A PANDEMIA EM MANAUS: DESAFIOS DE UMA CIDADE NA AMAZÔNIA

Luciene Monteiro Penha[1]

Universidade Federal de Rondônia 

lucienemonteiro30@gmail.com


 

RESUMO: 

 

Discute-se a situação da cidade de Manaus como um dos centros nevrálgicos de expansão do novo coronavírus, relacionado o nexo do global com o local. Afirma-se que o lugar assumiu globalidade quando a vida humana coletiva sentiu a manifestação perversa de uma pandemia que está ceifando centenas de vidas.

 

Palavras-chave: Amazônia; Pandemia; Globalização.

 


 

INTRODUÇÃO

Propomos neste texto, de natureza reflexiva, discutir a situação da cidade de Manaus, capital do estado do Amazonas, como um dos centros nevrálgicos de expansão do novo coronavírus. Na condição de moradora da cidade e professora da rede pública estadual de ensino, a partir das notícias, informações e dados disponíveis da doença, nosso esforço é pensar e problematizar as mudanças cotidianas da cidade, dado a territorialização desta pandemia.

Chama-nos atenção a velocidade e escala global com que essa patologia se mostrou ao mundo. A pandemia produzida pela expansão do novo coronavírus permitiu à humanidade, de forma trágica e dolorosa, viver a situação multiescalar global-local da globalização (SANTOS, 2000). Acompanhando as primeiras notícias publicadas em dezembro de 2019, que informava o surgimento do novo vírus na cidade de Wuhan, metrópole com mais de 10 milhões de habitantes, localizada na China, não imaginava que um fato local rapidamente se transformaria em pandemia global, atingindo todos os lugares do mundo, particularmente, com tanta intensidade, como ocorreu em Manaus.

A questão central, foco deste texto, é a gravidade sociogeográfica que assumiu o novo coronavírus no estado do Amazonas e, particularmente, na cidade de Manaus. Ainda que esse processo tenha sido anunciado, o que nos convida à análise é o fato de que tanto a cidade quanto o estado, por apresentarem uma configuração territorial que lhes caracterizam certo isolamento espacial, terem atingido percentuais elevados da doença. Desse modo, a condição de isolamento geográfico que poderia ser, em tese, uma defesa, mostrou-se frágil frente ao fluxo da pandemia e as condições à sua expansão espacial. Pode-se afirmar que a cidade assumiu globalidade quando a vida humana, principalmente a dos moradores dos bairros periféricos, sentiu a manifestação perversa de uma pandemia mundial que em pouco tempo ceifou centenas de vidas. Para organizar o texto, acessamos relatórios públicos diários, com dados quantitativos e estatísticos da pandemia, jornais on-line que noticiavam a situação, e consultas bibliográficas pertinentes ao tema.

 

DO GLOBAL-NACIONAL-REGIONAL À PANDEMIA NO ESTADO DO AMAZONAS

Essa nova doença vem deixando o mundo alarmado! Documentos, notícias e comunicados oficiais quase que instantâneos nos informam os impactos socioeconômicos que a pandemia tem provocado em diferentes países. De certa forma, a escala global da doença evidencia as escalas nacional e local das desigualdades espaciais. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), o novo coronavírus (Covid-19) é transmitido pelo ar e por mucosas, pelo contato de uma pessoa infectada ou próxima, cujo período de incubação pode levar até 14 dias para se manifestar. Nesse curto tempo, o indivíduo infectado certamente terá dezenas de contatos diretos e indiretos, ampliando a rede humana de disseminação da doença. O fluxo de contatos, principalmente em espaços urbanos, é um elemento propício à expansão de contágio da doença.

Em face dos agravamentos sociais causados pela Covid-19, as autoridades sanitárias de vários países adotaram o isolamento social como procedimento mais adequado de enfrentamento à difusão generalizada desta pandemia. Trata-se de uma ação sanitária que orienta as pessoas a ficarem em casa, chamada pelos especialistas de distanciamento social, evitando o contágio e, consequentemente, pressões nos sistemas de saúde público e privado, principalmente, quando se refere à quantidade limitada de Unidades de Tratamentos Intensivos (UTIs), local de tratamento dos pacientes mais graves. 

No Brasil, o primeiro caso confirmado com o novo coronavírus ocorreu no dia 26 de fevereiro, e o primeiro óbito no dia 17 de março. Um mês depois, o país ultrapassou a marca de 2.000 óbitos e já contabilizava 33.682 casos oficiais positivos para a Covid-19. Em dia 14 de maio, esses dados cresceram assustadoramente, quando se registrou 202.918 casos, com 13.993 óbitos (AMAZONAS, 2020). Conforme noticiado, “nos primeiros 14 dias de maio foram anunciadas 8.092 mortes. O total representa 57% de todas as mortes registradas em todos os 59 dias que o Ministério da Saúde vem apresentando os balanços de óbitos” (G1, 14/05/2020). Em pouco mais de dois meses, a doença se espalhou aceleradamente, atingido todas as unidades da federação (figura 1).

 

Figura1: Cartografia do Coronavírus no Brasil

Tela de computador com texto preto sobre fundo branco

Descrição gerada automaticamente

Fonte: G1(14/05/2020). Dados compilados do Ministério da Saúde.

 

No território brasileiro, a presença do novo coronavírus altera-se frequentemente, contudo, destaca-se os estados que estão mais afetados e que, necessariamente, não têm proximidade territorial. Conforme figura 1, o ranking está assim, provisoriamente definido, conforme o número de casos confirmados e de óbitos: São Paulo (54.286 casos/4.315 óbitos), Ceará (21.077/1.413), Rio de Janeiro (19.467/2.247), Amazonas (17.181/1.235), Pernambuco (15.588/1.298) e Pará (10.867/1.063), totalizam 68% dos casos confirmados e representam 83% dos óbitos do país.

Nos dados acima, o Amazonas ocupa a quarta posição em casos confirmados de Covid-19. Primeiro, deve-se relativizar o que se chama de isolamento espacial do estado. A pandemia mostrou que os fluxos aéreos de passageiros e de mercadorias suplantaram as barreiras geográficas que configuram o estado do Amazonas. Se o acesso rodoviário é limitado, o fluxo de embarcações de passageiros é intenso na escala regional (Amazonas e Pará), o hidroviário (cargas) é nacional/global, assim como o aeroviário, de modo que essa doença se disseminou pelo fluxo aéreo internacional acelerado pelo turismo global, no qual a cidade de Manaus é um destino muito visitado.

Para entendemos a difusão do coronavírus na escala estadual, alguns dados geográficos são pertinentes pensar. O Amazonas tem uma população de 4.144.597 milhões de habitantes, dos quais 52% moram na cidade de Manaus, sendo este o município mais afetado pelo vírus, tornando-se o lugar mais impactado da Amazônia e um dos mais graves do Brasil.

 

MANAUS, O COTIDIANO EM CAOS

A cidade de Manaus, uma metrópole ribeirinha, é a porta de entrada à Amazônia mais profunda (dos rios, das florestas, das comunidades ribeirinhas e dos territórios tradicionais), recebendo inúmeras pessoas de todos os lugares do mundo e do Brasil, em função do turismo ecológico-ambiental-cultural, cujo fluxo se faz, principalmente, pela rede aérea. Acrescentamos a importância geoeconômica do Polo Industrial de Manaus, que representa a escala global no lugar, considerando a verticalidade de sua economia (SANTOS, 2000), uma vez que a presença de dezenas de empresas internacionais, fluxos globais, e mercado de trabalho é extremante significativa.

Os primeiros casos de Covid-19 no Amazonas foram registrados na primeira quinzena de março. As pessoas infectadas residem em Manaus, e uma delas tinha retornado da Itália. Como esse vírus tem potencial acelerado de contaminação, logo, não demorou para que o nível de transmissão local (quando se sabe quem é a pessoa/origem da transmissão) passasse ao comunitário (quando não é possível identificar a origem/pessoa que transmitiu). Dois meses após os primeiros casos registrados no estado, tem-se um total de 9.410 casos na capital amazonense e 7.771 casos nos demais municípios do Amazonas. Com relação às mortes, Manaus tem, até a presente data (14/05/20), 809 óbitos. Já nos demais municípios, tem-se 426, em decorrência do novo coronavírus, sendo assim, os casos se sobrecarregaram em Manaus (AMAZONAS, 2020), deixando a cidade em caos social, por conta dos números de infectados que cresce em proporções devastadora, deixando o sistema de saúde sobrecarregado.

Um mês após o primeiro caso, o Amazonas já entrava na lista de emergência do Ministério da Saúde. A cidade de Manaus, por sua vez, vivencia o caos na saúde pública com serviços funerários colapsados. Muitas famílias não puderam realizar as cerimônias de despedidas de seus entes queridos, prática cultural e religiosa comum à sociedade, principalmente, pelo risco de contaminação a que estariam expostas, pois, sabe-se que o vírus resiste no corpo em óbito.

Pode-se afirmar a situação de trauma social das famílias afetadas, tendo em vista que seus familiares são enterrados em covas coletivas, sem direito à cerimônia compartida, como de fato ocorrem (figura 2). 

 

Figura 2: Cova coletiva aberta em cemitério de Manaus (21/04/2020)

Uma imagem contendo ao ar livre, terra, pista, trem

Descrição gerada automaticamente

Fonte: UOL, Coluna do Sakamoto (2020). Imagem: Sandro Pereira/Estadão Conteúdo

 

A aceleração geográfica dessa enfermidade se territorializou em muitos países, em regiões centrais e periféricas, não obedecendo uma hierarquia espacial. Desse modo, o fenômeno da globalização se mostrou real nos lugares quando estes passaram a apresentar os números dos enfermos e o desespero social decorrentes do novo coronavírus. A propagação da doença nos mostrou o quanto os fluxos das redes globais podem rapidamente relacionar o mundo nos lugares, e a fragilidade da saúde pública contribui para a ampliação dos impactos e as desigualdades sociais. A cidade de Manaus é o exemplo concreto da relação global-local.

 

Referências bibliográficas

 

AMAZONAS. S. Relatório diário do monitoramento do COVID-19 no Amazonas. Disponível: <http://www.saude.am.gov.br/painel/fvscovid.php>. Acesso em 14 de maio de 2020.

 

G1. Brasil tem 13.993 mortes e 202.918 casos confirmados de novo coronavírus, diz ministério. Disponível: <https://g1.globo.com/bemestar/coronavirus/noticia/2020/05/14/brasil-tem-13993-mortes-causadas-pelo-novo-coronavirus-diz-ministerio.ghtml>. Acesso em 14 de maio de 2020.

 

SAKAMOTO, L. Negacionistas do coronavírus acham que colapso funerário em Manaus é fake. Disponível: <https://noticias.uol.com.br/colunas/leonardo-sakamoto/2020/04/21/negacionistas-do-coronavirus-acham-que-colapso-funerario-em-manaus-e-fake.htm>. Acesso em 21 de abril de 2020.

 

SANTOS, M. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal. Rio de Janeiro/São Paulo: Record, 2000.

 

 

 

 

AO CITAR ESTE TRABALHO, UTILIZE A SEGUINTE REFERÊNCIA:

PENHA, Luciene Monteiro. A pandemia em Manaus: desafios de uma cidade na Amazônia. In: Revista Ensaios de Geografia, Niterói, vol. 5, nº 9, p. 118-123, maio de 2020

Submissão em: 05/05/2020. Aceite em: 24/05/2020

Universidade Federal Fluminense, Niterói, RJ - Brasil

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[1]Professora de Geografia da Rede Pública de Educação do Estado do Amazonas. Mestranda em Geografia pela Universidade Federal de Rondônia (UNIR).