IGREJA UNIVERSAL E O CORONAVIRUS: A DIMENSÃO GEOSSIMBÓLICA E A NEGAÇÃO DO ISOLAMENTO SOCIAL

 

Christovam Reis dos Santos Filho[1]

Universidade Estadual do Ceará

santosfilho20@gmail.com

 

Otávio José Lemos Costa[2]

Universidade Estadual do Ceará 

otavio.costa@uece.br

 


RESUMO: 

O presente texto é uma possibilidade interpretativa acerca da relação entre Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) em Fortaleza e seus geossímbolos no contexto da pandemia da Covid-19. Objetivamos compreender como esta instituição e seus participantes vivenciam o sagrado no isolamento social. A discussão é estabelecida no entendimento que os participantes da IURD percebem a sua permanência no templo como uma chance de combate ao coronavírus. 

 

Palavras-chave: Geografia da religião; Geossimbolismo; Restrições pela Covid-19.


 

INTRODUÇÃO

Na Geografia da Religião aportamos nossos estudos aos significados que a essa traz ao espaço e por sua vez a influência espacial nos ritos e crenças religiosas. Sendo que “significados constitui a palavra-chave da geografia cultural renovada” (CORRÊA e ROSENDAHL, 2008, p. 75), qualquer interação simbólica entre religião e espaço é importante para o entendimento do real.

Por isso, tencionamos uma breve análise sobre um fenômeno espacial que ocorre nos últimos dias: a propagação da doença covid-19 e o fechamento parcial do Templo Central da Igreja Universal do Reino de Deus em Fortaleza. Objetivamos compreender a dimensão simbólica que faz deste templo um espaço sagrado para os fiéis e como a pandemia tem sido assimilada pelos fiéis e representantes da IURD, em relação ao isolamento social recomendado pelas autoridades governamentais.

Para tanto, baseamos nossa análise na percepção acerca do fenômeno partindo da dimensão simbólica dos fiéis. Assim, a catedral da IURD é entendida como um espaço sagrado e há nele geossímbolos, definido por “um lugar, um itinerário, uma extensão que, por razões religiosas, políticas ou culturais, aos olhos de certas pessoas e grupos étnicos assume uma dimensão simbólica que os fortalece em sua identidade” (BONNEMAISON, 2002, p. 109) que influenciam a vivência do sagrado no cotidiano dos fiéis.

 

DISCUSSÃO E RESULTADOS

Conhecido popularmente como coronavírus, o vírus Sars-Cov-2 gera a doença Covid-19, a qual possui como consequência a síndrome respiratória aguda grave, com a possibilidade de morte. Surgido inicialmente na China, no final do ano de 2019, o vírus se espalhou para vários países do globo, registrando mundialmente mais três milhões e meio de casos e mais de duzentas e cinquenta mil mortes até o momento em que escrevemos o texto.

A Organização Mundial de Saúde (OMS) apresenta algumas recomendações para evitar a propagação da doença. Das recomendações a mais importante é o distanciamento social, para evitar aglomerações e retardar o contágio. Isso fez com que vários governos decretassem o isolamento social acarretando o fechamento de vários estabelecimentos não essenciais à sociedade, o que inclui os templos religiosos, pela sua capacidade de reunir pessoas nos templos.

No Brasil, desde o início das políticas de isolamento e distanciamento social propostas, sobretudo pelos governos estaduais, a Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), vêm adotando posturas que criticam o fechamento dos templos religiosos. Há postagens em redes sociais por parte de bispos e pastores da instituição direcionamento aos fiéis que não superestimassem a doença, nem se alarmassem com as notícias sobre o assunto.

O templo é um elo entre a instituição e seus frequentadores. A forma presencial dos cultos da instituição religiosa é seu carro-chefe para comunhão e auxílio aos fiéis, como também para arrecadação e manutenção dos templos. “Com as catedrais, a IURD mantém sua prática de se instalar em locais privilegiados na cidade, destacando sua marca visual no espaço” (GOMES, 2011, p. 164). A catedral também exerce uma função administrativa, deliberativa e sede para filmagens de sua programação religiosa. Isso facilita tanto o acesso devido sua localização, como também remete aos fiéis uma potência religiosa simbolizada pelo templo maior. Porém acarreta aglomerações, uma vez que somente a catedral de Fortaleza concentram três mil e quinhentas pessoas sentadas.

Além disso, as catedrais da IURD formam um limite territorial, pois além do que foi dito acima sedia o bispo da instituição naquela cidade. Partindo do entendimento de que o território “contém relações sociais e relações sociedade-natureza, conexões e redes, relações e significados plurais” (SAQUET, 2018, p. 488) e também que o “templo representa o marco do espaço construído e de significação simbólica da presença do sagrado” (GIL FILHO, 2008, p. 119), os templos maiores da IURD atraem mais fiéis pela sua potência simbólica espacial e os geossímbolos contidos dentro do espaço sagrado ajudam nesse entendimento.

Podemos enfatizar a importância geossimbólica do altar para os fiéis da IURD. Isso é explícito no trecho de uma reportagem da Folha Universal: “o Altar é lugar de milagres, entrega, decisão, lugar de manifestar a fé e de buscar ajuda e socorro Divinos como fizeram tantos homens do passado, como Moisés, Abraão, Elias e tantos outros quando recorreram ao Altar” (LOPES, 2020, p. 2). O altar é, então, compreendido como um geossímbolo. Este se sacraliza na medida em que, para o fiel, o aproxima de Deus. Mesmo que ele não presencie os rituais no templo, mas sua presença perante o altar é um elo entre o homem e o transcendente.

A atuação do fiel na quarentena do coronavírus acontece mediante as orações que ele pode fazer no templo, diante do altar. Isso é estimulado pelos líderes da IURD em Fortaleza, relatando que mesmo sem cultos, as portas do templo estão abertas durante a pandemia para que eles possam ir ao altar e fazer intercessões, ofertas e pedidos.

 

A CATEDRAL DA IURD EM FORTALEZA E O CORONAVIRUS

A IURD se insere na esfera política ao estabelecer propostas que mostram a importância do templo para os fiéis. David Durand, deputado estadual do Ceará e pastor da IURD em Fortaleza, deliberou um projeto de lei que estabelece os templos religiosos como atividade essencial. Não obstante o projeto ser para fins políticos, o uso discursivo de que a relação entre o fiel e o transcendente é argumentada para reabertura oficial dos templos. Simbolicamente, significa dizer que durante a quarentena, caso aprovado, os templos poderiam permanecer abertos e com sua programação normal reforçando o território sagrado do templo aprofunda a importância geossimbólica do templo os fiéis e dirigentes.

Evidencia-se a importância geossimbólica entre o fiel e o templo. Mesmo afetado pelo contingenciamento das aglomerações, ele ainda percebe o altar como local de contato espiritual. Isso mostra que a catedral da IURD em Fortaleza “é um espaço vivido pela experiência corporal dos fiéis, pois a presença física é um componente relevante que o leva a ‘sentir’ a presença divina” (SANTOS FILHO, 2016, p. 136). E o altar é o geossímbolo presente que sinaliza a possibilidade perceptiva do transcendente na vida do fiel.

Mesmo sem a aprovação do projeto, a catedral mantém suas portas abertas, conforme o exemplo (Figura 1) referente ao culto proferido no dia quatorze de abril de 2020, o pastor incentiva os fiéis a passarem no templo enquanto vão às compras essenciais. O geossímbolo representado pelo altar enfatiza a força simbólica da catedral da IURD, ressignificando o templo não apenas como local de culto, mas como um meio de enfrentar as mazelas da pandemia pela presença no altar, resistindo às recomendações sanitárias do governo estadual.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Portanto, em um período de quarentena a IURD de Fortaleza adota o discurso de seus dirigentes e paradoxalmente incentiva o fiel a frequentar o seu templo maior. Mesmo com recomendações de permanência nos domicílios, a instituição por meio da ênfase geossimbólica tem promovido nos fiéis a percepção do sagrado pela visitação ao altar.

Isso desperta a importância dos estudos geográficos acerca do significado promovido entre religião e espaço. Pois em uma época que um vírus se propaga por meio das aglomerações entre pessoas, os fiéis colocam a vida abaixo da importância de frequentar as reuniões de sua instituição, pois lá se encontra o geossímbolo que ressignifica sua relação com o transcendente. O fiel percebe que o cuidado do corpo passa pelo cuidado espiritual materializado pela sua liberdade de culto, mesmo com o perigo de contaminação do novo coronavírus, ressaltando a religião em sua dimensão espacial como algo relevante na formação da realidade do homem religioso.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

BANDEIRA, O.; MENDES, G. Programas religiosos defendem templos abertos e fé contra coronavírus. Carta Capital, São Paulo, 09 abr. 2020. Disponível em: https://www.cartacapital.com.br/blogs/intervozes/programas-religiosos-defendem-templos-abertos-e-fe-contra-coronavirus/. Acessado em: 14/04/2020.

 

BONNEMAISON, J. Viagem em torno do território. In: CORRÊA, R. L.; ROSENDAHL, Z. (orgs.). Geografia Cultural: um século (3). Rio de Janeiro: Eduerj. p. 83-132, 2002.

 

CEARÁ. ASSEMBLEIA LEGISLATIVA. Projeto de Lei 00082/2020. De 06 de abril de 2020 estabelece as igrejas e os templos de qualquer culto como atividade essencial no estado do Ceará. Disponível em: https://www2.al.ce.gov.br/legislativo/proposicoes/ver.php?nome=30_legislatura&tabela=projeto_lei&codigo=773. Acessado em: 14/04/2020.

 

CORRÊA, R. L.; ROSENDAHL, Z. A geografia cultural brasileira: uma avaliação preliminar. In: Revista da ANPEGE, v. 4, n. 4, p. 73-88, julho de 2008.

 

GIL FILHO, S. F. Espaço Sagrado: estudos em geografia da religião. Curitiba: Ibpex, 2008.

 

GOMES, E. de C. A era das catedrais: a autenticidade em exibição. Rio de Janeiro: Garamond, 2011.

 

LOPES, K. Está sentindo falta de ir à igreja? São Paulo, 12 abr. 2020. Disponível em: https://www.universal.org/noticias/post/esta-sentindo-falta-de-ir-a-igreja/. Acessado em: 14/04/2020.

 

SANTOS FILHO, C. R. dos. O templo central da Igreja Universal do Reino de Deus em Fortaleza-Ceará: a compreensão de um espaço sagrado. 2016. 174 f. Dissertação (Mestrado em Geografia) - Programa de Pós-Graduação em Geografia. Fortaleza: Universidade Estadual do Ceará, 2016.

 

SAQUET, M. A. A descoberta do território e outras premissas do desenvolvimento territorial. In: Revista Brasileira Estudos Urbanos e Regionais, São Paulo, v. 20, n. 3, p. 479-505, set./dez., 2018.

 


 

AO CITAR ESTE TRABALHO, UTILIZE A SEGUINTE REFERÊNCIA:

SANTOS FILHO, Christovam Reis dos; COSTA, Otávio José Lemos. Igreja Universal e o coronavírus: a dimensão geossimbólica e a negação do isolamento social. In: Revista Ensaios de Geografia, Niterói, vol. 5, nº 9, p. 52-56, maio de 2020

Submissão em: 16/04/2020. Aceite em: 13/05/2020.

Universidade Federal Fluminense, Niterói, RJ - Brasil

 


[1] Doutorando pelo Programa de Pós-graduação em Geografia da Universidade Estadual do Ceará.

[2] Doutor e professor adjunto da Universidade Estadual do Ceará.