Ensaios de Geografia
Essays of Geography | POSGEO-UFF
AO CITAR ESTE TRABALHO, UTILIZAR A SEGUINTE REFERÊNCIA:
MACHADO, Marcia Thaís de Oliveira; FORTUNA, Denizart; PEREIRA, Diego Carlos. ENSINO DAS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS E
O ENSINO DE GEOGRAFIA: entrevista com a Professora-Pesquisadora Larissa Lima de Souza. Ensaios de Geografia. Niterói, vol. 9, nº
18, pp. 168-178, maio-agosto de 2022.
Submissão em: 22/12/2021. Aceito em: 02/07/2022.
ISSN: 2316-8544
Este trabalho está licenciado com uma licença Creative Commons
168
SEÇÃO ENTREVISTAS
LARISSA LIMA DE SOUZA
COLÉGIO PEDRO II/PPGG-UFRJ
Breve apresentação da entrevistada
Larissa Lima de Souza é professora da disciplina de geografia do Colégio Pedro II e é especialista em Ensino de
História da África. Atualmente, a docente é doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Geografia da
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Suas pesquisas englobam política e estudos afro-brasileiros e as
relações étnico- raciais na Educação.
Palavras-chave
Ensino de Geografia; Relações Étnico-Raciais; Educação
Brief presentation of the interviewee
Larissa Lima de Souza is a geography teacher at Colégio Pedro II and a specialist in African History Teaching.
She is currently in the Graduate Program in Geography at the Federal University of Rio de Janeiro (UFRJ). Her
research encompasses Afro-Brazilian politics and studies and ethnic-racial relations in education.
Keywords
Geography Teacher; Ethnic-Racial Relations; Education.
Breve presentación de la entrevistada
Larissa Lima es profesora de Geografía en el Colegio Pedro II y es especialista en la Enseñanza de la Historia
Africana. Actualmente, está cursando doctorado en el Programa de Posgrado en Geografía de la Universidad
Federal de Río de Janeiro (UFRJ). Sus investigaciones abarcan la política y estudios afrobrasileños y las relaciones
étnico- raciales en la Educación.
Palabras-clave
Enseñanza de Geografía; Relaciones étnico-raciales; Educación.
Ensaios de Geografia
Essays of Geography | POSGEO-UFF
AO CITAR ESTE TRABALHO, UTILIZAR A SEGUINTE REFERÊNCIA:
MACHADO, Marcia Thaís de Oliveira; FORTUNA, Denizart; PEREIRA, Diego Carlos. ENSINO DAS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS E
O ENSINO DE GEOGRAFIA: entrevista com a Professora-Pesquisadora Larissa Lima de Souza. Ensaios de Geografia. Niterói, vol. 9, nº
18, pp. 168-178, maio-agosto de 2022.
Submissão em: 22/12/2021. Aceito em: 02/07/2022.
ISSN: 2316-8544
Este trabalho está licenciado com uma licença Creative Commons
169
Introdução
Em nome da cidadania, as escolas
brasileiras possuem inúmeros desafios, e
um desses é o curricular. A sua importância
reside nas potencialidades de
profissionalização e continuidade em
estudos no ensino superior, da formação no
campo dos direitos e deveres, além da
visibilidade social das questões políticas,
especialmente contemporâneas. Constitui-
se, assim, um espaço institucional de grande
importância para a formação e as ações de
cada um de nós como cidadãos.
Em uma sociedade prenhe de
inúmeras desigualdades e marcadores
identitários, as demandas por políticas
públicas específicas a grupos sociais
subalternizados têm demarcado espaços de
luta política incessantes, mormente após a
promulgação da Constituição de 1988. No
âmbito escolar, especificamente curricular,
essas desigualdades tendem a ser
reproduzidas, havendo silenciamentos
materializados nas políticas e propostas
governamentais que tensionam o chão da
sala de aula a disputar cotidianamente um
currículo mais democrático e plural.
Dentre essas lutas, uma delas
merece destaque: a promoção da justiça
social pelo exercício pleno e equitativo da
cidadania por parte da população negra e da
cultura de matriz africana em nossa
sociedade. Pode-se dizer que tal plenitude
perpassaria pela (negação ou “falta de”)
compreensão, (re)conhecimento, validade e
valorização da sua historicidade, da sua
identidade, de suas representações sociais e
culturais. Não é exagero afirmar que a Lei
10.639/03 é um dos produtos dessa
mobilização, inclusive daqueles
movimentos negros consagrados antes
mesmo da promulgação da Carta Cidadã ao
final dos anos oitentas.
Com a licença da generalização no
que diz respeito às interseccionalidades
desses próprios sujeitos, a implementação
da Lei para as novas diretrizes curriculares
no tocante aos estudos da História da
África, assim como da História e Cultura
Afro-brasileira, é uma positividade no que
tange aos preceitos de um Estado de Direito,
pois legitimam enquanto possibilidade
curricular a reconstituição das narrativas e
das epistemologias escolares sobre os povos
Ensaios de Geografia
Essays of Geography | POSGEO-UFF
AO CITAR ESTE TRABALHO, UTILIZAR A SEGUINTE REFERÊNCIA:
MACHADO, Marcia Thaís de Oliveira; FORTUNA, Denizart; PEREIRA, Diego Carlos. ENSINO DAS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS E
O ENSINO DE GEOGRAFIA: entrevista com a Professora-Pesquisadora Larissa Lima de Souza. Ensaios de Geografia. Niterói, vol. 9, nº
18, pp. 168-178, maio-agosto de 2022.
Submissão em: 22/12/2021. Aceito em: 02/07/2022.
ISSN: 2316-8544
Este trabalho está licenciado com uma licença Creative Commons
170
africanos e seus descendentes em terras
brasileiras
1
. Negros como sujeitos
históricos, pensantes, desenvolvedores de
tecnologias, veiculadores de linguagens e
de diversas religiosidades são “pontos de
partida” desenvolvidos em diversas das
salas de aula da educação básica, bem como
da modalidade de ensino denominada
educação de jovens e adultos das redes
oficiais e privadas de ensino. Não obstante,
os desafios são inúmeros.
A entrevista realizada com a Prof.ª
Larissa Lima de Souza, doutoranda do
Programa de Pós-Graduação em Geografia
da Universidade Federal do Rio de Janeiro
e com atuação nos anos escolares da
educação básica do Colégio Pedro II e
docente da rede municipal do município
fluminense de Duque de Caxias, ocorreu em
19 de novembro de 2020 e proporcionou um
olhar profícuo, produtivo e arguto graças às
suas práticas docentes e aos seus estudos e
investigações realizados ao assunto em tela
até o momento. Este diálogo, certamente,
1
“No ano de 2008, foi aprovada a Lei 11.645/08 que
altera a Lei 10.639/03, incluindo na LDB o ensino de
História e Cultura Indígena, juntamente com a
História e Cultura Afro-brasileira. Essa alteração
enriqueceu o nosso arcabouço conceitual,
pedagógico e político, principalmente aos
interessados ou integrantes de grupos dos
movimentos negros, aos professores e
demais licenciandos, aos alunos das redes
públicas e privadas de ensino e a todes
aqueles que acreditam em nossas
incumbências civis de tornarmos uma
sociedade brasileira mais tolerante,
respeitosa e compromissada aos aspectos
sociais mais amplos da diversidade. Este é
o convite aos leitores desta revista.
1. Formação de Professores de
Geografia os estágios supervisionados
“remotos”
Essa oportunidade de conversas
com professores-pesquisadores foi uma das
nossas ações pedagógicas desenvolvidas
em um tempo no qual o mundo é acometido
pela trágica e contagiante transmissão do
vírus Sars-CoV-19. De contágio direto e
com riscos à saúde e de morte por causa do
possível desenvolvimento de sintomas
expressa a inserção de pautas dos povos originários
no campo da educação [...]” (OLIVEIRA, 2015; p.
158).
Ensaios de Geografia
Essays of Geography | POSGEO-UFF
AO CITAR ESTE TRABALHO, UTILIZAR A SEGUINTE REFERÊNCIA:
MACHADO, Marcia Thaís de Oliveira; FORTUNA, Denizart; PEREIRA, Diego Carlos. ENSINO DAS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS E
O ENSINO DE GEOGRAFIA: entrevista com a Professora-Pesquisadora Larissa Lima de Souza. Ensaios de Geografia. Niterói, vol. 9, nº
18, pp. 168-178, maio-agosto de 2022.
Submissão em: 22/12/2021. Aceito em: 02/07/2022.
ISSN: 2316-8544
Este trabalho está licenciado com uma licença Creative Commons
171
severos, a realização dos estágios
supervisionados em ambientes formativos,
tais como os escolares, e as aulas
presenciais nos campi universitários foram
suspensas. Mesmo com a autorização da
retomada do primeiro período letivo de
2020 em setembro do mesmo ano para as
turmas dos cursos de graduação da UFF,
essa foi sob a condição remota, conforme a
decisão do Conselho de Ensino, Pesquisa e
Extensão (CEPEx), em 14 de agosto de
2020, quando houve a aprovação do
Regulamento do Ensino Remoto
Emergencial, em caráter excepcional e
temporário (Resolução nº 160/2020
2
).
A entrevista concedida pela Prof
Larissa Lima de Souza aos alunos do Curso
de Licenciatura em Geografia, de Niterói,
da Universidade Federal Fluminense, se
deu durante as aulas, portanto, remotas do
componente curricular denominado até
então como Pesquisa e Prática de Ensino em
2
A Resolução 160/2020 determina as diretrizes
para o planejamento dos componentes curriculares,
atividades de avaliação, criação, oferta,
cancelamento de disciplinas, trancamento de
matrícula, frequência, integralização, estágios e
práticas. Disponível em:
<http://www.uff.br/?q=noticias/19-08-
2020/conheca-os-detalhes- sobre-regulamentacao-
Geografia IV (PPE IV). Tal componente
refere-se às 100 horas finais do estágio
supervisionado obrigatório e, nesse
momento, ministrado pelos Professores
Denizart Fortuna e Diego Carlos Pereira, da
Faculdade de Educação (FEUFF). A
propósito, com as duas turmas (G1 e G2) de
PPE IV formadas, o começo dos trabalhos
foi em 14 de setembro e durou até 19 de
dezembro do mesmo ano. Em que pese as
dificuldades de acompanhamento e
execução de atividades remotas com
professores escolares durante a pandemia,
nós, professores e licenciandos tivemos as
primeiras experiências com aulas remotas.
Contou-se também com a monitoria da
discente Marcia Thais Machado, graduanda
do mesmo Curso.
Tratando-se das entrevistas por uma
ação pedagógica denominada Diálogos
com quem gosta de ensinar”
3
, quando os
convidados dedicaram seus tempos
do-ensino-remoto-emergencial-na-uff>. Acesso em:
31 mar. 2021.
3
A nomeação da atividade não deixa de ser um
plágio” da tocante e perseverante obra de Rubem
Alves, Conversas com quem gosta de ensinar, de
1980. À semelhança dessa, nós pretendemos não
reduzir os licenciandos ao silêncio ou, o contrário:
Ensaios de Geografia
Essays of Geography | POSGEO-UFF
AO CITAR ESTE TRABALHO, UTILIZAR A SEGUINTE REFERÊNCIA:
MACHADO, Marcia Thaís de Oliveira; FORTUNA, Denizart; PEREIRA, Diego Carlos. ENSINO DAS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS E
O ENSINO DE GEOGRAFIA: entrevista com a Professora-Pesquisadora Larissa Lima de Souza. Ensaios de Geografia. Niterói, vol. 9, nº
18, pp. 168-178, maio-agosto de 2022.
Submissão em: 22/12/2021. Aceito em: 02/07/2022.
ISSN: 2316-8544
Este trabalho está licenciado com uma licença Creative Commons
172
preciosos para compartilharem as suas
propostas de pesquisa, achados,
experiências e práticas docentes, além de
posicionamentos voltados aos mais
variados campos das Ciências da Educação,
exigimos dos licenciandos leituras prévias
dos textos selecionados pelos docentes com
os quais conversamos e a elaboração de
perguntas a serem realizadas durante a
apresentação cuja duração, em média, foi de
1 hora e 40 minutos. Temos adotado como
pressuposto metodológico para a formação
de professores em Geografia a autoria
crítica dos licenciandos e, nesse sentido,
incentivá-los à elaboração de perguntas e de
diálogos críticos e horizontais com a
professora convidada. A tentativa é
estabelecer uma perspectiva de, mesmo em
âmbito remoto, promovermos a formação
dialógica e coletiva de socialização de
tessituras que tensionam os silenciamentos
e protagonizam narrativas e epistemologias
decoloniais.
A seleção e organização das
perguntas a serem feitas, além do
“[...] como em uma conversa, tecer uma a dois, ou a
três... [...]” (ALVES, 1980; p. 3).
acompanhamento dos estudos dos
graduandos de acordo com as produções
acadêmicas sugeridas pelos entrevistados,
foi parte do trabalho da monitora Marcia
Thaís de Oliveira Machado. Sua atividade
foi fundamental para a exequibilidade das
entrevistas para ambas as turmas. No caso
da entrevista da Professora Larissa Lima de
Souza não foi diferente.
Vale ressaltar que as relações
étnico-raciais no ensino de Geografia,
enquanto conteúdo curricular, faziam
parte da ementa de PPE IV mais de 10
anos. Essa decisão coube ao grupo de
docentes que já atuaram anteriormente com
esses estágios pela Faculdade de Educação
na primeira década deste século. Coube aos
docentes atuais, aliás, continuarem a mantê-
lo porque igualmente o consideram urgente
e de grande importância para a
profissionalização docente, a exemplo dos
currículos escolares. Ademais, o
posicionamento dos colegas da FEUFF
responsáveis por estes componentes
oferecidos ao Curso de Licenciatura em
Ensaios de Geografia
Essays of Geography | POSGEO-UFF
AO CITAR ESTE TRABALHO, UTILIZAR A SEGUINTE REFERÊNCIA:
MACHADO, Marcia Thaís de Oliveira; FORTUNA, Denizart; PEREIRA, Diego Carlos. ENSINO DAS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS E
O ENSINO DE GEOGRAFIA: entrevista com a Professora-Pesquisadora Larissa Lima de Souza. Ensaios de Geografia. Niterói, vol. 9, nº
18, pp. 168-178, maio-agosto de 2022.
Submissão em: 22/12/2021. Aceito em: 02/07/2022.
ISSN: 2316-8544
Este trabalho está licenciado com uma licença Creative Commons
173
Geografia do Instituto de Geociências é a
afirmação de seu ensino condicionado à
sólida análise crítica das questões
envolvidas sob o olhar geográfico.
Nesse sentido, nós consideramos
que para a efetiva conscientização crítica
das “práticas” curriculares, o saber-fazer
deverá ser acompanhado por denso
embasamento teórico propiciando a
reflexão da prática de forma incessante. A
prática, assim, ganha o significado de
práxis. Na perspectiva de uma educação
geográfica cidadã, o nosso movimento
empreendido e articulado visa a promoção
do maior reconhecimento das contribuições
da população afro-brasileira nas
espacialidades da vida social nacional, bem
como das novas (re)escritas
epistemológicas nos currículos produzidos.
A entrevista com a colega docente nos
mostra alguns desses caminhos.
4
As perguntas foram selecionadas previamente. Em
seguida, o nosso procedimento foi o
encaminhamento do Termo de Consentimento Livre
e Esclarecido (TCLE) aos seus autores. Com o
retorno dos Termos devidamente assinados por sua
aprovação, apresentamos neste artigo os respectivos
2. “Diálogos com quem gosta de
ensinar”: Prof.ª Larissa Lima de Souza
4
- Considerando um cenário de poucas
aulas disponíveis, não seria melhor
trabalhar com a perspectiva de uma
educação antirracista focada na análise
sobre as relações raciais no Brasil do que
no ensino de África?
Trabalharmos a lei 10.639/03 a partir da
Geografia é uma tarefa com múltiplos
caminhos possíveis, como aponta o
professor Renato Emerson. Para a nossa
conversa de hoje, escolhi propor um
diálogo entre um texto desse professor com
um de minha autoria sobre o ensino de
Geografia da África, por ter sido uma
sistematização de experiência pedagógica
que considero significativa na minha
trajetória e devido à importância do que
Renato Emerson denomina “geopolítica
das identidades”.
- A professora acredita que numa turma
de maioria branca numa escola
particular seria possível trabalhar a
desconstrução dos estereótipos sobre a
nomes: Ana Carolina Marques dos Santos; Beatriz
Menezes Marques de Oliveira; Clara Cristina
Scheidt Fragoso; Emilly Fiuza Santana; Graziela
Tardin Castellar Soares; Juliana Ramos e Paulo
Henrique Santos.
Ensaios de Geografia
Essays of Geography | POSGEO-UFF
AO CITAR ESTE TRABALHO, UTILIZAR A SEGUINTE REFERÊNCIA:
MACHADO, Marcia Thaís de Oliveira; FORTUNA, Denizart; PEREIRA, Diego Carlos. ENSINO DAS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS E
O ENSINO DE GEOGRAFIA: entrevista com a Professora-Pesquisadora Larissa Lima de Souza. Ensaios de Geografia. Niterói, vol. 9, nº
18, pp. 168-178, maio-agosto de 2022.
Submissão em: 22/12/2021. Aceito em: 02/07/2022.
ISSN: 2316-8544
Este trabalho está licenciado com uma licença Creative Commons
174
África e os africanos da mesma maneira
ou similar como foi abordado na escola
municipal de Caxias?
Primeiro, é necessário reforçar que
esse combate aos estereótipos vinculados
ao continente africano e aos africanos e
afro-brasileiros é fundamental com nossos
estudantes brancos. Esse tipo de atividade
pedagógica vai contribuir para diminuir ou
retirar a sensação de superioridade que
geralmente as pessoas brancas no Brasil
possuem. É importante lembrar que
algumas escolas privadas adotam e
respeitam mais a autonomia docente e
outras menos. Mas nada é impossível de ser
negociado. E nesse sentido, a própria Lei
10.639/03 pode ser utilizada a nosso favor.
Afinal, que coordenação ou direção vai
afirmar deliberadamente o desrespeito à
LDB?
- A outra consideração é sobre a
importância da autoria docente e do
compartilhamento das experiências.
Larissa, você termina o texto com aquele
questionamento sobre como podemos
romper com esses estereótipos da África
sem exaltar os valores eurocêntricos
como “progresso” e “modernização”, e
algo que eu tento trabalhar quando vou
produzir textos didáticos [escolares] nos
estágios, por exemplo, são as outras
possibilidades para além daquilo que
conhecemos como “desenvolvimento”.
Mas, ainda assim, é bastante arriscado
cairmos nessas falácias de progresso e
modernização e o compartilhamento das
experiências acaba por servir como uma
contínua troca e reflexão do nosso
trabalho enquanto docente.
Obrigada pela leitura e pela
observação. Hoje, após dois anos da
apresentação dessa prática pedagógica,
também gostaria de lembrar que para
algumas sociedades africanas, como os
iorubás, a tecnologia é um domínio do orixá
Ogum. Ou seja, a inovação tecnológica o
é, em si, uma referência apenas ocidental.
Então, para minhas próximas atividades
pedagógicas, essa será uma base
importante.
- Como desconstruir estereótipos que os
alunos têm sobre África sem criar outros
estereótipos relativos ao que é moderno e
avançado?
Acho importante historicizarmos os
conhecimentos e os lugares. Por exemplo,
alguns conhecimentos e práticas de origem
africana foram fundamentais para a
construção do território brasileiro. Os
Ensaios de Geografia
Essays of Geography | POSGEO-UFF
AO CITAR ESTE TRABALHO, UTILIZAR A SEGUINTE REFERÊNCIA:
MACHADO, Marcia Thaís de Oliveira; FORTUNA, Denizart; PEREIRA, Diego Carlos. ENSINO DAS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS E
O ENSINO DE GEOGRAFIA: entrevista com a Professora-Pesquisadora Larissa Lima de Souza. Ensaios de Geografia. Niterói, vol. 9, nº
18, pp. 168-178, maio-agosto de 2022.
Submissão em: 22/12/2021. Aceito em: 02/07/2022.
ISSN: 2316-8544
Este trabalho está licenciado com uma licença Creative Commons
175
povos genericamente denominados
“bantos” dominavam técnicas de
metalurgia e adaptação agrícola em áreas
de floresta e savana antes de serem
sequestrados para cá. os iorubás
dominavam técnicas de mineração que os
portugueses não tinham. Ou seja, muitos
conhecimentos técnicos existentes no
continente africano eram mais avançados
que os dos europeus quando estes
começaram a colonizar o Brasil e as
Américas. Um livro que aborda essa
questão é o “Tecnologia Africana na
Formação do Brasil”, do Henrique Cunha
Júnior.
Outro caminho possível é trabalhar
com as epistemologias de alguns povos,
como os iorubás, cuja relação sagrada com
a natureza é fundamento de seu existir no
mundo. Cada elemento da natureza é
divinizado e deve ser respeitado.
E um terceiro caminho é evidenciar
estratégias contemporâneas de
modificação do espaço geográfico africano
através da busca pela natureza e seus usos,
como é caso da Grande Muralha Verde,
idealizada pela ambientalista Wangari
Maathai, primeiro Nobel da Paz de uma
mulher africana.
- Qual é a sua opinião sobre a abordagem
de rituais, religiosidade, vestuário, moda,
beleza, culinária, comportamento e
saberes de matriz africana
determinantes para evolução da
humanidade, para desconstrução da
“inferioridade”, serem explorados de
forma presencial ou virtual para além de
uma data específica ou um evento isolado
no calendário escolar?
Considero fundamental que esses
conhecimentos estejam na escola ao longo
de todo o ano letivo e, obviamente, como um
esforço de uma coletividade e não apenas
de um docente. Outro aspecto importante
ao qual devemos prestar atenção para não
reproduzirmos é a folclorização desses
saberes e práticas. Esse tipo de conteúdo
sempre vai gerar incômodos, mas se não o
trouxermos para a escola, contribuiremos
para o racismo através do silenciamento.
- O que é mais desafiador: reestruturar o
currículo de geografia na universidade
ou na escola? Precisaria partir
primeiramente de um lado?
Vejo os dois como bastante
desafiadores e, como todo processo de
Ensaios de Geografia
Essays of Geography | POSGEO-UFF
AO CITAR ESTE TRABALHO, UTILIZAR A SEGUINTE REFERÊNCIA:
MACHADO, Marcia Thaís de Oliveira; FORTUNA, Denizart; PEREIRA, Diego Carlos. ENSINO DAS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS E
O ENSINO DE GEOGRAFIA: entrevista com a Professora-Pesquisadora Larissa Lima de Souza. Ensaios de Geografia. Niterói, vol. 9, nº
18, pp. 168-178, maio-agosto de 2022.
Submissão em: 22/12/2021. Aceito em: 02/07/2022.
ISSN: 2316-8544
Este trabalho está licenciado com uma licença Creative Commons
176
reestruturação curricular, são envoltos em
relações de poder. Talvez seja uma via de
mão dupla; um movimento paralelo de
discussões e tensionamentos em relação a
quem está à frente da elaboração dos
documentos curriculares, muitas vezes
distanciados do chão da sala de aula.
- Quais são suas perspectivas futuras
como esse projeto desenvolvido sobre o
continente africano? Você enxerga a
possibilidade do desenvolvimento de um
trabalho mais amplo e multidisciplinar,
de forma que possa envolver toda a
escola?
O projeto para desconstruir uma
história única sobre África compartilhado
através do meu texto ocorreu em um outro
momento e contexto profissionais.
Atualmente, estou em outra rede de ensino
e trabalhando com turmas
majoritariamente brancas. Mas, em 2019,
consegui utilizar as mesmas referências de
materiais e rodas de conversa com a turma
de oitavo ano que possuía. E o resultado foi
bastante satisfatório também. Minha
perspectiva é continuar em busca de uma
prática decolonial que rompa essas
representações estereotipadas sobre a
África, os africanos e os afro-brasileiros,
devido ao caráter antirracista desse tipo de
atividade. Acredito que é possível
transformá-lo em projeto interdisciplinar,
mas a instituição em que atuo possui uma
cultura escolar bastante disciplinar e isso
pode ser uma dificuldade para a ampliação
desse projeto. No entanto, não é impossível.
- Ao entrar em uma sala de aula do setor
público no Rio de Janeiro,
principalmente na Baixada Fluminense,
os professores se deparam com jovens
mais carentes economicamente,
periféricos e em sua maioria negros.
Durante as aulas de geografia, como as
temáticas referentes ao continente
africano, no que se refere aos pontos
negativos e delicados daquela sociedade
(como a pobreza, fome, criminalização),
podem ser abordados pelo professor sem
que haja um potencial estranhamento
dos alunos que venham se identificar com
aquele cenário? Minha pergunta se
pelo fato de que ao abordar as temáticas
problemáticas do continente, podemos
nos deparar com realidades muito
próximas desses alunos, o que faz com
que a teoria não fique tão distante da
prática em suas vidas e que, alguns desses
alunos, podem ter bastante propriedade
sobre determinadas situações e temas
que nós, mesmo como professores e
detentores o saber teórico, jamais
teríamos a mesma propriedade ao
abordar.
Ensaios de Geografia
Essays of Geography | POSGEO-UFF
AO CITAR ESTE TRABALHO, UTILIZAR A SEGUINTE REFERÊNCIA:
MACHADO, Marcia Thaís de Oliveira; FORTUNA, Denizart; PEREIRA, Diego Carlos. ENSINO DAS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS E
O ENSINO DE GEOGRAFIA: entrevista com a Professora-Pesquisadora Larissa Lima de Souza. Ensaios de Geografia. Niterói, vol. 9, nº
18, pp. 168-178, maio-agosto de 2022.
Submissão em: 22/12/2021. Aceito em: 02/07/2022.
ISSN: 2316-8544
Este trabalho está licenciado com uma licença Creative Commons
177
Acredito que é imprescindível que
os estudantes compreendam as razões
dessas possíveis proximidades e
identificações. Por que espaços tão
distantes fisicamente se assemelham em
relação às condições materiais e sociais?
Nesse sentido, é fundamental que nós
docentes elaboremos reflexões acerca
desses porquês. E isso, certamente, está
vinculado à própria premissa do
capitalismo ao gerar desigualdades
socioespaciais. Além disso, não basta
naturalizar essas causas, gerando
resignação, mas principalmente levar para
a sala de aula exemplos de estratégias de
resistência nesses territórios. E aproveitar
o conhecimento que os estudantes possuem
de seus próprios territórios e comunidades
pode ser o diferencial das nossas práticas.
- Larissa, como é o desafio de ensinar
sobre o continente africano, as pessoas, e
as culturas, sabendo que muitos dos
alunos tem uma visão (construída pela
sociedade e, principalmente, a mídia)
negativa da África?
Essa é uma tarefa sempre instigante
e que requer múltiplas estratégias em busca
de reinvenção. A cada ano, início uma
conversa sobre o continente africano (no
caso dos anos finais do ensino
fundamental) buscando desconstruir
estereótipos. E a partir da autocrítica em
relação a anos anteriores, tento criar novas
maneiras de trabalhar afirmativamente a
Geografia da África. Uma coisa é
fundamental: é sempre necessário partir
dessas imagens que xs estudantes carregam
sobre o continente africano, sem julgá-lxs
pelos eventuais preconceitos, para
construir o planejamento das etapas
seguintes de aprendizagem.
Referências bibliográficas
ALVES, R. Conversas com quem gosta de
ensinar. São Paulo/Guarulhos: Cortez
Editora/Editora Parma, 1980.
BRASIL, Ministério da Educação (MEC).
Diretrizes Curriculares Nacionais para a
Educação das Relações Étnico-Raciais e
para o Ensino da História e Cultura
Afro-Brasileira e Africana. Brasília:
MEC, 2004.
BRASIL, Ministério da Educação (MEC).
Orientações e Ações para a Educação das
Relações Étnico- Raciais. Brasília:
SECAD, 2006, p. 31-74.
Ensaios de Geografia
Essays of Geography | POSGEO-UFF
AO CITAR ESTE TRABALHO, UTILIZAR A SEGUINTE REFERÊNCIA:
MACHADO, Marcia Thaís de Oliveira; FORTUNA, Denizart; PEREIRA, Diego Carlos. ENSINO DAS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS E
O ENSINO DE GEOGRAFIA: entrevista com a Professora-Pesquisadora Larissa Lima de Souza. Ensaios de Geografia. Niterói, vol. 9, nº
18, pp. 168-178, maio-agosto de 2022.
Submissão em: 22/12/2021. Aceito em: 02/07/2022.
ISSN: 2316-8544
Este trabalho está licenciado com uma licença Creative Commons
178
BRASIL. Lei nº 10.639 de 9 de janeiro de
2003. Altera a Lei N. 9.394/1996, que
estabelece as diretrizes e bases da educação
nacional, para incluir no currículo oficial da
Rede de Ensino a obrigatoriedade da
temática “História e Cultura Afro-
brasileira”, e dá outras providências. Diário
Oficial da República Federativa do Brasil.
Brasília, DF, 9 jan. 2003. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEI
S/2003/L10.639.htm>. Acesso em: 09 dez.
2021.
BRASIL. Lei 11.645, de 10 de março de
2008. Altera a Lei N. 9.394, de 20 de
dezembro de 1996, modificada pela Lei N.
10.639, de 9 de janeiro de 2003, que
estabelece as diretrizes e bases da educação
nacional, para incluir no currículo oficial da
rede de ensino a obrigatoriedade da
temática História e Cultura Afro-Brasileira
e Indígena”. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil
_03/_Ato2007-
2010/2008/Lei/L11645.htm>. Acesso em:
10 dez. 2021.
5
Graduada em Licenciatura em Geografia pela
Universidade Federal Fluminense.
6
Professor da Faculdade de Educação da
Universidade Federal Fluminense. Doutor em
Geografia (UFRJ).
OLIVEIRA, D. A. Possibilidades de leitura
do continente africano a partir do Ensino de
Geografia: uma avaliação preliminar dos
impactos da Lei 10.639/03. In: BEZERRA,
A. C. A.; LOPES, J. J. M.; FORTUNA, D.
Formação de Professores de Geografia:
diversidade, práticas e experiências.
Niterói: EDUFF, 2015.
UNIVERSIDADE FEDERAL
FLUMINENSE. Conselho de Ensino,
Pesquisa e Extensão. Resolução
160/2020. Regulamenta o ensino remoto
emergencial, em caráter excepcional e
temporário, nos cursos de graduação
presencial da Universidade Federal
Fluminense e outras providências.
Niterói, RJ, 2020. Disponível em:
<http://uff.br/sites/default/files/paginas-
internas-orgaos/bs_-150-20_-
resolucao_cepex_160-
2020_ensino_remoto.pdf>. Acesso em: 13
ago. 2021.
7
Professor da Faculdade de Educação da
Universidade Federal Fluminense. Doutor em
Geografia (UNESP).
Marcia Thaís de Oliveira Machado
5
Universidade Federal Fluminense (UFF),
Rio de Janeiro, Brasil
e-mail: marciathais@id.uff.br
Denizart Fortuna
6
Universidade Federal Fluminense (UFF),
Rio de Janeiro, Brasil
e-mail: denizartfortuna@id.uff.br
Diego Carlos Pereira
7
Universidade Federal Fluminense (UFF),
Rio de Janeiro, Brasil
e-mail: diegocarlos@id.uff.br