Ensaios de Geografia
Essays of Geography | POSGEO-UFF
AO CITAR ESTE TRABALHO, UTILIZAR A SEGUINTE REFERÊNCIA:
GONÇALVES, Rafa Lutterbach Veiga; SILVA, Jamille Ramos da; ROCHA, Daniela de Oliveira da; PEREIRA, Diego Carlos. UM RELATO
DA DOCÊNCIA: desafios e experiências no estágio supervisionado em Geografia. Ensaios de Geografia. Niterói, vol. 9, nº 20, pp. 133-154,
janeiro-abril de 2023.
Submissão em: 23/03/2022. Aceito em: 26/03/2023.
ISSN: 2316-8544
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SEÇÃO ARTIGOS
UM RELATO DA DOCÊNCIA:
desafios e experiências no estágio supervisionado em Geografia
A TEACHING REPORT:
challenges and experiences in the supervised internship in Geography
UN INFORME DE ENSEÑANZA:
desafíos y experiencias en la pasantía supervisada en Geografía
Rafa Lutterbach Veiga Gonçalves1
Universidade Federal Fluminense
(UFF), Rio de Janeiro,
Brasil
e-mail: rlveiga.96@gmail.com
Jamille Ramos da Silva
Universidade Federal Fluminense
(UFF), Rio de Janeiro, Brasil2
e-mail: ramosjamille@id.uff.br
Daniela de Oliveira da Rocha3
Universidade Federal Fluminense
(UFF), Rio de Janeiro, Brasil
e-mail: daniela_rocha@id.uff.br
Diego Carlos Pereira4
Universidade Federal Fluminense
(UFF), Rio de Janeiro, Brasil
e-mail: diegocarlos@id.uff.br
1
Graduado em Licenciatura em Geografia e Graduando em Bacharelado em Geografia na Universidade Federal
Fluminense (UFF). Bolsista de Iniciação Científica do CNPq. Membro do Grupo de Ensino, Pesquisa e Extensão
Artesanias Geográficas e Educacionais (AGE/UFF)
2
Graduada em Licenciatura em Geografia e Graduanda em Bacharelado em Geografia na Universidade Federal
Fluminense (UFF). Bolsista de Iniciação Científica da Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do
Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ). Integrante do Grupo de Ensino, Pesquisa e Extensão: Artesanias
Geográficas e Educacionais (AGE/UFF).
3
Graduada em Bacharelado e Licenciatura em Geografia pela Universidade Federal Fluminense. Pós-graduanda
em Gestão de Projetos Ambientais no Instituto Federal do Rio de Janeiro.
4
Professor Adjunto da Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense e docente permanente do
Programa de Pós-graduação em Educação (PPGEDU/UFF). Doutor em Geografia (UNESP). Vice-líder do
Grupo de Ensino, Pesquisa e Extensão: Artesanias Geográficas e Educacionais (AGE/UFF).
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Resumo
O presente artigo apresenta reflexões sobre a realidade do trabalho docente a partir de questões atuais vivenciadas
por professores. Desta maneira, o objetivo é apresentar e refletir aspectos acerca de uma experiência formativa de
pesquisa e prática pedagógica de estágio remoto emergencial enquanto processo de formação inicial de
licenciandos. O artigo fundamenta-se nos pressupostos qualitativos de pesquisa em educação. Desta forma, foram
abordados, por meio de um relato de experiência, tecido nas atividades de estágio supervisionado, alguns dos
desafios enfrentados dentro da sala de aula e do cotidiano do trabalho docente, apontando como a sociedade
contribui para a desvalorização da profissão. Há nesse sentido, uma via de mão dupla acerca das expectativas em
relação à docência: de um lado, o professor que deve oferecer aulas de qualidade e priorizar uma séria formação
para uma melhor atuação que preze pelo respeito à diversidade e à subjetividade; e do outro, se espera o
reconhecimento social e valorização profissional, além de autonomia para melhor realizar suas atividades e ter
seus direitos garantidos.
Palavras-chave
Estágio Supervisionado; Docência; Educação; Prática Pedagógica.
Abstract
This article presents reflections on the reality of the teaching work based on current issues experienced by teachers.
Thus, the objective of this article is to present and reflect on aspects of a formative experience of research and
pedagogical practice of emergency remote internship as a process of initial training of undergraduate students.
This article is based on the qualitative assumptions of educational research. In this way, this work dealt with some
of the challenges faced in the classroom and in the daily routine of the teaching work, by means of an experience
report, woven into the activities of the supervised internship, pointing out how society contributes to the
devaluation of the profession. In this sense, there is a two-way street about the expectations in relation to teaching:
on one hand, the teacher who must offer quality classes and prioritize a serious training for a better performance
that values respect for diversity and subjectivity; and on the other hand, social recognition and professional
appreciation are expected, as well as autonomy to better perform their activities and have their rights guaranteed.
Keywords
Supervised Internship; Teaching; Education; Pedagogical Practice.
Resumen
Este artículo presenta reflexiones sobre la realidad del trabajo docente a partir de problemáticas actuales vividas
por los profesores. De este modo, el objetivo de este artículo es presentar y reflexionar sobre aspectos de una
experiencia formativa de investigación y práctica pedagógica de pasantía remota de emergencia como proceso de
formación inicial de los estudiantes de grado. Este artículo se basa en los supuestos cualitativos de la investigación
en educación. De esta manera, se abordó este trabajo, a través de un informe de experiencia, tejido en las
actividades de la pasantía supervisada, algunos de los desafíos que se enfrentan en el aula y en la rutina diaria del
trabajo docente, señalando cómo la sociedad contribuye a la desvalorización de la profesión. Existe, en este
sentido, una doble vía sobre las expectativas en relación con la enseñanza: por un lado, el profesor que debe ofrecer
clases de calidad y priorizar una formación seria para un mejor desempeño que valore el respeto a la diversidad y
la subjetividad; y por otro, se espera el reconocimiento social y la valoración profesional, así como la autonomía
para desempeñar mejor sus actividades y tener garantizados sus derechos.
Palabras-clave
Pasantía Supervisada; Enseñando; Educación; Práctica Pedagógica.
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Introdução
A educação, como já dizia Nelson Mandela, é a arma mais poderosa para mudar o
mundo. Nessa perspectiva, o trabalho docente merece maior respeito e valorização, pois
somente munidos dessa arma haverá possibilidade de encarar as árduas batalhas desse mundo
e transformá-lo. Para isso, o papel do professor é fundamental, sendo ele capaz de possibilitar
uma imersão no mundo do conhecimento e uma troca de experiências e saberes na qual ele não
só ensina, mas também aprende.
Logo, esse trabalho expõe os desafios que acompanham a profissão, dialogando com
textos teóricos de importantes autores da área da educação e um relato de experiência de um
professor de geografia da educação básica. Para esse propósito, foi realizada uma entrevista
com a aplicação de um roteiro semiestruturado contendo questões de cunho pessoal e
profissional, além de outras sobre a formação do professor em questão.
Este artigo vincula-se a resultados de experiências de estágio de licenciandos em
Geografia no âmbito da disciplina de Pesquisa e Prática Educativa I (PPE I), ofertada ao curso
de Licenciatura em Geografia da Universidade Federal Fluminense pelo Departamento de
Sociedade, Educação e Conhecimento (SSE) da Faculdade de Educação da mesma instituição.
Esta disciplina, que contempla parte da carga horária obrigatória de estágio supervisionado na
licenciatura, foi ofertada em ensino remoto, no semestre letivo de 2020.2. Em razão da
Pandemia de Covid-19 e suas restrições sanitárias, o estágio supervisionado não foi realizado
diretamente nas escolas, mas sim em uma série de outras atividades formativas orientadas pelos
professores.
Dentre essas atividades, destacam-se as entrevistas com professores da educação básica
realizadas por meio de gravação remota via Google Meet, com roteiros semiestruturados
previamente construídos ao longo do processo de pesquisa na disciplina e fundamentados na
perspectiva qualitativa de investigação educativa. Neste sentido, este artigo materializa essa
experiência de pesquisa e prática pedagógica, alicerçada no âmbito das pesquisas em educação
(BOGDAN; BIKLEN, 1994).
A entrevista possibilitou tomar conhecimento, em parte, da realidade do trabalho
docente, formação e desafios a partir da subjetividade do professor entrevistado, ao qual
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deixamos nosso agradecimento pela participação que enriqueceu nosso trabalho. A entrevista
nos possibilitou relacionar a prática pedagógica com a teoria a partir das temáticas abordadas
em aula. Desta maneira, o objetivo desse artigo é apresentar e refletir aspectos acerca de uma
experiência formativa de pesquisa e prática pedagógica de estágio remoto emergencial
enquanto processo de formação inicial de licenciandos.
Esse trabalho foi dividido nas seguintes seções: Trabalho docente e valorização
profissional; Estágio supervisionado e formação; Teoria e prática: práxis pedagógicas;
Experiência com educação ambiental; BNCC, currículo e autonomia; Diversidade e
descolonização; Importância política e sala de aula.
O docente entrevistado foi o MSc. Mauro Cristiano de Paula Silva, professor licenciado
em Geografia pela Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFMT) e mestre em Geografia
pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Ele atuou na docência durante quatro anos na
Secretaria de Educação do estado de Minas Gerais (SEEDUC/MG), na rede municipal. Além
disso, foi bolsista do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq),
participante do Programa de Educação Tutorial (PET) e possui formação de tecnólogo em
Desenvolvimento Social. O referido professor autorizou a identificação de seu nome em
publicações ao longo do processo de pesquisa.
Trabalho docente e valorização profissional
Na entrevista, Silva (2021) afirma que a docência para ele é um pêndulo: “Tenho dito
que a docência é um pêndulo: ora você se realiza ora você não se realiza” (Informação verbal)
5
,
ou seja, temos que ter em mente que como docentes, por lidarmos com uma ciência humana e
com resultados humanos é preciso ter a compreensão de que nem sempre tudo que preparamos
para as aulas irá sair como o planejado. Na prática docente, é nossa função compreender que
não é culpa do professor se as aulas não corresponderem às suas expectativas, assim como não
é demérito aluno, pois existem vários fatores externos e pessoais que interferem na dinâmica
das aulas.
5
Informação fornecida pelo educador Mauro Cristiano de Paula Silva em 10 abr. 2021.
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Podemos intervir e tentar sempre melhorar as dinâmicas nas salas de aula com ideias
que talvez sejam um pouco fora da “caixinha” para que os alunos estejam cada vez mais
interessados e que as didáticas abordadas nas aulas sejam mais abrangentes, pensando sempre
em trazer o conhecimento para a realidade de cada aluno a fim de aproximá-los de um ensino
que muitas vezes ele tende a se afastar — o que pode ser identificado na resposta de Silva
(2021), quando questionado sobre qual tipo de professor ele almeja ser quando está em sala de
aula. Ele busca ser um explicador com métodos comparativos, metáforas didáticas, com um
olhar atento aos acontecimentos e às narrativas atuais para não escapar a compreensão da
realidade discente.
A primeira experiência com a sala de aula como relatado na entrevista, sempre será
muito desafiadora, pois cada docente irá lidar de forma distinta com relação às experiências
vividas que são individuais. Porém, a docência em si já é uma profissão de experiências
desafiadoras, não só pelo professor estar em uma sala de aula e pelo ato de ensinar conteúdos
de boa qualidade, mas também por ter a noção de que estamos lidando com pessoas com
problemas reais, que podem ser significativamente diferentes da nossa realidade ou
semelhantes, mas sempre com subjetividade.
Ainda na entrevista é reforçada a importância da docência — principalmente nas escolas
estaduais — para o futuro do país, quando Silva (2021) relata como foi sua experiência ao
lecionar na SEEDUC/MG ao demonstrar que, embora a rede pública não seja ótima, é nela que
está o futuro e as pessoas que irão votar para os próximos governantes e, mesmo que não seja
na educação pública que ele deva depositar seus sonhos de um mundo melhor, ele ainda assim
faz a escolha de não estar longe dela. Isso mostra a importância de entender a política,
principalmente na atualidade, pois ao pesquisar a história e entender o passado poderemos
compreender e construir soluções para o nosso presente e posteriormente mudar o nosso futuro.
Silva (2021) caracterizou seu primeiro contato de aula como:
Muito desafiador. É quando vemos que a “bola cai em nossos pés” e é hora de assumir
a responsabilidade de reger uma turma heterogênea. É hora de ter o psicológico em
dia e lembrar-se das lições, colocar a prática docente para atuar, entender que é preciso
se preparar todos os dias para oferecer uma boa aula e claro, é preciso motivação. A
principal motivação vem dos próprios alunos. Quando um aluno valoriza com
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sinceridade o trabalho do professor, essa é a melhor coisa que pode acontecer (SILVA,
2021. Informação verbal).
Ao analisar a sua experiência trabalhando como professor é possível notar que, mesmo
diante do nervosismo, é importante acreditar nas práticas docentes e entender que os docentes
são formados para atuar nas salas, cabendo a eles manter o foco e a confiança de que são
competentes para permanecer trabalhando e transformando vidas, porque serão referências para
muitos alunos e talvez até amigos deles. Sendo assim, se faz necessário se prepararem
psicologicamente para enfrentar várias adversidades e obstáculos internos que nos
desestimulariam a continuar e entender que não estão enfrentando-os sozinhos, que juntos deles
estão os alunos que precisam da presença docente para enfrentá-los também.
Ao ser perguntado sobre a valorização que é dada à profissão, respondeu que a mesma
é desvalorizada em quase todos os aspectos e todo esforço feito pelos professores, que prestam
um serviço muito importante às autoridades públicas e à sociedade, não recebem o devido
reconhecimento:
[...], todavia, é óbvio que deve se tratar de um salário muito baixo. Nossa profissão é
desvalorizada em quase todos os aspectos. Digo quase porque existem muitas pessoas
na nossa sociedade que dão valor aos professores, mas todo o esforço que o docente
faz para proporcionar bons ensinamentos aos alunos e prestar esse importante serviço
às autoridades públicas e à sociedade em geral não é reconhecido a sua devida altura.
O professor da rede pública recebe pouco, não pode se dar ao luxo de sonhar mais
alto, é pouco prestigiado, a garantia de sua aposentadoria é de um vencimento
igualmente baixo, a isso se soma a trajetória de vida docente no pêndulo a realização
e da irrealização pessoal e profissional. [...] (SILVA, 2021. Informação verbal).
A desvalorização docente é uma problemática que envolve vários aspectos. De acordo
com Barbosa (2011), a desvalorização docente pode ser explicada pelos seguintes fatores:
Além dos baixos salários contribuírem para não atrair profissionais mais qualificados
para a docência, há a dificuldade para reter aqueles que optam por esse caminho.
Muitos trabalhadores docentes não permanecem na carreira, abandonando a profissão
por outras carreiras que sejam melhor remunerados e valorizados, ou ainda deixam a
sala de aula para atuar em outros cargos do sistema de ensino, como a coordenação
pedagógica, a direção e a supervisão escolar, também melhor remunerados que a
docência e, normalmente, com maior reconhecimento e valorização social
(BARBOSA, 2011, p. 152).
A constatação do autor vai ao encontro do caso de Silva (2021), que optou por atuar em
uma segunda carreira, na qual já tinha tido experiência anteriormente, em busca de maior
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visibilidade. Infelizmente, a docência, embora seja uma área de extrema importância para a
formação social, não é valorizada, seja em relação à baixa remuneração ou à falta de
reconhecimento social. No Brasil, muitos professores, além de terem que lidar com baixos
salários, precisam fazer uso de escolas com espaços físicos inapropriados, falta de recursos
didáticos disponíveis e salas superlotadas de alunos, alguns dos problemas que assolam a
educação brasileira. Segundo Neves (2004),
Para além da formação dos professores é também necessário dar-lhes condições de
trabalho que possam permitir concretizar a sua motivação e competência profissional
e realizar um trabalho de qualidade. Neste sentido, é prioritária a diminuição do
número de alunos, no sentido duma relação mais personalizada que possa permitir a
empatia necessária para a confiança colocada sobre o professor, e a formulação de
programas curriculares menos diretivos e extensos, permitindo uma maior autonomia
e envolvimento de cada professor. São ainda necessários melhores equipamentos,
nomeadamente meios audiovisuais e informáticos, bem como uma melhoria dos
espaços físicos (NEVES, 2004, p. 199).
O trabalho do professor ainda é muito subestimado no nosso país, sendo por vezes visto
como um trabalho voluntário e heroico, no qual o professor deve trabalhar apenas pela paixão
e não pelo salário. Em todo caso, a sociedade brasileira está limitando a autonomia docente,
implementando cada vez mais mecanismos de controle nas salas de aula e precarizando o
trabalho do professor.
Desse modo, o trabalho do professor, em função também da visão construída pela
sociedade, sofre com a precarização, tendo os seus direitos — que deveriam ser preservados —
cada vez mais retidos. Essas condições precárias do seu trabalho são comparadas por Silva
(2018) com o conceito de uberização, no qual se transfere ao professor os custos do seu trabalho,
como temos visto em diversos tipos de trabalho dentro do sistema capitalista.
Lamentavelmente, a profissão, que deveria ser mais valorizada pelo papel tão
importante desempenhado, tem se deteriorado com a ajuda da mídia, que contribui para a
desvalorização docente com a produção de filmes e conteúdos audiovisuais. Com isso,
moldando a sociedade e a construção da imagem do professor ideal, que na maioria das vezes
é aquele que arrisca sua vida pela profissão e executa o seu trabalho "por amor", como por
exemplo no filme Escritores da Liberdade (2007), quando na verdade o professor que pode sim
adicionar amor no seu ofício, também trabalha para seu sustento.
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Esse interesse da mídia em apresentar ao telespectador essa imagem heroica do
professor pode ser analisada também com matérias nos telejornais e sites de notícias sobre atos
voluntários feitos por professores dentro da sua profissão que não os fazem professores
melhores ou piores, como levam a ser considerados e avaliados por essas posturas, mas sim
demonstra que são seres humanos solidários. É importante dizer que esses atos voluntários, por
si só, são excelentes iniciativas em seus contextos, porém é irreal e ilusório o discurso
construído em torno da profissão docente como uma vocação, um dom e um ato heroico
(ANDRÉ, 2010).
Para Silva (2021) “exercer uma atividade que eu possa reproduzir minha vida financeira
aliada ao prazer de ensinar” (Informação verbal) é o objetivo que pretende obter através da
docência. No entanto, há ainda uma enorme lacuna a ser preenchida para que seja possível atuar
na docência e ter um salário que valorize a profissão. O salário não dosa o amor por lecionar,
mas é um reflexo da irrelevância dada pela sociedade e pelo Estado perante à profissão docente.
Por isso, é de extrema importância profissional —bem como um ato político — entender mais
sobre a profissionalização docente, sobre o peso histórico carregado nessa profissão, ter
conhecimento do que motiva o Estado a desvalorizá-la e as dificuldades enfrentadas para o
entender o sério papel do professor na transformação do mundo.
Estágio supervisionado e formação
Ter confiança na formação é indispensável para enfrentar os desafios de lecionar, assim
como a relação da sala de aula com a experiência como professor. Devido a isso, o estágio
supervisionado em Geografia é extremamente necessário na construção do saber/fazer docente,
pois não só adquirimos experiências diversas que nos preparam para o ato de lecionar, mas
também compartilhamos essas experiências adquiridas nos estágios supervisionados com
outros colegas. É nessa troca de experiências diversas do viver a docência que se abrem portas
e caminhos diferentes ao compartilhar nossas vivências, tendo em vista que cada um terá um
relato diferente um do outro já que a experiência é reiteradamente pessoal (MARTINS;
TONINI, 2016).
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O estágio supervisionado não é uma matéria feita para construir ou formar saberes
engessados, é um local de compartilhamento de ideias e desenvolvimento conjunto da formação
docente, onde há troca de saberes dos alunos, promovendo um intercâmbio de experiências e
práticas a fim de preparar o docente para atuar em sala de aula, respeitando a individualidade e
a vivência de cada um, além de apresentar textos científicos e autores teóricos que auxiliam na
formação docente.
Todavia, temos uma contribuição única do docente que supervisiona o estágio, que será
quem irá abrir nossos horizontes, além de nos ajudar a pensar na decisão que devemos tomar.
Com ele, vamos experienciar a prática da docência com outros colegas e debater questões que
muitas das vezes não seriam oportunizadas.
No estágio supervisionado, muitos alunos de licenciatura têm o primeiro contato com o
fazer docente na prática, o que se torna uma experiência ainda mais cativante por ter um auxílio
que dá uma direção para o caminho da docência. Nesse período, muitos licenciandos têm a
bravura de optar por corroborar para um melhor desenvolvimento interpessoal, como visto na
entrevista com Silva (2021, informação verbal) “[...] quando o professor constrói a afetividade
entre ele e os alunos e promove o afeto, a amizade, o companheirismo entre os participantes, as
relações se tornam mais leves inclusive para o aprendizado [...]”.
O estágio supervisionado coloca o estudante enquanto aluno de frente com a prática da
formação almejada. Esse momento é extremamente significativo para a formação do aluno
como futuro docente, pois é durante o estágio curricular que o aluno tem a oportunidade de se
confrontar com a teoria e a prática, além de se configurar como processo de aproximação da
realidade da profissão, como destacado por Sá e Almeida:
O estágio curricular se torna parte integrante do processo de formação inicial e efetiva-
se como momento de excelência para a análise do confronto entre teoria e prática.
Enquanto formação inicial do professor, a experiência efetiva do estágio proporciona
a aproximação fundamental e necessária do futuro docente com a realidade escolar.
Além do mais, também propicia a aproximação do docente em formação com as
múltiplas condições sociais, econômicas e culturais dos alunos. (SÁ; ALMEIDA,
2019, p. 961 apud SILVA; SANTOS, 2019, p. 6)
Teoria e prática: práxis pedagógica
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Para que haja construção do conhecimento, segundo Freire (1987), é necessária a união
da teoria e prática de ensino, chamada por ele de práxis pedagógica, que tem como objetivo
formar a consciência crítica. Há uma ideia tradicional que acredita que é a partir da teoria que
se produz conhecimento, porém sem a prática não há transformação na sociedade.
A teoria é importante, pois assim se conduz à reflexão crítica, mas de nada adianta
reflexão sem ação no mundo. “Os homens são seres do que fazer é exatamente porque seu fazer
é ação e reflexão. É práxis. É transformação do mundo” (FORTUNA, 2015, p. 65 apud
FREIRE, 1987, p. 121). O ser humano é um ser da práxis, e é através dela que se constitui uma
educação libertadora, que busca o comprometimento com o mundo e assim proporciona a
emancipação ao ser social.
Nesse processo formativo, o educador e o educando se constroem e se reconstroem
constantemente, o que exige que o educador esteja bem preparado para que o conteúdo seja
ensinado da melhor forma possível, dominando e compreendendo o que ensina — afinal,
ensinar não é transferir conhecimento, mas sim criar uma boa relação entre teoria e prática a
fim de produzir um conhecimento que sempre estará em processo de atualização e reconstrução.
O professor entrevistado expressou sua preocupação com isso ao relatar que, após um
comentário de uma professora, se comprometeu a oferecer bons conteúdos aos alunos para que
suas aulas pudessem ter mais qualidade. Para ele, a principal motivação no planejamento de
boas aulas vem dos alunos que valorizam o trabalho docente.
O ato de ensinar implica ao docente fazer uso da criatividade e motivação para assim,
ofertar de forma satisfatória seus conhecimentos para o educando obter e desenvolver
conhecimentos sólidos. E, portanto, é necessário que o professor busque sempre se atualizar,
pois:
Ensinar é provocar situações, desencadear processos e utilizar mecanismos
intelectuais requeridos pela aprendizagem, que permitirá aos professores empregarem
métodos ativos, para engendrar a ação didática em bases sólidas, evitando tentativas
ou ensaios e práticas infrutíferas [...]. (OLIVEIRA, 2015, p. 217).
A experiência mais marcante do entrevistado também envolvia a questão da valorização
das aulas, o que demonstra que, para ele, ter o trabalho valorizado por seus alunos gera
satisfação. Ao ministrar uma aula com muito desânimo, foi surpreendido com uma frase de
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admiração de uma aluna com o conteúdo estudado e que a levou a perceber a beleza da
geografia. Apesar do seu desânimo e esforço para dar o seu melhor naquela aula, o motor para
que ele recuperasse as forças e renovasse o ânimo veio do gesto daquela aluna que soube
encontrar algo para ser contemplado dentro do ensino da geografia. Ele relatou que:
Em meio a uma aula conturbada para o 8º ano, numa sala com cerca de 35 alunos,
com poucos deles atentos, num dia em que estive com a potência de agir em baixa,
élan vital ínfimo, vontade de potência reduzida, libido quase zero, enfim, estava
borocochô, triste, chateado, sobretudo com a desatenção dos meus então alunos, a
matéria sendo reproduzida no quadro verde (aula sobre relevo e corrente de ar seco
no leste dos Estados Unidos e formação de áreas desérticas ou semiáridas) enquanto
rolava assuntos paralelos e absoluta falta de foco entre muitos dos alunos presentes,
eu fazia minha parte e dava a aula. No final da explicação eu escuto uma voz que disse
assim: “como a geografia é linda!” admiração de uma aluninha que foi capaz de
desfazer todos os desafetos das indisciplinas. Naquele momento pude sentir uma
energia que reanima e me faz acreditar que apesar de tudo, vale a pena preparar uma
boa aula e ser professor. (SILVA, 2021. Informação verbal)
Ademais, podemos pensar a educação como experiência e sentido, cuja experiência
sempre será individual — por mais que seja coletiva, os seus efeitos serão particulares para
cada um, conferindo um sentido particular de identidade no mundo. A educação, nesse âmbito,
possui um caráter plenamente subjetivo, e para que façamos experiências é necessário muita
abertura, reflexão e observação, pois não se faz uma experiência com algo se não paramos para
pensar e para olhar, proporcionando um encontro com o que se experimenta (BONDIA, 2002).
Experiência com educação ambiental
Silva (2021), em seu processo de formação e na profissão que atuou durante quatro anos,
viveu diversas experiências dentro e fora da sala de aula. Ao fazer uma pesquisa sobre coleta
seletiva numa cooperativa de catadores durante sua formação, viveu uma experiência com o
conhecimento que para ele foi tão interessante a ponto de o levar temporariamente a dar uma
pausa no seu trabalho docente, a fim de buscar maior visibilidade e outras experiências nessa
área.
Seu trabalho atual, que é ligado à educação ambiental, contribui para uma eficiente
coleta seletiva. Ele ensina e instrui sobre a separação de lixo reciclável e não reciclável, além
de outras questões que possibilitam um melhor descarte do lixo, como pode ser observado no
trecho a seguir:
Ensaios de Geografia
Essays of Geography | POSGEO-UFF
AO CITAR ESTE TRABALHO, UTILIZAR A SEGUINTE REFERÊNCIA:
GONÇALVES, Rafa Lutterbach Veiga; SILVA, Jamille Ramos da; ROCHA, Daniela de Oliveira da; PEREIRA, Diego Carlos. UM RELATO
DA DOCÊNCIA: desafios e experiências no estágio supervisionado em Geografia. Ensaios de Geografia. Niterói, vol. 9, nº 20, pp. 133-154,
janeiro-abril de 2023.
Submissão em: 23/03/2022. Aceito em: 26/03/2023.
ISSN: 2316-8544
Este trabalho está licenciado com uma licença Creative Commons 144
[...] meu trabalho atual envolve educação ambiental com a comunidade e também
demais parceiros. Esse trabalho procura garantir que a coleta seletiva seja eficiente de
modo que as pessoas aprendam a fazer a separação do que é reciclável do não
reciclável. Para isso existe um trabalho intelectual e educacional que envolve
consumo, descarte, mercado de recicláveis, gestores públicos, destinações adequadas
dos resíduos sólidos urbanos, aterro sanitário, etc. (SILVA, 2021. Informação verbal).
Por mais que seja importante aprender sobre isso, é possível notar que esse trabalho
intelectual contribui para que haja sentido na importância de descartar o lixo corretamente,
compreendendo o porquê da reciclagem e assim tornando essa experiência mais do que uma
prática de trabalho, já que atribui sentido a esse trabalho.
Por ter se preparado para lecionar e ter encontrado na docência e na geografia uma área
prazerosa, que o impulsionava aprender sempre mais e ensinar o que gostava, pretende retornar
seu trabalho de educador e reconhece como amadureceu na sua formação e prática docente. Ele
entende que a docência contribui também para o seu crescimento pessoal, para a superação de
medos e o despertar de novos talentos. Por isso, ele hoje se considera mais ponderado e
confiante, características que adquiriu por ter escolhido ser um bom professor e não atuar na
docência pensando nela somente como meio de subsistência.
Temos então que tomar uma decisão ao ingressar na carreira docente: ou nos
capacitamos a cada dia para nos tornarmos bons professores ou encaramos a carreira
como uma profissão qualquer apenas para sobreviver com o salário que nos é ofertado.
Sendo a primeira opção escolhida, então temos que encarar também nosso
crescimento pessoal, nossos medos, nossos talentos que talvez fossem desconhecidos.
Portanto, a sala de aula me tornou de fato uma pessoa mais ponderada e confiante.
(SILVA, 2021. Informação verbal).
Outro fator do desinteresse na educação é a sua comercialização — as escolas
particulares segregacionistas existem, em sua grande maioria, por causa da precarização da
escola pública do Brasil, como a ausência do ar-condicionado (e quando o tem não são
adequados ou não funcionam), a falta de uma boa estrutura de trabalho e materiais suficientes
— muitas vezes até sem professores — e é por essa razão que a globalização mostra o seu real
intuito capitalista, presente para segregar, para aumentar a distância de ascensão econômica e
social das ditas “minorias”, que na realidade é a maioria e que faz o país realmente se
movimentar.
Contudo, essa grande desigualdade e indisponibilidade de emprego para todos faz com
que os trabalhos que são mais precários sejam ocupados por aqueles em busca de uma
Ensaios de Geografia
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AO CITAR ESTE TRABALHO, UTILIZAR A SEGUINTE REFERÊNCIA:
GONÇALVES, Rafa Lutterbach Veiga; SILVA, Jamille Ramos da; ROCHA, Daniela de Oliveira da; PEREIRA, Diego Carlos. UM RELATO
DA DOCÊNCIA: desafios e experiências no estágio supervisionado em Geografia. Ensaios de Geografia. Niterói, vol. 9, nº 20, pp. 133-154,
janeiro-abril de 2023.
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oportunidade que os possibilitem sustentar suas famílias mesmo sem a valorização devida, o
que se dá o nome de "Exército de Reserva”. Dessa forma, instituições públicas e privadas
continuam oferecendo trabalhos em más condições.
Embora Silva (2021) não esteja trabalhando remotamente, já que suas atividades
atualmente estão voltadas à coleta ambiental, é fundamental aprofundar um pouco mais a
questão do empresariamento da educação
6
antes de abordarmos o ápice atual da globalização,
o home office para as instituições públicas e principalmente as privadas, que pretendem tornar
a educação um comércio, dando prioridade ao enriquecimento e economia das mesmas, tendo
em vista que assim seus custos com transporte, energia, água, e outros são reduzidos. A adesão
ao home office enriquece o patrão e sobrecarrega ainda mais o trabalhador, resultando em mais
uma acomodação por parte dos empresários, que acabam por economizar cada vez mais,
concedendo menos direitos ao contratado.
BNCC, currículo e autonomia
Sobre a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), o entrevistado, que não possui
conhecimento aprofundado sobre o assunto, levando em conta que não está atuando em sala de
aula, não quis expor seu pensamento. Contudo, deixou claro que desaprova esse modelo de
ensino, pois, em sua visão, o trabalho do professor fica limitado, além de atingir diretamente a
disciplina de Geografia (como outras) ao ser diluída nas áreas humanas.
Vocês vão me desculpar, mas não tenho um conhecimento aprofundado a respeito. O
que posso dizer é que como professor de geografia eu não gosto do formato. A
geografia parece ficar diluída nas humanidades e ciências sociais, além de limitar o
trabalho do professor (SILVA, 2021. Informação verbal).
De acordo com o Ministério da Educação (MEC), a “BNCC é um documento de caráter
normativo que define o conjunto orgânico e progressivo de aprendizagens essenciais que
todos os alunos devem desenvolver ao longo das etapas e modalidades da Educação Básica”
6
O empresariamento, no bloco histórico neoliberal, combina o aprofundamento de movimentos tendenciais no
âmbito da educação (a mercantilização e a mercadorização) à forma contemporânea do capital, bastante eficiente,
de exercer controle em larga escala sobre a educação escolar. (MOTA; ANDRADE, 2020, p. 9)
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(BRASIL, 2018, p. 9). Tem como base a Lei das Diretrizes e Bases da Educação Nacional
(LDB) nº 9.394 de 20 de dezembro de 1996 com a finalidade de:
[...] estabelecer, em colaboração com os Estados, o Distrito Federal e os Municípios,
competências e diretrizes para a Educação Infantil, o Ensino Fundamental e o Ensino
Médio, que nortearão os currículos e seus conteúdos mínimos, de modo a assegurar
formação básica comum. (BRASIL, 2018, p. 12)
A fala do professor entrevistado corrobora o que muitos outros docentes creem. A
BNCC é um documento institucional que foi criado de modo não participativo e reflete de certa
forma aos professores uma “imposição de conteúdos”, o que alguns consideram como “modelo
prescritivo de currículo”, que tem como intenção expressar um discurso político reformista,
como afirma Dourado e Siqueira (2019)
[...] o movimento em torno da afirmação de uma Base Nacional Comum Curricular
(BNCC) também pode ser considerado determinado tipo de reforma que toma o
currículo e o conhecimento como objetos de regulação social e, no caso brasileiro, por
meio de reducionismo do processo formativo, ratificado a partir da defesa de um
discurso centrado em competências e habilidades que, além de não atender ao
horizonte legal do Plano Nacional de Educação (PNE), que advoga direitos e objetivos
de aprendizagem e desenvolvimento, é prescritivo e padronizador. (DOURADO;
SIQUEIRA, 2019, p. 295)
As questões vivenciadas no trabalho docente nos levam a concordar com Sacristán
(1991), que considera o professorado como semiprofissão, já que o professor tem sua autonomia
condicionada pelo sistema educativo e, em caso de mudanças estruturais no sistema, não é
consultado e escutado, o que dificulta seu trabalho e vai calando sua voz.
São muitos os desafios que os professores enfrentam para ministrar suas aulas,
justamente pelas limitações de currículo, material didático, regras e leis do sistema e das
escolas, como percebido por Sacristán (1991). Assim como as práticas docentes individuais são
de certo modo controladas pelos gestores das instituições educacionais, as políticas
educacionais são criadas e controladas por burocracias políticas-administrativas que respondem
a interesses externos ao ambiente escolar — logo, não dialogando com os interesses dos
docentes.
Diversidade e descolonização
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É evidente que clamar pela aceitação do considerado “diferente” nunca foi tarefa fácil
na vida em sociedade. Historicamente, o desenvolvimento da sociedade foi marcado pela
tentativa de homogeneização cultural, seja na exaltação do padrão considerado “ideal”
(europeu), seja por meio da violência e apagamento cultural de povos considerados inferiores
(indígenas, asiáticos e africanos).
Homogeneização esta que é fruto da ideologia capitalista mundial moderna/colonial, no
qual pessoas se classificam e são classificadas de acordo com três perspectivas estruturadas pela
colonialidade do poder: gênero, raça e trabalho (QUIJANO, 2007, p. 115). Haja vista que o tom
de pele foi constituído como o diferencial mais marcante de dominação, no qual foi estabelecido
para mulheres e homens europeus a raça branca como papel de domínio e superioridade,
enquanto que a todos os homens e mulheres não europeus, pertencentes às chamadas “raças de
cor”, foi atribuído um papel de inferioridade (QUIJANO, 2007, p. 120).
Como alternativa para enxergar o mundo, Rogério Haesbaert (2018), em sua Geografia
Regional, propõe uma nova forma de pensar a regionalização: de baixo para cima. A
descolonização e suas “pretensões excessivamente universalizantes da colonização do saber”
(REVENDO, 2020) buscam a extinção das especificidades que definem uma região a fim de
padronizá-la. Há uma tendência de eurocentrizar o Brasil para assim desvalorizar e
desconsiderar nossas raízes culturais a fim de universalizar o mundo, então a escola se torna
um importante espaço para reagir criticamente a isso. Regionalizar de baixo para cima é
considerar as dimensões não hegemônicas e atribuir valor aos grupos subalternos responsáveis
pelo desenho da regionalização que está presente até hoje em forma de herança.
Para Haesbaert (2018), o espaço escolar exerceu papel importante na homogeneização
cultural dos povos, principalmente nos países da América Latina que foram influenciados a
seguir o padrão eurocêntrico como modelo de civilização a ser alcançado. É na escola que
geralmente ocorre o primeiro contato com uma pluralidade de sujeitos e diferenças culturais e
que se chocam com processos homogeneizadores. Portanto, torna-se necessário trabalhar a
diversidade no cotidiano escolar de modo a propiciar compreensão e sensibilização dos
educandos sobre as diferenças que podem ser religiosas, étnica, orientação sexual, gênero, entre
outras.
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O entrevistado quando perguntado sobre o que pensa a respeito da diversidade e qual o
papel do professor perante isso, é enfático em sua fala ao afirmar de imediato que
Em primeiro lugar, ela deve ser admitida. Os professores devem aprender que numa
sala heterogênea sempre haverá diversidade. Ambos os conceitos caminham um
inerente ao outro. Ela existe e é preciso jogo de cintura para corresponder a cada perfil
(SILVA, 2021. Informação verbal).
A falta de reconhecimento por parte do professor da existência da diversidade pode
dificultar o enfrentamento de adversidades que possam surgir.
Nosso modelo vertical de educação infelizmente é linear, o que provoca a tendência
das pessoas a pensarem linearmente, com sectarismo, ou seja, aquelas pessoas que só
enxergam as cores pretas ou brancas, não admitindo o multicolorido, porque isso seria
demais para elas. Lidar com a diversidade é lidar com histórias distintas, lares
distintos, cada aluno traz consigo uma carga de conhecimento de mundo e o professor
deve ser consciente dos múltiplos perfis em sala de aula. Entender isso de antemão é
uma arma para saber lidar com a diversidade sempre presente (SILVA, 2021.
Informação verbal).
Ou seja, aplicando o que Candau (2011) apud Amartya Sen (2006) sugerem como umas
das abordagens para lidar com a pluralidade: “[...] colocar a ênfase no reconhecimento da
diferença e, para promover a expressão das diversas identidades culturais presentes num
determinado contexto, garantir espaços em que estas se possam expressar”.
É de extrema importância ter ciência de que no espaço escolar trabalharemos com
turmas heterogêneas, abrangendo turmas diversas com diferentes idades e realidades sociais.
Por meio da entrevista com Silva (2021), compreendemos que não seremos apenas professores
que estão na sala de aula para ensinar, seremos também agentes transformadores pedagógicos,
sociais, psicopedagógicos, políticos, institucionais das escolas e de suas comunidades, além da
formação pessoal, cidadã e crítica dos alunos.
Importância política e sala de aula
Desde 1970 o mundo vem se tornando cada vez mais globalizado pois, conforme o da
história e da tecnologia avançaram, o tempo passou a ter um significado cada vez mais
capitalista, passou a deixar de ter seu sentido natural e começou a valer como moeda de troca.
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A famosa frase de Benjamin Franklin
7
, “Tempo é dinheiro”, nunca se encaixou tão bem com a
questão temporal desde o início da globalização até a atualidade. Vive-se em uma época em
que as empresas priorizam economizar tempo para assim economizar cada vez mais seus custos,
tendo em vista que o tempo é vendido.
Contudo, o que é o trabalho docente se não a construção de conhecimento através do
tempo, do diálogo, da paciência e da troca de saberes entre alunos e professores? Essa troca
deveria ser mais valorizada e menos fugaz. A educação, desde a chamada Terceira Revolução
Industrial, vem sendo a cada dia mais precarizada e desvalorizada, sendo de certo modo um ato
político pensado para a alienação social.
Sendo assim, podemos entender muitos discursos políticos com relação ao ensino e
aprendizagem que passam a ver a educação como um gasto e não como investimento, tendo em
vista sempre uma máxima fiscal, em detrimento do aspecto social do país. Nesse sentido, Silva
(2018) mostra que está em curso no país uma precarização de novo tipo do trabalho docente —
uma precarização que amplia a expropriação do conhecimento dos docentes, desagrega a
autonomia pedagógica, desqualifica o trabalho docente com o objetivo de moldá-lo aos
interesses do capital e enfraquece os sindicatos para desmobilizar a luta coletiva.
Com relação à política e à docência, o entrevistado afirmou que a docência é
subordinada e submetida à política, e que a partir da docência devem ser construídas políticas
educacionais para alcançar a transformação da educação. Ele prossegue afirmando que as
políticas educacionais não “frequentam” as escolas, mas sim saem dos gabinetes, criando
políticas injustas. Nesse contexto, a política e a docência deveriam estar unidas para a reparação
de injustiças históricas.
Ele legitima a luta dos professores e na sua visão falta unidade para que haja força nessa
luta, pois por mais forte que seja o adversário, os docentes não devem desistir.
É preciso retomar um trabalho de unidade tanto entre as entidades de classe, sindicatos
e demais entidades representativas da luta docente para dar uma resposta reagente aos
ataques atuais e na busca de corrigir passivos históricos. Sem unidade a luta fica
enfraquecida, o adversário é muito forte e se não houver unificação entre todos os
7
Benjamin Franklin (Boston, 17 de janeiro de 1706 – Filadélfia, 17 de abril de 1790) foi um polímata
estadunidense. Foi um dos líderes da Revolução Americana, conhecido por suas citações e experiências com a
eletricidade e por ser entusiasta do capitalismo protestante.
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professores de todas as categorias estaremos como sempre remando contra a maré.
Toda luta é necessária, é importante, mesmo que o poder bravio dos professores seja
abafado, jamais devem se curvar. Uma unidade nacional é imprescindível e ela deve
fortalecer as lutas locais, incluindo promover a unidade local (SILVA, 2021.
Informação verbal).
A política não deve utilizar da sua influência para manipular a visão da sociedade no
que diz respeito à educação, como atualmente faz de maneira aparente através de ataques diretos
às instituições educacionais e à índole de alunos e professores, pois é por meio do processo
educativo que os cidadãos se tornam conscientes da importância do seu papel na vida pública,
ou seja, se entendem como seres políticos. Isto é o que pode ser visto na LDB, que apresenta
em seu 2º artigo a educação necessária para que a cidadania seja exercida no Brasil:
A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos
ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do
educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho
(BRASIL, 1996).
Para Mill (2006 apud FORLINI, 2015, p. 30), existem os cidadãos ativos, aqueles que
tem maior interesse na política e conseguem discernir as tentativas de manipulação diante das
discussões; e os passivos que por não ter a mesma capacidade de identificar a manipulação, são
mais fáceis de serem controlados pelos governantes, já que não se interessam pela política.
Somente o primeiro grupo poderá lutar em prol da democracia, pois conseguirão enxergar as
decisões que não beneficiam a população.
Nesse sentido, o professor também tem uma função política importante, contribuindo
para uma educação politizada auxiliando os alunos e possibilitando que sejam cidadãos ativos
que mobilizam ações para transformar a realidade:
Todo docente de qualquer sistema formativo é um agente político em potencial.
Precisa se despertar para tal função, carece de treinamento político que, na própria
prática do trabalho, é capaz de adquirir, embora tenha fortes pressões para que isso
nunca ocorra, mas isso não invalida a procura por rupturas e novas visões de ser
dignamente humano em uma realidade com ausências de perspectivas reais desta
edificação da dignidade (BORTOLIM, 2014, p. 144).
Conclusão
Ensaios de Geografia
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DA DOCÊNCIA: desafios e experiências no estágio supervisionado em Geografia. Ensaios de Geografia. Niterói, vol. 9, nº 20, pp. 133-154,
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O objetivo deste artigo foi apresentar e refletir aspectos acerca de uma experiência
formativa de pesquisa e prática pedagógica de estágio remoto emergencial enquanto processo
de formação inicial de licenciandos. A partir da entrevista com Silva (2021), vários aspectos da
docência foram discutidos ao longo da experiência formativa do estágio supervisionado, tais
como: Trabalho docente e valorização profissional; Estágio supervisionado e formação; Teoria
e prática: práxis pedagógica; Experiência com educação ambiental; BNCC, currículo e
autonomia; Diversidade e descolonização; Importância política e sala de aula.
O caminho percorrido da graduação até a formação docente é construído de modo
singular dos marcos da memória, de pessoa para pessoa, cuja construção é condicionada a partir
de experiências de vida associadas a experiências vivenciadas na academia e nos espaços de
socialização. Não foi diferente com nosso entrevistado, Silva (2021), que durante seu período
na graduação vivenciou momentos de aprendizagem e construção de conhecimento no PET da
universidade em que estudou e que, segundo ele, foram imprescindíveis para sua formação,
logo sustentando a importância das vivências em projetos diversos no período da graduação.
Embora a profissão docente ainda seja subestimada e enfrente adversidades, é
necessário que haja um aperfeiçoamento do seu trabalho para proporcionar o seu melhor aos
alunos. Além disso, deve-se buscar propiciar um espaço de afetividade para gerar um ambiente
favorável ao ensino e aprendizagem, no qual a partir do próprio cotidiano pode-se extrair
saberes úteis para a produção do conhecimento.
Infelizmente, o trabalho docente possui muitos desafios e ainda é muito desvalorizado,
fazendo com que bons professores tenham que buscar alternativas de emprego para uma maior
visibilidade, já que a docência não oportuniza isso. Além disso, há a complexidade de viver
com a renda obtida pelo trabalho como professor, o que é uma infelicidade, considerando a
importância da profissão e o esforço feito pelos professores na sua formação e pela educação e
formação crítica dos seus alunos.
Torna-se claro que o professor precisa ser valorizado e reconhecido e que ainda há um
longo caminho na luta por mais respeito e garantia dos direitos. Precisamos ter sempre um olhar
crítico perante ao sistema, reivindicando nosso lugar de autonomia na sociedade para que
cidadãos livres sejam formados a fim de transformar o mundo a partir do conhecimento.
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DA DOCÊNCIA: desafios e experiências no estágio supervisionado em Geografia. Ensaios de Geografia. Niterói, vol. 9, nº 20, pp. 133-154,
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Submissão em: 23/03/2022. Aceito em: 26/03/2023.
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Essays of Geography | POSGEO-UFF
AO CITAR ESTE TRABALHO, UTILIZAR A SEGUINTE REFERÊNCIA:
GONÇALVES, Rafa Lutterbach Veiga; SILVA, Jamille Ramos da; ROCHA, Daniela de Oliveira da; PEREIRA, Diego Carlos. UM RELATO
DA DOCÊNCIA: desafios e experiências no estágio supervisionado em Geografia. Ensaios de Geografia. Niterói, vol. 9, nº 20, pp. 133-154,
janeiro-abril de 2023.
Submissão em: 23/03/2022. Aceito em: 26/03/2023.
ISSN: 2316-8544
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Ensaios de Geografia
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concedida para atividade curricular da disciplina de Pesquisa e Prática Educativa I.
