COVID-19 E A DISTRIBUIÇÃO TERRITORIAL DESIGUAL DO SISTEMA TÉCNICO HOSPITALAR: 

UMA ANÁLISE DA REGIÃO DE SAÚDE SUL DO RIO GRANDE DO SUL

 

 

Tiaraju Salini Duarte[1]

Universidade Federal de Pelotas 

tiaraju.ufpel@gmail.com

 

Mateus Cabreira Marzullo[2] 

Universidade Federal de Pelotas 

mateusmarzullo@yahoo.com.br

 

Eduardo Schumann[3]

Universidade Federal de Pelotas 

eduardoschumann01@gmail.com

 


RESUMO: 

O presente artigo objetiva analisar a distribuição desigual do sistema técnico hospitalar na região de Saúde Sul/RS e os possíveis desdobramentos do avanço da COVID-19. Destaca-se que a pandemia desenvolvida através da difusão do SARS-CoV-2 trouxe a tona discussões históricas acerca das carências do sistema de saúde, e como resultados demonstramos a existência da concentração não somente de casos confirmados, mas também da estrutura técnico hospitalar de alta complexidade em determinados municípios, evidenciando as carências de acesso a estes serviços em nosso recorte de pesquisa. 

 

Palavras-chave: SARS-CoV-2; Rio Grande do Sul; Sistema de Saúde. 


 

INTRODUÇÃO

A ciência geográfica caracteriza-se por uma diversidade de correntes de pensamento que se traduzem em um amplo leque temático que vai desde estudos sobre os lugares, paisagens, regiões, entre outras possibilidades de pesquisa. Dentre os múltiplos campos, explorados podemos destacar a área denominada de Geografia da Saúde, a qual está relacionada a informações de saúde coletiva, fatores ambientais ou naturais de risco para a difusão de doenças, planejamento estratégico e controle de doenças.

Para Pessoa (1960) a Geografia da Saúde, consiste no estudo da distribuição e da prevalência das doenças na superfície da terra, bem como de todas as modificações que nelas possam advir por influência dos mais variados fatores geográficos. Segundo Oliveira (1993), a partir da década de 1980 os estudos voltados para questões da saúde social e ambiental ganharam um enfoque importante, nos mais diversos campos do saber, em especial com a interdisciplinaridade emergente. 

Inserido no contexto que busca compreender a difusão do coronavírus e a estrutura de saúde voltada a esta conjuntura é que a presente pesquisa constrói seu objetivo geral, o qual visa analisar as desigualdades na distribuição territorial do sistema técnico hospitalar na Região de Saúde Sul/RS e a possível saturação do mesmo caso a pandemia ocasionada pela COVID-19 evolua. 

 

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

 Como procedimentos metodológicos, a presente pesquisa divide-se em etapas que buscam atender o objetivo geral. A primeira corresponde a uma revisão teórico-bibliográfica; A segunda consistiu no estabelecimento do recorte espacial e, como delimitação, optou-se por uma análise da Macrorregião Sul/Região de Saúde Sul, formada por 22 municípios[4]

Após delineado o recorte de pesquisa partiu-se para o levantamento de informações relacionadas ao sistema técnico hospitalar da região através de dados oficiais de diversas fontes (CNES, 2020; SES-RS, 2020; DATASUS, 2020). Como variáveis adotadas para analisá-la a estrutura hospitalar optou-se pelas seguintes variáveis: número de leitos em Unidades Intensivas de Saúde (UTIs) adulto; UTIs destinadas/criadas especificamente para enfermos com COVID-19; e respiradores/ventiladores disponíveis por município. Por fim, estas variáveis foram mapeadas e analisadas[5].

 

RESULTADOS E DISCUSSÕES 

Ao analisarmos a Região de Saúde Sul/RS, torna-se evidente a sua integração econômica com Região Metropolitana de Porto Alegre (RMPA) e o significativo poder de influência que esta centralidade exerce sobre o recorte da presente pesquisa. Destaca-se que a pandemia ocasionada pela difusão do SARS-CoV-2 possui como eixo principal de deslocamento as diversas redes espaciais que viabilizam a disseminação do vírus e, conforme destaca Corrêa (1997), a existência de uma rede urbana integrada necessita de interações entre os fixos espaciais que possibilitam a formação de uma lógica de conectividade que viabilizam a dispersão de fluxos econômicos e, por conseguinte, de agentes patogênicos. 

 No que tange a própria formação/desenvolvimento dos focos primários da COVID-19 em nosso recorte empírico, apontamos que a gênese está relacionada com atores integrados a cadeias internacionais de produção, caracterizando uma transmissão externa. Após este período de difusão, registra-se a transmissão comunitária intra-municipal e regional, a qual ocorre através da estrutura de influência que determinadas cidades da região de Saúde Sul possuem, principalmente devido à concentração de atividades comerciais. 

 Esta forma de propagação do vírus através da rede urbana regional e local está pautada no papel que os municípios de Pelotas e Rio Grande detêm, em conjunto com a forte integração das referidas localidades com o centro econômico do estado. Conforme destacam os autores Vieira e Lihtnov (2018), para compreender o contexto regional do sul do estado gaúcho deve-se levar em consideração o papel que ambos os municípios possuem através da forma de organização/concentração territorial dos aparelhos técnicos regionais. 

 Ao analisarmos os casos confirmados da COVID-19 na região evidencia-se (de acordo com as datações confirmadas pela SES-RS (2020) e Prefeituras locais) o papel de destaque dos municípios citados na própria lógica de difusão regional do SARS-CoV-2. Esta perspectiva é apontada devido aos primeiros diagnósticos na região concentrarem-se nas centralidades regionais Pelotas e Rio Grande (SES-RS, 2020) e, após alguns dias, o surgimento de casos nos municípios menores, o que demonstra a difusão deste vírus através da estrutura hierárquica urbana.

 Este processo de interiorização da doença no recorte de pesquisa é acompanhado da desigual distribuição territorial da estrutura técnico hospitalar, o que revela a desproporcionalidade regional existente no interior do estado sulino. Ao analisarmos o número de leitos de UTIs adulto em nosso recorte de pesquisa (figura 01) [6], indica-se que Pelotas e Rio Grande concentram os maiores números, o que denota uma significativa procura por serviços de saúde diversos ao longo do ano pelos municípios que dispõe de pouco e/ou nenhuma estrutura, de acordo nos confirmam os dados do Instituto Brasileiro de Estatística (IBGE), através da análise das Regiões de Influência das Cidades (IBGE, 2018). 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Figura 1- População total por município (2010), Leitos de UTIs adulto (tipo I, II e III) e casos de Covid-19 confirmados na Região da saúde Sul do Rio Grande do Sul.

 

SUL UTI adulto atualizado.png

Fonte: IBGE (2020); SES-RS (2020); CNES (2020). Elaborado pelos autores.

 

 

No que se refere especificamente o número de leitos de UTIs destinados exclusivamente para tratamento da COVID-19, o município de Pelotas destaca-se com 31 leitos existentes em operação, enquanto Rio Grande dispõe de 12 leitos específicos, sendo estes os únicos da região com estrutura construída/designada exclusivamente para os pacientes diagnosticados com a doença[7]. Outra questão que caracteriza estas centralidades diz respeito ao número de Respiradores/Ventiladores disponíveis no sistema de Saúde da região, tendo em vista que existem 269 aparelhos (CNES, 2020), e mais de 80% localizam-se nos polos regionais. 

 Esta característica demonstra novamente uma concentração nos municípios de Pelotas e Rio Grande e nos permite aferir que a Região de Saúde Sul, com seus 845.813 habitantes (IBGE, 2010) possui uma dependência direta do sistema de saúde disposto nas centralidades aqui mencionadas, o que demonstra uma distribuição territorial desigual das estruturas técnicas hospitalares na região. Conforme destaca Guimarães (2014), a inserção seletiva de estruturas em conjunto com uma precarização elevada dos mais diversos territórios possibilita a produção de novos tipos de complexos patogênicos e, além disso, corrobora com uma lógica perversa de dependência do sistema de saúde. 

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS 

A distribuição territorial das estruturas técnico-hospitalares de alta complexidade torna-se essencial nas análises sobre as formas de difusão do SARS-CoV-2, tendo em vista o alto potencial de contágio deste vírus. Salientamos que a inserção da perspectiva territorial enquanto apropriação social é primordial não somente para analisar a difusão de doenças, mas também para compreender como as estruturas técnicas estão distribuídas, podendo desta forma planejar ações que possibilitem agir frente esta situação. 

 Dentro desta perspectiva, o presente artigo apontou que a pandemia da COVID-19 trouxe à tona os históricos problemas relacionados às desigualdades da distribuição territorial do sistema técnico hospitalar em nosso recorte empírico, demonstrando a concentração de estruturas de saúde nos municípios de Pelotas e Rio Grande. O papel central desses reflete-se também no número de casos confirmados, polarizando os mesmos e sendo pivôs do processo de difusão do SARS-CoV-2. Portanto, a concentração das estruturas de saúde ocasiona deslocamentos de pacientes com casos graves da COVID-19 para os polos regionais e, caso ocorra um aumento de casos desta doença, ocasionará um colapso do sistema técnico-hospitalar na região. 

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CNES - Cadastro Nacional de Estabelecimento Hospitalares. 2020. Disponível em: <http://cnes.datasus.gov.br/pages/consultas.jsp>. Acessado em: 03 de abril de 2020.

 

CORRÊA, R. L. Trajetórias geográficas. Rio de Janeiro, Ed. Bertrand Brasil, 1997.

 

DATASUS - Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde. 2020. Disponível em: <https://datasus.saude.gov.br>.  Acessado em: 03 de abril de 2020.

 

FARIA, R. M; BORTOLOZZI, A. Espaço, território e saúde: contribuições de Milton Santos para o tema da geografia da saúde no Brasil. Espaço Geográfico em Análise, vol. 17, n. 1, p.31-41, 2009. 

 

GUIMARÃES, R. Saúde: fundamentos da geografia humana. Editora UNESP (digital), São Paulo, 2014.

 

LIHTNOV, D. D; VIEIRA, S. G. Pelotas e a sobrevivência do setor terciário: uma vocação histórica. In: SPÓSITO, M. E. B.; FERNANDES, J. A. (Orgs.). Brasil e Portugal visto desde as cidades: as cidades vistas desde o seu centro. São Paulo: Cultura acadêmica, 2018.

 

OLIVERA, A. Geografia de La Salud. Madrid: Editorial Sintesis, 1993.

 

PESSOA, S. B. Ensaio médico-sociais. Rio de Janeiro: Livraria Editora Guanabara, Koogan S.A., 1960.

 

SES-RS - Secretaria Estadual de Saúde do Rio Grande do Sul. 2020. Disponível em: <https://saude.rs.gov.br/inicial>.  Acessado em: 03 de abril de 2020.

 

SOARES, P. R. Regiões Metropolitanas ou Aglomerações Urbanas? Contribuição para o debate no Rio Grande do Sul. Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 36, n. 2, p. 323-342, setembro de 2015.

 

 

 

AO CITAR ESTE TRABALHO, UTILIZE A SEGUINTE REFERÊNCIA:

DUARTE, Tiaraju Salini; MARZULLO, Mateus Cabreira; SCHUMANN, Eduardo. COVID-19 e a distribuição territorial desigual do sistema técnico hospitalar: uma análise da região de saúde sul do Rio Grande do Sul. Revista Ensaios de Geografia, Niterói, vol. 5, nº 10, p. 109-115, julho de 2020.

Submissão em: 05/05/2020. Aceite em: 27/06/2020.

Universidade Federal Fluminense, Niterói, RJ – Brasil.

 


[1] Graduado em Geografia pela Universidade Federal de Pelotas, Mestre em Geografia pela Universidade Federal de Rio Grande e Doutor em Geografia pela Universidade de São Paulo. Professor adjunto da Universidade Federal de Pelotas. 

[2] Graduado em Geografia pela Universidade Federal de Pelotas, Mestre em Geografia pela Universidade Federal de Rio Grande.

[3] Graduando em Geografia Pela Universidade Federal de Pelotas. 

[4] A região de Saúde Sul/RS compreende os seguintes municípios: Pelotas, Rio Grande, Santa Vitória do Palmar, Capão do Leão, São Lourenço do Sul, Cerrito, Pedro Osório, Arroio Grande, Morro Redondo, Amaral Ferrador, Canguçu, Pinheiro Machado, Jaguarão, Herval, Chuí, Pedras Altas, Piratini, São José do Norte, Turuçu, Cristal, Arroio do Padre, Santana da Boa Vista.

[5] Algumas ideias iniciais referentes à discussão do artigo foram disponibilizadas no site: <https://wp.ufpel.edu.br/cidadeecidadania>. Acessado em: 5 de maio de 2020.

[6] Dados extraídos no dia 24/04/2020 através do Cadastro Nacional de Estabelecimentos Hospitalares (CNES), Secretaria de Saude do Rio Grande do Sul (SES-RS) e Prefeituras locais. 

[7] Destacamos que existe em constante preparação nos municípios medidas que visam aumentar o número de leitos voltados para a Covid-19.