Ensaios de Geografia
Essays of Geography | POSGEO-UFF
AO CITAR ESTE TRABALHO, UTILIZAR A SEGUINTE REFERÊNCIA:
BRUM, Jean Lucas da Silva. Explorando memórias de lugar e lugares de memória através de histórias de vida de idosos residentes na Serra
de Piabas, situada no Parque Estadual da Pedra Branca, Cidade do Rio de Janeiro -RJ. Revista Ensaios de Geografia. Niterói, vol. 8, nº 16,
pp. 75-97, janeiro-abril de 2022.
Submissão em: 13/10/2021. Aceito em: 02/03/2022.
ISSN: 2316-8544
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experimentamos, aprendemos”. Estas situações, discorre o autor, “implicam o próprio corpo e
o corpo dos outros, o espaço onde se viveu, enfim, o horizonte do mundo e dos mundos, sob o
qual alguma coisa aconteceu” (RICOUER, 2007, p. 53). Isto é, a memória envolve o lugar não
apenas em um sentido estreito de localização, de maneira que as memórias ocorram ou remetam
a um local específico, mas em uma dimensão mais profunda e sensível, do lugar como base na
qual se assenta nossa existência. Nas palavras do autor:
Lembro-me de ter gozado e sofrido em minha carne, neste ou naquele período de
minha vida passada; lembro-me de ter, por muito tempo, morado naquela casa daquela
cidade, de ter viajado para aquela parte do mundo, e é aqui que eu evoco todos esses
lás onde eu estava. Lembro-me da extensão daquela paisagem marinha que me dava
o sentimento de imensidão do mundo. E, quando da visita àquele sítio arqueológico,
eu evocava o mundo cultural desaparecido ao qual aquelas ruínas remetiam
tristemente. (RICOUER, 2007, p. 57).
Nesta seara, a casa de infância destaca-se como palco privilegiado das histórias de vida
narradas pelos idosos, tornando-se, em vista disto, um lugar de memória (NORA, 1993), veículo
responsável pelo adensamento das memórias que transformam o lugar mais do que o ponto de
morada, mas sim, lócus onde se desenrola a experiência e vivência de mundo, lar onde se funda
a compreensão de ser. De acordo com Mello (2012), a casa da infância se destaca como o
cenário dos dramas da vida, “revestida de sua originalidade, solidez e encantamento por um
desfile de festas de aniversário, casamentos, celebrações natalinas, bem como toques, cheiros,
pinturas, ora vibrantes, ora esmaecidos e mapas íntimos” (MELLO, 2012, p. 59), se inscreve
em nós como reservatório de recordações. Neste sentido, a casa de infância é o lugar onde se
desenrola uma parcela significativa das relações e acontecimentos que figuram na narrativa dos
sujeitos recordantes, como expressam os relatos de S. e B. (mulher de 81 anos de idade):
Eu vivia na casa do meu avô. Tião, meu filho, estava roçando o bananal e eu acho que
ele já passou da cava [alicerce] da casa. Deve estar limpo lá. Tem uma jaqueira e logo
acima tem a entrada da casa. Não sei como está aquilo hoje, já tem tempo que eu não
vou lá. Mas era tudo calçadinho de pedra, até em cima no lugar onde ficava a casa.
Havia um baldrame, assim, um muro dessa altura mais próximo do caminho. E a casa
era pra cima daquele muro. Uma casa grande. Tinha três quartos e uma sala de dançar,
onde faziam os bailes. Uma sala grande de dançar. A cozinha era separada da casa.
Era cozinha de lenha, onde fazia as comidas. E do outro lado ficava o trem de farinha.
A casa tinha uma roda de ralar a mandioca e, onde tem um monte de pedra, era o forno
de mexer farinha. A casa era de estuque. Acabei desmanchando a casa e plantei banana
por cima. Mas era uma casa muito bonita. Lembro direitinho dela (S.; ENTREVISTA
CONCEDIDA EM 30/04/2018).