parecem mais íntimos, no sentido de encontrar um espaço comum em tanta diversidade.
O ponto de conexão é a diferença. São histórias que não se repetem.
Todo dia pode haver um novo Lázaro ou um novo Paulista, novas narrativas
acerca de suas vidas. Afinal, estar na rua é sobre se reinventar. No primeiro momento,
para nós que estamos tão enrijecidos com a norma vigente, pode soar como loucura, mas
no segundo plano, pode soar até como uma certa lucidez. Estar vivo é sobre reconstruir e
construir novas formas de ser.
O ritual da capoeira é canalizado nos corpos. Em todos os corpos. Naqueles que
passam e se afetam. Naqueles que param e observam e principalmente, naqueles que a
produzem. O corpo é assentamento de saberes, construído pelas práticas cotidianas e que
apresentam diversas formas de estar no mundo. Citando Luiz Antonio Simas (2018), a
capoeira de rua possibilita “a partir de suas potências, sabedorias encarnadas nos
esquemas corporais, recriar mundos e encantar as mais variadas formas de vida. Essa
dinâmica só é possível por meio do corpo, suporte de saber e memória, que nos ritos
reinventa a vida e ressalta suas potências.” (Ibid., p. 49).
A música e o “gingado” revitalizam a praça com aqueles que moram nela. Parece
que a rua e as suas formas brincam com o berimbau mesclando a fantasia e o real. Nessa
encruzilhada, a capoeira se apresenta como um campo de possibilidades. Ela rompe
constâncias e preenche o vazio com os toques, palmas e cantos. Para muito mais do que
rabos-de-arraias e negativas, ela tece, através do olhar atento uns para os outros, uma rede
de troca e de afeto.
Essas trocas e afetos trazem a sensação de fazer parte de uma experiência coletiva,
rompem uma barreira que isola esses sujeitos em um extremo de vulnerabilidade e
imobilidade. No espaço-tempo da roda, as pessoas em situação de rua, a classe média do
bairro de Laranjeiras e os outros ao redor são tocados pelo mesmo ritual que rompe
barreiras sociais. Os marginalizados e desterritorializados, geralmente excluídos da
dinâmica socioespacial, são inseridos no território ao prover laços afetivos/simbólicos
com o local.
Trata-se de pessoas que estão, na maior parte de seu tempo, fora do sistema. Alice
comentou conosco um exemplo marcante: um de seus alunos estava impossibilitado de
tirar a Carteira de Trabalho, visto que agora esse documento é virtual, não existindo mais
a modalidade física. Para acessá-lo, então, é necessário um computador, ou um celular;
internet; uma senha que ninguém parece saber como fornecer e documentos que, muitas
vezes, as pessoas em situação de rua não têm acesso.
Ou seja, aqueles que desejam sair da rua mediante ao trabalho, tem esse direito
inviabilizado. A verdade é que, em geral, o acesso a qualquer direito é dificultado para
esses sujeitos. Isso ocorre porque a lógica do poder imprime significados sobre esses
corpos, que são considerados improdutivos por não gerarem valor de troca e assim, vivem
às margens, à parte da sociedade. São marcadores que limitam a mobilidade social e
espacial de determinados corpos.