diversidade e funcionamento dos ecossistemas que se acumulam ao longo dos anos (ELLIS &
RAMANKUTTY, 2008), essa ideia do ser humano como destruidor de sua casa, opositor da
“natureza”
4
, faz bastante sentido e se mostra atraente, no entanto pode ser bem perigosa.
Embora o ser humano seja a espécie na face da Terra que definitivamente mais altera o
habitat a sua volta, ela não o faz da mesma forma, intensidade e intencionalidade ao redor do
globo. A argumentação do “ser humano-vírus” homogeneíza a população humana, dotada de
diversidade linguística, de religiões, tradições, etnias, classes sociais, assim, demonstrando
diversas interações naturezas-culturas
5
. Somos plurais, interagimos com o que nos cerca de
maneiras variadas e, consequentemente, marcamos o planeta de distintas formas, assim como
somos afetados diferentemente por questões socioambientais. Populações com dificuldade de
acesso a serviços públicos básicos, como saúde, educação e saneamento são indubitavelmente
as mais atingidas em momentos de crise (HARVEY, 2006), algo notável no atual contexto de
pandemia do COVID-19 e que se aplica às diversas escalas espaciais.
Tratar o problema com uma população humana abstrata, uniforme, sem localização, sem
chão, sem paisagem, sem especificidades culturais, sem classes sociais, não faz jus à
complexidade desta crise socioecológica advinda da pandemia. A identificação da espécie
humana em si como a fonte do problema e sua generalização podem abrir espaço para discursos
neomalthusianos e ecofascistas, ambos pautados na ideia da escassez de recursos naturais
frente a crescente população humana. No primeiro caso, são defendidas medidas de controle
populacional já que, segundo essa corrente, o elevado número de pessoas é responsável pelo
subdesenvolvimento e pelo estrangulamento dos governos no que tange à garantia de direitos
sociais básicos. Mas qual será a parcela da população que terá sua reprodução no espaço limitada?
Essa pergunta está associada diretamente à narrativa ecofascista na qual existe a relação entre
um discurso ambientalista extremista associado a algum tipo de supremacia
étnica/nacional/cultural - geralmente uma supremacia branca e cristã -, chegando a conclusões
4
A palavra será apresentada sempre entre aspas no texto, uma vez que se compreende que a noção de natureza aqui
empregada é um constructo resultante de uma percepção ocidental e moderna. A interpreta, portanto, como algo
passível de ser compreendido a partir de um movimento mecânico e, por conseguinte, como um recurso suscetível
de ser dominado e utilizado em prol do desenvolvimento material da sociedade, de acordo com Moreira (2006).
5
O conceito aqui adotado faz referência a Latour (1991).
AO CITAR ESTE TRABALHO, UTILIZE A SEGUINTE REFERÊNCIA:
BRASIL, Lucas Santa Cruz de Assis; AMADEO, Thomaz de la Rocqye; SOLÓRZANO, Alexandro. O Ser humano não é um vírus:
compreendendo o nosso papel no planeta terra para além da sua destruição. In : Revista Ensaios de Geografia, Niterói, vol. 5, nº 9, p. 112-
117, maio de 2020
Submissão em: 05/05/2020. Aceite em: 20/05/2020
Universidade Federal Fluminense, Niterói, RJ - Brasil
113
EDIÇÃO ESPECIAL - GEOGRAFIA E PANDEMIA DA COVID-19: POSSIBILIDADES E RUPTURAS
REVISTA ENSAIOS DE GEOGRAFIA - ISSN: 2316-8544