Ensaios de Geografia
Essays of Geography | POSGEO-UFF
AO CITAR ESTE TRABALHO, UTILIZAR A SEGUINTE REFERÊNCIA:
CAMARGO, Luís Henrique Ramos de. A flecha do espaço-tempo e a totalidade em totalização. Revista Ensaios de Geografia,
Niterói, vol. 7, nº14, pp. 79-97, maio-agosto de 2021.
Submissão em: 06/09/2020. Aceito em: 21/07/2021.
ISSN: 2316-8544
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A FLECHA DO ESPAÇO-TEMPO E A TOTALIDADE EM TOTALIZAÇÃO
THE SPACE-TIME ARROW AND TOTALITY IN TOTALIZATION
Luís Henrique Ramos de Camargo
1
Universidade do Estado do Rio de Janeiro
geocamargo@ig.com.br/geocamargo64@yahoo.com
Resumo
Este artigo, que nasce de uma revisão teórico-conceitual atravessou diferentes campos do saber, em uma
proposta transdisciplinar, tem como objetivo apresentar a flecha do espaço-tempo como elemento
fundamental para a compreensão analítica dos fluxos de energia e matéria que sistemicamente integram a
sociedade com seu meio natural, alterando diretamente a evolução planetária. Para escolha do método,
rejeitamos o pensamento cartesiano-newtoniano, por entender que a sua fragilidade conceitual fragmenta o
espaço em relação ao tempo e que se baseia em um universo máquina preciso e linear. Por isso, a pesquisa
optou pela leitura da realidade sistêmica-quântica. Essa epistemologia, por sua vez, proporcionou a
compreensão de fenômenos como a integração do espaço com o tempo, a imprevisibilidade, a
interconectividade e a auto-organização. No desenvolvimento da pesquisa e após um debate conceitual
inicial, visando consolidar nossa hipótese, foi proposto um cotejamento entre solos agrícolas ecológicos e
não ecológicos. Essa escolha se deu devido à atividade agrícola ser a primeira, após o surgimento do
Holoceno, a gerar grandes impactos sobre o ambiente. Dessa forma, percebendo a importância do lugar e
de suas relações integradas com a natureza, foi demostrado que solos não ecológicos geram grande
instabilidade nos sistemas naturais que o circundam, podendo criar processos irreversíveis aos mesmos.
Esse mecanismo se deve a esse tipo de manejo se utilizar de grande quantidade de energia externa com
maquinário, agrotóxicos, irrigação artificial, alteração do processo de produção, dentre outras questões. Por
essas razões, as áreas de agricultura não ecológicas acabam emitindo grandes instabilidades para as outras
esferas naturais que a circundam, podendo gerar processos irreversíveis e que agora, ao lado de outros
processos, demonstram a evolução do planeta em um novo patamar de organização ecológico-geológico
conhecido como Antropoceno. Por sua vez, solos ecológicos que possuem sistemas em equilíbrio próximo
ao natural, por não se vincularem a grandes fluxos energéticos, acabam mantendo antigos padrões de
organização, não colaborando para efetivar grandes alterações no desenvolvimento da(s) flecha(s) do
espaço-tempo do planeta.
Palavras-chave: Espaço-tempo; Complexidade; Evolução.
Abstract
1
Professor Associado do curso de Geografia da UERJ Campus Duque de Caxias. ORCID id:
https://orcid.org/0000-0002-2604-7128.
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This paper, which arises from a theoretical-conceptual review and which crossed different fields of
knowledge, in a transdisciplinary proposal, aims to present the arrow of space-time as a fundamental
element for the analytical understanding of the flows of energy and matter, which systematically integrate
the society with its natural environment, and directly alter planetary evolution. For the choice of method,
we reject Cartesian-Newtonian thinking because we understand its conceptual fragility, which fragments
space in relation to time and which is based on a precise and linear machine universe. Therefore, for this
research, the method of reading the systemic-quantum reality was chosen. This epistemology, in turn,
provided an understanding of phenomena such as the integration of space with time, unpredictability,
interconnectivity and self organization. In the development of the research and after a first conceptual
debate, aiming to consolidate our hypothesis, a comparison between ecological and non-ecological
agricultural soils was proposed. This choice was due to agricultural activity being the first, after the
emergence of the Holocene, to generate major impacts on the environment. Thus, when realizing the
importance of the place and its integrated relations with nature, it was shown that non-ecological soils
generate great instability in the natural systems that surround it, being able to create irreversible processes
in them. Such mechanism is due to the fact that this type of management uses a large amount of external
energy with machinery, pesticides, artificial irrigation, alteration of the production process, among other
issues. For such reasons, non-ecological areas of agriculture end up emitting great instabilities to the other
natural spheres that surround them, which may generate irreversible processes and that now, alongside other
processes, show the evolution of the planet in a new level of ecological-geological organization known as
Anthropocene. In turn, ecological soils that have systems in balance close to natural balance, as they are
not linked to large energy flows, end up maintaining old patterns of organization, and do not collaborate to
effect major changes in the development of the arrow(s) of space-time on the planet.
Keywords: Space-time; Complexity; Evolution.
Introdução
Como ocorre a evolução da natureza? Qual o sentido da dinâmica dos fluxos de
energia e matéria planetários? Existe mudança criativa ou vivemos em um universo
máquina que nos prende ao eterno retorno? Heráclito ou Parmênides? Newton ou
Leibniz? Bergson ou Einstein?
Este artigo, desenvolvido em um estágio pós-doutoral no LAGESOLOS-UFRJ,
tem o objetivo de, a partir de uma revisão teórico-conceitual, trazer à comunidade
científica o significado da flecha do espaço-tempo como elemento analítico fundamental
na compreensão dos fluxos de energia e matéria que atravessam o planeta e que trazem,
por auto-organização, o que está por vir.
Para consolidar essa meta, a pesquisa não se apoiou na leitura cartesiana-
newtoniana-baconiana, tendo em vista que, neste paradigma, tanto o espaço como o
tempo são elementos próprios, funcionando de forma separada. Sendo assim, buscando
compreender a flecha do espaço-tempo, se tornaria impossível alcançar nosso objetivo.
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Nesse sentido, optamos pela coerência da visão sistêmica-quântica. Nesta forma de se
perceber a ciência, conceitos como interconectividade, imprevisibilidade, acaso, auto-
organização, dentre outros, passam a representar uma realidade e não apenas uma
especulação.
Dentro dessa perspectiva epistemológica e metodológica, entendendo a dinâmica
sistêmica e diferenciada dos mecanismos de energia e matéria, optou-se pelo
conhecimento dos fluxos termodinâmicos diferenciados tanto pelo espaço e suas relações
geossistêmicas como pelo seu teor dissipativo.
A integração existente entre espaço e tempo se liga, então, a características que
dimensionam um novo olhar sobre a Terra. Nessa perspectiva, o espaço devido às suas
características locais e específicas, encontra um tempo singular de dissipação dos seus
fluxos envolvidos em uma rede de relações integradas às esferas naturais.
Procurou-se então um exemplo que explicasse essa demanda, e que permitisse a
compreensão da dinâmica da(s) flecha(s) do espaço-tempo. Logo, foi escolhido um
cotejamento entre solos agrícolas ecológicos e não ecológicos. Essa opção se deu devido
à dinâmica agrícola ser a primeira manifestação humana que causou grande impacto no
ambiente, surgida após o Pleistoceno, e que se manifesta até hoje atravessando o
Holoceno e chegando ao Antropoceno.
Solos, como veremos, são sistemas abertos que trocam constantemente energia e
matéria envolvendo todos os sistemas naturais e, portanto, possuem uma dinâmica
específica representada pelos seus fluxos. Consequentemente, à medida em que as
técnicas artificiais foram cada vez mais se incorporando ao processo produtivo, mais a
atividade agrícola interferiu na evolução da dinâmica do equilíbrio planetário.
No caso, a pesquisa demonstrará que solos que possuem o manejo não ecológico,
devido a seu aparato técnico e organizacional, dimensionam maiores trocas energéticas
com as esferas naturais, trazendo assim maiores instabilidades e muitas vezes provocando
processos irreversíveis ao conjunto sistêmico.
Por sua vez, sistemas agrícolas ecológicos dimensionam estruturas mais próximas
dos sistemas naturais, provocando pouca alteração na dinâmica que envolve as esferas
naturais em seus processos de mudança.
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Nesse sentido, a pesquisa verifica que existem diferentes flechas do espaço-tempo
relacionais aos seus lugares, e que associam a natureza com a sociedade. Essa variedade
de possibilidades espaço-temporais, fluem integradamente e de forma acrônica, assim
como na interpretação de Copenhague e, portanto, podendo gerar diferentes respostas
imprevisíveis.
Para desenvolver a hipótese e transformá-la em realidade, a pesquisa atravessou
alguns campos conceituais e de pesquisa literária que se sucederam. Inicialmente foi
apresentada ao leitor às características sistêmicas do planeta. Esse processo foi necessário
para que, em uma etapa posterior, entrássemos no campo epistemológico quântico
apresentando assim a dialética da totalidade em totalização. Em uma terceira etapa, como
complemento, foi aprofundada a questão dos geossistemas por aumento de complexidade.
Sendo assim, a pesquisa buscou aplicar, nas duas etapas seguintes, os conceitos anteriores
propondo um cotejamento entre solos agrícolas ecológicos e não ecológicos; por fim,
apresentamos o debate final em torno da flecha do espaço-tempo
Sendo uma pesquisa teórica e conceitual, a mesma foi desenvolvida a partir de
levantamentos bibliográficos específicos. Neste caso, percorremos autores da área da
Geografia (humana e ambiental), da Filosofia, do pensamento sistêmico e da Física,
dentre outras leituras, sempre visando sua transdisciplinaridade.
A busca de artigos foi feita em sites como researchgate.net e sci-hub.se. e nas
bibliotecas virtuais de algumas universidades federais nacionais. Devido à pandemia do
COVID-19 (SARS-Cov-2), foram pesquisados livros principalmente de acervo pessoal e
outros foram adquiridos nas poucas livrarias abertas neste período. Mesmo assim, não
puderam ficar ausentes clássicos como: Newton (1987), Kant (1999), Bertalanffy (1968),
Khun (1970), Prigogine e Stengerls (1984), Atlan (1992), Hawking (2015), Santos (1997
e 2014), Whitehead (1978) e Morin (1977). Outros autores também foram fundamentais
no desenvolvimento da pesquisa, como Primavesi (1990 e 2016), Araújo, Guerra e
Almeida (2007), Guerra e Mendonça (2012), Dutra-Gomes e Vitte (2017), Drew (2002)
Mendes (2020 e 2020a), entre outros.
Buscando o estado da arte da questão da flecha do espaço-tempo, foram
encontradas diferentes pesquisas que normalmente envolviam a questão do espaço-tempo
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sem se referir ao que estamos desenvolvendo nessa pesquisa. Em geral, as pesquisas que
se aproximavam do nosso objetivo, se limitavam ao debate da flecha do tempo.
Acreditamos que isso se deve, provavelmente, a maior parcela das pesquisas ter sido
desenvolvida por físicos e não por geógrafos.
Por outro lado, remetendo à questão do espaço-tempo, foram encontradas
diferentes pesquisas de diversos campos profissionais como Geografia, Filosofia,
Biologia e, principalmente, no campo da Física, porém, não foi verificada a importância
de conhecer a dinâmica da flecha do espaço-tempo como elemento crucial para o
andamento e desenvolvimento do futuro equilíbrio planetário e para nossa sobrevivência
como espécie.
Como em geral os aspectos encontrados se distanciaram de nossa perspectiva,
destacamos a pesquisa desenvolvida por Weinert (2013) que corrobora nossa hipótese ao
investigar como as setas do tempo podem ser medidas objetivamente no espaço-tempo.
Para realizar essa investigação, o autor propôs considerar as setas locais e globais do
tempo. Como método investigativo, o mesmo também buscou o conhecimento dos
parâmetros termodinâmicos para regiões específicas. Todavia, limitou a pesquisa a
conhecer a dinâmica do tempo, ou seja, se ele se comporta em blocos estáticos como na
leitura cartesiana-newtoniana.
O planeta Terra e a dinâmica integrada sociedade-natureza
A Terra é um macro sistema constituído de diferentes subsistemas regidos pelas
suas interações (SILVA, 2008). Essa característica norteia a interdependência das partes
que formam o conjunto do planeta e que possuem conexão de forma direta ou tênue, sendo
impossível compreender qualquer aspecto isolado sem referência a sua função como parte
de um conjunto maior (DREW, 2002). Nessa dinâmica, cada subsistema, de forma
singular, possui diferentes escalas de espaço-tempo e agem trocando energia e matéria
entre si buscando sintropias constantes (CAMARGO, 2005; 2020).
Nesse macro mecanismo envolvendo todo planeta em diferentes escalas, as quatro
esferas naturais (hidrosfera, litosfera, atmosfera e biosfera) desenvolvem entre si fluxos
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de trocas constantes de energia e matéria, o que segundo Dutra-Gomes e Vitte (2017),
sugere, pela sua complexidade, uma dinâmica que está na gênese do movimento
rompendo com a ideia tridimensional cartesiana-newtoniana, referenciando os processos
como uma quarta dimensão do espaço-tempo (CAMARGO, 2012).
Essa dinâmica complexa forma assim micro, meso e macro redes que se
complementam e evoluem conjuntamente na dialética homem-natureza, pois, como
ensina Capra e Standl-Rast (1991), não existem partes em absoluto, apenas links de
interconectividade. Por isso, o planeta evolui como um todo, integradamente.
Esse movimento que envolve as esferas naturais e integra às mesmas a influência
do homem sobre o planeta pode ser visualizado na dinâmica ordem desordem
reorganização e reordenamento (MORIN, 1977). A ordem se associa ao estado de
estabilidade momentânea; por sua vez, com as constantes trocas geradas pelos fluxos
interno e externo, associado ao feedback existente entre os sistemas, os mesmos se
interpenetram trazendo desordem, e assim o sistema caminha em busca de um novo
estado de estabilidade. Nesse novo padrão surge uma nova organização.
Essa dinâmica, segundo Morin (1977), faz parte da natureza; no entanto, a
intervenção do homem na evolução da Terra faz defletir, em nível muito indefinível, a
direção das correntes de energia trazendo, assim, lógicas complexas que fogem ao alcance
humano. A evolução é constante propondo um movimento acrônico e descontínuo
envolvendo diferentes elementos e escalas.
Com o fim do Pleistoceno (e da era glacial) e com a chegada do Holoceno e da
possibilidade de sedentarismo, as áreas de plantio formaram as primeiras grandes
descontinuidades relativas aos fluxos geossistêmicos. Esse mecanismo (ao lado de outras
ações antrópicas), se desenvolveu de forma relacional ao avanço da humanidade até a
revolução industrial inglesa, tendo em vista que ela representou uma grande ruptura dos
hábitos e das formas de produzir (PELLOGIA, 2015).
Ocorre que, com a revolução industrial inglesa (século XVIII), alterações
exponenciais foram difundidas no espaço a partir das novas lógicas temporais que
redimensionaram os lugares. Para Paula e Mello (2019), as sociedades pré-industriais não
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alteraram em grande magnitude os ecossistemas e tão pouco suas forças produtivas
econômicas e sociais mudaram tanto a natureza como em nossos dias.
Nos três culos seguintes, a população aumentou dez vezes atingindo seis bilhões.
A população bovina subiu para 1,4 milhões produzindo gás metano e cerca de 30 a 50%
da superfície do planeta hoje é explorada, bem como o uso de energia cresceu 10 vezes
no último século, causando 160 milhões de toneladas de emissão de CO
2
. Nesse sentido,
acompanhando o Antropoceno, difundiu-se sobre o planeta uma dinâmica espaço-
temporal de alteração em rede do mecanismo sistêmico planetário de grande magnitude
(MENDES, 2020a; 2020b).
Mendes (2020b) acredita que a transição do Holoceno para o Antropoceno
representa uma radical descontinuidade nos fluxos naturais e demonstra o afastamento do
planeta do comportamento natural esperado, pois a Terra não segue um processo
sequencial linear e, sim, apresenta uma dinâmica acrônica, nascida da sua natureza
sistêmica. Cearreta et.al. (2019) também acreditam que a partir do Antropoceno, a ação
humana gerou mudanças irreversíveis no planeta alterando a dinâmica do meio ambiente,
onde suas consequências serão percebidas por muitos séculos a frente.
Ponte e Szlafsztein (2019) definem essa nova era como uma marca deixada pela
humanidade na superfície terrestre tornando-a humanizada. Por isso, para os autores, as
transformações geradas nos sistemas naturais ao criarem padrões inexistentes trazem
também novas espécies, estruturas, processos e formas naturais que se instalam e
evoluem, estabelecendo novas dinâmicas de proporções e escalas variadas.
Segundo Mendes (2020a), a própria ideia do Antropoceno está enraizada na
concepção da Terra como um sistema complexo, definido por diferentes ciclos físicos em
interação com os grandes fluxos de energia que sustentam a vida no planeta. Para o autor,
o Antropoceno implica a atividade geofísica da humanidade afetando uma grande escala
que foge do local, alcançando todo planeta e envolvendo as esferas naturais como a
litosfera, a biosfera, a atmosfera e a criosfera.
Pensamento quântico, espaço-tempo e a dialética da totalidade em totalização
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Khun (1970) ensina que quando um paradigma científico não funciona mais para
explicar a realidade ele deve ser substituído. Propomos aqui uma pequena análise da
necessária ruptura com o paradigma clássico e a importante reflexão a partir de uma nova
leitura da realidade.
Para Newton (1987), o tempo era absoluto, verdadeiro e matemático, fluindo
sempre por si mesmo sem relação com coisa externa alguma; assim como o espaço
absoluto, também sem nenhuma relação externa, permaneceria sempre imóvel e
semelhante, logo, repetitivo e preso a antigos padrões que garantem ao habitante da Terra
a ideia de estabilidade (DAVIES, 1999).
Dando continuidade a essa visão que dimensionará o estruturalismo no século XX,
Kant (1999) trazia a ideia de que o espaço é uma representação dada a priori; sendo assim,
que decorreria da nossa percepção da realidade. A lógica em Newton e Kant, que remete
a um espaço similar a uma caixa vazia e de um tempo que segue linearmente sem sofrer
influencias externas, traz a dimensão do universo tridimensional sem criatividade, onde
o tempo se isola do espaço.
Contudo, apesar de Leibniz (1746-1716) em sua época ter desenvolvido a ideia de
espaço relacional, somente a partir das pesquisas de Minkowski (1864-1909) em seu
continuum do espaço-tempo e da Teoria da Relatividade de Einstein (1879 -1955), o
conceito de tempo e de espaço sofreram uma brusca alteração (SITE, 2010). Hawking
(2015) ensina que a relatividade geral combina a dimensão temporal com as três
dimensões do espaço para formar o espaço-tempo, trazendo outra forma de se perceber a
realidade.
Assim, a noção de totalização para Santos (1997 e 2014), em sua análise dos
processos, fundamentada em Whitehead (1978), demonstra que os mesmos podem ser,
assim como a interpretação de Copenhague, acrônicos envolvendo o espaço-tempo. O
movimento descontínuo dos processos que envolvem a forma, a estrutura e suas
respectivas funções liga a totalização do espaço a ser refletida nas quatro esferas naturais
em um processo único evolutivo.
Essa totalidade estruturada, real, é uma realidade acabada, contudo, que busca
sempre um novo reordenamento auto-organizado. A totalidade está em movimento
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constante de busca de outro patamar de equilíbrio, dimensionando a sua realidade como
uma integridade momentânea (SANTOS, 2014). Para Kosik (2002), totalidade é a
realidade de um todo estruturado que foi construído dialeticamente. Assim, nossa
pesquisa se apropria dessas máximas para entender a totalidade como uma construção
que integra o social ao natural, criando um processo geossistêmico evolutivo. Afinal,
as alterações nas formas-conteúdo, não alterariam também a dimensão dos seus fluxos de
energia e matéria para o conjunto das esferas naturais?
Importante compreender então, que essa totalidade construída representa um
momento específico se tornando uma totalidade concreta e que se transforma em
estrutura. A materialização do processo de uma totalidade concreta está na
instantaneidade e universalidade a partir da integração sociedade-natureza que acaba
desmantelando a organização geossistêmica anterior, gerando um novo padrão sistêmico
evolutivo (SANTOS, 1997). Para Kosik (2002, p. 59) “a concepção genético-dinâmica da
totalidade é pressuposto da compreensão racional do surgimento de uma nova qualidade”.
Mas como apreender essa dinâmica espacial-natural de forma a visualizar sua
realidade concreta? Essa resposta se liga a própria essência existente nas características
de cada forma-conteúdo, pois pensando na singularidade de cada lugar, podemos refletir
sobre sua integração relacional com diferentes perfis geossistêmicos em evolução
espiralada. Essa lógica demonstra que um sistema em evolução possui diferentes
caminhos descontínuos e que percorrem espaço-tempo próprio, onde a não linearidade se
associa às possibilidades futuras que nascem das diferentes probabilidades, fruto da auto-
organização conjunta (CHISTOFOLETTI, 1999).
Geossistemas em evolução
Em Sotchava, um geossistema é uma dimensão do espaço terrestre aonde os
diversos componentes naturais se encontram em conexões sistêmicas uns com os outros,
interagindo com a esfera cósmica e com a sociedade humana (CHRISTOPHERSON,
2017).
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Tendo como base a aplicação da Teoria Geral dos Sistemas de Bertalanffy (1968)
às quatro esferas naturais, Dutra-Gomes e Vitte (2017) trazem a ideia da complexidade
gerando novas considerações para a compreensão dos fluxos geossistêmicos que, nesse
sentido, dialeticamente, evoluem por sintropia.
Como os geossistemas interagem com a espécie humana e pensando em sua
complexidade, como propõe Dutra-Gomes e Vitte (2017), ao inserimos nos geossistemas
complexos o conceito de totalidade em totalização, encontramos a integração sociedade-
natureza necessária.
Desse modo, a dinâmica espaço-temporal geográfica se associa ao próprio
movimento que a natureza propõe e está aqui a essência inicial da flecha do espaço-tempo.
Ao integrarmos a totalização de um determinado espaço geográfico (local) à dinâmica da
complexidade existente nas quatro esferas (ou cinco, se contarmos com a criosfera)
veremos a evolução conjunta por auto-organização.
E como se desenvolve(m) esse(s) processo(s)? Para Prigogine e Stengerls (1984;
1996) e Prigogine (1978; 2008), os sistemas naturais são abertos e estão na base do não-
equilíbrio, sendo assim, a influência das ações da humanidade gera processos dissipativos
energéticos específicos. Esses processos caracterizam as inter-relações sociedade-
natureza e, com isso, conferem uma nova significação à irreversibilidade e logicamente à
flecha do espaço-tempo.
Cada combinação de variáveis suscita respostas relacionais às mesmas. As
formas-conteúdo de cada lugar responderão de forma impar às quatro esferas que agem
em busca da evolução por aumento de complexidade. Devemos lembrar que, em cada
lugar, a interconectividade das esferas naturais é singular.
Outra questão crucial em nossa pesquisa é a compreensão de que, além dessa
característica própria, no caso do manejo da natureza, essa conectividade obedecerá a
regras que se ligam a quais técnicas são desenvolvidas em cada processo, pois é graças
às mesmas que as respostas (no conjunto das esferas naturais) serão também diferenciadas
na geração de diferentes percursos da flecha do espaço-tempo. Logo, um solo ecológico
e um solo com manejo cartesiano, mesmo em áreas com semelhança pedológica e
climática, terão fluxos de trocas de energia e matéria diferenciados. A ação da política
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econômica, que liga às políticas ambientais e no trato agrícola, gera, assim, maiores ou
menores instabilidades para os fluxos planetários.
A flecha do espaço-tempo: solos agrícolas
O processo de Pedogênese e sua relação com os agentes intempéricos na formação
dos solos demonstra a interconectividade atmosfera-hidrosfera-litosfera-biosfera
(TOLEDO, 2003). No entanto, solos agrícolas representam a ação do homem,
diretamente interferindo nessa escala natural.
Primavesi (1990; 2016) discute intensamente a necessidade de se pensar o cultivo
respeitando a uma metodologia que veja os solos como um conjunto sistêmico. Ela
descreve os diferentes fatores do solo, dentro do contexto ecológico, verificando também
complicadas e complexas inter-relações com outros fatores ambientais. Nesse sentido, a
autora demonstra como ganhos em produtividade são muito diferentes nos sistemas de
manejo ecológicos, em relação aos sistemas que obedecem a modelos que propõem à
natureza um manejo que usa elementos tóxicos e maquinário pesado.
Em sua crítica, Primavesi (1990) vê a metodologia ligada à ciência clássica tendo
uma leitura de manejo dos solos como algo imutável e estático e, discordando da mesma,
remete à compreensão da constante evolução dos solos. Por isso, solos ecológicos,
visando obter produtividade, devem ser sadios e equilibrados em todos seus fatores,
inclusive com a fauna local. Os mesmos não podem possuir nada tóxico e devem ser
agregados de forma que o ar e a água possam penetrar (COSTA, 2017).
Verifica-se nesse sentido que o solo ecologicamente equilibrado possui pouca
dissipação energética, levando em consideração que é um sistema quase fechado, tendo
pouca demanda energética externa. Portanto, esses solos pouco ou quase nada contribuem
para o dimensionamento de processos que gerem instabilidade nas outras esferas naturais
(CHRISTOFOLETTI, 1999).
Drew (2002, p. 145) nos traz o conceito de agricultura que significa a arte de
perturbar o equilíbrio da natureza de modo mais seguro para nosso benefício. Por isso a
imputação de energia externa ao manejo agrícola com agrotóxicos, fertilizantes artificiais,
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AO CITAR ESTE TRABALHO, UTILIZAR A SEGUINTE REFERÊNCIA:
CAMARGO, Luís Henrique Ramos de. A flecha do espaço-tempo e a totalidade em totalização. Revista Ensaios de Geografia,
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maquinário pesado e irrigação acaba se relacionando a descontinuidade em relação a
fluxos energéticos, podendo gerar grande instabilidade no sistema, interferindo
negativamente em seu equilíbrio. Essa relação com subsistemas adjacentes, em geral,
quando desenvolvidas a partir de grandes fluxos de energia, traz constantes desequilíbrios
ao conjunto, podendo criar patamares irreversíveis. A esse respeito, Araújo et.al. (2007)
verificam que o mau uso dos solos leva a degradação, o que torna a recuperação do solo
muito mais difícil.
Agricultura com introdução de grande energia externa
Nessa seção, propomos uma nova leitura para os problemas que serão relatados e
que são conhecidos de todos. Desse modo, adotamos como método de análise a
epistemologia sistêmica-quântica.
Tendo sua gênese a partir de processos geomorfológicos e pedológicos, os solos
comportam-se como sistemas abertos e dinâmicos, sendo atualmente estudados,
inclusive, por análises sistêmicas. Segundo Guerra e Mendonça (2012), solos são sistemas
abertos à medida em que ganham e perdem matéria e energia além de suas fronteiras.
Sendo assim, a degradação dos mesmos a partir de práticas agrícolas incorretas, pode
levá-los, muitas vezes, a processos irreversíveis.
Um exemplo das consequências do mau uso agrícola dos solos, no caso brasileiro,
é a frequente substituição de áreas agrícolas pela pecuária extensiva como denuncia
Guerra e Mendonça (2012) em trechos dos estados de Mato Grosso, Mato Grosso do Sul,
Goiás, Minas Gerais dentre outros cantos do Brasil.
Nesse sentido, o uso para áreas de pastagem, tendo em vista que os solos possuem
relação intrínseca com os outros sistemas, acarretará em alteração também na dinâmica
de trocas com o meio natural, gerando novos padrões de organização nos geossistemas,
que, por aumento de complexidade, trazem novos mecanismos de sintropia evolutiva.
Mafra (1999, p. 307) denuncia que, o maior problema da erosão de terras agrícolas
“consiste na eliminação da capa superficial do solo, aonde está sua matéria orgânica e
frações de minerais finos, os quais garantem a nutrição indispensável ao crescimento dos
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vegetais”. Assim sendo, ao ser eliminada a cobertura vegetal, todo equilíbrio natural
representado pelo trinômio água-solo-planta se redimensiona. Por essa razão, Mafra
(1999) alerta que a perda progressiva dos solos tem levado também à perda progressiva
do ambiente como um todo. Essa perda, em uma relação sistêmica, ou geossistêmica,
acarretará novas relações de trocas diferenciadas e, portanto, as respostas da natureza
também podem alcançar patamares imprevisíveis e irreversíveis.
Segundo Araújo, et al. (2007), somente 11% da área mundial não apresentam
limitações para uso agrícola e, por isso, denunciam como extremamente grave o problema
da degradação dos mesmos no sentido, até mesmo, de que sua reversibilidade é muito
pouco provável. Segundo os autores, somente em 1990 práticas agrícolas inadequadas
contribuíram para a degradação de 562 milhões de hectares, ou seja, 38% dos 1,5 bilhão
de hectares de terras agricultáveis do planeta.
Araújo, et al. (2007) verificam que o processo erosivo provoca diferentes
alterações químicas e físicas no sistema solo. As alterações causadas pelo esgotamento
dos solos, como consequência das práticas agrícolas em que ocorre grande penetração de
energia externa, possui destaque no processo químico com a perda de nutrientes do solo,
principalmente o Nitrato, o Fósforo e o Potássio (NPK). Outra questão relevante, está na
aplicação excessiva de pesticidas e fertilizantes, que além de poderem acidificar os solos,
reduzindo drasticamente seu potencial agrícola, tendem a contaminar o lençol freático,
gerando diferentes problemas no equilíbrio ambiental local.
A irrigação, buscando maior umidade nos solos, pode acabar alterando o nível de
lixiviação e a própria química dos solos, levando a influências diretas e indiretas na
vegetação e na fauna que a circundam. À vista disso, tanto o escoamento como a
evaporação podem se associar tanto à geração da salinização como também à cheia de
rios por aumentar a sua carga em solução (ARAÚJO, et.al. 2007).
Segundo Araújo, et al. (2007, p. 32) “o superpastoreio, por exemplo, destrói a
cobertura vegetal do solo, causa compactação e acelera a invasão de espécies arbustivas
indesejáveis.
Sendo assim, desmatamento, superpastoreio, remoção da cobertura vegetal para o
cultivo, uso de máquinas, condução do gado, encurtamento do pousio, irrigação errada,
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entrada excessiva de água, drenagem insuficiente, excesso de fertilização ácida, uso
excessivo de produtos químicos, entre outros, são fatores geradores de grandes
instabilidades sistêmicas.
Christofoletti (1999) e Gomes (1999) trazem a afirmação de que o estado crítico
de auto-organização, que se caracteriza por leis de escala temporal e espacial, é
encontrado automaticamente após o sistema em evolução ser minimamente perturbado.
Atlan (1992) ainda reforça essa lógica, observando que o fenômeno da auto-organização
se relaciona ao aumento de complexidade, que é simultaneamente estrutural (pois está
atrelado às singularidades de cada lugar) e funcional (demonstrando que diferentes
funções agrícolas, por exemplo, encontrarão respostas diferenciadas).
Ao alterar a dinâmica natural, imputando as variáveis relacionadas à energia
externa para a lavoura, a principal característica da natureza desabrocha: a
imprevisibilidade, demonstrando assim que a sintropia entre a sociedade e a natureza gera
a evolução, tornando impossível fragmentar a humanidade do seu meio natural.
A diferença dos sistemas pertencentes à dinâmica linear e a termodinâmica é que
a irreversibilidade está contida na base da evolução descontínua, pois para os sistemas
termodinâmicos, longe do equilíbrio, não existe o controle, a previsibilidade linear e a
coerência ulterior. A termodinâmica do equilíbrio, para Prigogine e Stengerls (1984 e
1996) foi a primeira resposta dada pela física ao problema da complexidade da natureza.
Evolução e a flecha do espaço-tempo
Como se manifesta a evolução? Como ela é impulsionada? Esse mecanismo pode
ser compreendido a partir da lógica encontrada em Morin (1977), trazendo a Teoria dos
Compartimentos, no qual um sistema consiste em subunidades com certas condições de
fronteiras entre as quais pode ocorrer transporte de energia e matéria. Assim, grandes
fluxos de energia externa imputados nos sistemas agrícolas, por exemplo, tendem a
crescer exponencialmente em busca do aumento de sua complexidade.
Esse holomovimento, que pode ser visto nos solos, por exemplo, se efetiva em
relação ao conjunto, sendo o mesmo, nascido das imposições organizacionais que
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acontece em um universo de silêncio ao nível de suas partes interconectadas. Existe, aqui,
a dualidade entre o que emerge e o que está imerso. Essa dinâmica, que acontece em rede,
se propaga reordenando o todo, tanto no espaço como no tempo (MORIN, 1977).
A integração entre espaço e tempo de Einstein fica visível em solos que sofrem
alteração de sua identidade por aumento de complexidade, pois se modifica de forma
integrada o espaço e o tempo de dissipação. Einstein sabia que as questões do espaço-
tempo e da matéria estavam ligadas. Hoje devemos entender que a estrutura do espaço-
tempo está ligada à irreversibilidade e ao nascimento de novos padrões evolutivos de
organização (PRIGOGINE, 1978; 2008). Como está no Tao, o que nos interessa é o
caminho, como ele é percorrido em decorrência da dialética existente entre o Yin e o
Yang (LAO-TSÉ, 2004).
Conclusão
Vivemos a espera de padrões repetitivos, padrões que nos tragam segurança para
o dia de amanhã. Por sua vez, essa pesquisa, que não se prendeu a uma leitura da realidade
a partir da lógica cartesiana-newtoniana, procurou demonstrar, a partir de um debate
conceitual aplicado, que o planeta evolui continuamente desenvolvendo um movimento
acrônico e que pode apresentar muitas vezes imprevisibilidade.
Nessa perspectiva, objetivamos demonstrar que existe(m) (uma) flecha(s) do
espaço-tempo, que se direciona(m) a partir dos constantes fluxos de energia e matéria que
o planeta descreve envolvendo a relação sociedade-natureza. Para essa demonstração, a
partir de uma leitura sistêmica-quântica, cotejamos solos ecológicos e solos não
ecológicos. Neste caso, tornou-se óbvio que solos que apresentaram manejo não
ecológico forneceram às esferas naturais muito mais instabilidades do que os solos
ecológicos.
Solos não ecológicos, devido ao seu grande movimento energético, podem ser
geradores de mudanças irreversíveis e, portanto, evolutivas em grande magnitude; por
sua vez, solos ecológicos, apresentando sistemas quase fechados, logicamente fornecem
às outras esferas naturais muito menos instabilidades, não proporcionando processos
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irreversíveis. Nota-se aqui duas características do que está no porvir e, por conseguinte,
da flecha do espaço-tempo.
Esta pesquisa, fruto de um estágio pós-doutoral, verifica que a partir das
características de cada forma-conteúdo e das técnicas usadas neste local, respostas
específicas ditarão também flechas do espaço-tempo singulares a esses mecanismos.
As ações da humanidade demandam fluxos energéticos que sintropicamente se
harmonizam com o meio natural, onde o artificial se naturaliza em um conjunto
evolutivo. Em função disso, a aplicação dessa compreensão à physis da flecha do espaço-
tempo remete necessariamente à análise dialética da relação sociedade-natureza em
diferentes escalas.
Espaço e tempo são elementos integrados e manifestam-se em uma dinâmica
própria e singular, onde sistemas de ações e de objetos se combinam ao meio natural para
demonstrar o sentido de sua flecha do espaço-tempo, colaborando, assim, com o próprio
movimento planetário. Por isso, o lugar assume sua postura frente à relação dialética
sociedade-natureza, tendo em vista as ações decorrentes da lógica de cada pedaço do
planeta Terra.
A direção da flecha do espaço-tempo é fruto da manifestação da complexidade
existente em cada lugar, tendo em conta que ele tem na ação da intencionalidade humana
um mecanismo que integra dialeticamente às características geossistêmicas do lugar a
cada forma-conteúdo.
O grave problema que se apresenta, então, é a consciência de como funciona
sistemicamente o planeta Terra e que, graças a nossas ações, amplia exponencialmente o
desequilíbrio em relação ao passado. Rumamos, pois, exponencialmente para caminhos
cada vez mais imprevisíveis.
É importante compreender que a dinâmica planetária necessita de um novo olhar
não mais linear e simplista. É necessário que a ciência faça uma releitura da realidade
ligando a mesma à complexidade e à singularidade de cada lugar, repensando, por isso, o
próprio processo produtivo e principalmente quem somos à luz do que geramos na
condição de habitantes do planeta Terra.
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