Ensaios de Geografia
Essays of Geography | POSGEO-UFF
AO CITAR ESTE TRABALHO, UTILIZAR A SEGUINTE REFERÊNCIA:
ARAÚJO, Gilvan Charles Cerqueira de. Edenismo territorial, anacronismo técnico e a idealização do progresso no Brasil imperial.
Revista Ensaios de Geografia. Niterói, vol. 7, nº 14, pp. 122-146, maio-agosto de 2021.
Submissão em: 09/09/2020. Aceito em: 03/05/2021.
ISSN: 2316-8544
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SEÇÃO ARTIGOS
EDENISMO TERRITORIAL, ANACRONISMO TÉCNICO E A IDEALIZAÇÃO
DO PROGRESSO NO BRASIL IMPERIAL
TERRITORIAL EDENISM, TECHNICAL ANACHRONISM AND THE
IDEALIZATION OF PROGRESS IN IMPERIAL BRAZIL
Gilvan Charles Cerqueira de Araújo
1
Secretaria de Educação do Distrito Federal/Universidade de São Paulo
gilvan.cerqueira@edu.se.df.gov.br
Resumo
Este artigo busca explorar reflexões envolvendo o edenismo territorial e o anacronismo técnico no período
imperial brasileiro. Entende-se que o estudo deste período histórico e sua importância para a formação do
território nacional do Brasil se configuram como um profícuo campo de perscrutações teórico-analíticas
por diferentes campos do conhecimento em dialogia com o pensamento geográfico, envolvendo uma
melhor compreensão das ações, reflexões e desdobramentos de importantes acontecimentos atinentes à
ideologia do progresso e ao ufanismo telúrico em relação ao território nacional. Por meio de uma revisão
bibliográfica, é proposto um aprofundamento destas questões em três momentos complementares: inicia-
se o debate pelos reflexos territoriais do anacronismo imperial e republicano; passa-se pela temática do
desenvolvimento técnico do período imperial e ufania edênica e se encerra com a relação entre a ocupação
do território brasileiro e o anacronismo técnico.
Palavras-chave
Edenismo; Anacronismo Técnico; Território; Brasil Império.
Abstract
The main objective of this article is to explore reflections involving the territorial edenism and technical
anachronism in the Brazilian imperial period. This paper assumes the perspective that the study of this
historical period and its importance for the formation of the national territory of Brazil is configured as a
profitable field of theoretical and analytical insights through different fields of knowledge in dialogue with
geographical studies, involving a better understanding of actions, debates and developments of important
events regarding the ideology of progress and the telluric jingoism related to the national territory.
Therefore, a bibliographic review has been realized as a proposal to deepen these questions in three
complementary steps, beginning with the territorial reflexes of imperial and republican anachronism,
followed by the theme of technical development in the imperial period and Edenic jingoism and ending
with the relationship between occupation of Brazilian territory and technical anachronism.
1
Possui graduação em Geografia pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (2009),
mestrado em Geografia pela Universidade de Brasília (2013) e doutorado em Geografia (Organização do
Espaço) pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (2016). Pós-doutorando em Geografia,
Literatura e Filosofia pela Universidade de São Paulo. ORCid: https://orcid.org/0000-0003-4238-0139
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Keywords
Edenism; Technical Anachronism; Territory; Empire of Brazil.
Introdução
Este artigo se constitui como uma versão adaptada da primeira parte do terceiro
capítulo da dissertação de mestrado em Geografia defendida pelo autor intitulada “Do
Ufanismo Edênico ao Saudosismo Heroico: ideologia e discurso geográfico no ideário
nacional brasileiro” no ano de 2013, pela Universidade de Brasília. Objetiva-se com esta
ação a maior divulgação do trabalho em destaque e, também, um movimento de maior
amplitude e divulgação da temática do edenismo e ufania telúrica ao longo da formação
territorial do Estado nacional brasileiro.
Por meio de uma revisão bibliográfica, ao longo do artigo será efetuada uma
relação teórica e analítica entre o discurso ufanista edênico em relação ao território
brasileiro e o período histórico imperial, marcado por questões concernentes a um
anacronismo técnico, promovido direta e indiretamente pelas visões e ações econômicas,
políticas e ideológicas deste contexto (IANNI, 2004; PENNA, 1974). Este será o ponto
de partida do debate proposto que se apresenta, buscando contemplar o panorama
territorial que vai do ufanismo edênico ao cenário econômico e técnico no Brasil imperial
às características históricas, geográficas e econômicas (CASTRO, 2005; GAUDIO, 2007;
HOLANDA, 2010; RANGEL, 1981).
Algo a ser destacado é justamente esta nova relação entre o homem e o meio que
o circunda a partir de uma consideração analítica, histórica e geográfica do período, por
exemplo, da contextualização da segunda fase da Revolução Industrial, que chega ao
Brasil a partir da implantação de vias férreas pelo território. No decorrer do século XIX
este contexto ficará mais claro devido às ondas nacionalistas europeias, em especial na
Alemanha e Itália, que gerarão a elaboração de teorias filosóficas, históricas, sociológicas
e geográficas cuja principal palavra de ordem será o domínio ou dominação da natureza
(BRASIL, 2008; CASTRO, 2005, MIYAMOTO, 1995, MORAES, 2005). Atreladas à
premissa de dominação, farão coro às ideias de conquista, ou seja, não bastava mais
apenas a posse de extensas terras, como o foi nos primeiros três séculos de colonização,
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havia de se fazer valer a presença deste poder, era preciso promover a interiorização do
princípio de territorialização outrora colonial, mas agora com alguns incrementos
técnicos e tecnológicos alinhados à concepção e prática político-econômica do império
brasileiro.
Na esteira da perspectiva dominadora e conquistadora de recursos naturais, base
para o discurso e ufanismo edênico, soma-se a aclamação progressista, alimentada pelo
sonho da missão histórica do ser humano no domínio sobre a Terra e seus recursos
naturais. Na Geografia, este cenário do século que alcança os fins XIX e o início do século
XX será mais visível no nascimento de algumas das primeiras contribuições teóricas de
natureza geopolítica, nutrida pala visão determinista (CASTRO, 2005, MIYAMOTO,
1995, MORAES, 2005). Nas outras áreas do conhecimento ver-seum retorno às antigas
proposições de preponderância étnica numa concepção desnivelada da situação cnica
dos povos, enquadrando-os desta maneira em diferentes estamentos civilizacionais
(EAGLETON, 2005). Uma nova modulação de entendimento do conhecimento como via
de acesso ao poder entra em cena, no caso geopolítico, claramente visível no Brasil
Imperial. Isto se mostrará numa melhor apuração delimitativa das fronteiras, na execução
de guerras a possíveis ameaças externas e, principalmente, no aumento significativo de
organizações, grupos e instituições responsáveis por angariar informações a respeito do
território. O discurso contemplativo lugar à palavra de ordem da dominação não apenas
pela exploração desenfreada, mas pela implantação técnica de transformação do espaço
(CARVALHO, 2003; CASTRO, 2005).
Deste modo, havia um cenário distributivo das vias de fluidez territorial
influenciando o incentivo às expedições científicas para avanço do conhecimento dos
aspectos sociais e naturais do território: a crise do sistema político monárquico arcaico
para uma república tardia e retrógrada nos aspectos técnicos; o surgimento das primeiras
iniciativas de um pensamento geográfico incipiente e genuinamente brasileiro e a
permanência das velhas formas de pensamento a respeito do Brasil em sua permanência
no ideário mítico da destinação providencial (IANNI, 2004; MORAES, 2004).
Os reflexos territoriais do anacronismo imperial e republicano
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No território colonial e posteriormente na fase imperial do Brasil havia
demonstrações de um uma rica cultura popular arraigada a aspectos religiosos e
tradicionais, como foi o caso da arquitetura barroca, exemplo de uma expressão artística
de fronteira a mescla entre a opulência aristocrática expressa nos adornos eclesiásticos
e a simplicidade material e abrangência simbólica de alto alcance das obras populares em
madeira e pedra e também nas inúmeras insurgências principalmente literárias de cunho
valorativo das principais características regionais presentes em todo território brasileiro
como na primeira geração dos literatos românticos (CANDIDO, 1989; CITELLI, 2004).
Estes acontecimentos culminarão na complexa passagem do século XIX para o
século XX, onde ficarão explícitas questões de alto teor analítico para compreendermos
alguns dos rumos tomados pelo Brasil. A começar pelo processo de independência, no
qual de ruptura houve apenas o sentido retórico, perdurando a continuidade do poder
central por parte dos dois imperadores do país Dom Pedro I e Dom Pedro II havendo
inclusive importantes situações de embates bélicos em ambos os governos contra seus
dissidentes ou contraditores. Concomitante a este período, será assistido o processo de
renovação agrícola, fornecendo mais um fôlego à já secular classe latifundiária brasileira
(BRASIL, 2008). E, por fim, novos apelos surgirão, em especial, no quesito social, por
parte de literatos, artistas, lideranças regionais, políticos e clérigos; estes apelos
culminarão na inevitável pressão interna e externa pela abolição da escravatura, no
rompimento político com os descendentes da família portuguesa e a fundação de um
regime republicano (em tese renovador) e na vigente e temerária situação de anacronismo
técnico, cada vez mais efusiva em todos os níveis produtivos e aspectos da economia
brasileira (HOLANDA, 1969; PRADO JÚNIOR, 2006).
Iniciemos, pois, nossa reflexão partindo do panorama situacional no qual se
encontrava o Brasil durante seu período imperial, marcado pelo processamento lento e
faseado em direção à independência do país e, também, pela renovação econômica trazida
pelas lavouras de café no sudeste do país (FURTADO, 1991). Após este caráter
introdutório será dada uma atenção especial ao panorama técnico do território brasileiro
no período imperial, assim como às iniciativas políticas para a reversão de tal quadro.
Desta propensão à tecnificação do Brasil é que emergirá, por exemplo, a grande
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quantidade de expedições científicas, principalmente de caráter naturalista, por todo
território brasileiro.
Todo o processo vivido pelo Brasil no início do século XIX possui peculiaridades
históricas incomparáveis internacionalmente. De início, pode-se levar em consideração a
surpreendente ação de fuga da família real para sua colônia maior, contando para tal
empresa com o total e irrestrito apoio inglês posteriormente retribuído com calorosos
beneficiamentos comerciais. Também é digno de ser destacado o processo de
independência do Brasil, que surge como um projeto de união constitucional entre colônia
e metrópole e acaba tendo como resultado a separação umbilical de ambos, apesar de
ainda permanecer em solo brasileiro o herdeiro da coroa portuguesa (BRASIL, 2008;
FURTADO, 1991; HOLANDA, 1969).
A partir do momento em que a trupe reinol atraca no litoral carioca, uma nova fase
de implicação cnica ocorre no Brasil. As preocupações do então primeiro príncipe em
situação de regência desde 1799 do trono lusitano Dom João VI serão de imediato tomar
iniciativas burocráticas de viabilização da retomada comercial, manufatureira e estrutural
para com a colônia, além da ascensão política e estatal do Brasil devido à transferência
da corte (RICUPERO, 2008).
Tais medidas podem ser agrupadas cronologicamente pela Carta Régia de 28 de
janeiro de 1808, que eliminava o secular pacto colonial com a abertura dos portos às
potências e nações amigas; a revogação do Alvará de 3 de dezembro de 1785, emitido
por D. Maria I, que proibia a existência de qualquer produção de natureza manufaturada
em território colonial (apesar de que isto não beneficia o Brasil diretamente, pois o
Tratado de Comércio e Navegação de 1810, resultado de negociações bilaterais vigentes
desde 1808, privilegiava explicitamente a entrada de produtos ingleses frente aos demais
estrangeiros e aos de Portugal); ascensão do Brasil da condição de vice-reinado a reino
autônomo em 16 de dezembro de 1815, com o título de Reino Unido de Portugal, Brasil
e Algarves
2
.
2
Para visualização de amostras destes documentos históricos em seu formato original ver:
<www.iuslusitaniae.fcsh.unl.pt. > Acesso: 08 dez. 2012.
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Em especial no Decreto de Abertura dos Portos às Nações Amigas de 1808, o que
de fato é a derrocada do sistema pactual da colônia com sua metrópole. Isto, a longo
prazo, levaria às inevitáveis turbulências políticas que resultaram no processo de
independência: “No Brasil, um desenvolvimento linear e irreversível marca a passagem
do sistema anterior para o dos direitos preferenciais e a consolidação deste último: a carta
régia desfecha o golpe mortal no monopólio.” (RICUPERO, 2008, p. 18).
A desvinculação entre colônia e metrópole fará com que a primeira passe a seguir
seus próprios rumos político-econômicos. O pensamento do período imperial e aqui se
inclui a fase regencial do mesmo seguirá os ditames do curto período de poder de Dom
João VI. O foco de ação política dos governantes será a unidade de centralização do poder
da nobreza e a continuidade do incentivo econômico a produtos de origem agropecuária
ou de extração natural haverá a transferência do ciclo da cana-de-açúcar pelo período
cafeeiro, e no minguar das remanescentes jazidas de ouro a atenção se voltará à extração
da borracha na floresta amazônica (PRADO JÚNIOR, 2006).
Apesar da concessão de liberdade produtiva de itens manufaturados fornecida em
1810, em nenhum momento o foco dos mandatários imperiais e nem dos representantes
agropastoris será o desenvolvimento técnico de ordem industrial que já se espalhava por
outros países para além das ilhas britânicas, como Itália, França, Japão e Estados Unidos
(HOLANDA, 1969; RICUPERO, 2008).
Mantendo então o seu foco produtivo no setor primário, o Brasil caminhava para
seu próprio curso histórico apartado de Portugal. No entanto, entrará em cena o processo
de independência brasileiro, implicando alterações e especificidades produtivas a partir
desse momento. Em termos gerais, é possível entrelaçar alguns fatores que delinearam tal
acontecimento. desde 1799 o então príncipe regente D. João Maria de Bragança recebia
pressão por parte da corte portuguesa para assumir o lugar de sua mãe, D. Maria,
principalmente após sua coroação em 1816. A fuga para o Brasil corroborou o aumento
da divisão entre apoiadores e detratores da equalização entre a colônia e a metrópole
(BRASIL, 2008).
A Revolução do Porto de 1820 foi o ponto limite onde o rei português retornou
para a Europa. Por fim, por motivo da grande pressão da aristocracia brasileira
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principalmente aquela localizada nos estados de Rio de Janeiro e São Paulo para que
houvesse o desligamento do país de Portugal e que fosse proclamada a independência, tal
fato acaba por se concretizar em 7 de setembro de 1822, sendo então D. Pedro I nominado
em 12 de outubro de 1822 Imperador do Brasil (BRASIL, 2008; HOLANDA, 1969;
RICUPERO, 2008). Este fato foi uma das tentativas brasileiras de entrar no ritmo da
história, tornando-se independente e procurando se alinhar aos discursos libertários das
revoluções burguesas do final do século XVIII. Tal pretensão não se consumaria durante
todo o século XIX, como ressalta Ianni (2004): “Em 1822 o Brasil não conseguiu entrar
no ritmo da história.” (IANNI, 2004, p. 13).
Esta breve recapitulação histórica se faz necessária para que possamos nos
localizar em relação à importância deste fato ao Brasil. Esta peculiaridade deve-se à
imediata condição de litígio e situações belicosas passadas pelo novo Imperador logo após
sua proclamação de independência (CASTRO, 2005; MORAES, 2005; MORAIS, 2004).
Também foram designadas diversas condições monetárias para que a apartação se
finalizasse, houve pontos de resistência à independência no Nordeste e, além disso, era
preciso levar a notícia da nova condição política aos quatro cantos do país. A Inglaterra
aparece neste momento como principal financiadora do processo de independência do
Brasil, fomentando os custos e apoio bélico ao novo imperador. E esta dependência numa
“troca” de uma metrópole direta (a portuguesa) para uma indireta, representada pelos
ingleses, é um dos principais pontos de atenção deste período:
Nenhuma nação se emancipa comprando a sua independência a peso de ouro,
e nem o seu governo é cedido em legado, como aconteceu no Brasil, e por este
fato pode-se chamar a D. Pedro I, fundador do Império, que a Nação o comprou
“ignominiosamente” por 2 milhões de libras esterlinas!? (MORAIS, 2004, p.
304).
No mais, cabe lembrarmos que o citado princípio de territorialização (BASTOS,
2008, CASTRO, 2005) se fez presente nos primeiros anos do Brasil independente. Os
conflitos armados foram comuns e numerosos: “O reinado de D. Pedro I foi de lutas, de
calamidades, de dissipações e de desatinos. A corrupção governamental e a dissipação
das rendas públicas, e servilismo, foram inaugurados neste reinado.” (MORAIS, 2004, p.
307). Podemos citar como exemplos destes conflitos: A Confederação do Equador (1823-
1824), A Guerra da Cisplatina (1825-1828) e a Revolta dos Mercenários (1828).
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A disputa pelo poder e os interstícios políticos pela legitimação, jurisprudência e
exercício deste poder no período imperial no Brasil foram fatos perenes até a coroação de
Pedro de Alcântara, primogênito de D. Pedro I, como segundo imperador. Os conflitos
continuaram na regência e no decorrer da segunda metade do século XIX.
Conforme nos lembram Prado Júnior (2006), Ricupero (2008) e Holanda (1969;
1984), entre a independência e as primeiras cadas do segundo império tivemos talvez
o período politicamente mais instável da história do Brasil; conflitos estouravam em toda
a extensão do território por motivos que variavam da reivindicação de independência
separatista, como a Guerra dos Farrapos, no Rio Grande do Sul (1835-1845), por
afirmação religiosa, como no caso da Revolta dos Malês, na Bahia (1835), ou
contrariedade às condições sociais de trabalho do operariado das lavouras cafeeiras na
Fazenda de Ibicaba, em São Paulo (1857).
Na bandeira imperial do Brasil podemos observar um esboço do que viria a ser a
nossa atual representação heráldica republicana. Um dado interessante sobre tal
representação é que a raiz de suas cores estava ligada principalmente à ascendência das
famílias reais de D. Pedro I
3
, característica esta mantida no modelo republicano
contemporâneo. No entanto, com a continuidade das formas geométricas e cores até a
atual bandeira nacional, tais cores com o acréscimo do azul acabaram por tomar um
significado popular de ligação com as características naturais do Brasil, verde com as
florestas, o amarelo com o ouro e o azul com o céu, com a adição das estrelas e
constelações do céu.
O Império brasileiro teve duração de mais de oito décadas (1822-1889), e durante
este período houve fatos e situações históricas que nos possibilitam homogeneizá-lo
enquanto continuidade dos ditames sociais, econômicos e políticos da fase precedente, ou
seja, centralização do poder político, economia baseada na produção agrícola, forte
3
“A simbologia desta bandeira se fundamenta nas cores escolhidas e proclamadas pelo próprio D. Pedro I,
o verde e o amarelo, “a riqueza e a primavera eterna do Brasil.” A cor verde estava desde o tempo da
Revolução Portuguesa de 1640 na história lusa, marcando o início da dinastia de Bragança da qual Pedro
de Alcântara era herdeiro; o amarelo deveu-se à Casa de Habsburgo-Lorena, família imperial da Áustria,
através de D. Maria Leopoldina, esposa de D. Pedro I e filha do Imperador Francisco II. Convém citar que
a forma de losango, desde o tempo de D. João I de Portugal, estava ligada às Armas das Damas, pois este
formato era utilizado como suporte dos brasões femininos; o escudo com esta configuração era chamado
de escudo feminino.” (SEYSSEL, 2006, p. 87).
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influência cultural europeia especialmente os cenários artísticos inglês e francês e
insurgências sociais contrárias aos imperadores (D. Pedro I e D. Pedro II) ao longo de
suas figurações à frente do comando governamental no Brasil. A diferenciação principal
entre os dois períodos serão as implementações tecnológicas a partir de meados do século
XIX, como as ferrovias e os telégrafos (BRASIL, 2008; FURTADO, 1991).
Dos fatos mais notáveis passíveis de análise na segunda fase do período imperial
brasileiro podemos destacar também o grande desenvolvimento rural no sudeste, isto na
segunda metade do século XIX por meio da instauração da produção cafeeira com suas
altas taxas de importação, assim como o declínio do regime escravocrata, em parte devido
à pressão internacional, onde o cenário era de superação do uso da mão-de-obra
escrava. Internamente, houve importantes iniciativas provindas da parcela letrada da
população apresentando posicionamento contrário ao modo de produção escravista
vigente no país havia quase quatro séculos, sendo inclusive o último país americano
independente a conceder liberdade aos seus escravos. Sobre o avanço da produção
agrícola no período imperial temos que:
Dois fatos (aliás, intimamente relacionados) a constituem; um de natureza
geográfica: é o deslocamento da primazia econômica das velhas regiões
agrícolas do Norte para as mais recentes do Centro-Sul (o Rio de Janeiro e
partes limítrofes de Minas Gerais e São Paulo). Outro é a decadência das
lavouras tradicionais do Brasil da cana-de-açúcar, do algodão, do tabaco , e
o desenvolvimento paralelo e considerável da produção de um gênero até então
de pequena importância: o café, que acabará por figurar quase isolado na
balança econômica brasileira. (PRADO JÚNIOR, 2006, p. 157).
Em contraposição à dinamização econômica necessária e urgente, por conta da
decadência dos antigos produtos comercializados no Brasil, havia o posicionamento
mantenedor por parte de D. Pedro II de sua condição totalitária frente aos assuntos
políticos do império (BRASIL, 2008; HOLANDA, 1969; MORAIS, 2004). Apesar de
haver-se instaurado em 1847 o regime parlamentarista, havia desde a Carta Magna de
1824 a presença do Poder Moderador, colocado acima da tríade jurídica formada pelo
Legislativo, Judiciário e Executivo, e garantidor de toda a potência ordenatória dos
mandos e desmandos do monarca brasileiro.
A defesa do centralismo do Poder Moderador era aquiescida veementemente por
José de Bonifácio, um dos preceptores de D. Pedro II, e importantes autores, como José
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de Alencar (1997) em seu Systema Representativo de 1868, reiteravam a importância da
neutralidade do Poder Moderador acima dos outros poderes (BRASIL, 2008). Em
contrariedade a este centralismo havia a Escola de Recife, da qual fizeram parte nomes
como Capistrano de Abreu (1853-1927), Graça Aranha (1868-1931) e Silvio Romero
(1851-1914), tendo como um de seus expoentes Tobias Barreto (1839-1889); outro
importante fomentador de ideais republicanos foi Tavares Bastos (1997), como se nota
em sua obra de 1870, A Província, quando declama: “Longe vão esses tempos belicosos
em que fora a unidade garantia da independência, condição da força e grandeza. Una e
indivisível parecia então dever ser a própria república.” (BASTOS, 1997, p. 31).
O período do segundo Império nos apresenta uma gama considerável de
importantes elementos, políticos e econômicos, que juntos fornecem o núcleo necessário
para uma análise a respeito da maneira como o pensamento da época se comportava em
relação ao Brasil. De um lado a manutenção da grandeza edênica, agora
desconfigurada de seu romantismo e vista como obstáculo hostil frente à corrida pelo
progresso; e do outro a imposição centralizadora da cultura aristocrática na figura do
imperador em postura de obsessão pelo ingresso do Brasil no plantel dos principais países
do cenário mundial do século XIX:
O país parece enveredar pelo caminho da ruptura. E quanto mais as coisas se
fragmentam, mais a elite brasileira, bem como o sistema político no seu todo,
parecem tomados por uma exasperação que Bosi chama de “obsessão do
descompasso”, aquela que mede a distância entre Brasil e as sociedades
capitalistas avançadas. Tal obsessão domina a mente de economistas, políticos,
homens de mídia, empresários e professores universitários, expressando-se
como a síndrome da modernização. A modernização é necessária, urgente e
crucial; numa palavra: a salvação. (SANTOS, 1998, p. 23, grifo do autor).
Juntamente com a obsessão modernizadora, o ufanismo edênico perpetuado pelos
românticos renova-se, fortalecendo os objetivos de dominação e conquista presentes no
naturalismo da época. Nas palavras de Afonso Celso em seu livro Porque me ufano do
meu país de 1881: “Devem ter ufania os filhos de uma terra assim dotada. O belo é a fonte
essencial do amor. Amemos apaixonadamente o Brasil, pelas suas lindezas sem par. A
riqueza do Brasil é proporcional à sua extensão e à beleza: extraordinária.” (CELSO,
1997, p. 62-63).
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ARAÚJO, Gilvan Charles Cerqueira de. Edenismo territorial, anacronismo técnico e a idealização do progresso no Brasil imperial.
Revista Ensaios de Geografia. Niterói, vol. 7, nº 14, pp. 122-146, maio-agosto de 2021.
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Ainda segundo o próprio autor, sobrevinha à necessidade do ufanismo a
disposição divina de nosso destino: “Somos filhos de um bondoso, sadio, robusto colosso.
Refere a Bíblia que Saul foi proclamado rei, por ser mais alto que todo o seu povo do
ombro para cima.(CELSO, 1997, p. 31). Também vemos tal sublimação hiperbólica em
Maria Graham em seus diários datados de 1824: “Se o embaixador de Nápoles que disse
a Jorge III que a lua de seu país valia o sol da Inglaterra tivesse estado no Brasil, eu quase
poderia perdoar a hipérbole.” (GRAHAM, 1990, p. 237). E o mesmo discurso de surpresa
existe em Louis Agassiz (2000), em 1868, quando este relata incrédulo a grandeza dos
rios amazônicos em suas profundidades colossais.
A questão do desenvolvimento técnico e tecnológico e o edenismo territorial
brasileiro
No pensamento da segunda metade do século XIX haverá a influência de
movimentos literários e de viés filosófico fortemente influenciados pela harmonização do
ser humano para com seus iguais e com o ambiente em que vive, com destaque ao grupo
formado pelos socialistas utópicos de Charles Fourier (1772-1837) Saint-Simon (1760-
1825), Louis Blanc (1811-1882) e Robert Owen (1771-1858). outras obras
paradigmáticas deste período, como Moby Dick (1851), de Herman Melville, e Caninos
Brancos (1910), de Jack London, que nos ajudam a compreender este panorama de
reverência sublime à natureza, ao mesmo tempo em que são externados os desejos de
domínio frente a tal hostilidade selvagem. No primeiro caso o embate pela vida,
enquanto no segundo o ato de domação do ser selvagem. Nas palavras de Eagleton
(2005), consuma-se a ideia de civilizar a criatura hostil; são diferentes pontos de vista em
relação ao embate entre o homem e a fera, uma herança romântica entre o sublime e o
monstruoso (CITELLI, 2004).
A questão colocada é: de que maneira é possível observarmos esta contraposição
entre o dantes romântico para o agora realista e naturalista posicionamento frente às
riquezas do Brasil? E a resposta a tal questionamento será a ciência, ou seja, o
conhecimento e a técnica, a construção prática da instrumentação tecnológica necessária
para se fazer real o sonho da conquista e a concretização do domínio dos desafios da
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natureza frente à vontade e razão humana: “Em geral, dentro da nossa cultura, a Ciência
é responsável pelo desenvolvimento e manutenção dos conhecimentos sobre a natureza e
a vida, suas leis e sua lógica, e a Tecnologia cuida de seus usos.” (VIDAL, 1988, p. 71).
O fator técnico será o diferencial. Era preciso dinamizar o território, propiciar condições
para que o desenvolvimento da economia se transformasse, pois os períodos de glória da
extração aurífera há muito haviam se esgotado e a concorrência na produção da cana-de-
açúcar com as Antilhas era um fato inegável (ANTUNES, 1975; MORAES, 2005).
Analisemos, portanto, a profundidade conceitual e histórica de algumas nuanças
terminológicas da técnica. Assim chegar-seno seu papel de transformação do espaço
geográfico e, no que tange especificamente ao Brasil imperial, seo centro motriz de
toda uma forma de pensar, pois sua existência, especificidade e desenvoltura será a
condição necessária para a execução do domínio espacial do território brasileiro.
A técnica é, portanto, o meio pelo qual a transformação do mundo se torna
possível. O entendimento da técnica como abstração, concreção e processo, por seu papel
incisivo na produção do espaço e no decurso da história é marcante. O que se verifica é a
objetivação do pensamento e da vontade por meio do domínio técnico fomentado pelo
conhecimento científico e tecnológico: “En sentido amplio, deve entenderse por técnica
toda práctica que se torna posible mediante la objetivación teórica del ente. Lo que
llamamos tecnificación presupone siempre la reducción de mero objeto llevada a cabo
por la ciencia natural exacta con el ente.” (MEYER, 1966, p. 192). E ainda sobre a técnica
em seu processo de avanço pelo conhecimento científico temos que: “A tecnologia
necessita da ciência, a qual constantemente a alimenta. Aquela é de maior abrangência
política, enquanto a Ciência é principalmente de natureza cultural e tem no meio
acadêmico o seu albergue natural.” (VIDAL, 1988, p. 71).
Transpondo tais colocações para o campo do pensamento geográfico é possível
restringirmos o papel da técnica, da tecnologia e do pensamento científico como
viabilizador do encurtamento das distâncias na aceleração do tempo de circulação de
pessoas, mercadorias e informações:
O avanço tecnológico também minimiza o papel da distância nas interações
espaciais. É isto que, sistematicamente, tem ocorrido de modo crescente a
partir da Revolução Industrial, viabilizando interações mais rápidas e mais
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eficientes, envolvendo cada vez mais maiores volumes de mercadorias a
distâncias maiores em menor tempo e custo. (CORRÊA, 1997, p. 302).
A procura pelo avanço técnico visava o aumento da comunicabilidade entre os
diferentes pontos do território brasileiro. Conforme nos lembra Moraes (1999), era
preciso interligar as “ilhas” populacionais espalhadas pelo Brasil. Milton Santos (1996)
chamará esta dinâmica interacionista de relação entre os fixos e os fluxos, que significa a
localização dos pontos produtores e exportadores, além das localidades urbanas em
concomitância com as vias de acesso entre estes pontos, por rodovias, ferrovias e
hidrovias:
As técnicas participam na produção da percepção do espaço, e também da
percepção do tempo, tanto por sua existência física, que marca as sensações
diante da velocidade, como pelo seu imaginário. Esse imaginário tem uma forte
base empírica. O espaço se impõe através das condições que ele oferece para a
produção, para a circulação, para a residência, para a comunicação, para o
exercício da política, para o exercício das crenças, para o lazer e como
condição de “viver bem”. Como meio operacional, presta-se a uma avaliação
objetiva e como meio percebido está subordinado a uma avaliação subjetiva.
Mas o mesmo espaço pode ser visto como o terreno das operações individuais
e coletivas, ou como realidade percebida. Na realidade, o que há são invasões
recíprocas entre o operacional e o percebido. Ambos têm a técnica como
origem e por essa via nossa avaliação acaba por ser uma síntese entre o objetivo
e o subjetivo. (SANTOS, 1996, p. 55).
A presença das ilhas populacionais era o sinal latente do anacronismo brasileiro,
principalmente no que dizia respeito à interligação de seu imenso território (MAGNOLI,
1997). O atraso técnico era uma realidade no Brasil imperial, registrada nas crônicas dos
viajantes e sentida em cada núcleo urbano ou lavoura: “[...] em tudo que usamos
ferramentas são empregadas aqui as mãos nuas dos negros” (GRAHAN, 1990, p. 237). O
mais importante é que o incentivo às expedições científicas partia do próprio imperador.
Em face de sua participação na Exposição Científica Universal, na Filadélfia em 1876,
sobre os aspectos naturais e sociais, D. Pedro II via nitidamente a questão deste atraso no
qual o Brasil se encontrava e a necessidade de superação desta imagem frente aos norte-
americanos, em processo de industrialização, e aos europeus. Um dos seus objetivos,
portanto, era:
Retirar a imagem de “reino distante e selvagem” e instaurar definitivamente o
país entre as nações civilizadas e modernas. O fato de ser uma monarquia
escravocrata, tropical e mestiça impedia isso. Nas várias participações
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brasileiras nessas feiras o que se ressaltou foram os aspectos exóticos e agrários
do país, nunca seus aspectos “modernos”. (BASTOS, 2008, p. 48-49).
Trazendo as experiências internacionais pautadas pelas mais recentes correntes de
pensamento da época, como o positivismo, o evolucionismo e o determinismo ambiental,
D. Pedro II tentará instaurar alguns destes avanços no Império. Em outros termos,
verifica-se um intenso processo de territorialização a partir do argumento e ação da
presença da técnica nos processos produtivos ou interesses específicos, sempre alinhados
ao contexto político e econômico. No caso brasileiro a simbologia desta modernidade
técnica será representada pela chegada e expansão das linhas férreas, já interiorizadas no
projeto econômico nacional de intensificação da produção cafeeira, como novo foco
produtivo do país.
O projeto de desenvolvimento técnico e tecnológico em meio ao processo de
ocupação e formação territorial do Brasil imperial
A secularização do domínio humano dos recursos naturais tomava nova
roupagem na contextualização político-econômica do prosseguimento do processo
industrial ao redor do mundo, e nesta trilha histórica o Brasil se mostrava em posição
inercial lembremos que houve uma tentativa pretérita de trazer tais ideias com o
Marquês de Pombal, no século XVII, mas que foi prontamente anulada pela retomada do
poder central português da época portanto: “O sistema visado pelo esclarecimento é a
forma de conhecimento que lida melhor com os fatos e mais eficazmente apoia o sujeito
na dominação da natureza”. (ADORNO; HORKHEIMER, 1985, p. 72).
Estas teorias científicas e filosóficas eram as herdeiras do esclarecimento e da ode
à racionalidade científica do século XVIII. Durante a modernidade, e seguindo à risca tais
diretrizes era preciso trazê-la ao Brasil e assim assumir de fato o domínio territorial do
império que representava:
Se o modernismo significava, entre outras coisas, a sujeição do espaço a
propósitos humanos, a ordenação e o controle racionais do espaço como parte
integrante de uma cultura moderna fundada na racionalidade e na técnica, e na
supressão de barreiras espaciais e da diferença, tinham de ser fundidos com
alguma espécie de projeto histórico. (HARVEY, 1992, p. 254).
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O projeto histórico do Brasil era a ideia de domínio e expansão do conhecimento
sobre seu território, pensamento este que vigorava na segunda metade do século XIX
com algumas das principais teorias geopolíticas germânicas e anglo-saxãs (CARVALHO,
2003) que influenciaram a Geografia brasileira da época. Esta influência da geopolítica
germânica é extensível ao Brasil “[...] notadamente onde a dimensão espacial parece jogar
importante papel nas formas de legitimação do poder estatal.” (MORAES, 2005, p. 109),
pois, conforme exposto, a manutenção do Poder Moderador tinha como predisposição a
necessidade de um centralismo de D. Pedro II, viabilizado pelo aumento das vias de
acesso, comunicação e circulação do império. Ou seja, o território como sinônimo de da
força do Estado
4
, unidade matriz do pensamento político, estratégico e geográfico da
segunda metade do século XIX:
Em sua origem, ao contrário da atualidade, a geografia política se colocou o
compromisso de compreender o modo pelo qual a política era influenciada pela
geografia. No final do século XIX, quando da sua institucionalização como
ramo da geografia, a geografia política procurou na natureza o marco teórico
para explicação da vida política. A tradição do determinismo da natureza na
disciplina foi, na realidade, um prolongamento de uma velha preocupação dos
filósofos, entre eles Montesquieu, sobre a possibilidade de explicar a fluidez
da vida política com argumentos fundados em fatores estáveis, quase imóveis,
como meio físico. Por muitas décadas tentou-se mostrar como a distribuição
dos continentes e oceanos, cadeias de montanhas, rios, climas e outras
características da superfície da Terra afetavam o modo pelo qual a humanidade
dividia o mundo em Estados e Impérios e como estas unidades competiam
entre si por poder e influência. (CASTRO, 2005, p. 18-19).
O aumento do controle do território para o seu fortalecimento se fez então por esta
busca pela técnica enquanto chave deste objetivo. Segundo Santos (1996), Moraes (2005)
e Sodré (1984) este é o efeito da produção e organização do espaço, sua modulação de
acordo com os interesses dominantes e preponderantes da sociedade que o habita e que o
transforma, na construção dos objetos (fixos) das vias de circulação (os fluxos) e na
4
Nas palavras de Shiguenoli Miyamoto: “O determinismo esteve presente em todas as suas colocações. O
espaço e a posição noções retiradas de Ratzel ocuparam lugar importante para entender a equação geral
do Brasil”. Esta visão era a base da geopolítica da época, calcada segundo o autor no controle e manipulação
do solo, do clima e do homem. Estes eram os fundamentos ideários fomentadores e sustentadores de toda
a ação política no Brasil durante os períodos colonial e imperial: “Na ótica geopolítica, a história brasileira
se caracterizou, todo o tempo, por ser expansionista, ora pela política colonial das entradas e bandeiras, ora
pela ocupação de territórios no período imperial, com posterior negociação na República, quando
praticamente todos os problemas fronteiriços do Brasil foram solucionados.” (MIYAMOTO, 1995, p. 53,
grifo do autor).
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produção de ideias (as ações, ideologias, e formas de pensamento). Portanto,
geograficamente:
[...] esse domínio surge justamente da singularidade do homem em eficazmente
tornar elementos da natureza extensões de si mesmo. Assim ele projeta nas
coisas naturais, que lhe são exteriores, suas necessidades interiores. E assim
ele constrói a sua humanidade. E concomitantemente constrói marcas, artefatos
que se estendem ao seu redor, cumprindo funções. Esses objetos
concretizadores e plenos de intencionalidade humanas formam os lugares. São
geografias. Extensos humanos. (SANTOS, 1986, p. 28).
É importante frisarmos um alerta sobre a questão do discurso, do poder e do
entendimento de geopolítica. Isto significa dizer que o conhecimento geográfico
produzido em um determinado período da história não estará alheio às influências da
forma de pensar desta época. Tal posicionamento é partilhado por Castro quando diz que:
Para além do debate sobre o determinismo na geografia, é impossível ignorar
que o conhecimento produzido por qualquer disciplina certamente poderá ser
apropriado e utilizado pelo poder por qualquer poder. Neste sentido, é
importante reconhecer os limites ideológicos do debate em torno dos modos
de apropriação do conhecimento geográfico pelos poderes instituídos e não
confundir a geografia, ciência que se propõe dar a conhecer o espaço da
humanidade, com os geógrafos e seus interesses como atores intelectuais,
sociais e muitas vezes políticos. (CASTRO, 2005, p. 66).
Tendo como pressuposto esta cautela interpretativa dos discursos históricos e seus
fundamentos ideológicos, podemos observar claramente a concreticidade da assimilação
das ideias da época por parte de D. Pedro II, pois a visibilidade do quadro retrógrado do
Brasil em comparação com o restante do mundo se mostrava cada vez mais gritante.
Apesar de manter os sinais do tempo pretérito do padrão econômico do país,
principalmente por meio da manutenção do regime escravocrata, o imperador trará estas
novidades técnicas ao Brasil, como, por exemplo, o telégrafo, as linhas férreas e o
incentivo à instalação de manufaturas. Vejamos algumas das principais ações do
imperador para com o aumento dos meios de circulação do território brasileiro:
O aparelhamento técnico se desenvolvera bastante. As estradas de ferro, cujo
estabelecimento data de 1852, somavam cerca de 9.000 km de linhas de
tráfego, e outros 1.500 em construção. A navegação a vapor se estendera
largamente, e além das linhas internacionais, articulava todo o longo litoral
brasileiro desde o Pará até o Rio Grande do Sul […]. Esta navegação somava
ao redor de 50.000 km de linhas em tráfego regular. (PRADO JÚNIOR, 2006,
p. 196).
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Estas ações efetuadas por D. Pedro II tinham por objetivo um alinhamento
desigual (MAGNOLI, 1997; MORAES, 1986). De um lado havia um país escravista,
atrasado em seu sistema econômico integralmente rural e fortemente marcado pela
dispersão regional de lideranças aristocráticas que dominavam o cenário político. Do
outro começa a haver uma clara pressão pela ordenação progressista da economia, no
patamar historicamente ruralista e escravagista, de modo a ser alcançado o
desenvolvimento técnico ocorrido desde a Revolução Industrial inglesa no século XVIII:
“O progresso quantitativo da cultura cafeeira no Brasil não foi, contudo, acompanhado
de igual progresso qualitativo. Continuarão sendo empregados, mais ou menos, os
mesmos processos agrícolas rudimentares do passado.(PRADO JÚNIOR, 2006. p. 227).
Estes processos agrícolas estavam interligados, de forma que o auge e queda de
ambos foi concomitante onde houve a presença do café como ponto de produção e
importância econômica no Brasil, principalmente na região Sudeste. Além de a produção
cafeeira ter trazido ao Brasil as ferrovias, houve outro fato importante na segunda metade
do século XIX, conforme aponta Scarlato:
O café e a ferrovia foram, por sua vez, importantes fatores de criação de
cidades no Sudeste brasileiro. [...] Deve-se ressaltar que, se a economia e a
política criaram os estímulos para a fundação dessas cidades, o sítio e a
situação definiram o lugar para sua implantação e crescimento. As condições
favoráveis do relevo, os bons solos e o clima, juntamente com os sistemas de
transportes, definiram aqueles lugares. (SCARLATO, 2005, p. 423).
Por isso, concomitante ao grande incremento econômico trazido pela produção do
café foi a fundação de diversas cidades no interior dos estados beneficiados pela produção
cafeeira, no caso São Paulo, Paraná e Rio de Janeiro, formando novas lideranças, e dando
início a uma nova dinâmica de produção espacial desvinculada dos centros urbanos
litorâneos e destoados também das obsoletas municipalidades localizadas nas Minas
Gerais (SCARLATO, 2005). Sobre a importância da produção do café para estas regiões,
inclusive dando os indícios de onde se iniciaria o futuro processo de industrialização
do país, Hildete Pereira Melo (2008) reitera a respeito da produção cafeeira:
O café vai caminhando para o interior do país. O deslocamento da fronteira de
expansão do café a partir do Vale do Paraíba seguiu duas direções, uma para
as terras roxas do Oeste Paulista e a outra caminhou nas terras fluminenses no
sentido do Norte em direção a Minas Gerais e o Espírito Santo. Até a Abolição
da Escravatura (1888) a Zona Rio tinha a hegemonia nacional como porto
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exportador de café. Na segunda metade do século XIX o café iria provocar
uma profunda revolução econômica em São Paulo, transformando-a na mais
opulenta região do País. (MELO, 2008, p. 53).
A produção do café no Brasil também representava em certa medida a vitória de
alguns importantes incentivadores desta produtividade, como o Barão de Mauá (1813-
1889), que em 1854 inauguraria a primeira ferrovia brasileira, a Imperial Companhia de
Navegação a Vapor e Estrada de Ferro de Petrópolis
5
. Também podemos citar a figura de
Teófilo Benedito Ottoni (1807-1869), importante empresário fluminense que incentivava
desde a criação de empreendimentos empresariais e industriais no Brasil até a introdução
de um espécime vegetal de difícil adaptação às hostilidades de uma terra tropical.
É evidente que apesar de ter uma distribuição territorial concentrada nos estados
de Rio de Janeiro, São Paulo, e regiões sul de Minas Gerais e Espírito Santo, a produção
do café, assim como antes fora a exploração do ouro, carregará consigo toda uma
dinâmica de ações no espaço que circundava os seus centros de produção, distribuição e
consumo, como também a totalidade do Brasil a distribuição das ferrovias ainda
influenciou muitas das rotas rodoviárias dos dias atuais nesta região.
Interessante ressaltar que o capital agenciado pelos produtores de café alcançou
tamanho patamar que menos de duas décadas após a derrocada dos grandes produtores
deste gênero agrícola (entre 1940-1960), muitos destes antigos barões se tornaram os
incentivadores, investidores ou proprietários das primeiras empresas representantes do
que viria a ser o início do processo de industrialização do Brasil.
E isto sem contar é claro a herança das diversas cidades situadas ao longo da
passagem das vias férreas responsáveis pelo carregamento da produção cafeeira, um
sistema citadino visível ainda hoje ao longo da originária trilha do café na região. Nas
5
No livro “A Carne” Júlio Ribeiro pela voz de Manuel nos apresenta um rico relato deste período, neste
caso em relação à ferrovia Santos-São Paulo, e seu funcionamento funicular: “Divide-se a subida da serra
em quatro planos uniformes de dois quilômetros cada um. Para a tração, empregou-se um sistema adotado
em algumas minas de carvão da Inglaterra. Máquinas fixas de grande força recolhem e soltam um cabo
fortíssimo, feito de fios de aço retorcidos. Presos as duas pontas desse cabo giram dois trens: um sobe, outro
desce. A agulha de um odômetro indica com exatidão matemática o lugar do plano em que se acham os
trens, indica o momento de encontro de ambos eles. Um brake de força extraordinária permite suspender-
se a marcha quase instantaneamente, e um aparelho elétrico põe os trens em comunicação imediata com as
respectivas máquinas fixas. O cabo, resfriado ao sair por um filete de água, corre sobre roldanas que se
revolvem vertiginosas, com um ruído monótono, metálico, por vezes forte, por vezes muito suave.
(RIBEIRO, 1972, p. 100).
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trilhas e trilhos do café havia o desenvolvimento daqueles que estavam envolvidos com
a produção cafeeira, tanto em sua importância interna como externa, para a exportação.
Mesmo com a chegada das primeiras ferrovias nas zonas cafeeiras tal cenário não
se alterou significativamente. Este desequilíbrio era o desnível entre o tempo histórico e
o tempo real, ou seja, o período da segunda metade do século XIX era o da mudança dos
modais de transporte e combustível em todo o mundo as ferrovias, o vapor, os primeiros
motores de combustão, e a telegrafia enquanto na vida cotidiana dos brasileiros tais
avanços eram quase inexistentes
Algumas décadas depois do Império, tal opinião a respeito da desigualdade
temporal e material ainda perdurava: “O Brasil avançava materialmente, aproveitava-se
dos benefícios da civilização, mas, no plano da cultura, não renunciava ao passado.”
(BRITO, 1971, p. 32). O trabalho escravo, a precariedade dos engenhos, a insalubridade
dos centros urbanos, a extrema dependência do financiamento monetário anglo-saxão e a
manutenção de uma economia primordialmente monocultora (o café) eram o espelho de
tal situação do Brasil no século XIX
6
.
Apesar de seguir claramente os ditames da demanda produtiva do sistema
capitalista industrial da época o caso brasileiro enquadrado no grupo dos países
exportadores de matérias-primas às potências europeias , em certo sentido houve um
considerável aumento do aparato técnico disponível na época para a ligação destes pontos,
concretizando a interação espacial entre as principais cidades do litoral com os vastos
interiores, todos interligados de alguma maneira à ordem econômica internacional:
As interações espaciais contextualizadas e tornadas inteligíveis na sociedade
capitalista a partir do desvendamento da dimensão espacial do ciclo de
reprodução do capital, apresentam padrões distintos no espaço e no tempo. Em
outras palavras, os diferentes fluxos que articulam os fixos socialmente criados
são caracterizados por lógicas que lhes conferem regularidades espaço-
temporais que se reportam à organização social e a seu desigual movimento de
transformação. (CORRÊA, 1997, p. 285).
6
“[...] ao fim do século XIX o Brasil ainda parecia viver no fim do século XVIII. As estruturas jurídico-
políticas e sociais tornaram-se cada vez mais pesadas. Revelaram-se heranças carregadas de anacronismo.
Eram evidentes os sinais de uma mentalidade formada nos tempos do colonialismo português. A relação
dos setores dominantes e do próprio governo com a sociedade guardava os traços do colonialismo.”
(IANNI, 2004, p. 19).
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A despeito deste certo alinhamento internacional, estas transformações espaciais
dos países latino-americanos carregavam em sua sombra o espectro das fábulas e mitos
europeus datados da época colonial. De terra prometida passava-se para um conceito de
vir-a-ser, uma perseguição ao futuro, daí advém a queda ao discurso da busca pelo
progresso, da ocupação necessária do território hostil e selvagem, do fazer valer para si e
aos outros o real valor da grandeza dos países abaixo da linha do equador de colonização
ibérica:
Quando os latino-americanos despertam (no século XIX) para a consciência
nacional, não encontram pronta uma base mítica que lhes servirá para tentar
reivindicar como próprio, o passado, para tentar desculpar ou mascarar o
fracasso relativo da América Latina, filha do Bom Selvagem, esposa do Bom
Revolucionário, mãe predestinada do Homem Novo.” (RANGEL, 1981, p.
29).
Outras nuanças discursivas, ideológicas e históricas são passíveis de análise
quando o olhar se volta ao período destacado, o século XIX e suas transições de
pensamento e complexidade historiográfica no que dizia respeito ao processo de
formação territorial, das fronteiras internas e ao edenismo secular que acompanhava as
visões em relação ao território brasileiro.
Com isto, a escolha pela especificidade do cenário imperial brasileiro justifica-se
como amplo campo de discussão de diferentes embates temáticos da época, o
anacronismo e o progresso, o conservadorismo burguês, o radicalismo naturalista, etc. Há
obras importantes que marcaram a passagem do ideário idealista romântico para uma
postura de maior crítica da sociedade da época como Memórias Póstumas de Brás Cubas
(1881) e Quicas Borba (1891), ambas de Machado de Assis, no Brasil, o pioneiro
Madame Bovary (1856), de Gustave Flaubert, e as obras inflamadas pelo realismo de
derrocada da belle époque, como A Carne (1888), de Júlio Ribeiro e O Cortiço (1890),
de Aluísio de Azevedo (CANDIDO, 1989).
Nas obras supracitadas há a permanência do ufanismo edênico como afirmação
nacional na terceira geração romântica, que apesar de pessimista dava continuidade ao
espírito romanesco do século XIX, mas a visão realista começava a tomar conta da
produção literária da época, como reflexo do cenário econômico e político do país.
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AO CITAR ESTE TRABALHO, UTILIZAR A SEGUINTE REFERÊNCIA:
ARAÚJO, Gilvan Charles Cerqueira de. Edenismo territorial, anacronismo técnico e a idealização do progresso no Brasil imperial.
Revista Ensaios de Geografia. Niterói, vol. 7, nº 14, pp. 122-146, maio-agosto de 2021.
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Neste sentido de renovação do sublime romântico pela racionalidade realista e
naturalista, os relatórios faunísticos, florísticos, hidrológicos e geológicos dos viajantes
davam outro teor ao edenismo, agora pautado na mensuração da real grandeza do Brasil,
até mesmo para servir de suprimento teórico às instalações técnicas almejadas pelos
governantes. Para além da aclamação mística, era preciso dar vigor técnico na
aplicabilidade dos objetivos de dominação de toda a riqueza disponível:
É preciso considerar, particularmente nas nações recém-independentes, o fato
que exaltar a natureza passou a ser sinônimo de afirmação nacional; de certo
modo, o romântico confundiu os conceitos de terra e nação, a dimensão física
e a dimensão política. Se a terra era boa, a nação também teria que ser. Por
isso, aquilo que possuía uma dimensão vegetal ganhou eficácia ideológica. As
florestas viraram símbolos de uma virtualidade: o Brasil, por exemplo, poderia
vir a ser, com a majestade de sua natureza, uma espécie de paraíso do futuro.
(CITELLI, 2004, p. 79).
Tanto no movimento romântico como no realista haverá também uma nova maneira
de encarar a situação escravagista do Brasil. Dentro destes posicionamentos realistas anti-
metafísicos, o positivismo sem dúvida foi o mais expressivo, e era de se esperar que
partissem daqueles que apoiavam tal teoria: “Aos tradicionais argumentos fornecidos pelo
pensamento ilustrado, pelas doutrinas da economia clássica e pelo romantismo somavam-
se agora argumentos oriundos do positivismo” (HOLANDA, 1969, p. 181).
O próprio Machado de Assis (2012) protesta por meio de seu conto A Sereníssima
República (1882) as idiossincrasias das formas de governo, do processo de elaboração
das leis, da jurisprudência e do centralismo de decisão dos representantes do poder
executivo. E este era também um dos principais traços do governo imperial, onde a
oligarquia regional continuava a exercer seus plenos poderes apesar de durante toda a
República Velha o coronelismo ter continuidade sendo principalmente um regime
marcado pela paradoxal situação técnica, social e política, quadro este que começará a se
alterar paulatinamente a partir dos militares da República da Espada, culminando
posteriormente na sucessão dos presidentes mineiros e paulistas durante as primeiras
décadas do século XX. Ao que parece este cenário de contradição e paradoxo entre o
discurso futurista e progressista, dos responsáveis pelas cadeiras de decisões, e a realidade
objetiva estrutural do país perpetua até os dias atuais.
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Considerações Finais
O estudo da prática e do discurso edênico se torna emergente e de primeira
importância por sua perenidade e complexidade na historiografia brasileira, como
trabalhado por Gaudio (2007) e Buarque (2010). O fato de ter encontrado nas fronteiras
do Brasil sua concretude simbólica, acaba por alastrar o edenismo regional e
temporalmente entre usos, ideologias e difusões da potencialidade da visão do paraíso
terreal americano (ARAÚJO, 2019; 2020).
A alteração do status político do Brasil em sua elevação inicialmente a Reino
Unido, depois a Vice-reino, já no final do período aurífero, e por fim em seu processo de
independência trará profundas mudanças ao país. No que tange ao nosso interesse de
natureza geográfica, a principal característica desta fase será uma nova roupagem ao
ufanismo edênico, ainda contemplativo, mas se manifestando muito mais como um
princípio de dominação sustentado pela necessidade de um avanço técnico no trato com
espaço geográfico, (re)produzindo-o e alterando-o, numa relação dialética entre o natural,
as formas espaciais pretéritas e as novas estruturas construídas.
Portanto o presente trabalho vem oferecer uma contribuição reflexiva a respeito
desta temática. Em específico no que diz respeito ao período imperial brasileiro, é
possível encontrar, conforme demonstrado, uma gama considerável de elementos que
comprovam grande parte da força econômica, social e simbólica da territorialismo
edênico, que ainda possui outras temáticas, tanto em um escopo mais concentrado como
também em áreas mais correlatas, que dialogam com o imaginário e ideologia edênicos,
como é o caso da ciência geográfica.
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