Ensaios de Geografia
Essays of Geography | POSGEO-UFF
AO CITAR ESTE TRABALHO, UTILIZAR A SEGUINTE REFERÊNCIA:
SILVA FILHO, Luiz Carlos da. A Captura do Capturado Capturante. Revista Ensaios de Geografia. Niterói, vol. 8, nº 16, pp. 133-135,
janeiro-abril de 2022.
Submissão em: 11/10/2021. Aceito em: 25/04/2022.
ISSN: 2316-8544
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JUSTIFICATIVA
Ao longo de 2021, eu realizava um trajeto de mais ou menos uma hora e meia entre
São Lourenço da Mata (município no qual resido) até um território marginalizado e
estigmatizado pela sociedade. Ia em direção à Zona Especial de Interesse Social Ilha de Deus
— ZEIS-Ilha de Deus, localizada no bairro do Pina, na Região Metropolitana do Recife.
Lembro-me que ao chegar pela primeira vez, em 2019, eu era tomado e levado a
percorrer com medo um mundo construído pelo meu preconceito que era resposta ao que era
absorvido pela verticalidade burguesa do Recife. Em busca de vivenciar e submergir, a fim de
desenvolver um hódus-metá intitulado “Cartografias antropofágicas das paisagens” junto aos
movimentos dos corpos capturantes que expressavam naturalmente suas habilidades
genealógicas, eu descobria as cores no desassombro com o outro ao longo dos anos. Formava-
se ali, naquele breve instante, um elo entre o capturador (geofotógrafo), capturados e
capturantes (moradores e a paisagem).
A bela e pequena Ilha de Deus é cenário cultural e econômico da cidade do Recife. A
coleta e a venda de mariscos, sururus, camarões, caranguejos e pescados é essencial na
rotatividade econômica e afetiva. É no tocar e limpar que as experiências são passadas entre
gerações. É com as mãos e os pés desnudos tocando a lama que o ser-Ilha de Deus sente-se
parte, pedaço, gente, sente-se humano. A vaidade, o cuidado com sua íntima beleza é deixado,
por instante, em repouso, pois a lama torna-se parte única do seu corpo em todo processo
mecanizado e humano.
O que existe na pequena Ilha de Deus é uma simbiose entre o homem-mulher-criança-
mangue que relembra ao homem-caranguejo de Josué de Castro (1967), a poesia do maracatu
frenético e psicodélico de Chico Science e Nação Zumbi em Risoflora (1994), na obra de
Abelardo da Hora em suas gravuras existenciais, que por ventura são dignas de análises
esquisoanalíticas em Meninos do Recife (1962).
Com suas mãos inocentes e com seus pés descalços em pleno meio-dia, uma criança
curvava-se em direção ao chão em um ato de captura de um animal, o mimetismo da criança a
tornava menino-caranguejo. Sua mão tornava-se pinça capturante, a pinça do animal deixava
de pinçar, e ele então era capturado. Essas capturas formavam elos: “A captura do caranguejo