Ensaios de Geografia
Essays of Geography | POSGEO-UFF
AO CITAR ESTE TRABALHO, UTILIZAR A SEGUINTE REFERÊNCIA:
PORTO-GONÇALVES, Carlos Walter; ROCHA, Pedro Henrique; TRINDADE, Helena. UMA GEOGRAFIA DECOLONIAL DA
PANDEMIA: um olhar sobre o ano de 2020. Ensaios de Geografia. Niterói, vol. 9, nº 19, pp. 39-65, set-dez de 2022.
Submissão em: 02/02/2022. Aceito em: 16/05/2022.
ISSN: 2316-8544
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da relação sociedade-natureza. Enfim, a vida, como tal, estava fora do horizonte epistêmico e
político desse magma de significações imaginárias (CASTORIADIS, 1982), como vem
insistindo o filósofo Enrique Leff (2004). Afinal, tem prevalecido a produção sobre a
reprodução e o trabalho sobre a vida, conceitos que devem ser dialetizados e não dicotomizados
como até aqui (GUIMARÃES, 2015; 2019).
Nesse sentido, a pandemia provocada pela COVID-19 é um forte indicador do caos
sistêmico dos tempos que vivemos. A patologia encontrou a população mundial em uma
situação de extrema vulnerabilidade, ainda que de modo desigual segundo a sua geografia social
e política em sua colonialidade constituinte. Vejamos.
A geografização do coronavírus
Ainda que a velocidade de propagação do vírus seja uma característica que difere o
SARS-CoV2 de outros vírus/patologias, a velocidade em que os saltos epidemiológicos-
geográficos ocorreram desde Wuhan, na China, até os países vizinhos da Ásia e para a França,
Itália e Estados Unidos, foi muito rápido. Acompanhamos a hipótese apontada por Ricardo
Méndez (2020) ao nos dizer que
A transmissão das epidemias é conformada por um processo espaço-temporal
complexo, que tem lugar em diferentes escalas [...] essa complexidade tem sido
aumentada com a globalização, que facilita a propagação das enfermidades virais
através das múltiplas redes de comunicação que servem de veículos para uma
mobilidade humana crescente e aceleram os processos, pelos quais resultam em uma
dificuldade cada vez maior de desenvolvimento de estratégias efetivas de contenção
(MÉNDEZ, 2020, p. 39. Tradução nossa).
O autor também afirma que a difusão espacial do SARS-CoV2, a princípio esteve
relacionada com o transporte aeroviário. Assim, divide a difusão da patologia em três etapas.
Na primeira, desde o foco originário de Wuhan se iniciou uma difusão local, a curta
distância, que logo se prolongou de forma axial ao largo das principais vias de
comunicação para Shangai, Pequim, Guangzhou e Shenzen. Na segunda, desde
começos de 2020, aproximadamente, a onda de contágio se transladou, com rapidez
para as grandes cidades europeias, asiáticas e estadunidenses, que são as mais
conectadas com as metrópoles chinesas, assim como entre umas e outras (em menor
medida paras as megalópoles de outras regiões), o que deu prioridade à difusão por
saltos. Em uma terceira etapa, o vírus se estendeu no interior dessas grandes áreas
urbanas e em seus entornos periurbanos com um grande número de segundas
residências, para transladar-se também em cascata para outras cidades de nível