ENSINO DE GEOGRAFIA EM TEMPOS DA COVID-19: 
TECNOLOGIAS E USO DE PLATAFORMAS DE EDUCAÇÃO PARA O ENSINO REMOTO EM RIBEIRÃO PRETO/SP E EM PASSO FUNDO/RS

 

Odair Ribeiro de Carvalho Filho[1]
FFCLRP/USP

or.cf@usp.br

 

Claudionei Lucimar Gengnagel[2]
Universidade Federal de Santa Maria

claudionei123@gmail.com

 


RESUMO: 

O trabalho objetiva verificar as possibilidades e desafios do ensino de Geografia quanto ao uso de plataformas para o ensino remoto, em tempos da COVID-19. Para tanto, verificou-se as metodologias de ensino utilizadas em uma escola pública estadual em Ribeirão Preto/SP, ETEC José Martimiano da Silva, e outra privada em Passo Fundo/RS. Notou-se que em ambas realidades, apesar dos desafios impostos pela exclusão digital e desigualdade social na pandemia, existem esforços dos docentes autores para permanência de um ensino de Geografia crítico-reflexivo.

 

Palavras-chave: Ensino remoto; Tecnologias; Plataformas de Educação.


 

O ENSINO DE GEOGRAFIA EM TEMPOS DE COVID-19

Na sociedade globalizada, vista a partir de suas contradições, e multifacetada em que vivemos no século XXI, a Escola e o ensino de Geografia apresentam múltiplas tarefas. Estas vão além das ações educativas, avançando para a leitura de mundo e a interpretação do espaço Geográfico (CAVALCANTI, 2017, 2019). As formas da globalização trazem problemas de ordem socioambiental que necessitam ser entendidos e analisados pelos alunos, em especial para reflexões por meio de um ensino de Geografia, em tempos de pandemia da COVID-19[3]. Este tema entrou na pauta da agenda de governantes do mundo todo desde dezembro de 2019 e que já faz parte da vida social das populações de diversas localidades do planeta, inclusive no Brasil.  

Neste contexto de globalização, a mobilização de milhares de pessoas no mundo todo relaciona-se às grandes revoluções técnicas e científicas que propiciaram a criação do ciberespaço. Segundo Lévy (1999), o ciberespaço se apresenta como constituído de um conjunto de instrumentos relevantes para a formação de uma inteligência coletiva. Diante disso, diversos grupos, empresas e organizações de formação profissional desenvolvem sistemas de aprendizagem cooperativa, para atender ao grande capital (COLEMARX, 2020).

Desta forma, utilizar o ciberespaço, de forma responsável e consciente, torna-se altamente relevante para a continuidade de parte das atividades escolares em tempos de pandemia da COVID-19. Cabe nos levantar algumas questões: Todos os alunos têm acesso ao ciberespaço? Existe desigualdade aos meios técnicos e plataformas para os alunos continuarem seus estudos por via remota? Os diferentes tempos e realidades dos alunos são contemplados para a sua aprendizagem? São questões iniciais postas com a “nova” realidade.

        Observamos, a impossibilidade de contato físico entre professores e alunos no espaço escolar devido a pandemia da COVID-19. Em virtude do isolamento social, nasce a necessidade do uso das tecnologias educacionais para a continuação dos estudos em ambientes diferentes dos usuais. Assistimos, em construção, o elevado e instantâneo uso e aplicação do ensino remoto como forma de integração virtual entre a comunidade escolar, por meio do ciberespaço.

 

 

EDUCAÇÃO E ENSINO REMOTO: OS CASOS DE RIBEIRÃO PRETO/SP E DE PASSO FUNDO/RS

 

A Educação, a Escola e o ensino de Geografia podem contribuir, significativamente, para resistir, enfrentar e promover igualdade, justiça e a aprendizagem (FREIRE, 2014), principalmente em um contexto contraditório como este da Globalização e da pandemia. Neste sentido, o ensino remoto surge como forma de tentativa de promoção da continuidade dos conteúdos escolares, no contexto do isolamento social, visando a ampliação do espaço escolar para além dos muros das instituições. 

Esta ampliação é possibilitada pelo ciberespaço (Lévy, 1999) para a “integração virtual” entre a comunidade escolar. No caso deste trabalho, destacamos a possibilidade da continuação de um ensino de Geografia por meio remoto através de plataformas educacionais de ensino. Assim, admitimos que a escola pode, em certa medida e para determinada camada social, “continuar” na casa dos alunos. Destacamos, no entanto, que para “[...] as corporações, a pandemia da COVID-19 é uma janela de oportunidades para o crescimento exponencial de seus negócios, como: a rápida elaboração e venda” (COLEMARX, 2020, p. 18). Enquanto docentes pesquisadores não podemos deixar de considerar este espectro no ensino remoto, bem como os seus impactos para o processo de ensino e aprendizagem. 

 O município de Passo Fundo localiza-se no norte do Rio Grande de Sul e possui uma população estimada de 203.275 habitantes (IBGE). Atualmente, possui 24 escolas de ensino médio, sendo 17 públicas estaduais, 1 pública federal e 6 privadas. Para dar conta do objetivo do artigo, optou-se por analisar uma das instituições privadas que um dos autores é docente. 

 O Centro de Ensino Médio Integrado UPF, da Fundação Universidade de Passo Fundo (FUPF), foi criado em 13 de novembro de 1989 e possui 9 turmas de ensino médio e 7 opções de cursos técnicos. 

Seguindo orientações de autoridades municipais, estaduais e federais, a Fundação Universidade de Passo Fundo (FUPF) decidiu suspender as aulas presenciais a partir da noite de segunda-feira (16/03/2020). A partir daí diferentes ações foram realizadas para que o processo de ensino e aprendizagem fosse minimamente impactado e, dessa forma, as atividades escolares seguiram de forma on-line.

Sob orientação da direção e coordenadores do Integrado UPF, os professores foram instruídos a dar continuidade na preparação de materiais e atividades referentes aos conteúdos das disciplinas sob sua responsabilidade, utilizando, para tanto, outras metodologias. Requereu-se o uso do Ambiente Virtual de Aprendizagem Moodle para disponibilização das atividades e envio de informações e orientações às turmas, ou do Ambiente de Apoio ao Aluno (AAE), na intranet, disponíveis a toda comunidade escolar e com suporte da UPFOnline[4]. Como forma de controle, solicitou-se o registro do conteúdo e da frequência dos alunos no AAE, conforme cumprimento das atividades encaminhadas pelo professor.

Com o passar dos dias, os professores também começaram a encontrar outras possibilidades de ensino remoto. Assim, o uso de tecnologias disponíveis em plataformas gratuitas começou a aparecer no planejamento das aulas de Geografia, como o Google Classroom e o Meet[5]. Observou-se que a utilização destas plataformas fomentou a participação dos estudantes nas aulas remotas, uma vez que o docente além de encaminhar atividades, gravava aulas e também realizava encontros virtuais com toda a turma, solucionando dúvidas e discutindo conceitos geográficos com os estudantes. 

O município de Ribeirão Preto localiza-se à nordeste do estado de São Paulo e possui uma população estimada de 703.293 habitantes (IBGE). Atualmente possui 83 escolas de Ensino Médio, sendo uma pública de Ensino Médio e técnico. Como objeto de estudo, optou-se por trabalhar em uma das instituições públicas estaduais que um dos autores é docente, no caso uma escola de Ensino Médio e Técnico denominada ETEC José Martimiano da Silva.

A partir do dia 22 de abril os professores e alunos da escola começaram a usar a plataforma educacional Microsoft Teams[6], para continuarem as aulas, por meio remoto. O docente realizou algumas ações de ensino de Geografia, na plataforma Teams, com sete turmas com aproximadamente 40 alunos cada. Com as ações, procurou-se promover um ensino de Geografia crítico-reflexivo, no qual admite o aluno como sujeito na construção do conhecimento (FREIRE, 2014). 

Por meio da exibição de um vídeo[7] e a leitura de reportagens[8] houve um debate produtivo do docente com os alunos em todas as turmas. Nesse sentido, admitimos que “[...] el COVID-19 ha generado un nuevo escenario para el sistema educativo donde los profissonales de la Educación están demostrando estar a la altura de las circunstancias con su gran capacidad resolutiva y creativa [...]” (MARTÍN, 2020, p. 2).

Os alunos admitiram medos e incertezas advindos do contexto do isolamento social, esclareceram dúvidas gerais sobre a COVID-19 e o ensino remoto. Além disso, os momentos serviram para que os alunos pudessem entender o papel da Geografia na interpretação do contexto contemporâneo da pandemia. 

Em ambos os casos supracitados, os alunos apresentaram indícios de aprendizagens significativas sobre o contexto (em construção) da pandemia e sobre os usos das plataformas educacionais. Destacamos, no entanto, como problemática uma parcela dos alunos, de cada instituição, não conseguirem acesso à plataforma por meio do ciberespaço. Estes alunos fazem parta dos “excluídos” da Globalização e do ciberespaço, escancarada de forma brutal em tempos da COVID-19. Neste sentido, cabe a nós professores e a equipe gestora promover outros meios para esses alunos terem acesso ao material de trabalho para a continuidade dos seus estudos. 

Observa-se outro desafio na área do ensino em tempos de pandemia, como a necessidade dos docentes em se adaptar a novas metodologias, entre elas o uso das plataformas educacionais. Além disso, faz-se necessário uma reflexão no planejamento, avaliação dos processos educativos e sobre as condições de trabalho docente precarizado, a fim de verificar até que ponto a continuidade dos conteúdos curriculares de Geografia dão conta dos objetivos do ensino desta ciência, por via remota.  

Para além disso, não podemos deixar de admitir que a realidade presente na maioria dos lares brasileiros não condiz com aquela muitas vezes vendida pelas grandes corporações do mercado educacional. O que observamos é a desigualdade e a exclusão digital de grande parcela dos alunos (COLEMARX, 2020), principalmente se compararmos a Rede Pública com a Rede Privada de Ensino. Assim, vislumbra-se mais um desafio para comunidade escolar: diminuir o atual abismo educacional frente ao acesso à tecnologia e a plataformas para ensino remoto. 

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS? UMA CONSTRUÇÃO  

O trabalho apresentou duas possibilidades e desafios do ensino de Geografia em tempos de COVID-19, comparando as ações em diferentes Redes de Ensino, em dois municípios brasileiros. Podemos notar que até o momento, nas unidades escolares, em Ribeirão Preto/SP e em Passo Fundo/RS, que os professores e alunos estão tendo relativa interação e formas de aprendizagem, por via remota, utilizando diferentes plataformas educacionais no ciberespaço, embora vivenciando inúmeros desafios quanto ao ensino remoto e ao trabalho docente, de formas destoantes e contraditórias. 

A experiência descrita pelos autores sinaliza indícios de um ensino de Geografia crítico e comprometido com a formação cidadã e com a relevância social própria da ciência (CAVALCANTI, 2019).  Destacamos, no entanto, as realidades apresentadas são destoantes da maioria da diversidade de realidades no Brasil, por serem duas instituições de “exceção” no acesso ao ciberespaço e às condições materiais dos alunos. As ações de interação (chats, textos, gravações e vídeo-chamadas) alinham-se a adaptações que alunos e professores estão experimentando no contexto da pandemia da COVID-19, de forma desigual (COLEMARX, 2020). Estas ações ressignificam o “ser” docente, o “ser” aluno e promovem uma nova (re) apropriação do ciberespaço, como forma de ensino remoto e de pesquisas contínuas para a Educação escolar. 

Destaca-se que este ensino remoto e a pandemia estão em (re)construção e que outras formas de ensino e interações, entre alunos e professores, podem ser pesquisadas e realizadas, como forma de adaptação a esta nova realidade e usos do ciberespaço. Admitimos que existe problemas em várias localidades/realidades/ tempos para aplicação e manutenção do ensino remoto para alunos e professores, no enquanto caberá analisá-las mais profundamente em outros momentos. 

 Como professores e pesquisadores, sabemos que a Educação no Brasil é plural/ desigual, possui uma multiplicidade de realidades e que as situações aqui referidas não generalizam todo o ensino de Geografia em tempos de COVID-19. Porém, queremos deixar claro que, independente do contexto e das condições de trabalho docente, o que se objetiva é um ensino de Geografia crítico com relevância social e uma Educação crítico-reflexiva. 

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CAVALCANTI, L. S. Pensar pela Geografia: ensino e relevância social. Goiânia: C&C Alfa Comunicações, 2019.

 

CAVALCANTI, L. S. Geografia, escola e construção de conhecimentos. 10. ed. São Paulo: Editora Papirus, 2017.

 

COLEMARX. Em defesa da educação pública comprometida com a igualdade social: porque os trabalhadores não devem aceitar aulas remotas. Rio de Janeiro: UFRJ, 2020. Disponível em: <http://www.colemarx.com.br/wp-content/uploads/2020/04/Colemarx-texto-cr%C3%ADtico-EaD-2.pdf>. Acessado em: 15 de abril de 2020.

 

FREIRE, P. Pedagogia da autonomia. 15. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2014.

 

INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Cidades. Disponível em: <https://cidades.ibge.gov.br/brasil>. Acessado em: 22 de abril de 2020. 

 

LÉVY, P. Cibercultura. São Paulo: Editora 34, 1999.

 

MARTÍN, U. N. La Crisis del COVID-19 y su impacto en el sistema EducativoReflexiones sobre la crisis COVID-19. Asociación Española de Geografía (AGE), 2020.

Disponível em: <https://www.age-geografia.es/site/reflexiones-sobre-la-crisis-covid-19/>. Acessado em: 20 de abril de 2020.

 

AO CITAR ESTE TRABALHO, UTILIZE A SEGUINTE REFERÊNCIA:

FILHO, Odair Ribeiro de Carvalho; GENGNAGEL, Claudionei Lucimar. Ensino de geografia em tempos da covid-19: tecnologias e uso de plataformas de educação para o ensino remoto em Ribeirão Preto/SP e em Passo Fundo/RSRevista Ensaios de Geografia, Niterói, vol. 5, nº 10, p. 88-94, julho de 2020.

Submissão em: 30/04/2020. Aceite em: 17/06/2020

Universidade Federal Fluminense, Niterói, RJ – Brasil                             


 


[1] Mestrando em Educação da FFCLRP/USP, professor de Geografia do Centro Paula Souza e da Rede Municipal de Educação de Ribeirão Preto/SP e membro do grupo do Grupo de Estudos da Localidade ELO/FFCLRP/USP. 

[2] Doutorando em Geografia PPGgeo/UFSM, professor de Geografia da Educação Básica e da Universidade de Passo Fundo/RS.

[3] O termo digna COrona VIrus Disease (Doença do Coronavírus), enquanto “19” se refere a 2019, quando foram identificados os primeiros casos em Wuhan, na China.

[4] A UPFOnline é a divisão responsável por apoiar e gerir as ações e as políticas da modalidade de Educação a Distância (EaD).

[5] Para mais informações, acessar: <www.encurtador.com.br/gkJY2>. Acessado em: 28 de abril de 2020.

[6] Para mais informações, acessar: <www.encurtador.com.br/hIZ79>. Acessado em: 10 de abril de 2020.

[7] Vídeo: “Milton Santos: por uma outra globalização”. Disponível em: <www.encurtador.com.br/dfknG>. Acessado em: 20 de abril de 2020.

[8] As reportagens foram: Por que a circulação de pessoas tem peso na difusão da pandemia? Disponível em: <www.encurtador.com.br/aiy47>. Especialistas comentam o cenário geopolítico. Disponível em: <www. encurtador.com.br/pEQ08>. Acessado em: 14 de abril de 2020.