APONTAMENTOS SOBRE A PANDEMIA DA COVID-19 NA REGIÃO DO ALTO SOLIMÕES - AM

 

Luís Alberto Miranda Goveia[1]

Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia do Amazonas 

luis.miranda@ifam.edu.br 

 


 

RESUMO: 

 

As redes de transportes e o intenso fluxo de passageiros, características do mundo globalizado, permitiram a difusão da Covid-19 no mundo. No Alto Solimões-AM, há um elevado crescimento de novos casos da doença. Busca-se, através deste artigo, identificar a distribuição geográfica da Covid-19 na região. Verifica-se que a suspensão do transporte aéreo e fluvial foi adotada como medida para conter o avanço do novo coronavírus.  

 

Palavras-chave: Alto Solimões; Covid-19; Redes.


 

AS REDES: TÉCNICAS NO ESPAÇO E FLUIDEZ TERRITORIAL

 

Dentre as principais discussões e leituras geográficas, está o conceito de redes. Baseado na obra de Milton Santos (2006), pode-se entender as redes a partir de duas grandes matrizes, em que uma considera sua realidade material e a outra o dado social. Para a primeira abordagem, o autor apresenta a seguinte definição:

toda infraestrutura, permitindo o transporte de matéria, de energia ou de informação, e que se inscreve sobre um território onde se caracteriza pela topologia dos seus pontos de acesso ou pontos terminais, seus arcos de transmissão, seus nós de bifurcação ou de comunicação (CURIEN, 1988 apud SANTOS, 2006, p. 176).

 

Considera-se, também, que as redes possuem uma característica social e política, pois sem pessoas, mensagens e valores, que caracterizam os fluxos, elas são meras abstrações (SANTOS, 2006).

Com a emergência do mundo globalizado, as redes técnicas se mostram cada vez mais importantes no aspecto estratégico e funcional por permitirem a fluidez e funcionalidade dos territórios. Elas permitem o contínuo encurtamento das distâncias, a exacerbação dos fluxos e de homogeneização do espaço pela expansão do capital (LIMA DA SILVEIRA, 2003).   

Conforme avançam as inovações técnicas, as redes modificam os espaços, permitindo maior velocidade na circulação de bens, pessoas e informações (DIAS, 2000). No atual contexto, em que se instalou a pandemia da Covid-19 em todos os continentes, percebe-se que as redes de transportes, principalmente aéreo, possibilitaram não somente o fluxo de pessoas, mas também a difusão do novo coronavírus em escala planetária. Ao mesmo tempo em que as redes rodoviárias, na maior parte do Brasil, e a rede fluvial na região amazônica, contribuíram para a interiorização da doença, evidenciando a fluidez territorial por meio da técnica.

 

A PANDEMIA DA COVID-19 NO MUNDO E NO BRASIL

 

O cenário contemporâneo local, regional, nacional e internacional vem enfrentando um dos maiores desafios desse século XXI, a pandemia da Covid-19. Além de ser um caso de saúde pública, essa doença tem modificado as relações humanas, as paisagens urbanas, o fluxo de pessoas, a produção e o consumo de mercadorias, e, consequentemente, a economia. 

A doença da Covid-19 é causada pelo novo coronavírus, identificado como SARS-CoV-2. A primeira notificação de casos desse novo coronavírus ocorreu na cidade de Wuhan na província de Hubei na China, tendo sido informada à Organização Mundial da Saúde (OMS) no dia 31 de dezembro de 2019. Rapidamente, a Covid-19 tornou-se um surto na província e, com sua elevada capacidade de transmissão, associada ao intenso fluxo global de pessoas, acabou se espalhando para outros locais do mundo (OPAS BRASIL, 2020). Diante da distribuição e dispersão geográfica da doença em todos os continentes, no dia 11 de março de 2020, a OMS classificou a Covid-19 como pandemia. 

O primeiro caso da Covid-19 no Brasil foi anunciado no dia 26 de fevereiro, em um paciente que havia voltado da Itália. Logo, outros casos importados foram identificados e com o decorrer do tempo, a transmissão tornou-se comunitária, expandindo-se das principais metrópoles para o interior do país. 

 

 

COVID-19 NO ALTO SOLIMÕES: IDENTIFICAÇÃO DAS REDES E FLUXOS NOS TRANSPORTES E A DISTRIBUIÇÃO ESPACIAL DA DOENÇA

 

A Microrregião do Alto Solimões está localizada no interior da Amazônia, no Sudoeste do estado do Amazonas, e é composta por nove municípios. Essa região compreende uma área de 213.281,24 km², com população estimada de 251.867 habitantes (IBGE, 2020). Apesar da baixa densidade demográfica, o Alto Solimões vem apresentando um crescente número de infectados pelo novo coronavírus. 

O governo estadual suspendeu o transporte fluvial de passageiros no dia 19 de março, após a confirmação do primeiro caso de Covid-19 no estado. Ficou permitido apenas o transporte de cargas e serviços essenciais como forma de inibir a aglomeração de pessoas. Importa destacar que o transporte fluvial é a principal rede que possibilita a entrada e saída do estado, além de contribuir para a conexão e integração da capital com as cidades do interior e destas entre si. 

A importância do transporte fluvial para a região do Alto Solimões pode ser retratada pela movimentação de passageiros, que, na travessia entre Tabatinga e Benjamin Constant, chegam a circular anualmente 100 mil usuários do transporte (ANTAQ, 2018), enquanto na hidrovia de Manaus-Tabatinga há um grande número de escalas, passando por pelo menos onze municípios, dos quais sete são do Alto Solimões e com elevado fluxo de passageiros. 

O único aeroporto da região, que realiza voos comerciais regulares, está localizado no município de Tabatinga e apresenta um fluxo de quase 6 mil passageiros por mês. Os voos ocorrem diariamente com ida e vinda da capital Manaus (INFRAERO, 2020), além de voos regulares das Forças Armadas. O aeroporto, apesar de localizado em Tabatinga, atende passageiros de outras cidades da região.  

Apesar da confirmação de casos na região do Alto Solimões desde o dia 26 de março de 2020 e de Manaus já apresentar 1.531 casos da doença e 127 óbitos no dia 17 de abril, só a partir dessa última data que foram suspensos os voos com destino à Tabatinga. A suspensão foi uma demanda do poder público local para conter o avanço do novo coronavírus, se adequando-se às recomendações estaduais de evitar a circulação de pessoas entre os municípios. 

O primeiro caso de Covid-19, notificado na microrregião do Alto Solimões, foi no município de Santo Antônio do Içá no dia 26 de março de 2020. E em menos de duas semanas já haviam doze casos confirmados em três municípios da região. Os municípios de Santo Antônio do Içá e Tonantins mantiveram-se à frente com o maior número de infectados até o dia 20 de abril. A partir do dia 21 daquele mês, Tabatinga, que possui a maior população do Alto Solimões, vem apresentando o maior quantitativo de casos de Covid-19 e com crescimento vertiginoso. 

No dia 01 de maio de 2020, o município de Atalaia do Norte foi o último, na região, a confirmar o primeiro caso de Covid-19, permanecendo com a mesma quantidade até o momento, enquanto Tabatinga e Santo Antônio do Içá lideram as taxas de infectados (Gráfico 1).

O município de Tabatinga concentra a maior parte dos números com 232 casos confirmados, seguido por Santo Antônio do Içá (117) e São Paulo de Olivença (77). A região continua apresentando elevada taxa de incidência de Covid-19 com 2.215 por 1 milhão de habitantes. 

 

Gráfico 1 - Crescimento da Covid-19 no Alto Solimões 

(31 de março a 04 de maio)

 

 

 

 

 

 

 

 

Fonte: Elaborado pelo autor (2020) a partir dos dados da Fundação de Vigilância em Saúde - AM.

 

O boletim epidemiológico divulgado no dia 26 de abril, no portal do Ministério da Saúde, apresentava a região do Alto Solimões com a quarta maior taxa de incidência de infectados por 1 milhão de habitantes da região Norte, com 214 casos confirmados e três óbitos naquele momento. Contudo, dados da Fundação de Vigilância em Saúde do Amazonas informaram que, no dia 4 de maio de 2020, já havia 558 casos na região e 21 mortes (figura 1).

 

 Figura 1 - Distribuição Espacial da Covid-19 no Alto Solimões – AM 

novo(até 04 de maio de 2020)

 

Fonte: Elaborado pelo autor (2020) a partir dos dados da Fundação de Vigilância em Saúde- AM.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Entende-se que as redes de transporte são fixos presentes no espaço que possibilitam fluxos de pessoas e mercadorias, além de permitirem a integração entre diferentes espaços. É necessário reconhecer, também, que é consequência dessas redes e conexões que hoje temos uma grande dispersão geográfica da Covid-19 e que monitorar, limitar e restringir seus acessos, ainda que temporariamente, pode contribuir para o achatamento da curva e redução do número de infectados. Além disso, portos, aeroportos, embarcações e aviões são ambientes propícios para a propagação do vírus devido à proximidade dos usuários e a falta de circulação do ar, por isso as recomendações de suspender seus usos.

Restringir a circulação de pessoas, com a suspensão de voos e do transporte fluvial, e o incentivo ao distanciamento social tem sido uma das principais medidas adotadas por governos e autoridades de saúde em todo o mundo e o Alto Solimões não foge à regra. Contudo, medidas mais rigorosas necessitam ser discutidas e implementadas diante do aumento na quantidade de infectados, consequente da transmissão comunitária do novo coronavírus. 

 

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

ANTAQ. Agência Nacional de Transporte Aquaviário. Caracterização da oferta e demanda do transporte fluvial de passageiros e cargas na região amazônica. Belém: ANTAQ, 2018. 

 

DIAS, L. Redes: emergência e organização. In: CASTRO, I. E. de et al (Orgs.). Geografia: conceitos e temas. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2000. 

FUNDAÇÃO DE VIGILÂNCIA EM SAÚDE (FVS). Casos confirmados de Covid-19 no Amazonas sobem para 7.242.  Disponível em: <http://www.fvs.am.gov.br/noticias_view/3891>. Acessado em: 05 de maio de 2020.

IBGE. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.  Cidades e Estados - população estimada. Disponível em: <https://cidades.ibge.gov.br/>. Acessado em: 04 de maio de 2020.

INFRAERO. Características aeroporto de Tabatinga. Disponível em: <https://www4.infraero.gov.br/aeroportos/aeroporto-internacional-de-tabatinga/sobre-o-aeroporto/caracteristicas/>. Acessado em: 25 de abril de 2020.

LIMA DA SILVEIRA, R. L. Redes e território: uma breve contribuição geográfica ao debate sobre a relação sociedade e tecnologia. Biblio 3W, Revista Bibliográfica de Geografía y Ciencias Sociales, Universidad de Barcelona, vol. VIII, n. 451, junio de 2003.

 

OPAS BRASIL. Folha informativa – COVID-19 (doença causada pelo novo coronavírus). Disponível em: <https://www.paho.org/bra/index.php?option=com_content&view=article&id=6101:covid19&Itemid=875>. Acessado em: 04 de maio de 2020. 

 

SANTOS, M. A natureza do espaço: técnica e tempo, razão e emoção.   4. ed. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2006. 

 

 

AO CITAR ESTE TRABALHO, UTILIZE A SEGUINTE REFERÊNCIA:

GOVEIALuís Alberto Miranda. Apontamentos sobre a pandemia da Covid-19 na região do Alto Solimões - AM. Revista Ensaios de Geografia, Niterói, vol. 5, nº 10, p. 62-67, julho de 2020.

Submissão em: 05/05/2020. Aceite em: 27/05/2020.

Universidade Federal Fluminense, Niterói, RJ - Brasil

 


[1]Professor EBTT de Geografia do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Amazonas (IFAM) -Campus Tabatinga.