geography education, High School.

 

 

 

 

 

Introdução

Historicamente a dicotomia entre o que se convencionou chamar de Geografia Física e Geografia Humana reforçou a disjunção entre fenômenos e processos. Todavia, no contexto contemporâneo, há um imperativo que alerta para a necessidade de congruência entre os elementos da natureza e as ações humanas na abordagem geográfica (MONTEIRO, 1995; SUERTEGARAY E NUNES 2001). Esse diálogo entre a sociedade e o meio físico, numa perspectiva espacial, é importante em qualquer metodologia geográfica e concorre para a sua não obsolescência (CONTI, 2003). 

A Geografia Escolar como campo de conhecimentos, pode ter uma significativa contribuição ao processo de formação do aluno da Educação Básica e se constitui como aquela efetivamente ensinada na escola, o conhecimento geográfico trabalhado na sala de aula. Não é a Geografia acadêmica, mas, tem nela uma referência, juntamente com a tradição prática (CAVALCANTI, 2008). É uma Geografia apropriada para o contexto de ensino-aprendizagem, possui metodologias próprias e abordagens adaptadas à realidade escolar. Assim, os conteúdos geográficos na escola são pensados como mediações, de acordo com sua utilidade e relação com a vida cotidiana, considerando os saberes/conhecimentos prévios no processo de ensino e aprendizagem (BENTO, 2014).

Dito isto, destacamos que entre os conteúdos com os quais a Geografia Escolar trabalha estão os componentes físico-naturais, relacionados aos processos físicos, às dinâmicas da natureza. O ensino destes tem sido marcado por alguns problemas, no que se refere ao tratamento didático e pedagógico e decorrem: de processos de formação docente negligentes quanto à preparação para o ensino desses componentes; abordagens caracterizadas pela descrição e informação; adoção de escalas temporais e espaciais que dificultam a aprendizagem e o trabalho com o espaço vivido e percebido; distanciamento de uma abordagem geográfica ou propicie um raciocínio geográfico ( MORAIS, 2011; ROQUE ASCENÇÃO E VALADÃO, 2013, 2014, 2017; AFONSO 2015,2017; AFONSO e ARMOND, 2011; CUNHA, 2018). 

Estes problemas além de entraves ao processo de ensino e aprendizagem se constituem em prejuízos à atuação cidadã, pois, estes conteúdos contribuem para que os alunos, na condição de habitantes de uma determinada paisagem com variados graus de modificação, tenham informações e habilidades para utilização responsável e não predatória do ambiente em que vivem (AB, SABER, 2003 p.10). Na Educação Básica, os componentes físico-naturais contemplam o estudo da natureza e sua dinâmica (SUERTEGARAY, 2018). Compreender a dinâmica própria da natureza é indispensável para se conceber o Espaço geográfico, o que dá relevância ao trabalho com os referidos componentes no ensino básico. Em seu estudo na contemporaneidade é importante destacar uma contradição: ela está cada vez mais alterada, objetificada e deteriorada, ao mesmo tempo em que se amplia sua importância para o provimento de novos recursos ou mercadorias (SANTOS, 2014; SUERTEGARAY, 2015).

Diante do exposto o presente trabalho visa apresentar resultados de uma investigação feita durante o mestrado em Geografia na Universidade de Brasília no biênio 2017/2018. O objetivo foi analisar a abordagem que os professores de Geografia do Ensino Médio em duas escolas públicas de Taguatinga no Distrito Federal, conferiam aos componentes físico-naturais e os conteúdos a eles relacionados.

Como objetivos específicos pretendeu-se identificar e analisar sobre os professores: a concepção de Geografia considerada; as estratégias utilizadas para trabalhar com os componentes físico-naturais nas aulas de Geografia; as dificuldades ao ensinar os conceitos relativos às componentes físico-ambientais; se o lugar vivido e experienciado é utilizado para as estratégias de ensino e aprendizagem. 

A abordagem dos componentes físico-naturais

 Os componentes físico-naturais do espaço compreendem os elementos que em sua origem estão desvinculados da ação humana, no entanto, sobretudo na atualidade, esses elementos tem sua dinâmica marcada direta ou indiretamente pelos fatores sociais (MORAIS, 2011). Como dissemos, nas aulas de Geografia se espera que os conteúdos trabalhados ajudem a compreender o espaço geográfico, apreender a espacialidade dos fenômenos (ROQUE ASCENÇÃO E VALADÃO, 2017). Para tanto, alguns conhecimentos tanto dos aspectos humanos e sociais quanto os de ordem natural são importantes. Em situações de ensino, a depender da mediação realizada, a natureza e a sociedade podem ser ou parecer mais ou menos compreensíveis e perceptíveis.

Nesta abordagem preocupada com a espacialidade, os componentes físico-naturais se incluem, num movimento de ações e interações, tangíveis mediante o conhecimento da natureza em sua dinâmica. Considerar esses processos com uma preocupação analítica é indispensável à Geografia, sobretudo hoje em que se percebe que há cada vez mais um esforço na superação da já envelhecida dicotomia entre sociedade e natureza. O que não significa abandonar o conhecimento da natureza, ao contrário, conhecer a natureza continua sendo fundamental. Isto está exigindo uma concepção diferenciada da chamada Geografia Física (SUERTEGARAY, 2015).

O conhecimento dos processos naturais, expressos na forma de conceitos e conteúdos na escola, mobilizados quando do ensino de Geografia na Educação Básica, é fundamental. No entanto, esse processo pode enfrentar problemas, uma vez que esperamos que os alunos consigam realizar uma interpretação geográfica dos fenômenos, vinculando a dinâmica desses processos naturais às manifestações que se dão no espaço.  Esperamos que os alunos consigam opinar, por exemplo, a respeito de consequências ambientais de processos como urbanização, industrialização, projetos agropecuários, e isso não ocorre se não houver domínio teórico conceitual das dinâmicas e processos naturais. Desse modo, pensar na espacialidade de qualquer fenômeno, sem esses conhecimentos, não descortina a realidade para além do senso comum, pois a falta de domínio dos conteúdos formais, que habilitarão a compreensão do fenômeno, inviabiliza sua análise geográfica (LEITE, 2016).

Deste modo, quando o processo de mediação trabalha, por exemplo, com conceitos ao mobilizar os conteúdos, os alunos podem em favor de uma interpretação geográfica, usá-los para ler a realidade em diferentes escalas. E, no que tange aos componentes físico-naturais, trabalhá-los conceitualmente de modo integrado e relacional. Para Roque Ascenção e Valadão (2017) os conceitos são importantíssimos, são fundantes, posto que, epistemologicamente alicerçam a construção de conhecimentos. Para estes autores os conceitos fundantes podem ser estruturadores, ou seja, permanentes em toda e qualquer análise, e estruturantes, de utilização episódica, a depender do fenômeno em questão.

Outro ponto a ser considerado nesta perspectiva é que esses conteúdos e conceitos precisam ser trabalhados pelos professores de maneira integrada, no sentido de não fragmentar os elementos da paisagem e sim analisá-los de maneira relacional. Pois se assim não ocorrer, é provável que a compreensão dos processos, que requisitam os conceitos e conteúdos de que falamos, não aconteça. Os componentes espaciais de ordem física como, por exemplo, o clima, os corpos hídricos, o relevo, o solo, as rochas e a vegetação, se vistos de modo isolado, não colaboram para compreensão da identidade espacial que resulta da interação entre eles, e deles com os componentes espaciais de ordem humana, como o contingente populacional, a urbanização, as atividades econômicas e as manifestações culturais entre outras.

Ao discorrer sobre o papel dos componentes físico-naturais para o exercício da cidadania, Morais (2011) afirma que esses conteúdos e conceitos não têm um fim em si mesmos e só o fato do aluno os conhecerem não o torna um cidadão: “Todavia sem esse conhecimento, ele não exerce a cidadania em sua totalidade, pois o seu cotidiano também é lido, compreendido com base na relação que ele estabelece com esses temas –o todo e as partes” (MORAIS, 2011, p. 139). Assim, o aluno lê o mundo, problematiza a partir de conhecimentos construídos relaciona aspectos físicos e ambientais. 

Esses aspectos relacionados à abordagem dos componentes físico-naturais implicam em desafios à prática docente e são melhor enfrentados quando o professor dispõe de formação inicial e/ou uma formação contínua que mire e vá ao encontro dessas questões. Nesta perspectiva o trabalho de Shulman (2005) traz contribuições importantes ao tratar dos conhecimentos docentes, sobretudo o que se denomina conhecimento pedagógico do conteúdo. Este se constitui num recurso para a prática, é um amalgama elaborada e sofisticada que se referencia em outros conhecimentos como o específico e o didático geral para ser usado na situações de ensino, o ato de oficio do professor por excelência.

Uma bagagem teórica consolidada é um requisito para a construção didático-pedagógica dos conteúdos que serão ensinados. Afonso e Dias (2018) ressaltam que a qualificação teórico-metodológica dos professores está intrinsecamente ligada às boas práticas docentes.  A construção do conhecimento pedagógico do conteúdo conforme Shulman (2005) precisa de boas bases. A autoria no trabalho docente é o que define as escolhas metodológicas, os termos e expressões que serão empregados, as problematizações e provocações que serão feitas para se ensinar um determinado conteúdo.

Metodologia

A pesquisa foi realizada em Taguatinga, hoje uma das 33 Regiões administrativas (RA) do Distrito Federal (DF). Inaugurada em 1958, antes mesmo da capital (Ra do Plano piloto), é uma cidade que polariza outras que surgiram de sua área original, é o caso das regiões administrativas de Samambaia, Ceilândia, Águas Claras e Vicente Pires. Aproximadamente 30% da população que vive Taguatinga é originária de outras RA’s, especialmente Ceilândia. 

As duas escolas públicas alvos desta pesquisa estão localizadas na Região administrativa de Taguatinga, uma na porção central denominada Escola 1(ver figura 1) e outra na porção  sul denominada Escola 2, ambas ofertam apenas o Ensino Médio regular de três anos de duração. 


Figura- 1. Perímetro da Região Administrativa de Taguatinga com destaque para as escolas.E:\Documents\TEXTOS SOBRE ENSINO DE GEOGRAFIA\mapas dissertação\localização mapa karina.png




A escolha de instituições que trabalham neste nível de ensino se deu em função da importância desta última etapa da Educação Básica onde a bagagem do Ensino Fundamental é revisitada e aprofundada, e quando se consolidam conhecimentos, e se constitui, portanto, em uma oportunidade de construir e reconstruir caminhos de aprendizagem. Segundo o Censo Escolar de 2017 a Coordenação Regional de Ensino de Taguatinga (CRE-Taguatinga) efetivou 9.409 matrículas, estando atrás apenas da CRE - Ceilândia que tem uma população maior que o dobro de Taguatinga. Sendo assim, proporcionalmente, Taguatinga tem o maior número de estudantes no Ensino Médio o que também foi considerado na escolha da regional e das escolas.

Foi uma pesquisa de natureza qualitativa que utilizou entrevistas semiestruturadas, exercícios de problematização e análise dos planos de ensino para alcançar os objetivos. Os sujeitos da pesquisa foram quatro professores de Geografia, denominados A, B, C e D, escolhidos a partir de três critérios: serem formados ou habilitados em Geografia, atuantes no Ensino Médio e possuidores de um tempo mínimo de experiência. O tempo de atuação foi considerado tendo em vista a categorização de Huberman (2000), todos os participantes tinham pelo menos 8 anos de experiência em sala de aula, 3 dos 4 participantes superavam com folga esse limite mínimo apenas no Ensino Médio, o que para nós era relevante.

As entrevistas possibilitaram uma maior interação entre o pesquisador e os pesquisados. Seu uso, nas pesquisas qualitativas, se justifica por serem mais apropriadas ao estudo de objetos cujo significados são subjetivos e/ou temas complexos (SZYMANSKI, 2002 et al). As perguntas foram elaboradas tendo em vista o objeto: a abordagem dos componentes físicos-naturais nas aulas de Geografia da Educação Básica.  Além dos objetivos expostos na introdução.

Depois da realização das entrevistas os professores foram convidados a problematizar temas e questões vinculados aos componentes físico-naturais em dois exercícios. No primeiro, pedimos que explicitassem, na forma de texto ou mapas conceituais, a compreensão que tinham sobre os componentes físico-naturais e a relação desses com as a ideias de natureza e de ambiente. Além disso, nesta primeira atividade, solicitamos a elaboração de uma sequência didática, que incluísse conteúdos relacionados aos componentes físico-naturais.

No segundo exercício, duas imagens que retratavam problemas ambientais urbanos conhecidos na cidade foram apresentadas. A primeira registrava uma cicatriz erosiva em via pública e a segunda mostrava uma situação de alagamento em área urbana. Diante disso, lhes foi solicitada a identificação dos componentes físico-naturais envolvidos nas situações apresentadas, bem como uma problematização, que sugerisse um encaminhamento didático sobre como ensinar os problemas em questão.

Além disso, os planos de ensino dos sujeitos participantes da pesquisa foram analisados, isso se deu por considerarmos esses documentos como definidores de ações, procedimentos e recursos utilizados, eles sistematizam, portanto, a proposta do que se pretende ensinar. Procedemos a análise a fim de estabelecer relação dos planos com as informações obtidas com os outros instrumentos . 

 Resultados e discussão

As entrevistas foram gravadas e totalizaram 228 minutos de gravação, e depois de transcritas se transformaram em 43 páginas. Foram realizadas em 2017 e 2018, em datas agendadas pelos professores, conforme sua disponibilidade, em, pelo menos, dois momentos. No segundo entregamos os exercícios de problematização que foram aplicados em duas etapas, com duas atividades cada um. Foram feitos à mão e em documentos digitais. Os planos de ensino foram solicitados aos sujeitos da pesquisa que os enviaram eletronicamente para análise.

As entrevistas

Quanto ao percurso formativo, os professores B, C e D foram categóricos em afirmar que não tiveram nenhuma orientação quanto à construção didática e pedagógica desses componentes ou conteúdos correlatos, embora tivessem feito cursos de licenciatura. Dentre os três, os professores B e C afirmaram que nem mesmo as disciplinas da graduação associadas à área física da Geografia foram ofertadas a contento, não tendo, sequer, contato com algumas das cadeiras comumente ofertadas, como Geologia, Geomorfologia, Climatologia e Biogeografia, por exemplo. Essas ausências foram substituídas, segundo B e C, por propostas generalistas, denominadas de aspectos físicos ou Geografia Física, ofertados de modo aligeirado (um ou dois semestres) e superficialmente. B e C não haviam cursado inicialmente, Geografia, a formação nessa área veio da complementação de processos formativos anteriores como curso técnico em magistério e graduação em estudos sociais. 

Entendemos que na Educação Básica a profundidade com que são tratados os temas, por uma série de situações, pode não ser tão grande. Entretanto, o não aprofundamento em nível escolar não exime o profissional professor do conhecimento próprio de um especialista, que por deter domínio da temática, consegue fazer escolhas epistemologicamente adequadas, ainda que na apresentação escolar não se mostrem tão adensadas teoricamente. Nessa perspectiva Shulman (2005) reforça a ideia do conhecimento de base como apontamos anteriormente, para ele essa base é indispensável para o exercício da docência, neste caso tanto na Geografia quanto nas outras áreas que viabilizam o ato de ensinar e colaboram com o aprendizado dos alunos. Conforme apontam Roque Ascenção e Valadão (2017) toda área do conhecimento possui seus conceitos fundantes, cabe ao professor ao pensar sobre o processo de ensino e aprendizagem mobilizar aqueles que julgue necessários, como os que devem sempre constar, posto que são estruturantes da identidade epistêmica, e os de uso episódico variando conforme o conteúdo tratado.  

As perguntas relacionadas à formação visavam identificar o quanto, no percurso formativo, os sujeitos participantes foram preparados para relacionar os conhecimentos específicos com os pedagógicos. Tal capacidade é que o viabiliza a criação de estratégias para ensinar os mais variados temas que envolvem os componentes físico-naturais. A formação docentes desejável seria aquela que incumbisse o professor-aluno a pensar nos desafios de ensinar o que se aprende; se esse exercício não existe na etapa da formação inicial, amplia-se a distância entre teoria e prática, o que contribui para o despreparo de muitos professores, na abordagem dos temas específicos da área física.

Com exceção do professor A, os demais professores confirmaram a conclusão de Morais (2011), Afonso e Armond (2009) e Afonso (2015) sobre a negligência quanto à formação, no que concerne à área física da Geografia nas licenciaturas. Tal superficialidade deixa lacunas na compreensão da dinâmica natural ou, se a formação é sólida e bem estruturada, falta diálogo com a realidade escolar, o que evidencia um distanciamento dos cursos formadores de professores em relação à escola (KAOULE E SOUZA, 2013). Relacionar os conhecimentos específicos com os pedagógicos é que o viabilizará a capacidade de criar estratégias para ensinar os mais variados temas que envolvem os componentes físico-naturais. A formação ideal seria aquela que incumbisse o professor-aluno a pensar nos desafios de ensinar o que se aprende. 

Outra questão abordada nas entrevistas foi a dificuldade de abordagem desses conteúdos no dia a dia. Para o professor B o número de aulas que se dispõe para cumprir o currículo mínimo é pouco e é preciso fazer escolhas, muitas vezes relegando esses conteúdos. Para o Professor C a falta de pré-requisitos dos alunos é também uma situação comum, o que o faz inserir em seu planejamento a possibilidade de demorar um pouco mais em alguns assuntos, porque precisa (re) apresentar conceitos primordiais.

Os professores B e C indicam que os problemas de aprendizagem são anteriores ao Ensino Médio e quando não enfrentados prosseguem. Reiteramos, então, que no Ensino Médio é possível refazer caminhos de aprendizagem, ressignificar processos de Ensino valorizando o aluno, seus espaços de vivência e o papel social da Geografia, como possibilitadora de uma leitura reflexiva e crítica do mundo (STRAFORINI, 2018). Houve menção ao livro didático, para o professor A o livro é mais um material de pesquisa e suporte esporádicos,  por hábito e em consonância com as atuais tecnologias,  muitos alunos preferem fazer buscas no celular sobre os temas solicitados, do que seguir o que propõe o livro didático. Os professores B e C disseram que em relação aos componentes físico-naturais, consideram que os livros atendem parcialmente e que é necessário fazer alguma complementação.

Todos afirmaram que fazem, ou tentam fazer, relação entre o que ensinam a respeito dos componentes físico naturais e os espaços de vivência de seus alunos e fizeram alusão às saídas de campo, como uma experiência capaz de promover uma interação interessante com o lugar, e suas características naturais. Embora, todos alegassem que no contexto da Secretaria de Educação nem sempre há recursos para tal e que tentam compensar com outras estratégias. Nesse sentido, não sair a campo explica em parte as dificuldades com a abordagem didáticas dos componentes físico-naturais mas não se constitui uma limitação absoluta. Considerar a multiescalaridade dos fenômenos equilibrando o que há de mais socialmente significativo com o que temporal ou espacialmente seja mais abrangente é um caminho.

Ao narrarem como conduziam o ensino dos componentes ora em tela, foi comum, independente do conteúdo, começarem pelos eventos de grandes escalas temporais e espaciais, e depois abordar os fenômenos tratados em escalas menores. Confirmando assim, os achados de ROQUE E ASCENÇÃO E VALADÃO (2014; 2017); BERTOLINI E VALADÃO, (2009). Nesse sentido, cabe a indagação: é possível mudar a abordagem desses conteúdos?  Começá-las de modo aproximar os conteúdos à vivência dos alunos? Significá-los e ampliar as possibilidades de uma aprendizagem efetiva? No caso do relevo, por exemplo, não abordar a morfogênese em preferência à morfodinâmica; as microformas e não as macroformas. O distanciamento entre os conteúdos e a real compreensão dos alunos reduzem as possibilidades de significá-lo. 

Como afirmam BERTOLINI E VALADÃO (2009 P. 33): “Dentro das perspectivas do estudo das formas do relevo o fator tempo não pode ser esquecido, devendo-se lembrar que a escala de tempo – geológico e histórico/humano – implica diferentes percepções e formas do relevo”. Desse modo, a percepção que é escolhida de modo recorrente pelos professores, a do tempo geológico, pode trabalhar formas de relevo que embora existam, não se pode ver, só existe no texto, na abstração. Logo, explorar os ravinamentos, as voçorocas, os morros, as colinas e as vertentes, por exemplo, constituem-se perspectivas viáveis ao trabalho do professor, como recurso ilustrativo de alguma dinâmica geomorfológica que seja socialmente significativa. 

Neste sentido os conteúdos de Geografia não são os componentes físico-naturais em si, tratados de forma isolada, distantes e subjetivos; eles comporão o conteúdo da Geografia se a eles forem conferidas uma abordagem geográfica, que considere como se relacionam com a dinâmica social e afetam, por conseguinte, a organização espacial, a espacialidade. Do contrário, perdem o sentido como conteúdo da Geografia e são somente informação geográfica. Nesta direção, perguntamos também sobre os conceitos que os professores associavam aos assuntos trabalhados. Todavia, não obtivemos clareza em suas respostas que nos permitiu identificá-los. O ensino de qualquer conteúdo tendo por base os conceitos é o contrário de uma abordagem informativa e descritiva. O conceito pode ser um caminho usado pelo o professor para mediar a interpretação de questões de interesse da Geografia, construindo explicações conceituais. “Pensar ações de ensino e aprendizagem nessa direção pressupõe um professor que: (i) entenda o conceito como uma construção e não um dado; (ii) seja capaz de operar a partir de conceitos e não de, simplesmente, informar conceitos em sala de aula” (ROQUE ASCENÇÃO, 2018  p.11).

Os exercícios de problematização

Constatamos que os professores no primeiro exercício diferenciaram natureza de ambiente, entendendo a primeira como o conjunto dos fenômenos do mundo físico, com uma lógica própria e que impõem aos seres humanos algumas determinações e o segundo como o espaço onde ocorre a interação entre o natural e o social. Contudo, para os professores A e B a noção de natureza é externalizada, independe do homem, é constituída exclusivamente pelos elementos naturais. Esta visão segundo Morais (2011) é bastante disseminada na população e pode naturalizar em excesso a natureza, desconsiderando o seu significado social, e a influência recíproca entre ela e a sociedade. 

O estudo da natureza pressupõe a compreensão das dinâmicas físico-naturais, o que é fundamental na formação inicial. Contudo, a questão ambiental ganha espaço na perspectiva da interação sociedade/natureza. A esse respeito, Suertegaray (2001, 2005) destaca a emergência dessa perspectiva ambiental, na Geografia, como uma reação às demandas contemporâneas, quanto ao conhecimento e domínio do espaço, do território, dos impactos ambientais e suas derivações. Nesta questão, os registros valorizavam o estudo do ambiente e dos impactos decorrentes da presença humana. Entretanto, algumas dessas respostas foram contraditórias, no sentido de que valorizavam mais a compreensão das afetações ambientais em si, que o contexto social, cultural, econômico e político no qual estes impactos estavam incluídos. Ainda no primeiro exercício pedimos sequências didáticas. O que foi entregue não eram propriamente sequências, ainda assim apresentavam algumas questões apontadas anteriormente como a escolha pelas grandes escalas e falta de clareza conceitual.

No segundo exercício foram pedidas duas tarefas, a partir da apresentação de imagens, que mostravam problemas ambientais urbanos como alagamento e erosão. A primeira tarefa era identificar os componentes físico-naturais envolvidos na situação retratada e a segunda consistia em apresentar uma maneira para trabalhar esses assuntos em sala. As respostas evidenciaram uma confusão sobre o que era componentes físico-naturais, mesmo com o esclarecimento prévio sobre essa questão. Sobre como isso seria abordado em sala, observou-se, que havia uma preocupação em descrever os problemas, mencionando, ainda que vagamente, relações de causa e efeito, mas pouca problematização como um evento geográfico, que pode ser avaliado pela Geografia e não somente por elementos de geomorfologia, pluviosidade e infraestrutura urbana. Voltamos a identificar uma fuga da Geografia,  que se configurava com explicações dos fenômenos em si ou dos componentes físico-naturais de forma isolada, distanciando as estratégias utilizadas da possibilidade de construção de um raciocínio geográfico. 

Os planos de Ensino

Dos nossos quatro sujeitos, dois assumiram não terem feito o plano de ensino: os professores A e D. Para A, a razão para tal é que há outro professor que leciona na mesma série e cumpriu essa formalidade para ambos, junto a coordenação pedagógica. O outro professor afirmou que chegou à escola quando as aulas já haviam começado e não lhe foi cobrado tal documento, todavia, disse que seguia o livro e o que sabia sobre parâmetros curriculares. A esse respeito é importante considerar que substituir o planejamento anual pela sequência de conteúdos estabelecida pelo livro didático pode gerar algumas situações. Entre essas o esvaziamento da função docente de pensar os objetivos, conteúdos e metodologias. 

O professor B, que leciona no 1ª ano do Ensino Médio, trouxe em seu plano quatro itens: habilidades, procedimentos, conteúdos e procedimentos para recuperação. Os conteúdos previstos, que se relacionavam ao nosso objeto, distribuídos em 4 bimestres. Não tinha objetivo geral e as habilidades esperadas não apontavam para uma abordagem integrada do espaço, considerando a interação entre sociedade e natureza. O plano do professor C, que leciona no 1ª ano do Ensino Médio, apresentou um objetivo geral e conteúdos. O objetivo contemplou a expectativa de desenvolver um modo mais adequado de ensinar os componentes físico-naturais: inserção desses componentes numa compreensão maior, que relaciona sociedade e natureza, de forma dinâmica e prevê para tanto diferentes escalas de análise. Contudo, o objetivo não encontrou correspondência com outras falas expostas tendo em vista os instrumentos utilizados.

Considerações finais

As análises das informações obtidas nos permitem estabelecer algumas considerações. As abordagens que os nossos sujeitos deram aos componentes físico-naturais se caracterizam por serem descritivas, informativas e fragmentadas.  As maneiras pelas quais os professores ensinam os conteúdos privilegiam o tratamento isolado dos componentes, em detrimento de uma abordagem que os integre aos contextos socioeconômicos em que estão inseridos. Tal postura contrapõe-se às orientações literatura que versa sobre isso e sugere a consideração da dinâmica sociedade/natureza, na perspectiva de compreensão do espaço geográfico e das espacialidades dos fenômenos que o compõem.

Não foi possível identificar clareza conceitual no trato dos componentes físico-naturais, nem uma abordagem geográfica destes componentes, preocupada com a espacialidade dos fenômenos. Ficou evidente que a formação inicial de nossos sujeitos tem efeitos concretos sobre sua prática docente. Os professores estão distantes das reflexões da academia e academia está distante dos professores, há um conjunto demandas que partem no universo da prática docente e nem sempre é perscrutado pelos processos formativos nas instituições de Ensino superior. Certamente os professores têm contribuições empíricas a dar ao mesmo tempo que a ciência produzida na universidade poderia ter mais efetividade se reestabelecesse uma conexão maior com a ponta do processo, a escola, estabelecendo relações mais horizontais e cooperativas. Evidência desse distanciamento é que o enorme avanço nas pesquisas sobre ensino de Geografia nos últimos anos não possibilitou que tais progressos chegassem ao professor da Educação Básica, na mesma proporção em que foram produzidos. A reflexão sobre a própria prática parece não encontrar muito espaço, diante das várias demandas que lhe são imputadas cotidianamente. Ensinar, embora seja ofício por excelência do professor, não é tarefa fácil, notadamente no contexto da escola pública. 

Tal instituição recebe uma diversidade de alunos, que leva consigo problemas dos mais variados,  os quais  podem afetar o processo de ensino e aprendizagem. Por isso compreendemos os desafios impostos ao professor. Nesse sentido, é importante frisar que apesar de todas as dificuldades e limitações, quanto menos preparados forem os professores, maiores serão os danos decorrentes dessas dificuldades, no trabalho docente. Quanto menor a distância entre a Educação Básica e a universidade, maior é possibilidade de que ambas se ajudem, para o estabelecimento de políticas de formação mais adequadas às condições reais das escolas, alunos e professores.

 

 

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AO CITAR ESTE TRABALHO, UTILIZAR A SEGUINTE REFERÊNCIA:

CUNHA, Leonardo Ferreira Farias da; LEITE, Cristina Maria. Os componentes físico-naturais do espaço e a geografia escolar. Revista Ensaios de Geografia. Niterói, vol. 6, nº 11,pp. 32-54,maio-agostode 2020.Revista Ensaios de Geografia. Niterói, vol. 6, nº 11, pp. 11-31, maio-ago 2020.

Submissão em: 08/03/2020. Aceite em: 25/08/2020.

ISSN: 2316-8544

 


[1] Uma versão preliminar deste texto foi publicada no 14º Encontro Nacional de Práticas de Ensino de Geografia realizado no Instituto de Geociências da Unicamp em Campinas – São Paulo - Brasil .