FLUIDEZ NO TERRITÓRIO: ANÁLISE GEOGRÁFICA DO CORONAVÍRUS NO AMAZONAS

 

Nágila dos Santos Situba[1]

Universidade Federal Fluminense

nagilasituba@hotmail.com 

 

Klintia Costa Lacerda[2]

Universidade do Estado do Amazonas

klintialarcerda@hotmail.com 

 


RESUMO

Este artigo pretende discutir a fluidez territorial do coronavírus no Estado do Amazonas, com ênfase na circulação de mercadorias, dinheiro e pessoas. Além disso, buscou-se analisar como essa crise sanitária chegou nas cidades amazônicas e quais os desafios gerados pela pandemia.

 

Palavras-chave: COVID-19; Fluidez territorial; Amazonas.


 

INTRODUÇÃO

A fluidez territorial no mundo atual ocasionou a rápida propagação da Covid-19, em um contexto em que a circulação de mercadorias, dinheiro e pessoas estava densa com os deslocamentos aéreos, terrestres e fluviais. Neste contexto, a fluidez territorial, por meio das redes, possibilizou os diferentes usos e movimentos no território, evidenciando que, de fato, a fluidez é causa, condição e resultado, além disso, ela se materializa através do valor de troca (SANTOS, 2017; SANTOS & SILVEIRA, 2006).

Portanto, o presente artigo teve como finalidade analisar a fluidez territorial do coronavírus no Amazonas, à luz das ideias do geógrafo Milton Santos. Para tanto, a metodologia adotada foi levantamentos bibliográficos e coleta de dados secundários nos sites do Ministério da Saúde – SUS e Secretaria de Estado de Saúde do Amazonas – SUSAM.

 

 

FLUIDEZ DA COVID-19 NO AMAZONAS

Nas últimas semanas, o estado do Amazonas têm sido destaque nacional devido à quantidade de casos confirmados por coronavírus. A região pertencente à Amazônia Legal, que até pouco tempo era pouco falada pela mídia, passou a ser preocupação por causa da fluidez do SARS-CoV-2 no território. Uma problemática que parecia chegar em Manaus com pouca intensidade explodiu rapidamente, expandindo-se para os municípios e localidades rurais mais longínquos e com poucas opções de transporte.

Foi por meio da circulação de mercadorias, dinheiro e pessoas que o SARS-CoV-2 conseguiu alcançar diferentes escalas geográficas no Amazonas, mas essa não é a única hipótese, as péssimas condições sanitárias das cidades foram um fator determinante para o aumento de casos confirmados e de óbitos. Neste sentido, apesar de a logística ser complexa, as questões sanitárias são o verdadeiro abismo para as cidades na selva (OLIVEIRA, 2000), sendo Manaus uma das grandes cidades com os piores indicadores de saneamento básico do país.

Tendo em vista que o rio comanda a vida na Amazônia (TOCANTINS, 2000), em épocas de coronavírus ele é a rede de contaminação, alcançando as cidades mais isoladas do Amazonas, como é o caso das que ficam na Calha do rio Juruá. Percebe-se, nessa crise, uma rede urbana hierarquizada (CORRÊA, 2006), por onde o contágio tem início na metrópole e posteriormente avança para cidades médias, cidades pequenas, vilas e comunidades. Sendo assim, “as redes são um veículo de um movimento dialético que, de uma parte, ao mundo opõe o território e o lugar; e, de outra parte, confronta o lugar ao território tomado como um todo” (SANTOS, 2017, p. 270). Em síntese, através das redes, o coronavírus chegou nas cidades próximas e distantes da capital manauara.

O fato é que o coronavírus não tem classe social, porém, os mais atingidos são aqueles menos favorecidos com os serviços públicos de saneamento e saúde. Através do ir e vir das pessoas, o coronavírus conseguiu chegar a lugares jamais imaginados, como é o caso dos indígenas no Alto Rio Negro e Alto Solimões. De acordo com os dados divulgados por grupos étnicos, em 24/05/2020, pela Secretaria de Saúde de Estado do Amazonas, 77,7% dos casos confirmados são de pessoas pardas, 1,6% pretos (as), 7,9% amarelos (as), 9,5% brancos (as) e 3,3% indígenas[3]. Os casos confirmados em populações indígenas aldeados se dividem por microrregiões (24/05/2020): 22 no Alto Rio Negro, 282 no Alto Rio Solimões, 9 no Médio Rio Purus, 41 no Médio Rio Solimões, 67 em Manaus, 30 em Parintins e 1 no Vale do javari, sendo que 26 foram a óbito[4]. O problema apresenta multiescalaridades, havendo a necessidade de analisá-las de maneira vertical e horizontal.

Contudo, essa crise afeta diretamente os circuitos econômicos dos países e agiliza uma (re)organização espacial daquilo que Santos (2018) denominou de circuito superior e inferior de países desenvolvidos e subdesenvolvidos. Percebe-se a dependência de ambos os circuitos no processo produtivo de medicamentos, Equipamentos de Proteção Individual (EPI), respiradores, balões de oxigênio etc. Todo esse processo só comprova o que Milton Santos (2008) corrobora sobre a globalização, que é fábula, perversa e acentua as desigualdades sociais. No entanto, nessa pandemia, há uma dependência das técnicas, principalmente em uma crise respiratória, na qual só as máquinas criadas pelo trabalho estranhado conseguem salvar os pacientes.

Em meio à crise sanitária, os serviços de saúde lutam contra o SARS-CoV-2 e a violência da informação. E, por mais que se divulguem cartilhas de prevenção, existem pessoas (re)criando informações manipuladas e desinformando a população por meio das Fake News. Como se não bastasse as precárias infraestruturas dos hospitais, a falta de equipamentos, a negação do auxílio emergencial aos pobres, as falácias desnecessárias de alguns políticos, ainda é preciso combater a rede da desinformação.

Infelizmente, essa crise sanitária e urbana se potencializou dentro da região Amazônica, causando efeitos profundos no cotidiano e no mundo do trabalho. Desse modo, os pobres foram os mais afetados com a crise, principalmente os trabalhadores informais, que precisaram deixar suas atividades precarizadas para pedir assistencialismo ao (des)governo Federal. Todavia, além de os pobres buscarem refúgios nas áreas urbanas, ainda precisam encarar o preconceito de que vivem de assistencialismo e que a crise é só pretexto para não trabalharem.

 

COVID-19 NO BRASIL E NO AMAZONAS

Historicamente, não é a primeira vez que o mundo vivencia uma emergência de Saúde Pública a nível global, e provavelmente não será a última. Foi assim com H1N1, Ebola, Zika vírus, e agora COVID-19. Porém, diferente de outros momentos, hoje, por meio de fluxos, o vírus chegou com maior rapidez no interior da floresta. 

Apesar da Organização Mundial da Saúde ter decretado Emergência Internacional em janeiro de 2020, os países continuaram intensificando a circulação de bens, dinheiro e pessoas. E, posteriormente, não houve preocupação na adoção de medidas que pudessem impedir a circulação do vírus no país, pois naquele momento ele era considerado pelo governo de direita apenas uma “gripezinha”.

Essa “gripezinha” se espacializou e o Brasil confirmou 363.211 casos em 24/05/2020 e, provavelmente, esse número seja maior, visto que há municípios com pouca ou nenhuma quantidade de testes. Diante de uma análise socioespacial, o número de óbitos também é preocupante, 22.666 pessoas se tornaram números, pois em épocas de pandemia as vivências são invisibilizadas[5].

Neste momento, a geografia tem se mostrado uma ciência essencial para espacializar os dados em suas diferentes escalas geográficas. Além disso, a análise dos geógrafos tem ajudado na compreensão da fluidez do coronavírus no território brasileiro. Através de instrumentos cartográficos é possível visualizar a distribuição municipal, estadual, regional e nacional de casos confirmados, óbitos e curados, fato que, de certa forma, ajuda nas ações emergenciais.

O Norte se destaca como a terceira região com a maior quantidade de casos confirmados, só ficando atrás do Sudeste e Nordeste, duas regiões com as maiores populações do país. Diferente ou semelhante de outros estados, no Amazonas, em 24/05/2020, 46,5% dos casos se concentram na capital e 53,5% nas demais cidades; 67,2% dos óbitos aconteceram em Manaus e 32,8% nas demais cidades[6]. Os municípios com maiores quantitativos de casos confirmados são: Manaus, Manacapuru, Parintins, Tabatinga, Coari, Tefé, Itacoatiara, São Gabriel da Cachoeira, Santo Antônio do Içá entre outros. Nas cidades que fazem parte da região metropolitana e cidades de fronteira o contágio aconteceu de maneira mais rápida, devido ao fluxo de pessoas e mercadorias advindas de outros países e estados do Brasil.

Na cidade de Manaus, houve inicialmente, apenas pessoas de classes altas e médias contaminadas com o coronavírus. Essa parcela da população estava viajando para outros países e estados do Brasil, e, ao retornarem para a capital amazonense, trouxeram o vírus da Covid-19 em seus corpos. No entanto, essa população contaminada se concentrava em bairros como: Ponta Negra, Adrianópolis, Parque 10 de Novembro entre outros. Com as aglomerações, o contágio se tornou comunitário, afetando pessoas de bairros periféricos e pobres, como: Jorge Texeira, Nova Cidade, Cidade de Deus, Tancredo Neves, Armando Mendes, Monte das Oliveiras entre outros.

Portanto, devido à alta demanda por internações, o Sistema Único de Saúde do Estado do Amazonas entrou em colapso, pois além de atender pessoas da capital, é preciso prestar assistência aos demais munícipios do interior. Nesse momento, é preciso de estratégias como a criação e viabilização de políticas públicas voltadas para o combate ao coronavírus, principalmente em municípios mais distantes da capital.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Não temos a finalidade de concluir a discussão sobre a fluidez do coronavírus neste artigo, até porque, ao que tudo indica, as análises nos levarão a uma espacialidade e temporalidade ainda maior para entender essa complexa rede que inclui os serviços, as mercadorias e as pessoas. Entretanto, é preciso pensar geograficamente como uma crise sanitária afetou verticalmente e horizontalmente todas as cidades do Amazonas. Será que o meio técnico-científico-informacional foi a chave para a fluidez do vírus na região Amazônica? As péssimas condições sanitárias favoreceram a proliferação do vírus e as mortes?

Essa pandemia poderá mostrar para o mundo que a Amazônia possui diversas pessoas e povos localizados em ambientes distintos, com poucos recursos técnicos que não contribuem para deslocamentos emergenciais para a capital para fins de realizar internações. Portanto, após essa crise, pensa-se que é impossível o país não investir em ciência, tecnologia, saúde e saneamento básico, a rigor esses investimentos podem ser uma das pilastras para que haja mais justiça social, com equilíbrio entre sociedade/natureza e as políticas públicas proporcionem bem-estar social.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CORRÊA, R. L. Estudos sobre a rede urbana. Rio de janeiro: Bertrand Brasil, 2006.

OLIVEIRA, J. A. de. Cidades na Selva. Manaus: Editora Valer, 2000.

SANTOS, M. Por uma outra globalizaçãodo pensamento único à consciência universal. 16ª ed. – Rio de Janeiro: Record, 2008.

_______. Espaço Divididoos dois circuitos da economia urbana dos países subdesenvolvidos. 2 ed. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2018.

_______. A natureza do espaço - Técnica e Tempo. Razão e Emoção. 4 ed. São Paulo: Editora da Universidade do Estado do Amazonas, 2017.

SANTOS, M.; SILVEIRA, M. L. da. O Brasilterritório e sociedade no início do século XXI. 9 ed. Rio de janeiro: Record, 2006.

TOCANTINS, L. O rio comanda a vida – uma interpretação da Amazônia. 9 ed. Manaus: Editora valer/Edições Governo do Estado, 2000.

 

 

AO CITAR ESTE TRABALHO, UTILIZE A SEGUINTE REFERÊNCIA:

SITUBA, Nágila dos Santos; LACERDA, Klintia Costa. Fluidez no território: análise geográfica do coronavírus no Amazonas. In: Revista Ensaios de Geografia, Niterói, vol. 5, nº 9, p. 130-135, maio de 2020.

Submissão em: 05/05/2020. Aceite em: 26/05/2020.

Universidade Federal Fluminense, Niterói, RJ - Brasil



[1] Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Geografia na Universidade Federal Fluminense.

[2] Graduada em Geografia pela Universidade do Estado do Amazonas.

 

[3] Monitoramento da COVID-19 – CIEV/ASTEC-SASS/FVS-AM. Disponível: http://www.saude.am.gov.br/painel/corona/. Acessado em: 24/05/2020.

[4] Boletim diário de casos COVID-19. Disponível: http://www.fvs.am.gov.br/media/publicacao/BOLETIM_DI%C3%81RIO_DE_CASOS_COVID-19_24-05-2020.pdf. Acessado em: 24/05/2020.

[5] MINISTÉRIO DA SAÚDE. Painel Coronavírus. Disponível: https://covid.saude.gov.br/. Acessado em: 24/05/2020.

[6] Monitoramento da COVID-19 – CIEV/ASTEC-SASS/FVS-AM. Disponível: http://www.saude.am.gov.br/painel/corona/. Acessado em: 24/05/2020.