Ensaios de Geografia
Essays of Geography | POSGEO-UFF
AO CITAR ESTE TRABALHO, UTILIZAR A SEGUINTE REFERÊNCIA:
PORTO-GONÇALVES, Carlos Walter; ROCHA, Pedro Henrique; TRINDADE, Helena. UMA GEOGRAFIA DECOLONIAL DA
PANDEMIA: um olhar sobre o ano de 2020. Ensaios de Geografia. Niterói, vol. 9, nº 19, pp. 39-65, set-dez de 2022.
Submissão em: 02/02/2022. Aceito em: 16/05/2022.
ISSN: 2316-8544
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39
SEÇÃO ARTIGOS
UMA GEOGRAFIA DECOLONIAL DA PANDEMIA
1
:
um olhar sobre o ano de 2020
A DECOLONIAL GEOGRAPHY OF THE PANDEMIC:
a look at the year 2020
UNA GEOGRAFÍA DECOLONIAL DE LA PANDEMIA:
una mirada al año 2020
Carlos Walter Porto-Gonçalves
2
Universidade Federal Fluminense (UFF),
Rio de Janeiro, Brasil
Universidade Federal de Santa Catarina
(UFSC), Santa Catarina, Brasil
e-mail: cwpg@uol.com.br
Pedro Henrique Rocha
3
Universidade Federal Fluminense (UFF),
Rio de Janeiro, Brasil
e-mail: pehenrique@id.uff.br
Helena Trindade
4
Universidade Federal Fluminense (UFF),
Rio de Janeiro, Brasil
e-mail: helenatrindade@id.uff.br
Resumo
Este trabalho busca analisar a pandemia provocada pela COVID-19 (Coronavirus Disease 19) no ano de 2020 a
partir de uma leitura decolonial dos seus acontecimentos. Compreendendo as assimetrias das relações sociais e de
poder, buscou-se analisar quais os impactos e os efeitos do coronavírus nos territórios e nas diferentes geografias,
sobretudo em uma escala de análise global, e quais os impactos e os efeitos do vírus foram agravados pelos
discursos e ações coloniais.
Palavras-chave
Coronavírus; decolonialidade; pandemia.
1
Este artigo compõe uma parte dos resultados observados no projeto de pesquisa “Desigualdade Socioespacial e
a Expansão da COVID-19 no Brasil” aprovado pela Pró-Reitoria de Pesquisa, Pós-Graduação e Inovação, Pró-
Reitoria de Graduação e Pró-Reitoria de Extensão da Universidade Federal Fluminense. Uma versão preliminar
deste texto foi apresentada junto ao Instituto de Estudos Latino-Americanos/IELA.
2
Professor Visitante do Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Ciências Humanas da Universidade
Federal de Santa Catarina, Professor Titular do Programa de s-Graduação em Geografia da Universidade
Federal Fluminense e Coordenador do Laboratório de Estudos de Movimentos Sociais e Territorialidades
(LEMTO/UFF)
3
Pós-graduando em Saúde Pública pela Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca (ENSP/FIOCRUZ).
Graduado em Geografia pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Membro do Laboratório de Estudos de
Movimentos Sociais e Territorialidades (LEMTO/UFF). Membro do Grupo de Trabalho de Saúde da AGB.
4
Graduada em Geografia pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Membra do Laboratório de Estudos de
Movimentos Sociais e Territorialidades (LEMTO/UFF).
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PANDEMIA: um olhar sobre o ano de 2020. Ensaios de Geografia. Niterói, vol. 9, nº 19, pp. 39-65, set-dez de 2022.
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Abstract
This paper seeks to analyze the pandemic caused by COVID-19 (Coronavirus Disease 19) in the year 2020 from
a decolonial reading of its events. Understanding the asymmetries of social and power relations, it sought to
analyze which impacts and effects of the coronavirus in territories and different geographies, especially on a global
scale of analysis, and which impacts and effects of the virus were aggravated by colonial discourses and actions.
Keywords
Coronavirus; decoloniality; pandemic.
Resumen
Este trabajo pretende analizar la pandemia provocada por el COVID-19 (Coronavirus Disease 19) en el año 2020
desde una lectura decolonial. Entendiendo las asimetrías de las relaciones sociales y de poder, se buscó analizar
qué impactos y efectos del coronavirus en los territorios y en las diferentes geografías, especialmente en una escala
global de análisis, y qué impactos y efectos del virus fueron agravados por los discursos y acciones coloniales.
Palabras-clave
Coronavirus; decolonialidad; pandemia.
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Introdução
Este artigo está impregnado pelo clima que deriva de seu próprio objeto de estudo, a
pandemia causada pela COVID-19. Temos aqui os primeiros resultados derivados de uma
análise geográfica da dinâmica pandêmica numa escala global no ano de 2020. Foi necessário,
para isso, recorrer ao patrimônio de conhecimento acumulado para tratar de epidemias e
pandemias em sua dimensão geográfica. No entanto, é necessário ressaltar que a pesquisa estava
sendo feita a respeito de um vírus que estava, e ainda está fazendo, sua própria Geografia, sua
própria História e, por conta disso, ressaltamos que o corte temporal é o período em que
observamos as marcas da primeira onda de casos de COVID-19 pelo globo e uma pequena parte
da segunda onda. Destacamos, também, que é um período anterior à difusão da vacinação e da
difusão de novas variantes (contemplando apenas o início dos destaques e das dúvidas sobre as
variantes Alpha, Beta, Gamma e Delta).
Nesse cenário, procuramos dar conta dessa dinâmica não recorrendo à literatura
científica especializada, como também aos pareceres das organizações nacionais e
internacionais de saúde, às coberturas da mídia por sua dupla natureza de informar e fazer ver
a realidade produzindo-a e, ainda, às posições de movimentos sociais organizados e seus
posicionamentos a respeito da pandemia que procurava dar conta da visão que emanava dos
que mais sofriam os efeitos da pandemia.
Com isso, partimos do pressuposto teórico que vivemos uma quadra histórica que vem
sendo caracterizada como caos sistêmico (ARRIGHI, 1996; WALLERSTEIN, 2002), como
crise de um padrão de poder e de saber (QUIJANO, 2010), ou como crise de uma geopolítica
do conhecimento (MIGNOLO, 2005) que nos governa 500 anos. Como sabemos, desde
Fernand Braudel, tempos vários se imbricam desde os tempos de larga e média duração ao
tempo dos acontecimentos (BRAUDEL, s/d apud WALLERSTEIN, 2002). Trata-se de um
momento de crise civilizatória, sobretudo de uma civilização que se impôs ao mundo através
de uma racionalidade técnico-econômica a que subjaz uma vontade de poder de “dominação da
natureza”, conforme a expressão emblemática de Francis Bacon (1561-1626). Para, sim,
interpretarmos a dinâmica provocada pela COVID-19.
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Primeiras aproximações
A pandemia provocada pela COVID-19, deve ser entendida nessa quadra histórica como
um evento imbricado nesse tempo civilizatório e em um tempo marcado pela racionalidade
técnico-econômica. Nesse contexto, a crise de hegemonia política, geopolítica, se manifesta
com toda força e qualquer evento se torna uma oportunidade para se afirmar e/ou desqualificar
eventuais adversários (SANTOS, 2014). É o que observamos com relação à pandemia, pelo
caráter global nela implicado e no desconhecimento da sua natureza cujos efeitos ameaçadores
implica a todos. As divergentes narrativas começam pelas abordagens sobre a origem do
vírus. Acautelamo-nos “na guerra, a primeira vítima é a verdade” (Ésquilo, 525 - 456 a.C.).
Assim, dentre as várias hipóteses sobre a origem da COVID-19
uma delas seria que o vírus teria escapado de um laboratório de investigação de armas
biológicas que incluía manipulação genética ou outros meios de vírus e bactérias
para fazê-los mais infecciosos a seres humanos, supostamente em busca de vacinas e
antídotos contra eles (RIBEIRO, 2021).
Nesse caso, analistas localizam laboratórios tanto estadunidenses, quanto chineses como
possíveis lugares de origem
5
. A analista Silvia Ribeiro, do ETCGroup
6
nos informa que há
outras hipóteses que associam a origem e difusão do SARS 2 e outras enfermidades
zoonóticas e pandêmicas, como a gripe aviária e a suína às interações do sistema
alimentar e agropecuário industrial, à destruição da biodiversidade, ao aumento de
transportes por tratados de livre comércio, aos deficientes sistemas de saúde e à falta
de acesso à água e à alimentação sadia [que] não são opostas. São complementares,
em qualquer caso amplificam os impactos. Apesar das enormes inversões públicas em
arriscadas aventuras corporativas como vacinas gênicas, as causas da pandemia
seguem intactas, gestando as próximas (RIBEIRO, 2021. Tradução nossa.).
As epidemias que grassaram em diversas regiões do mundo nos últimos 20 anos (SARS,
MERS, Gripe Aviária H5N1, Gripe Suína H1N1, Ebola, Zika, COVID-19, entre outros),
tiveram sua origem na expansão/invasão de um modo de produção industrial que vem
5
“Haja sido ou não um escape de laboratório, está claro que os riscos deste tipo de investigação são inaceitáveis,
não se justificam em nenhum caso e devem ser proibidos em todo mundo. Os acidentes em laboratórios de alto
nível de biossegurança ocorrem muito mais a miúdo do que imaginamos”, alerta Ribeiro (2021).
6
O ETCGroup é uma organização de cientistas que trabalha “brindando informações e análises das tendências
socioeconômicas e tecnológicas e as alternativas que existem”. Trata-se de uma das fontes mais confiáveis de
análise crítica das opções políticas que se fazem por meio da tecnologia em curso. Consultar
https://www.etcgroup.org/es.
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substituindo geossistemas, sobretudo não-urbanos (ecossistemas e agrossistemas), que se
reproduziam/reproduzem com base no Sol nosso de cada dia (fotossíntese), por geossistemas
com base na energia fóssil. Ou seja, na energia mineralizada há milhões de anos sob a forma de
carvão, gás e petróleo. Passamos, assim, de modos de produção/reprodução com base na
neguentropia
7
(LEFF, 2004), na autopoiesis
8
(MATURANA; VARELA; ACUÑA LLORENS,
1997), para um modo de produção/reprodução entrópico.
Esse modo de produção/reprodução urbanocêntrico implicou, sobretudo nos anos pós-
Segunda Guerra, um aumento exponencial da demanda de matéria e energia, o que
proporcionou a invasão de territórios outros. Dinâmica que favoreceu o capital em seus modos
financeiro, industrial, extrativismo mineral e, particularmente para o que nos interessa mais de
perto, uma agropecuária com base na industrialização com monoculturas de plantas e de
animais. Essa agropecuária com base na industrialização produz não muitos grãos e muita
carne, como produz também populações de sem-terra desruralizadas e sub-urbanizadas em
condições precárias. E agora, com o Coronavírus, se torna público que também produz
patógenos que afetam as populações mais vulneráveis seja por sua idade, seja por suas
condições socioambientais precárias.
Como “em qualquer tempo e em qualquer época, a saúde humana tende a seguir as
tendências dos sistemas sociais e do ambiente natural” (EPSTEIN, 1997 apud HERRERA,
2020, p. 3), o aparecimento das doenças acima mencionadas indica que definitivamente não
escapamos, como sociedade, do metabolismo da reprodução da vida. As cadeias tróficas não
são externas às sociedades humanas e as sociedades humanas não se desenvolvem fora da
natureza, como pensa a racionalidade que se impôs ao mundo desde o Renascimento e o
Iluminismo europeus, com sua geopolítica do conhecimento (MIGNOLO, 2020). Afinal, os
seres humanos que conformam as sociedades culturalmente referidas e politicamente
organizadas são seres biológicos e os corpos de cada quem são a melhor síntese (bios + polis)
7
Neguentropia, também designada sintropia ou entropia negativa, mede a organização das partículas de um
sistema. Diz respeito ao que contribui para o equilíbrio e para o desenvolvimento organizacional. É um princípio
simétrico e oposto ao de entropia física.
8
Autopoiesis, segundo Maturana, Varela e Acuaña Llorens (1997), é o que define um ser vivo enquanto tal, o fato
de se produzirem continuamente a si mesmos, sua capacidade de autocriação em uma dinâmica de relações em
uma contínua rede de interações.
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da relação sociedade-natureza. Enfim, a vida, como tal, estava fora do horizonte epistêmico e
político desse magma de significações imaginárias (CASTORIADIS, 1982), como vem
insistindo o filósofo Enrique Leff (2004). Afinal, tem prevalecido a produção sobre a
reprodução e o trabalho sobre a vida, conceitos que devem ser dialetizados e não dicotomizados
como até aqui (GUIMARÃES, 2015; 2019).
Nesse sentido, a pandemia provocada pela COVID-19 é um forte indicador do caos
sistêmico dos tempos que vivemos. A patologia encontrou a população mundial em uma
situação de extrema vulnerabilidade, ainda que de modo desigual segundo a sua geografia social
e política em sua colonialidade constituinte. Vejamos.
A geografização do coronavírus
Ainda que a velocidade de propagação do vírus seja uma característica que difere o
SARS-CoV2 de outros vírus/patologias, a velocidade em que os saltos epidemiológicos-
geográficos ocorreram desde Wuhan, na China, até os países vizinhos da Ásia e para a França,
Itália e Estados Unidos, foi muito rápido. Acompanhamos a hipótese apontada por Ricardo
Méndez (2020) ao nos dizer que
A transmissão das epidemias é conformada por um processo espaço-temporal
complexo, que tem lugar em diferentes escalas [...] essa complexidade tem sido
aumentada com a globalização, que facilita a propagação das enfermidades virais
através das múltiplas redes de comunicação que servem de veículos para uma
mobilidade humana crescente e aceleram os processos, pelos quais resultam em uma
dificuldade cada vez maior de desenvolvimento de estratégias efetivas de contenção
(MÉNDEZ, 2020, p. 39. Tradução nossa).
O autor também afirma que a difusão espacial do SARS-CoV2, a princípio esteve
relacionada com o transporte aeroviário. Assim, divide a difusão da patologia em três etapas.
Na primeira, desde o foco originário de Wuhan se iniciou uma difusão local, a curta
distância, que logo se prolongou de forma axial ao largo das principais vias de
comunicação para Shangai, Pequim, Guangzhou e Shenzen. Na segunda, desde
começos de 2020, aproximadamente, a onda de contágio se transladou, com rapidez
para as grandes cidades europeias, asiáticas e estadunidenses, que são as mais
conectadas com as metrópoles chinesas, assim como entre umas e outras (em menor
medida paras as megalópoles de outras regiões), o que deu prioridade à difusão por
saltos. Em uma terceira etapa, o vírus se estendeu no interior dessas grandes áreas
urbanas e em seus entornos periurbanos com um grande mero de segundas
residências, para transladar-se também em cascata para outras cidades de nível
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inferior ou para espaços turísticos, cobrando de novo importância a difusão por
contiguidade e hierárquica (MÉNDEZ, 2020, p. 47. Tradução nossa).
Chama a atenção o fato de serem as camadas mais favorecidas da população as que, a
princípio, veicularam a COVID-19 com seus próprios corpos em movimento. Não esqueçamos
que, ainda que cada vez mais gente se desloque de avião, este modal está longe de ser o principal
meio de transporte dos grupos/classes sociais em situação de
opressão/exploração/subalternização.
O caráter assimétrico das relações sociais e de poder da sociedade se mostrou,
sobretudo, na segunda etapa da pandemia com a contaminação comunitária. As classes médias
e ricas da sociedade, é dizer, aquelas que se apropriam da maior parte da riqueza que, no fundo,
é produzida por todos, desfrutam de condições que lhes permitem se proteger de uma eventual
contaminação mantendo isolamento social e tendo condições de higiene tanto ambientais
(urbanísticas, como acesso a água, energia, coleta de lixo, saneamento básico) como pessoais
(lavar as mãos, usar máscaras e usar álcool em gel). São os que precisam sair de casa para
trabalhar, diga-se de passagem, não para ganhar o pão de cada dia, mas também para produzir
a riqueza desfrutada por todos ainda que de modo desigual, os que ficam mais expostos à
aglomeração nos transportes coletivos, quase sempre de péssima qualidade e, assim, mais
expostos à contaminação pelo Coronavírus.
Haja contradição: toda a recomendação é para que se mantenha o isolamento social
quando a maior parte da população não tem condições de fazê-lo, haja vista viver em situação
de opressão/exploração/subalternização que a impede de cumprir a recomendação. Assim, suas
precárias condições de vida lhes impõem condições de morte, seja pela contaminação do vírus,
seja pela fome.
As diferentes situações da pandemia segundo as regiões do mundo em 2020
Um olhar sobre a geografia mundial da COVID-19, através dos dados consolidados pela
OMS até o dia 27 de dezembro de 2020, registra que 79.231.893 pessoas haviam sido infectadas
com a patologia e que 1.754.574 pessoas foram a óbito em decorrência, uma letalidade de 2,2%.
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Números verdadeiramente extraordinários e preocupantes, ainda que a figura a seguir traga
surpresas em sua Geografia!
Figura 1: Casos e óbitos de COVID-19 reportados semanalmente pelas regiões da
OMS até 27/12/2020
Fonte: OMS (2020)
O gráfico da figura acima, sintetiza o comportamento da pandemia de COVID-19 no
mundo no ano de 2020 e nos permite identificar o comportamento em ondas da patologia. Uma
primeira onda de casos e óbitos é vista desde o início de janeiro até maio, nos meses
subsequentes uma relativa estabilização pôde ser observada até setembro/outubro, quando uma
nova onda de casos e óbitos voltam a se desenvolver, caracterizando uma segunda onda. De
acordo com alguns especialistas esse comportamento em ondas da pandemia pode ser
explicado, num primeiro momento, pela introdução e dispersão do vírus pelos
continentes/regiões do globo, posteriormente pelo efeito das medidas de isolamento social e
uso de máscaras e, por fim, pelo surgimento de novas variantes do vírus com as inicialmente
batizadas cepas britânica, sul-africana, amazônica e indiana e posteriormente batizadas como
Alpha, Beta, Gamma e Delta, respectivamente (GIANNINI, 2021).
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Em todo o período acima considerado se destacam, pelos elevados números de casos e
óbitos, as Américas (EEUU e Brasil à frente) e a Europa seguidos pelo Sul-Sudeste da Ásia
(onde estão Índia e Paquistão) e o Oriente Médio. A África e o Pacífico Oeste (onde estão a
China, o Japão e as Coreias) apresentam os menores registros, ainda que por razões diferentes.
Observe ainda na figura 1 que, desde março de 2020, quando o número de casos de
contaminação da COVID-19 atingira 500 mil pessoas, as Américas passaram a liderar esse
nefasto ranking, superando a Europa. Desde outubro, quando o número de casos no mundo
havia se multiplicado por 6, atingindo 3 milhões de pessoas infectadas, a Europa volta a
rivalizar com os EEUU.
Tabela 1: Casos, óbitos e letalidade por COVID-19 no mundo até 27/12/2020
Regiões da
OMS
Casos
Óbitos
Acumulados
por milhão
de
habitantes
%
Acumulados
por milhão
de
habitantes
%
África
1.831.227
1.632
2%
40.299
36
2%
2,2
Américas
34.403.371
33.637
43%
840.247
822
47%
2,4
Europa
25.271.220
27.074
31%
554.716
594
31%
2,2
Oriente Médio
4.823.157
6.600
6%
119.004
163
6%
2,5
Pacífico Oeste
1.059.751
539
1%
19.558
10
1%
1,8
Sul e Sudeste da
Ásia
11.842.422
5.859
14%
180.737
89
10%
1,5
Global
79.231.893
10.165
100%
1.754.574
225
100%
2,2
Fonte: OMS (2020)
Os dados da tabela 1 acima precisam ser analisados com cuidado, pois além do que
sugere o título, revelam não somente os casos de contaminação e óbitos pela COVID-19 em
suas proporções, segundo as diversas regiões com que a OMS regionaliza o mundo. Não, esses
dados revelam as condições desiguais com que as diferentes regiões e seus estados se encontram
para se protegerem de fenômenos como as epidemias e pandemias.
As Américas, com 43% do total de pessoas contaminadas, e a Europa com 31%,
ultrapassam em muito a sua porcentagem demográfica mundial de 13,4% e 12,3%,
respectivamente. Em outros termos/números, as Américas e a Europa somadas registraram 74%
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dos contaminados do mundo com uma população de 25,7%! Esses meros indicam não
somente a extraordinária contaminação dessas populações, mas também o maior número de
testes aplicados à população, o que permite um maior número de registros de contaminados.
Note-se, no entanto, que mesmo registrando 74% dos contaminados por COVID-19 no mundo,
essas duas regiões, com apenas 25,7% da população mundial, registraram 79% dos óbitos por
COVID-19 no mundo até 27/12/2020, segundo a OMS! de se considerar que
subnotificação nas regiões periféricas e dependentes, o que indica mais um dos efeitos perversos
de um sistema mundo capitalista moderno-colonial por suas implicações para a humanidade
como um todo!
O desconhecido da natureza do Coronavírus, a vulnerabilidade da população (doenças
prévias, precariedade de condições urbanísticas, precariedade laboral, composição etária) e a
limitação dos sistemas médico-hospitalares para assimilar a velocidade da contaminação
jogaram, cada um a seu modo (em que proporção?), um papel nesses meros assustadores,
sobretudo nessas regiões
9
que gozam dos melhores índices de desenvolvimento humano,
segundo critérios eeuurocêntricos como IDH, renda per capita, PIB e outros que vêm sendo
usados pela ONU e outras organizações (que deveriam ser) multilaterais.
Tabela 2: Taxa de casos de COVID-19 por países
Posição
País
Casos/milhão de
habitantes
Região da OMS
1
Andorra
101.029
Europa
2
Montenegro
74.419
Europa
3
Luxemburgo
73.127
Europa
4
San Marino
66.710
Europa
5
Rep. Tcheca
62.620
Europa
6
Polinésia Francesa
58.916
Pacífico Oeste
7
Estados Unidos
56.341
Américas
8
Geórgia
55.552
Europa
9
Bélgica
55.125
Europa
10
Eslovênia
54.928
Europa
Global
10.165
Fonte: OMS (2020)
9
Assinale-se que os EEUU registram mais de 50% dos casos e dos óbitos das Américas, seguido pelo Brasil.
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Dos 10 países com as maiores taxas de casos por milhão de habitantes, como vemos na
tabela acima, 8 são europeus e 1 é americano (EEUU), somente a Polinésia Francesa se situa
fora das regiões “mais desenvolvidas”. Tudo indica que a conectividade à economia globalizada
jogue um papel preponderante nessas taxas espetaculares da Europa e dos Estados Unidos,
que a concentração demográfica em metrópoles, associada à maior mobilidade das populações
pelas facilidades de transportes, tornaram-se condições favoráveis à propagação do vírus, dada
a velocidade com que o Coronavírus se propaga. A maior proporção de idosos no conjunto da
população também contribuiu para esses números elevados haja vista a maior vulnerabilidade
do grupo etário. Lembrando que no período de nossa análise as populações mais idosas eram
as mais afetadas pelos efeitos do vírus, sobretudo no número de óbitos, mas com o início da
segunda onda e o avanço das novas variantes, que ficam mais evidentes no ano de 2021, a
proporção de casos e óbitos por faixa etária se modifica, dando, assim, os maiores destaques
para a população jovem.
Ainda que as Américas apresentem níveis de desenvolvimento econômico” muito
desiguais entre seus diferentes países, assim como no interior dos países, é de se registrar, com
surpresa, o fato do país economicamente mais potente, os EEUU, figurar como o primeiro entre
os países com mais casos e óbitos acumulados, com 18.648.989 e 328.014 respectivamente.
que se considerar, ainda, nos EEUU, dois fenômenos que vêm contribuindo para esses números
elevados de casos e óbitos, a saber: o empobrecimento da população que vem se acentuando
nas últimas décadas e a ausência de proteção pública à saúde da população (DAVIS, 2020).
Outro ponto a se considerar nos valores extraordinários estadunidenses é a falta de
coordenação política entre os diferentes federados sob o governo Donald Trump. Tudo indica
que uma política de caráter liberal sem coordenação de autoridades e sem um caráter de
interesse público tenha pouca eficácia nesses casos, como indicaram os dados de março de 2021
após os impactos de medidas de proteção social do governo Joe Biden, empossado em janeiro
de 2021. Consideremos que em países de grande extensão territorial a ação coordenada entre
os diferentes entes político-administrativos (nacionais e subnacionais) se torna ainda mais
necessária; como se viu pelo êxito no isolamento de Wuhan, na China, para proteger o restante