Ensaios de Geografia
Essays of Geography | POSGEO-UFF
AO CITAR ESTE TRABALHO, UTILIZAR A SEGUINTE REFERÊNCIA:
SOUZA, Lucas Kaliel Tavares de Souza. NETO, Romeu Bacelar de Souza. Merleau-Ponty e o primado do corpo como experiência nascente
da paisagem. Revista Ensaios de Geografia. Niterói, vol. 8, nº. 16, pp. 98-123, janeiro-abril de 2022.
Submissão em: 16/11/2021. Aceito em: 06/04/2022.
ISSN: 2316-8544
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SEÇÃO ARTIGOS
MERLEAU-PONTY E O PRIMADO DO CORPO COMO EXPERIÊNCIA
NASCENTE DA PAISAGEM
MERLEAU-PONTY AND THE PRE-EMINENCE OF THE BODY AS AN EARLY
EXPERIENCE OF THE LANDSCAPE
MERLEAU-PONTY Y LA PRIMACIDAD DEL CUERPO COMO EXPERIENCIA
CRECIENTE DEL PAISAJE
Lucas Kaliel Tavares de Souza e Souza1
Universidade da Amazônia (UNAMA),
Pará, Brasil
E-mail: lucaskaliel@protonmail.com
Romeu Bacelar de Souza Neto2
Universidade da Amazônia (UNAMA),
Pará, Brasil
E-mail: rbacelar.souza@gmail.com
Resumo
Neste artigo investigamos a conaturalidade do corpo-paisagem através do rompimento de uma ontologia clássica
para a compreensão de uma ontologia da experiência por intermédio das obras de Merleau-Ponty. Para a reflexão
da paisagem propõe-se: a) discutir os pontos de partidas que compreendem uma ontologia da experiência e ser
bruto, a Terra-corpo-ser-no-mundo serão relacionadas para um desdobramento do pensamento sobre a paisagem
que envolve uma reflexão de um mundo pré-objetivo; b) restituir noções filosóficas que envolvem a conceituação
de paisagem, mediante a relação do visível e aquele que vê, compreender o intermédio da relação que envolvem o
corpo, espacialidade e ser-no-mundo; c) considerar uma breve discussão sobre a noção de carne que abre o corpo-
coisa enquanto unidade através disso apreender os desdobramentos do campo da experiência da paisagem em
possibilidade e latência enquanto sentido da presença. Em seus últimos escritos, Merleau-Ponty expressa uma
harmonia originária que envolve a relação corpo-coisa, que compreende uma pré-posse antes de qualquer reflexão
que possa determinar e fixar, o corpo sendo sensível para si que envolve as coisas em sua carne, fazendo-se assim
mundo.
Palavras-chave
Experiência; Fenomenologia existencial; Fenomenologia geográfica; Paisagem.
1
Graduado em Licenciatura Plena em Geografia (UNAMA Universidade da Amazônia).
2
Graduado em Licenciatura Plena em Geografia (UNAMA Universidade da Amazônia).
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SOUZA, Lucas Kaliel Tavares de Souza. NETO, Romeu Bacelar de Souza. Merleau-Ponty e o primado do corpo como experiência nascente
da paisagem. Revista Ensaios de Geografia. Niterói, vol. 8, nº. 16, pp. 98-123, janeiro-abril de 2022.
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Abstract
In this article we investigate the connaturality of the body-landscape through the rupture of a classical ontology
for the understanding of an ontology of experience through the work of Merleau-Ponty. For a reflection on the
landscape, we will: a) discuss the starting points that make up an ontology of the experience and of the brute being,
the earth-body-being-in-the-world, will be related to an unfolding of the thought about the landscape which
involves the reflection of a pre-objective world; b) rescue philosophical notions that involve the conceptualization
of landscape, through the relationship between the visible and the one who sees, understanding the intermediary
of the relationship that involves the body, spatiality and being-in-the-world; c) propose a brief discussion on the
notion of flesh that opens the body-thing as a unit, through which the unfolding of the field of experience of the
landscape in possibility and latency as a sense of presence is apprehended. In his latest writings, Merleau-Ponty
expresses an original harmony that involves the body-thing relationship, which includes a pre-possession in the
face of any reflection that can determine and set, the body being sensitive to itself that involves things in its flesh,
thus making the world. Keywords
Experience; Existential phenomenology; Geographic phenomenology; Landscape.
Resumen
En este artículo discutimos el cuerpo como conductor ontológico para despertar una dimensión preobjetiva del
paisaje-experiencia, aportando un reflejo original de la percepción del paisaje frente a las múltiples formas de
abrirse en diálogo con las obras de Merleau-Ponty. Para el autor, el fundamento a priori de aprehender el mundo
sobre lo que vemos encierra una dificultad inherente desde el momento en que cuestionamos sobre el conocimiento
de esta mirada, del mundo y de nosotros. El paisaje, por tanto, entendido como aspecto visible y perceptible del
espacio, es un referente del fenómeno del estar-en-el-mundo, siendo el horizonte exterior el que me hace tener la
indudable certeza de mismo como diferencia específica. Nuestro entendimiento, en principio, es desvelar este
mundo circundante que acoge al hombre, cómo este momento vivido del paisaje se une como una forma de ser de
presencia subrayada como un proceso de significado y realización.
Palabras-clave
Experiencia; Fenomenología existencial; Fenomenología geográfica; Paisaje.
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SOUZA, Lucas Kaliel Tavares de Souza. NETO, Romeu Bacelar de Souza. Merleau-Ponty e o primado do corpo como experiência nascente
da paisagem. Revista Ensaios de Geografia. Niterói, vol. 8, nº. 16, pp. 98-123, janeiro-abril de 2022.
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Introdução
Este texto tem como fio condutor as implicações filosóficas das obras de Merleau-Ponty
e a aproximação para o esclarecimento do conceito de paisagem, sendo necessário a
compreensão e a relação do que são as dimensões do corpo próprio sobre o mundo perceptivo,
visto que “no espaço ele mesmo e sem presença de um sujeito psicofísico não nenhuma
direção, nenhum dentro, nenhum fora” (MERLEAU-PONTY, 1999, p. 275).
Sendo assim, o conceito de paisagem e suas problemáticas fundamentais a respeito sobre
o que é o olhar, o mundo percebido e o corpo próprio são insuficientemente relacionados ao
âmbito filosófico, consistindo restritamente aos geógrafos a resolução epistemológica de suas
aplicações científicas, o que recusa a uma abertura teórica sobre a totalidade que compõe a
estrutura da paisagem (MARANDOLA JR., 2012).
Para Holzer (1998), a insuficiência de reflexões fenomenológicas acerca da temática
paisagem e o erro em considerar o lugar com o mesmo aporte conceitual causam o
encarecimento de uma base epistemológica evidente e sólida para a geografia. O esforço de
trazer uma discussão acerca de uma geografia fenomenológica consiste em estabelecer o estudo
das essências e, principalmente, a correlação do espaço, tempo e o mundo “vívido” incorporado
na atitude descritiva sobre o espaço.
O que destacamos em nosso artigo e inclui em suas reflexões uma abertura do ser-
paisagem é a geografia existencialista de Eric Dardel. Para o autor, a compreensão da paisagem
move-se sobre a inserção do homem no mundo e a afirmação da consideração da experiência
no sentido de síntese de totalidade sempre aberta, definido como a correspondência e
sintonização com o espaço.
A paisagem se unifica em torno de um tonalidade afetiva dominante, perfeitamente
válida ainda que refratária a toda redução puramente científica. Ela coloca em questão a
totalidade do ser humano, suas ligações existenciais com a Terra, ou, se preferirmos, sua
geograficidade original: a Terra como lugar, base e meio de sua realização. Presença atraente
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ou estranha, e, no entanto, lúcida. Limpidez de uma relação que afeta a carne e o sangue
(DARDEL, 2011, p. 31).
A paisagem, nesta condição, abre-se a possibilidade do pensar o mundo o como
acabado em si mesmo, mas em constante desdobramento e horizonte ilimitado da existência,
não sendo simplesmente ato estático, e sim, movimento constante que não cessa, e
"verdadeiramente geográfica a não ser pelo fundo, real ou imaginário, que o espaço abre além
do olhar" (DARDEL, 2011, p. 31). Portanto, a geograficidade originária se dando nesses
princípios de horizonte mesmo do cotidiano, a visão e o movimento expressam esses valores
que manifestam a relação geográfica do homem com o mundo, nesta lógica é onde o homem se
inscreve no solo e na paisagem como seu modo de ser, "sua maneira de se encontrar, de se
ordenar como ser individual ou coletivo" (DARDEL, 2011, p. 31), pertencendo, assim, como
expressão fundamental da presença
3
.
Maurice Merleau-Ponty nasceu a 4 de março de 1908 em Rochefort-sur-Mer. foi um
filósofo fenomenológico francês que fez parte da chamada geração existencialista dos anos 40
e 50, produziu ensaios políticos de base marxista, especialmente o livro As Aventuras da
Dialética, sendo crítica e análise de uma postura ultra bolchevista, que divergiu durante toda a
sua vida com o pensamento e amizade de Jean-Paul Sartre e Simone de Beauvoir. Introduziu a
questionabilidade da filosofia se constituir como um todo a priori, afastando a experiência como
todo o acontecimento possível. Dessa maneira, os seus esforços se dirigiram para a base
fenomenológica dos textos finais de Husserl, que considerava nesse tempo a precedência da
gênese de um mundo pré-objetivo, a passagem de um transcendental está sempre situado de
forma originário no fundo de mundo onde tudo é simultâneo, a abertura do vivido como
postulações necessárias para a filosofia, a mediação entre o mundo da natureza e o mundo das
pessoas se afirmam como uma questão. Em visto disso, em seus escritos sucede o retorno de
3
Em Inwood (2002), presença é a tradução da palavra em alemão chamada Dasein, em linhas gerais, o da
significando o "lá vem eles" e "aí vem eles", e o sein sendo "ser aí, presente e existente", os poetas comumente o
simbolizavam como a vida e o ser das pessoas. Neste sentido, Heidegger o utiliza sinteticamente como o ente que
pertence o privilégio do ser, ou melhor, o ser propriamente dos humanos, este que está habitualmente no mundo e
que é "aí" para o espaço que o abre para si mesmo e o ilumina, a condição de possibilidade par excellence de
orientação do estar ali e lá.
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fato às origens da consciência constituinte, assim, principia o corpo, mundo, linguagem e
intersubjetividade como seu campo de reflexões, dirigido para uma ontologia da experiência
que considera o ser anterior a todas as identidades e fixações que os objetos podem suscitar no
mundo objetivo.
Para os desdobramentos de nossas questões, o autor visa romper com a contradição
dicotômica do sujeito-objeto e base do realismo ingênuo que estava presente na sensação e
percepção. Na filosofia, a consciência ou o sujeito transcendental, compreende uma identidade
consigo mesmo, logo, diferentemente do objeto com a sua interioridade absoluta em si, formam
esse sistema de separação um com o outro, que durante algum momento algum se realiza no
outro e vice-versa. A metafísica de Descartes, introduzido para Merleau-Ponty como
pensamento de sobrevoo, investiga sempre buscar este limite a si mesmo e estender a
dominação sobre a realidade exterior, o instante do ato de conhecimento procede nessa relação.
Diante dessa separação absoluta, a cisão entre consciência-mundo, as coisas no visível se
encerram apenas em representações empreendidas no sujeito, o pensamento de sobrevoo não
habita o mundo, no qual o pólo oposto transforma-o em ideia ou conceito. Destarte, é nesse
sentido que a ciência outorga como fim último a relação de causalidade, o que afeta nossa
relação do corpo próprio e a sensação que se efetiva nesse meio. Ambos, subjetivismo e
objetivismo, encaminham essa diferença que ora um se converte em idealismo, onde as coisas
começam a perder totalmente seus estados reais se transformando em verdadeiras aparências, e
o outro vai negando a realidade da presença em que o exterior se impõe como puro
acontecimento observável e objetivo. Com essa contradição, encaminhamos o pensamento de
Merleau-Ponty na relação dessas origens, em como estes mesmos conceitos estão sempre
presentes na experiência e sobre a efetiva percepção de um sentido, isso quer dizer realizar um
outro ponto de partida, mostrar que a consciência reflexiva não é a única via fundante sobre se
referir ao mundo e a consciência, é nesta lógica que introduzimos o corpo como meio originário
de suceder a experiência deste mundo.
Com isso, na primeira seção trataremos sobre a reflexão de uma abertura da paisagem a
partir de uma ontologia do ser bruto, trazer necessariamente a diferenciação com a ontologia
tradicional que circunscreve o mundo em si e acabado separado por um sujeito vazio que
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determina apenas a essencialidade do objeto baseado na estrutura cognoscente em processo
epistêmico, o esforço é advir um sentido de ser pré-objetivo que esteve sempre presente antes
de qualquer manipulação objetiva do mundo, compreender então a paisagem nascente no
sentido fenomenológico nesta correlação de Terra-corpo-ser-no-mundo onde a experiência
torna possível as diversas facetas do ser. Na segunda seção, trazer de forma aprofundada as
conceituações filosóficas de Merleau-Ponty a respeito do corpo, espaço e ser-no-mundo, além
de partir de diversas reflexões de Heidegger que possam contribuir com a mesma temática. Por
fim, envolver a paisagem com a determinação do autor sobre a carne do mundo e as conclusões
a respeito dessa investigação.
A ontologia da experiência
Segundo Dardel, a geografia não é simplesmente um conhecimento dado na medida em
que a realidade geográfica "não é um espaço em branco a ser preenchido a seguir com colorido"
(DARDEL, 2011, p. 33). A ciência geográfica, segundo ele, implica a relação próxima do
homem com a Terra, sendo este o ser-no-mundo dotado de condições terrestres que chamam o
homem a seu encontro, é neste sentido que o conhecimento geográfico se pressupõe. De certa
forma, a geografia não se daria em termos solipsistas puramente isolados, referindo-se a Terra
ela se trataria desse meio primordial de exprimir a partir disso "minha inquietação, minha
preocupação, meu bem estar, meus projetos, minhas ligações" (DARDEL, 2011, p. 33). A
realidade geográfica, portanto, é aquilo que está mais próximo de mim, os lugares que eu
frequento, o meu bairro, os hábitos cotidianos e o meu trabalho formam em geral o
pertencimento habitual da totalidade de meus horizontes. O sujeito nesta compreensão total do
ser enquanto disposição de sua vida afetiva pode até se esquecer de si mesmo, mas este
afastamento pode estar sempre oculto o seu descobrimento, o "exílio, a invasão tiram o
ambiente do esquecimento e o fazem aparecer sob a forma de privação, de sofrimento e de
ternura" (DARDEL, 2011, p. 34), o distanciamento demonstra o conflito geográfico entre
horizonte interior, do passado, e o horizonte exterior posto no visível presente, é neste sentido
que um país ausente pode designar um estranhamento e discordância profunda. Portanto, é no
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vivido que se desperta a consciência geográfica, e onde se apresenta a exteriorização da relação
fundamental com a Terra, sendo necessário afirmar que "não uma essência, uma ideia que
não se atenha a um domínio de história e geografia, não que esteja nele encerrada, e inacessível
para os outros, mas porque o espaço ou o tempo da cultura, como o da natureza, não são
sobrevoáveis" (MERLEAU-PONTY, 2000b, p. 114).
Em Husserl
4
, a Terra afirma essa experiência originária, consistindo no mundo anterior
das "puras coisas"
5
em que o pensamento cartesiano relegada a um corpo qualquer dentre os
outros, diferente da percepção originária que trata a Terra como a região selvagem que brota o
sentido do ser. Dela não se retém a categoria de infinito e finito, portanto, não sendo
determinado como objeto, mas sim o originário de todos eles, "a Terra não está móvel, nem em
repouso, ela está aquém" (MERLEAU-PONTY, 2000a, p. 127). Desta maneira, ela é o ser que
abrange toda a possibilidade em relação ao homem e lhe serve de berço. O mundo objetivo não
conduz esses vínculos consigo, não habita a Terra como abertura e o horizonte universal. É
desse encobrimento fundamental do fenômeno que é possível a realização da ciência do infinito.
Esquecemos a noção de Boden
6
, porque a generalizamos, situando a Terra entre os
planetas. Mas, diz Husserl, imaginemos um ssaro capaz de sobrevoar um outro
planeta: ele não teria um solo duplo. Pelo simples fato de que é o mesmo pássaro, ele
une os dois planetas num único solo. Aonde quer que eu vá, daquele lugar faço um
Boden. Ligo o novo solo ao antigo que habitei. Pensar duas Terras é pensar uma
mesma Terra. Para o homem, ali não pode haver senão homens: os animais, diz
Husserl, são apenas variantes da humanidade. O que de mais universal para nós,
nós o pensamos a partir do que temos de mais singular. O nosso solo amplia-se mas
não se desdobra, e não podemos pensar sem referência a um solo de experiência desse
gênero. A Terra é a raiz de nossa história. Da mesma forma que a arca de Noé continha
tudo o que podia restar de vivente e de possível, também a Terra pode ser considerada
como portadora de todo possível (MERLEAU-PONTY, 2000a, p. 127).
4
Husserl, em seus escritos, considera duas vertentes filosóficas que se encaminham contraditoriamente: "um lado,
a ruptura com a atitude natural ou, de um outro lado, a compreensão desse fundamento pré-filosófico do homem"
(MERLEAU-PONTY, 2000a, p. 118). Nesta condição, é presente em momentos na fenomenologia a exigência de
considerar o irrefletido como o fundo da reflexão, não se conduzindo à exclusão de um com o outro, mas
compreendendo o mundo pré-reflexivo como a forma originária.
5
Pura coisa é a Natureza concebida no cartesianismo e tal como o mundo objetivo se constitui para o olhar do
cientista. Em Husserl, é nascente na estrutura da percepção este fundamento, tanto que é possível dizer que as
coisas estão longe de serem uma qualidade de valor. O ego, ao invés de ser lançado no mundo, dentro da lógica
do objeto em geral se torna indiferente para apreender as coisas como sujeito teórico. Portanto, neste Eu purificado,
contém o cerne da concepção do em-si. (MERLEAU-PONTY, 2000a).
6
“Solo”.
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Nessa condição, a forma de "pura coisa" se constitui dentro do fundo de mundo
primordial, dessa maneira nada exclui a referência do vivente, o paradoxo aparente entre o
sujeito-objeto do conhecimento é existente com o "ego" que exclui o fenômeno de ser-no-
mundo. Dessa maneira, o "meu ego (...) pode ser aquele que tem a experiência do mundo e
está em comunidade com outros egos, seus semelhantes" (HUSSERL, 2001, p. 152). Husserl,
portanto, restitui o caráter de verdade comum entre os sujeitos que é assegurado pela Natureza,
onde se encontra a totalidade dos objetos aparentes em sua condição originária, entre o ego e
seus semelhantes a Terra é o meio de comunicação único para todo o mundo. Portanto, "a
Natureza envolve tudo, a minha percepção e a dos outros, enquanto estas podem ser para
mim um afastamento do meu mundo" (MERLEAU-PONTY, 2000a, p. 129).
Segundo Husserl, os objetos estão determinados como existentes em relação a uma
consciência real ou possível, o ego transcendental representando unicamente os objetos
intencionais situados. Como o ego familiariza-se com o mundo, estes objetos são, então,
separados entre pólos distintos, consistindo nos primeiros em uma unidade sintética, e a
segunda em uma polarização com uma diferente espécie de síntese, "que abrange as
multiplicidades das cogitationes, do eu idêntico, que, ativo ou passivo, vive em todos os vividos
da consciência" (HUSSERL, 2001, p. 82).
A Terra, como base, é o advento do sujeito, fundamento de toda a consciência a
despertar a si mesma; anterior a toda objetivação, ela se mescla a toda tomada de
consciência, ela é para o homem aquilo que ele surge no ser, aquilo sobre o qual ele
erige todas as suas obras, o solo de seu hábitat, os materiais de sua casa, o objeto de
seu penar, aquilo a que ele adapta sua preocupação de construir e de erigir (DARDEL,
2011, p. 41).
É a Terra, segundo Heidegger, que o homem histórico dá o princípio para estabelecer o
mundo, enquanto a forma institui uma instalação no mundo, produzindo terra, "a obra move a
própria terra para o aberto de um mundo e nele se mantém" (HEIDEGGER, 1992, p. 36), é
neste sentido que a criação da obra permite que a Terra seja ela mesma. As coisas postas na
Terra impedem qualquer intromissão interior em si mesmo, se racho algum objeto "as partes
nunca mostram algo de um interior e de um aberto" (HEIDEGGER, 1992, p. 37). O que quer
dizer isto? Todas as coisas na Terra resultam em uma condição de harmonia na totalidade, ela
pode se tornar abertamente descoberta longe de um ato intelectualista rigoroso em que a
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Terra está sobre a régua da medida técnico-científica da Natureza. Diferentemente disso, ela só
se mantém como essência quando "recua perante toda a exploração" (HEIDEGGER, 1992, p.
37), sendo algo que se fecha a si mesmo, a produção a Terra tem o significado de "traze-la ao
aberto como o que em si se fecha" (HEIDEGGER, 1992, p. 37), se descobrindo enquanto
ela mesma fechada não abrigando o idêntico a si mesmo, mas a plenitude possível de modos e
formas simples de ser.
O mundo é a abertura que se abre dos vastos caminhos das decisões simples e
decisivas no destino de um povo histórico. A Terra é o ressair forçado a nada do que
constantemente se fecha e, dessa forma, dá guarida. Mundo e Terra são
essencialmente diferentes um do outro e, todavia, inseparáveis. O mundo funda-se na
Terra e a Terra irrompe através do mundo. Mas a relação entre mundo e terra nunca
degenera na vazia unidade dos opostos, que não têm que ver um com o outro. O mundo
aspira, no seu repousar sobre a Terra, a sobrepujá-la. Como aquilo que se abre, ele
nada tolera de fechado. A Terra, porém, como aquela que dá guarida, tende a
relacionar-se e a conter em si o mundo (HEIDEGGER, 1992, p. 38).
Para Merleau-Ponty, o mundo objetivo manipula as coisas e se recusa a habitá-las, se
constitui em modelos a priori que estão distantes propriamente do mundo real, "operando sobre
esses índices ou variáveis as transformações permitidas por sua definição" (MERLEAU-
PONTY, 2004b, p. 13). Este mundo trata-se sempre da primazia do objeto em geral, esquecendo
da existência da subjetividade no processo epistemológico, sendo assim, "como se ele nada
fosse para nós e estivesse no entanto predestinado aos nossos artifícios" (MERLEAU-PONTY,
2004b, p. 13). Mas a ciência clássica reconhecia, de certo modo, essa operação de opacidade
do mundo, nessa lógica é que sempre através desse espanto se solicita o estatuto filosófico
transcendental e transcendente que possa determinar o fundamento dessa relação. Nessas
tentativas da filosofia da ciência, pensar é unicamente uma operação de "controle experimental
em que intervêm apenas fenômenos altamente trabalhados" (MERLEAU-PONTY, 2004b, p.
13), os quais nossos sentidos estão unicamente em condição de função do que captar o
fenômeno circundante. O pensamento torna-se apenas o instrumento de técnicas
7
, a prática de
7
Para Adorno e Horkheimer (1985), o mundo considerado através da técnica se desencanta substituindo a
imaginação pelo saber, mas essa ruptura não se oferece de maneira simples, os fins se apresentam com base no
poder e o saber, com vista sempre do progresso do conhecimento destituir o mundo de seus significados, o caos
aparente do mesmo se tornando simplesmente determinado. Portanto, o que impera nesta relação patriarcal do
conhecimento é "a técnica é a essência desse saber, que não visa conceitos e imagens, nem o prazer do
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constituição do Para Si é considerada independente, deste que se considera a tomada de
captação do mesmo. Essa determinação de operação pode se salvar de fracassos desde que se
pergunte sobre a funcionalidade do instrumento, "contanto que essa ciência fluente compreenda
a si mesma, se veja como construção sobre a base de um mundo bruto ou existente"
(MERLEAU-PONTY, 2004b, p. 14).
É preciso que o pensamento de ciência - pensamento de sobrevôo - pensamento do
objeto em geral, torne a se colocar um "há" prévio, na paisagem, no solo do mundo
visível e do mundo trabalhado tais como são em nossa vida, por nosso corpo, não esse
corpo possível que é lícito afirmar ser uma máquina de informação, mas esse corpo
atual que chamo de meu, a sentinela que se posta silenciosamente sob minhas palavras
e sob meus atos. É preciso que com meu corpo despertem os corpos associados, os
"outros", que não são meus congêneres, como diz a zoologia, mas que frequentam,
que frequento, com os quais frequento um único Ser atual, presente, como animal
nenhum frequentou os de sua espécie, seu território ou seu meio. Nessa historicidade
primordial, o pensamento alegre e improvisador da ciência aprenderá a ponderar sobre
as coisas e sobre si mesmo, voltará a ser filosofia (MERLEAU-PONTY, 2004b, p.
14).
Diante disso, nunca temos perante nós o puro indivíduo com essências sem a condição
do tempo e o espaço, visto que somos ontologicamente experiência e pensamentos que
sustentam o "peso do espaço, do tempo, do próprio Ser que eles pensam, que, portanto, não têm
sob seu olhar um espaço e um tempo serial, nem a pura ideia das séries, tendo, entretanto, em
torno de si mesmos um tempo e um espaço de empilhamento, (...) essência bruta e existência
bruta" (MERLEAU-PONTY, 2000b, p. 114). Portanto, os fatos e essências são puramente
abstrações, o que é de imediato dado é o mundo, ou melhor, ser-no-mundo, não a sistematização
de ideias que se dariam alhures, e sim, a impossibilidade de um nada ontológico, o espaço e o
tempo não são a justaposição de indivíduos locais e temporais, "mas a presença e a latência
atrás de cada um deles, de todos os outros, e atrás destes, de outros ainda, que não sabemos o
que são, mas ao menos são determináveis em princípio" (MERLEAU-PONTY, 2000b, p. 115).
O mundo não é contingência, mas o meio que habitamos, de nossa vida, nossa ciência e tão
somente nossa filosofia.
discernimento, mas o método, a utilização do trabalho de outros, o capital (...) o que os homens querem aprender
da natureza é como empregá-la para dominar completamente a ela e aos homens" (ADORNO; HORKHEIMER,
1985, p. 18).
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AO CITAR ESTE TRABALHO, UTILIZAR A SEGUINTE REFERÊNCIA:
SOUZA, Lucas Kaliel Tavares de Souza. NETO, Romeu Bacelar de Souza. Merleau-Ponty e o primado do corpo como experiência nascente
da paisagem. Revista Ensaios de Geografia. Niterói, vol. 8, nº. 16, pp. 98-123, janeiro-abril de 2022.
Submissão em: 16/11/2021. Aceito em: 06/04/2022.
ISSN: 2316-8544
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Corpo e percepção: ser-no-mundo
Inicialmente, é necessário circunscrever a noção de sensação, que, no pensamento
objetivo, foi velada a experiência perceptiva como parte do sujeito, tratando o mundo como
meio simplesmente dado de todo acontecimento possível. Na análise clássica, a sensação é
determinada como "a maneira pela qual sou afetado e a experiência de um estado de mim
mesmo" (MERLEAU-PONTY, 1999, p. 23), o sentir deixa de ser situado no mundo objetivo,
envolvido como definição o estado de puro sentir despojada de qualquer experiência efetiva.
O que é admitir que deveríamos procurar a sensação aquém de qualquer conteúdo
qualificado, já que o vermelho e o verde, para se distinguirem um do outro como duas
cores, precisam estar diante de mim, mesmo sem localização precisa, e deixam
portanto de ser eu mesmo. A sensação pura será a experiência de um "choque"
indiferenciado, instantâneo e pontual (MERLEAU-PONTY, 1999, p. 23).
Deste modo, Merleau-Ponty observa, a partir dessa condição, o que aparenta ser de
imediato e dado como elemento da consciência, exige um desvelar sobre o que determina de
direito a investir na experiência perceptiva uma camada de "impressões". Ao perceber uma
mancha branca sobre um fundo homogêneo, a mancha se apresenta não apenas como algo
isolado em si mesma, e sim no entanto, pelo interior de um conjunto enquanto "o algo
perceptivo está sempre no meio de outra coisa" (MERLEAU-PONTY, 1999, p. 24), logo, a
mancha branca com a cor mais densa e resistente não são solidários ao fundo todavia contíguo,
"a mancha parece colocada sobre o fundo e não o interrompe" (MERLEAU-PONTY, 1999, p.
24). Dessa maneira, para se ter uma compreensão da experiência perceptiva, é evidente advir
sobre que maneira a estrutura da percepção de fato se apresenta como figura-fundo, e o que se
anuncia de sentido para a abertura do sensível como qualidades de significados que o habitam.
Atingindo a estrutura da experiência em figura-fundo, o corpo próprio torna-se o terceiro termo
para a clareza de percepção do espaço, "e toda figura se perfila sobre o duplo horizonte do
espaço exterior e do espaço corporal" (MERLEAU-PONTY, 1999, p. 147), o espaço exterior
investidos de intencionalidades que dispõe o corpo próprio potencializando significados "para
nós". A existência da coisa se constitui no limiar do sujeito encarnado, sendo este o fundo de
não-ser "diante da qual podem aparecer seres precisos, figuras e pontos" (MERLEAU-PONTY,
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1999, p. 146). É no corpo que deriva uma espacialidade de situação, diferente do espaço que se
origina nas coisas que provém da posição, "a palavra "aqui", aplicada ao meu corpo, não designa
uma posição determinada pela relação de outras posições" (MERLEAU-PONTY, 1999, p. 146),
portanto, o corpo determina de uma maneira originária de ser situado, a forma pela qual me
ancoro em objetos, o fundo do qual pelo o movimento do olhar perfaz a estrutura de ponto-
horizonte.
Nossa percepção atinge objetos e este se constitui como uma síntese de todas as
aparições da experiência que dele poderíamos ter. Tal como,
Vejo a casa vizinha sob um certo ângulo, ela seria vista de outra maneira da margem
direita do Sena, de outra maneira do interior, de outra maneira ainda de um avião; a
casa ela mesma não é nenhuma dessas aparições, ela é, como dizia Leibniz, o
geometral dessas perspectivas e de todas as perspectivas possíveis, quer dizer, o termo
sem perspectivas do qual se podem derivá-las todas, ela é a casa vista de lugar algum.
Mas o que significam estas palavras? Ver não é sempre ver de algum lugar? Dizer que
a casa ela mesma é vista de lugar algum não seria dizer que ela é invisível? Entretanto,
quando digo que vejo a casa com meus olhos, certamente não digo nada de
contestável: não entendo que minha retina e meu cristalino, que meus olhos enquanto
órgãos materiais funcionam e fazem com que eu a veja; interrogando apenas a mim
mesmo, não sei nada disso. Eu quero exprimir com isso uma certa maneira de ter
acesso ao objeto, o "olhar", que é tão indubitável quanto meu próprio pensamento
conhecido por mim. Precisamos compreender como a visão pode fazer-se de alguma
parte sem estar encerrada em sua perspectiva (MERLEAU-PONTY, 1999, p. 103).
Em tal caso, é necessário compreender a organização corporal que aparentemente é
contingente na apreensão do objeto. Quando se olha para um objeto percebe-se uma capacidade
mesmo de poder fixá-lo à margem do campo visual, ou ir de encontro a ele e coincidir em sua
tentação. Neste momento, acontece um movimento do olhar determinando a diferença de minha
circunvizinhança, uma condição de "parada" da minha retina, sendo possível me ancorar em
objetos e poder fixá-lo, "continuo no interior de um objeto a exploração que, pouco,
sobrevoava-os a todos, com um único movimento fecho a paisagem e abro o objeto"
(MERLEAU-PONTY, 1999, p. 104). Dessa forma, os objetos formam um sistema que, para se
habitar neles, é primordial "perder em fundo o que se ganha em figura" (MERLEAU-PONTY,
1999, p. 104). O objeto se apruma em um perfil de horizonte através dos outros objetos
circundantes presentes, onde me apoio em algum fragmento da paisagem e os restantes recuam
para a margem adormecida. A visão, portanto, comporta esses dois movimentos ao perceber
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algo, e "a perspectiva, não me perturba quando quero ver o objeto: se ela é o meio que os objetos
têm de se dissimular, é também o meio que eles têm de se desvelar" (MERLEAU-PONTY,
1999, p. 105). Destarte, a estrutura ponto-horizonte
8
é a razão do espaço, o horizonte ou o fundo
tem o mesmo ser que a figura a partir de um movimento do olhar, e a presença de conversão de
ambos é apenas disposto a partir de uma zona de corporeidade de onde é existente o vidente, a
quantidade das circunstâncias vividas do "aqui" ou pontos na experiência é dado como uma
constituição de que um só dentre eles permite a abertura do objeto, onde "se faz ela mesma no
coração deste espaço" (MERLEAU-PONTY, 1999, p. 149), ou seja, não haveria espaço sem a
minha singular corporeidade.
Segundo a psicologia clássica
9
, o corpo próprio é uma existência fenomênica diferente
de um estatuto de objeto, em razão do corpo sempre estar constantemente ao meu lado como
algo percebido, ao passo que o objeto possa situar-se a distância e tenho simplesmente o poder
de me afastar dele. Assim sendo, o corpo é o movente que define "o hábito primordial, aquele
que condiciona todos os outros e pelo qual eles se compreendem" (MERLEAU-PONTY, 1999,
p. 134). Os objetos se oferecem em uma perspectiva particular, correspondendo essa a uma
necessidade física, o corpo não é aprisionado no espetáculo visível posto, tendo potencial de
ação para si mesmo, é dessa forma que posso manejar, escolher os lados escondidos e observar
objetos exteriores. Nesta acepção, não é "objeto do mundo, mas como meio de nossa
comunicação com ele, ao mundo não mais como soma de objetos determinados, mas como
horizonte latente de nossa experiência presente sem cessar" (MERLEAU-PONTY, 1999, p.
136).
8
O horizonte é aquilo que permite estabelecer o limite, onde situa minha visão inserida como atual, e outras demais
coisas que ainda não foram vistas e estão aquém do meu campo. De certo modo, a visão é essa maneira de ser
pensamento para um certo campo e é disso que brotam os sentidos. Em vista disso, podemos dizer que toda a
sensação é realizada como um eu espacializado e que se efetiva como experiência que impede de ser um mundo
fechado totalmente, "quando vejo um objeto, sinto sempre que ainda existe ser para além daquilo que atualmente
vejo, não apenas ser visível mas ainda ser tangível ou apreensível pela audição, e não apenas ser sensível mas
ainda uma profundidade do objeto que nenhuma antecipação sensorial esgotará" (MERLEAU-PONTY, 1999, p.
291).
9
"Ele tentava descrever os dados da consciência, mas sem colocar em questão a existência absoluta do mundo em
torno dela. Com o cientista e com o senso comum, ele subentendia o mundo objetivo enquanto quadro lógico de
todas as suas descrições e meio de pensamento" (MERLEAU-PONTY, 1999, p. 92).
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O corpo pode distinguir- se distinguir dos objetos exteriores através de "um tipo de
reflexão" inerente por uma experiência do tato, em meio de uma apreensão por si. Quando toco
a minha mão esquerda com a minha mão direita sucede uma organização flutuante em que as
duas mãos alternam-se entre "tocante" e "tocado". Essa variação de função permite dizer que
sempre se trata da mesma mão enquanto se toca tocando, o corpo realiza "uma espécie de
reflexão, de cogito" (MERLEAU-PONTY, 2000a, p. 123). Com isso, reconhece-se a si mesmo
do exterior, o corpo torna-se um sujeito "que ocupa espaço, que se comunica interiormente,
como se o espaço se pusesse a conhecer-se interiormente" (MERLEAU-PONTY, 2000a, p.
123).
Movo os objetos exteriores com o auxílio de meu próprio corpo que os pega em um
lugar para conduzi-los a um outro. Mas ele, eu o movo diretamente, não o encontro
em um ponto do espaço objetivo para levá-lo a um outro, não preciso procurá-lo, ele
está comigo não preciso conduzi-lo em direção ao termo do movimento, ele o
alcança desde o começo e é ele que se lança a este termo, relações entre minha decisão
e meu corpo no movimento são relações mágicas (MERLEAU-PONTY, 1999, p.
138).
De acordo com isso, o corpo operante e atual experimenta a coisa em função de movente
com o fundo de movimento dado no visível, sendo assim, a percepção não é pensada como
fatores objetivos, a consciência que tenho de meu corpo é uma consciência escorregadia, o
sentimento de um poder" (MERLEAU-PONTY, 2000a, p. 122), logo, é uma potência
sistemática de organizar o espetáculo visível que realiza uma "síntese de transição" para tal e
tal aparência enquanto se encontra habitado no interior do tecido mundo, conduzindo sua
existência na qualidade de coisa, "mas dado que vê e se move, ele mantém as coisas em círculo
a seu redor (...), estão incrustadas em sua carne, fazem parte da sua definição plena, e o mundo
é feito do estofo mesmo do corpo" (MERLEAU-PONTY, 2004b, p. 17).
O ser-no-mundo, base de entendimento a priori da presença, é a forma fundamental de
ter-se uma abertura para uma análise de conhecimento em primeira pessoa, sendo conforme a
determinação da presença como existência e enquanto o ente que simplesmente sou. É como
advém o estatuto ontológico do ser e o ponto de partida para "a multiplicidade de momentos
estruturais que compõe esta constituição" (HEIDEGGER, 2009, p. 90), mesmo que ser-no-
mundo seja um fenômeno de unidade. O ser-no-mundo, antecipadamente concebido como um
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fenômeno de totalidade, é dividido em três essenciais constituições: o "em-um-mundo", sendo
a estrutura ontológica do mundo mesmo e a compreensão da mundanidade como tal; o ente que
sempre é, o modo da cotidianidade mediana da presença; o ser-em como tal, concernente como
constituição ontológica do próprio "em". A respeito do ser-em,
O ser-em, ao contrário, significa uma constituição ontológica da presença e é um
existencial. Com ele, portanto, não se pode pensar em algo simplesmente dado de uma
coisa corporal (o corpo humano) "dentro" de um ente simplesmente dado. O ser-em
não pode indicar que uma coisa simplesmente dada está, espacialmente, "dentro de
outra" porque, em sua origem, o "em" não significa de forma alguma uma relação
espacial desta espécie, "em" deriva de inmnan-, morar, habitar, deter-se; "an"
significa, estou acostumado a, habituado a, familiarizado com, cultivo alguma coisa;
possui o significado de colo, no sentido de habito e diligo (HEIDEGGER, 2009, p.
92).
O ser-em é diferente no tocante a dois entes extensos simplesmente dados como um
estar "dentro de...", referindo-se a ambos em "caracteres ontológicos que chamamos de
categorias" (HEIDEGGER, 2009, p. 92), e que são desprovidos dos modos de ser do ente da
presença. O "ser-junto" ao mundo, compreendido como existencial, não é um "conjuntos de
coisas que ocorrem" (HEIDEGGER, 2009, p. 93), o que se daria em relação de sobreposição
entre o ente da presença e o mundo. O "eu sou" está sempre posto em vínculo a um "junto", o
mundo sempre disposto a aquilo que me é familiar, dessa maneira, "o ser, entendido como
infinito de "eu sou" (...), a expressão formal e existencial do ser da presença que possui a
constituição essencial de ser-no-mundo" (HEIDEGGER, 2009, p. 92).
Por vezes, sem dúvida, costumamos exprimir com os recursos da língua o conjunto
de dois entes simplesmente dados dizendo: "a mesa está junto à porta", "a cadeira
’toca’ a parede". Rigorosamente, nunca se poderá falar aqui de um "tocar", não porque
sempre se pode constatar, num exame preciso, um espaço entre a cadeira e a parede,
mas porque, em princípio, a cadeira não pode tocar a parede mesmo que o espaço
entre ambas fosse igual a zero. Para tanto, seria necessário pressupor que a parede
viesse ao encontro "da" cadeira. Um ente só poderá tocar um outro ente simplesmente
dado dentro do mundo se, por natureza, tiver o modo ser-em, se, com sua presença, já
se lhe houver sido descoberto um mundo. Pois a partir do mundo o ente poderá, então,
revelar-se no toque e, assim, tornar-se acessível em seu ser simplesmente dado.
(HEIDEGGER, 2009, p. 93).
Portanto, o "tocar" é a maneira do ser de formar o mundo, sendo o que funda a separação
entre um ente destituído de mundo e aquele que está sempre, de início, no modo de ser-em, e
suas constituições se dão simplesmente "no" mundo. É com a facticidade que a presença alcança
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o seu ser mais próximo, e onde ela simplesmente se dispersou em várias determinações de ser-
em através da ocupação com "ter o que fazer com alguma coisa, produzir alguma coisa, tratar
e cuidar de alguma coisa" (HEIDEGGER, 2009, p. 95). Deste modo, ao transpormos as
condições de ser-em, compreendemos a particular forma da presença ter seus modos de lidar
com aquilo que lhe vêm ao encontro. Desta maneira, teremos a abertura de compreender a
qualidade como:
Existem duas maneiras de se enganar sobre a qualidade: uma é fazer dela um elemento
da consciência, quando ela é objeto para a consciência, tratá-la como uma impressão
muda quando ela tem sempre um sentido; a outra é acreditar que este sentido e esse
objeto, no plano da qualidade, sejam plenos e determinados. E o segundo erro, assim
como o primeiro, provém do prejuízo do mundo. s construímos, pela ótica e pela
geometria, o fragmento do mundo cuja imagem pode formar-se a cada momento em
nossa retina. Tudo aquilo que está fora desse perímetro, não se refletindo em nenhuma
superfície sensível, não age sobre nossa visão mais do que a luz em nossos olhos
fechados (MERLEAU-PONTY, 1999, p. 26).
A qualidade encontra-se como um fenômeno indeterminado, isto é, no sentido de se
apresentar como um valor expressivo que de "um quale, uma película de ser sem espessura"
(MERLEAU-PONTY, 2000b, p. 128), que se realizaria no visível como um mundo fechado em
si. Efetivamente, o visível e o vidente estão profundamente em relação entre horizontes
exteriores e interiores sempre transparentes, impelindo uma modulação existencial e temporal
deste mundo, assim sendo, "menos cor ou coisa do que diferença entre as coisas e as cores,
cristalização momentânea do ser colorido ou da visibilidade" (MERLEAU-PONTY, 2000b, p.
129).
O que é dado na qualidade não é uma síntese intelectual rigorosamente dos diferentes
sentidos distinguidos sistematicamente em campos do olfato, do tato e da visão, "do qual todas
as qualidades são apenas diferentes manifestações" (MERLEAU-PONTY, 2004a, p. 19). Mas,
longe dos sentidos estarem isolados um dos outros, o que permite o conjunto é a "significação
afetiva que coloca em correspondência com a dos outros sentidos" (MERLEAU-PONTY,
2004a, p. 20). Portanto, através da experiência perceptiva, a significação emocional brotam as
qualidades de um certo comportamento em relação a meu corpo e os objetos exteriores, é nesse
sentido que "Cézanne dizia que devemos poder pintar o cheiro das árvores" (MERLEAU-
PONTY, 2004a, p. 22), a unidade da coisa não posta entre uma relação de distância, "cada uma
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delas simboliza e evoca para nós uma certa conduta, provoca de nossa parte reações favoráveis
ou desfavoráveis" (MERLEAU-PONTY, 2004a, p. 23).
Sensação não é estado de consciência ou consciência de um estado, o meio em que se
realiza não é o horizonte determinante de um mundo objetivo em que as qualidades se encerram.
O intelectualismo compreende a sensação e percepção como algo dado e para si, em que é
necessário se afastar do sentido e investi-lo de pensamento para dissipar o aparente que se
mostra. O eu encarnado é dado como não-ser dentro do processo reflexivo, sendo que a
consciência nascente é imanente a um fundo irrefletido. Pelo contrário, a qualidade expressa
primordialmente uma potência de ser-no-mundo em que meu corpo vai de encontro e se perfaz.
É a chegada submersa do sensível em que meu corpo é a unidade absoluta que lhe sentido,
subitamente algo é dado em situação, o sujeito que sente e o sensível não se determinam em
pólos distintos em que um invade o outro. Assim, se compreende que a sensação é intencional,
um ir além de si mesma, "porque encontro no sensível a proposição de um certo ritmo de
existência" (MERLEAU-PONTY, 1999, p. 288), no qual a experiência do sentir vai além da
simples definições de objetos, mas corresponde a familiaridade do corpo, do vivido e que
produz sua lei momentânea sempre latente. Além disso, a sensação é diferenciada de um ato
pessoai que se sujeita ao ato de minha experiência individual, significa dizer que é existente um
saber originário, modalidade de uma existência em geral em que se encontra uma determinada
sensibilidade do mundo do qual não sou inteiramente o constituinte. Se estabelece, então, uma
reflexão integral, onde o sentido dos múltiplos aspectos do ser se operam em uma
conaturalidade de meu corpo, sem que se tenha dado pôr um pensamento causai e da reflexão
seu verdadeiro significado. A questão sobre o que é a experiência e a sensação funda uma
relação de sujeito-objeto em estado nascente, no qual o sujeito puro para si que tematiza a
consciência e o objeto como absoluto encerrando cada acontecimento em síntese se ver tocado
por um horizonte de experiência infinitamente aberto, o curso do tempo fazendo e refazendo o
sujeito que se considera puro e distante do mundo. O meio da experiência, assim sendo o
espaço, é o contato primordial do ser, sendo "cada uma delas uma maneira particular de ser no
espaço e, de alguma maneira, de fazer espaço" (MERLEAU-PONTY, 1999, p. 299), é por essa
condição que a particularidade é necessária ao todo.
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O espaço se precede a si mesmo. Essa proposição tem como efeito a questão de onde se
encontra o nível primordial do espaço que condiciona todos os outros que aparecem sobre mim.
Se um sujeito se defronta com um objeto ou espetáculo visível invertido e desorientado, o corpo
se afasta de uma atitude natural do qual se encontrava e procura habitar este novo nível espacial
lhe postulando um sentido, o ser-para-o-olhar tem a condição de poder se orientar sobre um
determinado objeto em direção a movimentos, ordem e orientação que lhe sejam "preferidos",
neste sentido a percepção nunca pode ser dada como tematizada, mas o processo de todas as
nossas experiências vívidas respondem por uma espacialidade adquirida e que se opera
constantemente no mundo. Este ser-aí, que reporta ao primeiro nível de um sujeito abaixo de
mim e que funda o meu lugar, é o meu corpo, a comunicação com o mundo mais antiga que o
próprio pensamento, "e ele que seu sentido a toda percepção ulterior do espaço, ele é
recomeçado a cada momento" (MERLEAU-PONTY, 1999, p. 342), é assim que a paisagem
aparece e se determina espacialmente.
O mostrar o que se vê: a carne como elemento comum da paisagem
Para Santos (1988), o conceito de paisagem é tudo aquilo que abarcamos com o olhar e
pertence privilegiadamente ao domínio do visível, não sendo formado meramente sobre a
extensão da coisa, e sim, "também de cores, movimentos, odores, sons e etc" (SANTOS, 1988,
p. 21). Para ele, a dimensão da percepção é sempre um processo de risco em confundir a verdade
com a aparência, consistindo a compreensão intelectual substancial na assimilação do fato, é
nesse sentido que "pessoas apresentam diversas versões do mesmo fato" (SANTOS, 1988, p.
22). A visão, nessa perspectiva, é uma mera forma contingente de entendimento das coisas
materiais, não tocante como aspecto essencial da estrutura da paisagem. No entanto, o corpo
entre outros entes não é simplesmente coisa, mas é sensível para si, o que permite dizer não a
existência de uma separação direta entre sujeito-objeto, "mas este paradoxo: o conjunto de cores
e superfícies habitadas por um tato, uma visão, portanto, sensível exemplar, que capacita a quem
o habita e o sente de sentir tudo o que de fora se assemelha" (MERLEAU-PONTY, 2000b, p.
132). O corpo é significativamente essas duas camadas de ser, visto que é o sensível sentiente,
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pertencendo em seu sentido próprio algo que me une diretamente às coisas. Portanto, é
fundamental saber a maneira que o visível habita o interior do olhar como uma "familiaridade
tão estreita como a do mar e a praia" (MERLEAU-PONTY, 2000b, p. 128).
Segundo Heidegger (2008), o ver, cujo o significado é o modo de experiência primordial
do mundo grego, se contempla como "prover alguém com o olhar (...) no qual algo mostra e
apresenta a si mesmo" (HEIDEGGER, 2008, p. 150), neste sentido, o olhar não se compreende
como ego e sujeito, que a partir de suas representações Para Si apreende o ente enquanto objeto,
e sim, aquele que vê se deixa ser encontrado no mundo pré-objetivo, coincidindo com o
vislumbre daquilo que lhe vem ao encontro e aí" como posto em ser situado. O mostrar o
que se vê, de acordo com Cauquelin (2007), é a forma de compreensão da paisagem, o limiar
do vidente e o visível, a separação da "pura coisa" restrita ao ambiente lógico e onde é possível
ter o potencial ato de significar.
Para a autora, a paisagem demonstra uma evidência inquestionável, "parece traduzir
para nós uma relação estreita e privilegiada com o mundo" (CAUQUELIN, 2007, p. 28), como
se estivesse em uma consonância anterior a nós mesmo, sucedendo a ser impossível questioná-
la sem cometer equívocos a respeito, pois é dela tudo que deriva a compreensão do que está em
torno de mim, meus limites e a aprendizagem da proporção deste mundo com os sentimentos
habituais que estão inseridos em nossa presença, "intermediário obrigatório de uma
conversação infinita, veículo de emoções cotidianas, invólucro de nossos humores"
(CAUQUELIN, 2007, p. 28), este imperativo do que está a mostra é dado antes mesmo de
qualquer consciência de reflexão.
Originária, a paisagem? Isso não seria confundi-la com aquilo que ela manifesta a seu
modo, a Natureza? O originário sob a forma, entre outras, da Natureza permanece fora
de alcance: a Natureza é "uma ideia que aparece vestida", isto é, em perfis
perspectivistas, cambiantes. Ela aparece sob a forma de "coisas" paisagísticas, por
meio da linguagem e da constituição de formas específicas, elas próprias
historicamente constituídas. Contudo, se podemos distinguir esses a priori "culturais"
pela reflexão e pela análise, sua unidade se reforma permanentemente, as diferenças
se apagam para suscitar em s o sentimento de uma só e única presença: um dado de
si (CAUQUELIN, 2007, p. 29).
Neste imperativo do "ver", se comporta sempre com mil estratos do tempo justapostos,
é nessa lógica que podemos dizer que figura a existência do descobrimento da paisagem, a
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AO CITAR ESTE TRABALHO, UTILIZAR A SEGUINTE REFERÊNCIA:
SOUZA, Lucas Kaliel Tavares de Souza. NETO, Romeu Bacelar de Souza. Merleau-Ponty e o primado do corpo como experiência nascente
da paisagem. Revista Ensaios de Geografia. Niterói, vol. 8, nº. 16, pp. 98-123, janeiro-abril de 2022.
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sensibilidade do espaço podem ser historicamente datadas durante o nosso processo de
realização, é neste significado que podemos dizer que a beleza se descobre, durante um
momento que reconhecemos o deserto maléfico como realidade aterradora "eles entram na
moda, primeiro para a elite da sociedade, depois entram no vocabulário das necessidades
naturais, são um bem comum, disponível a todos" (CAUQUELIN, 2007, p. 92), dessa maneira,
é possível dizer que as paisagens são suscetíveis de ser inventadas.
A paisagem contém essa realidade social, uma condição do ver enquanto se passa pela
realização de ser-no-mundo, onde é possível traçar o filtro no tempo e dizer sobre nossa
historicidade. O visível pode se apresentar como forma mista, tanto mais pregnante quanto mais
finamente trançada, a ponto de não se ver seu início e de ela poder passar por original, como se
não tivesse origem determinável" (CAUQUELIN, 2007, p. 96), o olhar diante dessa camada do
ser comporta a paisagem como fala, diante de que é possível manifestar que "toda a paisagem
é inundada pelas palavras como por uma invasão, a paisagem é, a meu ver, uma variedade da
fala, e falar de seu estilo, é usar uma metáfora" (MERLEAU-PONTY, 2000b, p. 149).
A arte vai de encontro com esse sentido de fabricação, a efetiva produção de poemas
sobre montanhas ou litorais podem dizer que originaram o sentido da condição desse visível,
no qual eles se tornaram presentes com efeito em significantes e significados, cobertos do
estrato da linguagem em que posso me referir e dizer "eis a montanha". Dessa forma, poemas,
meditações, relatos de viagem desvelam o caminho, a pintura o segundo momento onde "leva
a partilhar a visão da imagem descrita pela língua" (CAUQUELIN, 2007, p. 93), apesar de que
esses dois comportam caminhos diferentes, enquanto o oferecimento das palavras podem se
tornar aparentes, a pintura simplesmente fixa o dado como imagem, dessa forma o visível se
oferece como verdadeiro. Portanto, o "ver" comporta dobras no tempo, onde "parece que só se
pode ver aquilo que foi visto, isto é, contado, desenhado, pintado e realçado" (CAUQUELIN,
2007, p. 94).
Ver (...) é: oferecer o vislumbre
10
, ou seja, o vislumbre do ser dos entes, que são os
próprios entes enquanto aqueles que vislumbram. Mediante um tal olhar o homem se
10
O vislumbre é propriedade do ser do homem que sempre o aberto, "de modo mais específico, o homem
consegue, antes de tudo e na maioria dos casos, ter um vislumbre para o aberto" (HEIDEGGER, 2008, p. 227),
sendo assim, essa relação de comportamento com o ente se emerge sempre como presente na qualidade de estar
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distingue e pode se destacar somente através disso, porque esse vislumbrar que mostra
o próprio ser não é algo humano, mas pertence à essência do próprio ser como
pertencendo à aparência no descoberto (HEIDEGGER, 2008, p. 151).
O ver, sendo o modo no qual o homem se emerge enquanto vidente, não se funda na
própria coisa do visível que se oferece a si mesma como idêntico e que se abre para um vazio
de si como presença, mas o que se "emerge e vem à presença com outros entes, mas como
homem na sua essência" (HEIDEGGER, 2008, p. 151), sendo próprio do envolvimento do olhar
as vestir com sua carne.
Os elementos são representativos do todo, estão no individual e no universal como um
emblema, um estilo de ser. A carne é elemento comum do sujeito e do mundo, corpo
e mundo se constituem reciprocamente numa experiência tecida no fundo carnal. Ela
é o ponto de partida, origem, antes do que nada é pensável. Como elemento originário,
possibilidade e tecido invisível, a carne sustenta o visível que irradia um modo de ser,
aparece como cristalização momentânea a partir da experiência no mundo que reúne
sujeito e mundo, corpo e coisas, num horizonte comum. Ela liga aquilo que é visível
coisa do mundo e aquele que corpo, sendo estofo de que ambos são feitos,
indicando uma relação de parentesco que àquele que uma familiaridade, por
assim dizer, prévia com o visível. (ALVIM, 2011, p. 145).
A visão e tato se formam no visível como se fossem uma imagem posta diante do
espelho, visto que o corpo está envolvido no âmago das coisas, logo essa dupla réplica evidencia
um intercâmbio de uma visibilidade e tangibilidade em si que naturalmente "não pertence nem
ao corpo como fato nem ao mundo como fato (...) ambas constituindo, portanto, um par mais
real do que cada uma delas" (MERLEAU-PONTY, 2000b, p. 135). Portanto, o vidente se situa
preso ao mundo que vê e, ao mesmo tempo, consegue ver-se a si mesmo, neste sentido os dois
seres se encontram encerrado neste mesmo processo, "se o apalpa e é unicamente porque,
pertencendo à mesma família, sendo, ele próprio visível e tangível, utiliza o seu ser como meio
para participar do deles, é porque cada um dos dois seres é para o outro o arquétipo"
(MERLEAU-PONTY, 2000b, p. 134). O elemento comum desse entrelaçamento é chamado de
carne, não sendo matéria, espírito e nem substância, mas no sentido do uso verbal de "elemento"
em que os gregos designavam a água, o ar, a terra e o fogo, deste modo, a forma de coisa em
habitado nesta abertura e no projeto aberto pelo ser. Somente o homem lhe pertence essa visão, sendo o guardião
do ser, em diferença do "animal, ao contrário, não nem vislumbra o aberto no sentido do desencobrimento do
desencoberto. (...) O sinal desta exclusão essencial é que nenhum animal ou planta "tem a palavra" (HEIDEGGER,
2008, p. 227).
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geral que pertence a todo o indivíduo espácio-temporal, sendo o princípio encarnado que está
presente enquanto experiência na totalidade dos lugares.
Percebe-se rapidamente, todavia, que o domínio é ilimitado. Se pudermos mostrar que
a carne é uma noção última, que não é união ou composição de duas substâncias, mas
pensável de per si, se uma relação do visível consigo mesmo que me atravessa e
me transforma em vidente, este círculo que não faço mas que me faz, este enrolamento
do visível no visível pode atravessar e animar os outros corpos como o meu. Se pude
compreender como nasce em mim esta vaga, como o visível que está acolá é
simultaneamente minha paisagem, com mais razão posso compreender que alhures
ele também se fecha sobre si mesmo, e que haja outras paisagens além da minha. Se
se deixou captar por um de seus fragmentos, o princípio da captação está assimilado,
e o campo aberto para outros Narcisos, para uma "intercorporeidade" (MERLEAU-
PONTY, 2000b, p. 136).
A carne é esses dois lados do meu corpo que manifesta a mesma condição dos lados das
coisas, é entre esses avessos de lados é que estou inserido na visibilidade, enquanto corpo que
é matriz da coisa e as coisas modelo de meu corpo, o corpo é habitante no mundo "não como
fato ou soma de fatos, mas como lugar de uma inscrição de verdade" (MERLEAU-PONTY,
2000b, p. 128), não sendo diferença entre ambos mas o meio que permite a comunicação.
Consequentemente, naturalmente sou este vidente que posso me afastar das coisas, visto que o
visível é destinado a encarar como existência o corpo que se destina conforme um fundo. É
dessa maneira que a paisagem possibilita a admitir múltiplas maneiras de ser, portanto, a
paisagem não se mostra como quando o sujeito-observador considera o dado como mero objeto,
mas "um espaço percebido, por seu turno, supõe o próprio sujeito se engajando e vivenciando
um fragmento do espaço, entrelaçando-se com ele" (LIMA, 2007, p. 81).
Levada a efeito como que num acontecer progressivo, se é que se pode tratar nesses
termos, a experiência espacial fundante decorre de uma relação que nos suscita o
recorte da paisagem, de sorte que essa relação acate a chancela de uma experiência
perceptível. O discurso geográfico da relação homem-meio, transfigurada na relação
sociedade-espaço, é mediada pela paisagem em suas variadas perspectivas: relação
metabólica entre homem e natureza; gêneros de vida; meio geográfico; experiência
sensível e outros (LIMA, 2007, p. 81).
A deiscência, termo adquirido da botânica, significa o fenômeno quando algum órgão
vegetal abre-se espontaneamente para atingir a maturação, segundo Alvim, é neste sentido que
Merleau-Ponty compreende uma nova forma de filosofia, as contradições são o essencial para
as suas respostas, e que dessa maneira surge a noção de carne como conformidade, "um fruto
quando maduro, amolece e se abre, oferecendo-se ao mundo como alimento para outro ser, para
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a terra, num ciclo de vida interminável que mantém viva a vida, renovando-se e transformando-
se" (ALVIM, 2011, p. 146).
Considerações finais
A temática da experiência do ser-paisagem compreende diversas regiões do saber que é
necessário descrever para ter-se um entendimento totalizante do conceito. Como vimos, a busca
de entender uma geografia fenomenológica em diálogo com os filósofos sobre a sensação,
Terra, ser-no-mundo e sujeito encarnado proporcionou determinadas respostas a respeito do
olhar, o mundo percebido e sobre nós, que são essenciais para desvelar o que é propriamente a
experiência da paisagem. A percepção do espaço não é um momento particular de “estados de
consciência” ou atos, mas é o espaço originário primordial de um sujeito encarnado pré-lógico
de onde brotam nossas experiências sobre o mesmo. Como demonstramos na exposição, a
consciência é algo que possui um irrefletido em si mesma, um sentido primordial do corpo
como fio intencional que se intercalam em nossa relação com o mundo brotando-o de
significados, sendo assim, o que existente é uma situação que reivindica em si potenciais de
ação, o que transparece uma atitude fenomenológica de habitar a paisagem.
O que destacamos em nosso texto é que o intelectualismo e o empirismo filosófico não
encerram a questão do espaço único, a percepção como vimos é se realiza no cerne de fundo do
mundo, o que inclui a paisagem enquanto categoria geográfica dentro deste horizonte subjetivo
de realização. Assim sendo, se desvela a unidade entre "paisagem e espaço corporal ou
percebido são uma a mesma coisa, contanto que o sujeito se-ia co-partícipe de seu movimento
e reprodução" (LIMA, 2007, p. 82). O que devemos considerar é essa percepção vivida daquele
que está presente na experiência com seu corpo e o mundo.
É necessário refletir sobre a questão que fizeram para Merleau-Ponty em razão do modo
de pensar em ser preferível o sol do astrônomo ao sol do camponês. Ambos coabitam o mesmo
fundo de mundo e as suas referências se constituem não em continuidade, mas trazem uma
questão referente à experiência vívida, de algo de interesse para uma compreensão existencial
do homem ôntico-ontológico. Sem dúvida, como diz Merleau-Ponty, ao citar Hegel que a Terra
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é o centro metafísico do mundo, logo, percebe que o sol do astrônomo é uma necessidade para
a liberdade, quanto mais se adquire conhecimento exato sobre a natureza. Não se trata de
contradizer um com o outro, em termos de percepção ingênua e percepção científica, mas é não
encerrar o homem e o mundo em uma imagem imóvel do universo. O universo da experiência
e o sujeito desse processo de estar-no-mundo é um constante refazer do em si e para si. Assim
como Milton Santos, a paisagem não pode ser confundida com o puro substrato material que é
dotada de um em si no processo analítico, mas é existente o homem que põe o espaço em
perspectiva, ou melhor dizendo, o ser-no-mundo que se abre e abriga uma pretensa
materialidade congelada no tempo em história viva por fazer.
O esforço do texto está distante de abarcar totalmente a possibilidade da discussão das
descrições estruturas do ser-no-mundo da paisagem, mas ele contém como um caminho a ser
empreendido para a compreensão da totalidade do que está sempre em torno do homem, com o
vínculo de uma geografia fenomenológica necessitamos abarcar pontos que possam dar o
devido suporte teórico que esteja em vista perante uma epistemologia que abarque a vasta
abertura do ser-paisagem. Como vimos, é o corpo que intercala o terceiro termo da mediação,
considerando em vista que o mesmo é capaz de atravessar o mundo com seu sentido próprio de
ser.
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