Ensaios de Geografia
Essays of Geography | POSGEO-UFF
AO CITAR ESTE TRABALHO, UTILIZAR A SEGUINTE REFERÊNCIA:
ROSSI, Breno Serodio de Castro. O URBANO NEOLIBERAL: analisando a participação do capital internacional no Porto Maravilha do Rio
de Janeiro. Ensaios de Geografia. Niterói, vol. 9, nº 19, pp. 12-38, set-dez de 2022.
Submissão em: 04/07/2022. Aceito em: 23/09/2022.
ISSN: 2316-8544
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SEÇÃO ARTIGOS
O URBANO NEOLIBERAL
1
:
analisando a participação do capital internacional no Porto Maravilha do Rio de Janeiro
THE NEOLIBERAL URBAN:
analyzing the participation of international capital in Porto Maravilha of Rio de Janeiro
EL URBANO NEOLIBERAL:
analizando la participación del capital internacional en Porto Maravilha de Río de
Janeiro
Breno Serodio de Castro Rossi
2
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ),
Rio de Janeiro, Brasil
e-mail: brenoserodio@gmail.com
Resumo
A Operação Urbana Consorciada Porto Maravilha se refere a um conjunto de intervenções urbanas e econômicas
na região portuária do Rio de Janeiro. O artigo está inserido na temática da economia política urbana e busca
dimensionar a presença do capital internacional no Porto Maravilha. A pesquisa tem particular pertinência no
contexto das discussões atuais em torno da nova rodada de intervenções da gestão do Prefeito Eduardo Paes na
área central, que se dão através do lançamento do Projeto Reviver Centro e da renovada tentativa de consolidação
do Porto Maravilha. Ademais, a investigação do incremento da participação do capital analisado poderá engendrar
reflexões para o campo dos estudos urbanos, tendo em vista que os agentes internacionais não vivem no espaço da
intervenção e as transformações ocorrem em função de seus interesses, que são descolados das demandas locais.
Palavras-chave
Planejamento Urbano; Economia Urbana; Mercado Imobiliário.
1
Uma versão embrionária desta pesquisa foi apresentada de forma oral na XXVI Semana IPPUR em 2021.
2
Graduado em Gestão Pública para o Desenvolvimento Econômico e Social (UFRJ) e Mestrando em Planejamento
Urbano e Regional pelo Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional (UFRJ).
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Abstract
The Urban Operation Porto Maravilha refers to a set of urban and financial interventions in the port region of Rio
de Janeiro. The article is inserted in the thematic of urban political economy and seeks to dimension the presence
of international capital in Porto Maravilha. The research has particular relevance in the context of the current
discussions about the new round of interventions of Mayor Eduardo Paes' administration in the central area, put
forward through the launching of the Reviver Centro and the renewed attempt to consolidate Porto Maravilha.
Furthermore, the investigation of the increased participation of the analyzed capital may engender reflections for
the field of urban studies, considering that international agents do not live in the intervention space and
transformations occur according to their interests, which are detached from local demands.
Keywords
Urban Planning; Urban Economy; Property Market.
Resumen
La Operación Urbana Consorciada Porto Maravilha, se refiere a un conjunto de intervenciones urbanas y
financieras en la región portuaria de Río de Janeiro. El artículo se inserta en la temática de la economía política
urbana y busca dimensionar la presencia del capital internacional en Porto Maravilha. La investigación tiene
especial relevancia en el contexto de las actuales discusiones en torno a la nueva ronda de intervenciones de la
administración de alcalde Eduardo Paes en el área central mediante el lanzamiento del Reviver Centro y el
renovado intento de consolidar Porto Maravilha. Además, la investigación de la mayor participación del capital
analizado puede engendrar reflexiones para el campo de los estudios urbanos, considerando que los agentes
internacionales no viven en el espacio de intervención y las transformaciones ocurren de acuerdo con sus intereses,
que están desvinculados de las demandas locales.
Palabras-clave
Planificación Urbana; Economía Urbana; Mercado Inmobiliario.
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Introdução
O presente artigo é fruto da pesquisa do Trabalho de Conclusão de Graduação em Gestão
Pública para o Desenvolvimento Econômico e Social, realizada na Universidade Federal do Rio
de Janeiro. Cabe mencionar que a pesquisa se encontra em fase de aprofundamento no âmbito
do curso de Mestrado do Programa de Pós-Graduação em Planejamento Urbano e Regional da
Universidade Federal do Rio de Janeiro.
A investigação está inserida na temática da Economia Política da Operação Urbana
Consorciada (OUC) Porto Maravilha e delimita sua análise na participação dos capitais
internacionais na implementação dessa política urbana. O principal intuito aqui é apresentar um
trabalho de caráter ensaístico, englobando as especificidades da governança urbana da zona
portuária diante do neoliberalismo global por meio da identificação dos agentes envolvidos na
operação.
O escopo mais amplo da investigação se configura nos processos políticos na esfera local
materializados no Porto Maravilha. A identificação dos agentes protagonistas de seu arranjo
institucional-financeiro, por meio de uma perspectiva escalar, pode contribuir para
compreensão de possíveis mudanças nas dinâmicas de poder local. Em vista disso, a reflexão
central reside no balanço sobre o quão permeável a produção do espaço urbano do Porto
Maravilha está em relação aos investimentos internacionais.
O Porto Maravilha é uma Operação Urbana Consorciada (OUC) e se refere à um conjunto
de intervenções nos âmbitos urbanístico, financeiro, imobiliário e viário. Esta intervenção
urbana foi concebida sob a justificativa de “revitalizar” a região portuária do Rio de Janeiro. A
utilização do verbo “revitalizar” na formulação dessa OUC representa uma política de
renovação de uma área sem vida, negligenciando os residentes e a história da zona portuária. A
aplicação dessa narrativa está presente nas peças publicitárias, apresentações e estudos técnicos
do Porto Maravilha (CDURP, 2017), caracterizando seu uso ideológico.
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Figura 1: Localização Geográfica do Porto Maravilha
Fonte: Companhia de Desenvolvimento Urbano da Região do Porto (2022)
O objetivo geral do presente artigo reside na busca pelo dimensionamento da presença e
influência do capital internacional na OUC Porto Maravilha. Além disto, seus objetivos
específicos constam em: (i) dimensionar quantitativamente o capital internacional presente no
Porto Maravilha; (ii) analisar qualitativamente a influência deste capital no Porto Maravilha e
(iii) identificar os atores envolvidos na economia política do Porto Maravilha.
Recorre-se a conceitos como Planejamento Estratégico, Empreendedorismo Urbano e
Waterfronts Regeneration a fim de contextualizar a execução do projeto, que converge com o
processo de neoliberalização da produção do espaço. Nesse contexto, o objeto aparece como
uma estratégia de gestão empreendedora do espaço urbano que concretiza uma coalizão
institucional, visando articular forças econômicas e políticas que agem principalmente por meio
de parcerias entre Estado e Mercado. Na última década, essa parceria foi justificada pelo
contexto dos megaeventos esportivos, gerando custos pesados para a população mais vulnerável
das cidades brasileiras (MAGALHÃES, 2013).
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O trabalho utiliza fontes secundárias a partir da Tese de Renato Martins (2017), da
Dissertação de Thiago Pinho (2016) e de relatórios trimestrais da Companhia de
Desenvolvimento Urbano da Região do Porto (CDURP), além da revisão de literatura. A
condução bibliográfica foi construída através de livros, artigos, teses e dissertações, localizados
por meio dos bancos de dados Google Scholar e Scielo. As palavras-chave utilizadas para a
pesquisa desses materiais foram: Porto Maravilha; Operação Urbana Consorciada Rio de
Janeiro; Região Portuária Rio de Janeiro; Empreendedorismo Urbano; Planejamento
Estratégico e Urbanismo Neoliberal. Após a determinação da utilidade dos materiais, foram
elaborados resumos, fichamentos e anotações dessas produções acadêmicas com a finalidade
de organizar o processo.
O processo de verificação empírica se estrutura na identificação dos proprietários dos
empreendimentos através de dados de comercialização dos Certificados de Potencial Adicional
de Construção (CEPAC. Com base nos objetivos geral e específicos, os dados de transações
dos CEPACs são utilizados como proxy de pesquisa, pois eles apresentam empiricamente os
perfis dos titulares dessas comercializações que englobam a engenharia institucional-financeira
do objeto.
O levantamento ocorreu por meio de corte transversal, ou seja, com dados coletados em
um momento específico e teve o sítio eletrônico oficial do Porto Maravilha como peça
fundamental para sua obtenção. A coleta de dados digitais de forma gratuita e de simples acesso
foram pontos cruciais para a escolha dessa trilha metodológica.
A pesquisa possui caráter descritivo, pois tem como propósito descrever um fenômeno,
permitindo apresentar as características da situação sem interferência do pesquisador na
realidade, visto que a condução da investigação ocorre por meio da observação. Com isso, os
resultados foram tratados de forma quantitativa, a fim de identificar possíveis transformações
nas dinâmicas de exercício do poder engendradas pela modelagem institucional-financeira.
O projeto de revitalização da zona portuária da cidade do Rio de Janeiro se apresenta
como instrumento de viabilização da mercantilização da cidade na lógica do neoliberalismo,
produzindo efeitos sobre as dinâmicas urbanas locais (MARTINS, 2017). Nesse sentido, a
pesquisa pode demonstrar que a presença do capital internacional interliga a tendência das
cidades a se inclinarem ao empreendedorismo urbano durante o atual momento do capitalismo
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global (HARVEY, 2005). Portanto, a análise da economia política da OUC torna-se relevante,
pois joga luz em orientações que a política urbana brasileira pode vir a apresentar e quais
interesses estão sendo atendidos na produção do espaço urbano, diante das dinâmicas de
financeirização do capital.
A investigação se justifica a partir da vitória de Eduardo Paes nas eleições municipais de
2020. Com a retomada desse ator político ao cargo de Prefeito do Rio de Janeiro, uma nova
rodada de intervenções urbanas neoliberais ganha força com olhar renovado ao centro da
cidade. A tentativa de reavivar o Porto Maravilha em conjunto com o anúncio do Programa
Reviver Centro demonstra esse novo fôlego na reestruturação na cidade (PREFEITURA, 2021).
A partir dessa ótica, o acompanhamento das intervenções urbanas na região central demanda
uma análise crítica e comprometida com o interesse popular.
Além disso, cabe assinalar que a constante atualização da compreensão dos
desdobramentos associados ao objeto pesquisado torna-se fundamental, tendo em vista as
contribuições acadêmicas para pesquisas futuras que aprofundem a temática. Este artigo
pretende contribuir, de alguma forma, para a literatura que trata do Porto Maravilha, como
também para investigações a respeito dos estudos urbanos.
O presente artigo se divide em quatro seções, além da introdução e das considerações
finais. Na sequência desta introdução, a perspectiva político-econômica da zona portuária será
apresentada e, posteriormente, será formulada uma seção que trata do arranjo institucional-
financeiro do Porto Maravilha. Nesta continuidade, os consumidores de CEPACs serão
apresentados e, antecedendo as considerações finais, uma breve análise acerca da estagnação
da comercialização destes certificados será construída.
Zona Portuária do Rio de Janeiro e neoliberalismo
A cidade do Rio de Janeiro tem sua história de políticas urbanas vinculada a grandes
projetos
3
, porém, nota-se uma ruptura fundamental em seu desenvolvimento urbano: a chegada
3
Como durante a administração municipal do Prefeito Francisco Pereira Passos (1902 a 1906) e suas intervenções
urbanas, que tiveram como intuito modernizar de forma "europeizante'' a arquitetura da cidade no início do século
XX (DINIZ, 2012).
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dos ideais do Planejamento Estratégico no Brasil
4
, tendo em vista sua instauração enquanto
modelo que tomou a cidade de Barcelona, sede dos Jogos Olímpicos de 1992, como protótipo
de city marketing
5
a ser seguido (VAINER, 2000).
Ao delimitar a análise para a região portuária, esse novo olhar para investimentos e
transformações também pode ser notado. A área da região portuária era associada a deterioração
física e cultural pela perspectiva de políticos, empresários e até mesmo da opinião pública, que
enxergavam as adjacências do Porto do Rio de Janeiro como uma região à margem da cidade e
um espaço sem relevância
6
. Essa perspectiva pode ser explicada em função da zona portuária
não oferecer terreno fértil para investimentos econômicos, fugindo da rota de acumulação do
capital desde meados do século XX (GONÇALVES; COSTA, 2020).
Após esse período, a região tem sua perspectiva transformada e a localidade passa a
despertar o interesse de grupos políticos e econômicos como potencial espaço de acumulação e
valorização para o capital imobiliário (GONÇALVES; COSTA, 2020). Tendo em vista sua
proximidade espacial ao centro financeiro da cidade (SANTOS JUNIOR; WERNECK;
RAMOS NOVAES, 2020) e também seguindo o fenômeno contemporâneo de políticas urbanas
waterfronts regeneration. Esse fenômeno foi iniciado no final da década de 1950 no contexto
estadunidense e disseminado em cidades pelo mundo, como por exemplo, o Port Vellem
Barcelona, e o “Porto Ântico” em Gênova (FEDOZZI; VIVIAN, 2021).
As políticas se direcionam às orlas urbanas como solução às problemáticas espaciais e
reverberaram no Brasil nas últimas décadas. Podem-se tomar como exemplos brasileiros, além
do Porto Maravilha, a Estação das Docas em Belém e o Viva Cais Mauá em Porto Alegre. Com
essa perspectiva, os projetos urbanos passam a intervir no espaço de forma estrutural e
transformam as formas de uso e valor do espaço urbano (FEDOZZI; VIVIAN, 2021).
Em consonância com as políticas de waterfronts, a mudança também pode ser explicada
pela ruptura em relação ao planejamento urbano clássico. O modelo de Planejamento
4
Essa chegada ocorreu no início da década de 1990 (VAINER, 2000).
5
Consiste, resumidamente, no receituário de abertura econômica de cunho neoliberal. Tornar a cidade atrativa
para o capital globalizado e competitiva no mercado de competição intercidades é o objetivo desse modelo de
planejamento. Neste ambiente, a venda da imagem de uma cidade-espetáculo moderna e segura pauta as
transformações urbanas locais (VAINER, 2000).
6
Vale ressaltar que a população habitante dessa região é historicamente de baixa renda (GONÇALVES; COSTA,
2020).
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Estratégico, disseminado nas cidades como expoente da política urbana neoliberal, tornou a
inserção das cidades na dinâmica competitiva seu principal objetivo, fomentando a produção
urbana de cidades-empresa (VAINER, 2000). Este modelo de planejamento surge como
alternativa de ocupação do espaço deixado pela derrocada do modelo tradicional. Nesse sentido,
os conceitos do Planejamento Estratégico são inspirados pelas cnicas utilizadas no meio
empresarial (como análise SWOT, FOFA e seus derivados), em decorrência das novas
competições intercidades
7
.
Carlos Vainer (2000) salienta que o discurso propagado foi pautado na lógica de que o
planejamento urbano estratégico constituiria o único modelo capaz de proporcionar o
desenvolvimento metropolitano, omitindo a carga ideológica dessa narrativa. Nesse cenário, a
essência ligada ao planejamento empresarial levou a atuação da gestão urbana para uma lógica
empreendedora, que criou competitividade entre as cidades, tornando-as mais atrativas ao
capital (HARVEY, 2005). Portanto, pode-se dizer que mesmo com a transposição do modelo
estratégico da corporação privada para o território público, não se abre mão de uma decisiva
intervenção estatal, desde que voltada para os interesses do mercado assim como do
neoliberalismo.
Brenner, Peck e Theodore (2012) consideram o processo de neoliberalização do espaço
como essencial para entender as mudanças regulatórias do sistema capitalista no contexto das
crises econômicas contemporâneas. De maneira análoga ao conceito de globalização proposto
por James Mittelman (apud BRENNER; PECK; THEODORE, 2012), os autores afirmam que
é possível conceituar a neoliberalização, sugerindo que este seria um fenômeno heterogêneo e
originado a partir de desdobramentos cumulativos de contradições que se sobrepõem.
Nesse sentido, esse processo é concebido como historicamente específico, híbrido,
desenvolvido de maneira desigual e composto por tendências. Portanto, a experimentação
regulatória disseminada em projetos particulares locais espalhados pelo mundo (como o Porto
Maravilha), se apresenta como instrumento intensificador de formas disciplinadoras de
governança em prol do mercado (BRENNER; PECK; THEODORE, 2012).
7
A lógica de que todas as cidades do mundo competem com o intuito de receberem corporações multinacionais,
turistas, eventos e investimentos transnacionais é essencial na visão dos planejadores estratégicos (VAINER,
2000).
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Outra consequência desta conjuntura na linha do que foi tratado por Vainer (2000)
consiste no espraiamento dos ideais neoliberais para as formas de gestão de políticas urbanas e
para o planejamento urbano. Theodore, Peck, Brenner (2009), investigam o urbanismo
neoliberal e listam as principais justificativas que sustentam projetos deste viés por meio da
narrativa do crescimento econômico. Os pretextos utilizados neste tipo de governança urbana
englobam: a redução de impostos corporativos; a privatização dos recursos e serviços públicos;
o enfraquecimento dos programas de bem-estar social; a expansão do capital internacional e a
intensificação da concorrência entre escalas locais (THEODORE; PECK; BRENNER, 2009).
Ermínia Maricato (2015) aponta que a confluência entre neoliberalização e a
redemocratização brasileira dos anos 1990, engendrou transmutações no processo de
urbanização do país. Por exemplo, Souza (2018) assinala que os projetos urbanos executados
no contexto dos megaeventos esportivos no Brasil, isto é, Copa do Mundo de 2014 e Jogos
Olímpicos de 2016, indicam a ascensão do padrão corporativo da produção do espaço em um
cenário de hegemonia da lógica da financeirização. Ideário que vem acompanhado da gestão
excludente de bens e serviços públicos, viabilizados pelo planejamento urbano voltado aos
interesses do grande capital que incorpora o capital fictício como instrumento de
planejamento territorial.
Desta forma, as cidades se tornaram ferramenta de exploração através de intervenções
como o Porto Maravilha, e, nesse caso, o projeto assume importante papel na dinâmica da
mercantilização da cidade (PINHO, 2016). O capital busca sua reprodução, que passa pela
acumulação e utilização de mais capital e, por essa razão, sua circulação entende esse tipo de
política urbana como oportunidade para executar sua estratégia (HARVEY, 2005). A partir
disso, a revitalização busca atender interesses mercadológicos e dita os rumos da intervenção
em detrimento dos interesses locais (MARTINS, 2017).
Porto Maravilha e seu arranjo financeiro
O megaprojeto urbano denominado “Porto Maravilha” foi lançado pela administração
municipal de Eduardo Paes (PSD)
8
em 2009 (CDURP, 2017) e institucionalizado juridicamente
8
Partido Social Democrático.
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através de uma Operação Urbana Consorciada (OUC)
9
, que é instrumento previsto na Lei
Federal nº 10.257 de 2001, o Estatuto da Cidade (BRASIL, 2001). Com base nesta legislação,
a Lei Municipal Complementar 101, de 23 de novembro de 2009, foi responsável pela criação
da Operação Urbana Consorciada do Porto Maravilha, sob justificativa de proporcionar
transformações urbanísticas estruturais, melhorias sociais e valorização ambiental (RIO DE
JANEIRO, 2009).
A área do projeto, determinada pela Área de Especial Interesse Urbanístico (AEIU)
10
,
engloba aproximadamente cinco milhões de metros quadrados entre as avenidas Rodrigues
Alves e Presidente Vargas (PINHO, 2016). Essa localização se distribui pelos bairros da Saúde,
Gamboa e Santo Cristo. Ainda abrange de forma parcial os bairros Centro da Cidade, Cidade
Nova, São Cristóvão e Caju. A área também é composta pelas seguintes favelas: Morro da
Providência, Moreira Pinto, São Diogo, Pedra Lisa e Livramento (CDURP, 2017).
Figura 2: Área de Especial Interesse Urbanístico
Fonte: Companhia de Desenvolvimento Urbano da Região do Porto (2022)
9
As Operações Urbanas Consorciadas são intervenções urbanas pontuais em um espaço delimitado, que envolvem
poder público executivo municipal e setor privado. Essas transformações tem a finalidade de promover melhorias
urbanísticas, sociais e ambientais (Nota técnica 16/2020, Secretaria Municipal de Urbanismo do Rio de
Janeiro).
10
A delimitação foi criada pela Lei Complementar nº101/2009.
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O projeto se estruturou em torno de uma Parceria Público-Privada (PPP), com valor
inicial aproximado de 7.609 bilhões de reais, com prazo de quinze anos, sendo renováveis por
mais quinze anos, e no seu lançamento foi utilizado o slogan “A maior PPP do Brasil”
(WERNECK, 2016). A Lei Complementar também regulamentou as diretrizes da parceria e
associou a gestão pública municipal, via Companhia de Desenvolvimento Urbano da Região
do Porto (CDURP), a três construtoras, via Concessionária Porto Novo, para o gerenciamento
do projeto. Essas diretrizes envolviam a prestação de serviços urbanos como saneamento,
iluminação e coleta de lixo (SARUE, 2016).
A concessionária era formada por três construtoras de grande relevância no cenário
imobiliário brasileiro: Odebrecht, OAS e Carioca Engenharia. As participações acionárias
dessas empresas na concessionária eram: Odebrecht: 37,5%; OAS: 37,5% e Carioca
Engenharia: 25,00% (MARTINS, 2017).
O arranjo financeiro do projeto está ligado sobretudo à venda dos Certificados de
Potencial Adicional de Construção, os CEPACs. O CEPAC é instituído juridicamente pela Lei
Federal do Estatuto da Cidade em seu artigo 34 e é regulamentado pela Lei Municipal
Complementar nº101/2009. Os CEPACs foram criados a fim de conceder permissão para a
possibilidade de financiamento de obras no contexto de Operações Urbanas sem afetar as verbas
do tesouro municipal. Ou seja, os CEPACs são os principais financiadores da OUC e a
Prefeitura não injeta recursos no projeto diretamente (PINHO, 2016).
Por ser componente do mercado de valores mobiliários, o CEPAC é registrado pela
Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Sendo assim, esses certificados são títulos usados
pela administração pública para viabilizar recursos de forma antecipada, a fim de arcar com os
custos da Operação Urbana (WERNECK, 2017). Entretanto, a contrapartida apresentada aos
compradores desses certificados é a permissão de alteração de padrões edilícios dos
empreendimentos dentro da AEIU (SARUE, 2016). Em outras palavras, os CEPACs são
certificados que os compradores utilizam como permissão para construírem fora dos padrões
urbanísticos previamente estabelecidos.
Nessa dinâmica financeira, foram emitidos aproximadamente quatro milhões de metros
quadrados de potencial de construção, que foram comercializados no mercado. O proprietário
que deseja construir e investir em empreendimentos na área deve associar os CEPACs ao
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terreno específico (SARUE, 2016). Contudo, para adquirir esses CEPACs não é necessário que
o comprador seja obrigatoriamente proprietário do empreendimento dentro da área do Porto
Maravilha. Desta forma, os CEPACs tornam-se instrumentos acionários, pois sua
comercialização ocorre de maneira irrestrita, permitindo que investidores os comprem com
objetivos meramente especulativos (SANTOS JUNIOR; WERNECK; RAMOS NOVAES,
2020).
Após a contextualização dos CEPACs, é necessário delimitar como a Operação Urbana
Consorciada articulou dois fundos de investimento imobiliário nessa engrenagem financeira.
Um dos fundos é controlado pela CDURP, que é o Fundo de Investimento Imobiliário da Região
Portuária (FIIRP) e o outro pela Caixa Econômica Federal (CEF), o Fundo de Investimento
Imobiliário Porto Maravilha (FIIPM) (WERNECK, 2017). Em resumo, a CEF, através de
recursos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), adquiriu todos os 6.436.722
CEPACs que estavam disponíveis, pagando aproximadamente 3,5 bilhões de reais em um leilão
de lote único
11
(SARUE, 2016).
Assim, a CEF tornou-se responsável pela negociação desses certificados com potenciais
investidores. Deste modo, um acordo foi arquitetado no qual o FIIPM se responsabilizou pelo
pagamento de aproximadamente 8 bilhões ao FIIRP, com prazo de 15 anos. Em tese, esse valor
seria produto da valorização acionária dos CEPACs no mercado (SARUE, 2016). Portanto, em
linhas gerais, esse arranjo financeiro ocorre pela comercialização dos CEPACs, pela assunção
dos riscos financeiros por parte do poder público e pelo adiantamento de recursos oferecidos
para a concessionária realizar a prestação de serviços e obras que envolvam a execução do
projeto.
Como Pereira (2015) constata, a credibilidade do projeto implementado está no âmago da
visão que o Porto Maravilha pretende imprimir frente aos empreendedores e investidores, que
são o público-alvo de compradores dos CEPACs e aguardam uma possível valorização dos
empreendimentos desenvolvidos, de modo a impulsionar seus ganhos de maneira especulativa.
Assim, a Operação Urbana Consorciada necessita construir um ambiente propício para
investimentos. Nesse contexto, a dinâmica especulativa corporativa toma conta da estruturação
11
O leilão foi realizado pelo FIIRP em 2011 (PINHO, 2016).
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do projeto, pois o atendimento às necessidades do mercado imobiliário e demandas oriundas
dos potenciais compradores instauram-se como centro dos objetivos da intervenção. Por isso,
Ferreira e Fix (2001) interpretam os CEPACs como instrumentos de institucionalização da
especulação do setor imobiliário.
Os CEPACs foram criados com o intuito de aumentar o volume de recursos empregados
nas Operações Urbanas. No entanto, pelo fato do mercado financeiro se configurar como
terreno fértil para capitais estrangeiros que buscam alta volatilidade e lucratividade, eles
acabariam, hipoteticamente, tornando o mercado imobiliário brasileiro (historicamente
dominado por capitais nacionais e fechados) mais vulnerável aos investimentos estrangeiros
(FIX, 2009; SANFELICI, 2015), principalmente os aportes oriundos de Fundos de
Investimentos, como o FIIPM e o FIIRP. Uma constatação a ser feita é que a gestão urbana do
Rio de Janeiro passou a acompanhar as demandas mercadológicas especulativas, que passam a
ser hegemônicas nesse contexto em que a governança local submete sua agenda aos interesses
do capital imobiliário financeiro (SANTOS JUNIOR; WERNECK; RAMOS NOVAES, 2020).
Consumidores de CEPAC
Depois do detalhamento da engenharia financeira do Porto Maravilha, os consumidores
dos CEPACS serão apresentados em função de sua posição central na análise da influência do
capital estrangeiro na gestão urbana desse projeto de revitalização. A peça chave para a
identificação dos produtores desse espaço urbano reside nas transações dos CEPACs. Nesse
sentido, os dados da comercialização desses certificados podem ser usados como proxy de
pesquisa, em razão desses proprietários serem os protagonistas da transação imobiliária,
atuando diretamente no espaço. Resumidamente, essas empresas, de alguma forma, são
investidoras na área e, portanto, potencialmente beneficiadas pelo projeto.
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Tabela 1: Hierarquização do Consumo de CEPACs do Porto Maravilha
Titular
Controlador
Empreendiment
os
Quantidade
de CEPACS
% do
total
Tishman Speyer
Participações
Ltda. (TS 19 e
TS22)
Tishman
Speyer
Pátio da Marítima e
Lumina Rio
242.636
3,77%
Porto 2016
Empr.
Imobiliários S/A
OR, OAS,
Carioca
Engenharia e
REX
Porto Vida
Residencial
68.631
1,07%
Autonomy GTIS
Barão de Tefé
Empr. Ltda
GTIS e
Autonomy
Vista Guanabara
66.200
1,03%
Uirapuru
Participações
Ltda
Global E. P./
MDL
Porto Vista
58.937
0,92%
Arrakis Empr.
Imobiliários S/A
OR e
Performance
Porto Atlântico
Business Square -
Leste
57.273
0,89%
Barão de Tefé
SPE Empr.
Imobiliários S/A
JPL
BTS L’Oreal
39.582
0,62%
Grupo
Odebrecht
(Odebrecht
Realizações
Imobiliárias
RJ04 EI Ltda e
Edifício
Odebrecht RJ
S/A)
OP/OR
Holiday Inn Porto
Maravilha e Porto
Atlântico Business
Square - Oeste
28.547
0,45%
Partifib Projetos
Imobiliários F55
Ltda
Fibraexperts
Partifib
8.738
0,14%
SPE STX
STX DI /
AC Hotel Rio de
4.355
0,07%
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Desenvolviment
o Imobiliário
S/A
Kallas
Janeiro Porto
Maravilha
Fonte: Elaborado pelo autor
12
(2022)
Por meio da tabela, pode-se concluir que a maior consumidora de CEPACs do Porto
Maravilha é a Tishman Speyer. Essa empresa é responsável pela construção dos edifícios Port
Corporate Tower e AQWA Corporate (MARTINS, 2017), e lidera o ranking de consumo dos
certificados construtivos com 242.636 unidades de certificados consumidos, alcançando
42,20% do total adquirido. Em termos comparativos, o segundo titular com maior número de
CEPACs consumidos é a Porto 2016, com 68.631 unidades e 11,94% do total adquirido,
aproximadamente 3,5 vezes menos que o primeiro colocado.
Também vale destacar a Autonomy Investimentos, que consumiu 11,58% do total de
CEPACs adquiridos, com 66.200 unidades, e aparece na terceira colocação nesta tabela.
Segundo sua página no Linkedin
13
, a Autonomy é gestora de investimentos especializada no
setor imobiliário e possui sede em São Paulo. Em 2019, a Autonomy Investimentos e Affiliates
“que é o braço imobiliário do fundo corporativo Autonomy Capital Research LLP, fundado em
2003” (PINHO, 2016, p. 194), efetuou a compra da fábrica do Moinho Fluminense, localizada
na área do Porto Maravilha (LUCENA, 2019).
12
Tabela elaborada com base na dissertação de Thiago Pinho (2016, p. 173) e no terceiro relatório trimestral de
2021 do Porto Maravilha. As siglas OR e OP se referem a Odebrecht Realizações Imobiliárias S.A. e Odebrecht
Properties S.A, respectivamente.
13
Disponível em: <https://www.linkedin.com/company/autonomy-investimentos/about/>.
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Figura 3: Moinho Fluminense
Fonte: Acervo do autor (2022)
Com o objetivo de fornecer robustez à análise, o artigo apresenta o detalhamento da
atuação de duas empresas centrais na investigação: a Tishman Speyer, corporação internacional
com maior atuação direta no Porto Maravilha, e a Odebrecht, companhia nacional que atuou de
forma diversificada na AEIU (PINHO, 2016; MARTINS, 2017). A Tishman Speyer se mostra
líder absoluta em investimentos no Porto e o Grupo Odebrecht (e suas ramificações OR e OP)
aparece como membro da composição de controladores das transações da Porto 2016, da
Arrakis e do próprio Grupo Odebrecht, totalizando uma participação de 26,87% referente ao
total de CEPACs adquiridos.
A empresa estadunidense do setor imobiliário fundada em 1978 por Robert Tishman e
Jerry Speyer e atua de forma transnacional desde 1988
14
. Atualmente, a multinacional é
proprietária do complexo de edifícios Rockefeller Center, em Nova Iorque, do empreendimento
Torre Norte, em São Paulo, entre outras propriedades ramificadas por diversos países como
14
Disponível em: <https://br.tishmanspeyer.com/firm/history>.
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Brasil, Estados Unidos, China e Índia
15
. A Tishman Speyer, segundo Pinho (2016, p. 174), “[...]
é um caso típico de empresa imobiliária que passou por transformações no contexto da
globalização financeira deste setor, atuando hoje internacionalmente com 19 escritórios
regionais”.
De acordo com o endereço eletrônico institucional da empresa
16
, sua forma de atuação
se a partir da captação de elevadas quantidades de capital por meio de fundos de
investimentos. Com isso, é possível afirmar que a incorporadora mais atuante no Porto
Maravilha está ligada diretamente ao capital financeiro imobiliário em escala internacional e
produz transformações espaciais alinhadas aos seus interesses corporativos.
A Construtora Norberto Odebrecht S.A. é outra empresa que merece ser destacada na
análise da produção do espaço da zona portuária, pois é a empresa que teve maior participação
na composição da Concessionária Porto Novo e atuou de forma heterogênea em todo o projeto.
Essa empreiteira foi fundada no ano de 1944 em Salvador e desde então buscou diversificar sua
atuação no mercado de construções imobiliárias. A partir do ano de 1979, passou a atuar de
forma transnacional e atualmente possui investimentos espalhados por quatro continentes:
América, África, Ásia e Europa. A holding Odebrecht S.A. foi fundada em 1981 e faz parte do
conglomerado que integra as áreas de infraestrutura, petróleo, agroindústria, corretora de
seguros, empreendimentos imobiliários, entre outros setores (MARTINS, 2017; PINHO, 2016).
A participação da Odebrecht na Concessionária Porto Novo ocorreu pelo braço chamado
Odebrecht Infraestrutura. Além da participação na PPP global da Operação Urbana, lançou o
Porto Atlântico Leste e o Porto Atlântico Oeste por meio do seu braço imobiliário, a Odebrecht
Realizações Imobiliárias (MARTINS, 2017). Esse complexo imobiliário está localizado no
bairro do Santo Cristo e se constitui por imóveis hoteleiros, corporativos e comerciais.
15
Disponível em: <https://br.tishmanspeyer.com/properties>.
16
Disponível em: <http://tishmanspeyer.com.br/>.
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Figura 4: Entrada do complexo Porto Atlântico
Fonte: Acervo do autor (2021)
A Odebrecht possui mais duas ramificações: Odebrecht Properties e Odebrecht
Transport. A Odebrecht Properties, que atua no setor de ativos imobiliários, é responsável pela
operação da Via Binário e também ficou a cargo do processo de demolição do Elevado da
Perimetral (MARTINS, 2017). no caso da participação do Grupo Odebrecht na
implementação do modal VLT Carioca, a protagonista é a Odebrecht Transport, que foi fundada
em 2010 e atua nas áreas de mobilidade urbana, rodovias, portos e sistemas integrados de
logística (PINHO, 2016; MARTINS, 2017). Essas atuações diversificadas das empresas do
Grupo Odebrecht na composição do projeto, segundo Pereira (2015, p. 148 apud PINHO,
2016), representam o procedimento das grandes incorporadoras no mercado imobiliário
brasileiro; no caso da Odebrecht, esse movimento ocorreu a partir dos anos 2000.
Com isto posto, pode-se afirmar que os atores protagonistas do arranjo financeiro do Porto
Maravilha se apresentam como empresas ligadas direta ou indiretamente ao mercado
especulativo voltado ao setor imobiliário. As duas empresas destacadas resumem esse cenário:
(i) a Tishman Speyer como um exemplo de empresa transnacional com interesses acionários
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globais e (ii) a Odebrecht, que apesar de ser uma construtora brasileira, opera de acordo com
interesses imobiliários especulativos e investimentos estrangeiros.
Estagnação dos CEPACs
Na Operação Urbana Consorciada Porto Maravilha foram emitidas 6.436.722 unidades
de CEPACs, equivalentes a 4.089.502 metros quadrados de potencial adicional construtivo
(WERNECK, 2017). Entretanto, até a última atualização que baliza a elaboração da Tabela 1,
foram consumidos apenas 574.899 de CEPACs no âmbito do Porto Maravilha. Com isso,
chega-se em apenas 8,9% de consumo do total de CEPACs. Ou seja, 91,1% do estoque de
CEPACs ainda não foi comercializado. Segundo o FIIPM, esse movimento esmorecido da
venda dos CEPACs do Porto Maravilha ocorreu pela falta de condições de investimentos por
parte do mercado.
Diante desse panorama, pode ser discutido como esse projeto de revitalização foi
concebido de forma dependente das interações e flutuações do mercado financeiro e das
condições econômicas ligadas ao setor imobiliário. Com a compra dos CEPACs em sua
totalidade, o setor público buscou abrir caminho para investimentos imobiliários a fim de
garantir o sucesso da OUC e passar credibilidade aos investidores. Contudo, ante a letargia de
vendas e falta de engajamento do setor privado, o projeto encontra dificuldades para se
desenvolver (WERNECK, 2017).
Após aproximadamente seis anos sem nenhum projeto com novo consumo de CEPACs,
um empreendimento residencial foi responsável pela interrupção da estagnação. O projeto conta
com 470 unidades construídas na primeira fase e depois com mais duas fases, formando um
total de 1.224 unidades. Os imóveis deste empreendimento terão valores entre R$ 240 mil e R$
450 mil (RODRIGUES, 2021).
No entanto, essa movimentação ainda não foi disponibilizada pela CDURP ou pelo
FIIPM, logo não há dados oficiais do percentual e da quantidade de consumo dos CEPACs. O
empreendimento se localiza na Praça Marechal Hermes, no bairro de Santo Cristo, e a Cury foi
responsável pela “quebra de hiato”.
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Figura 5: Empreendimento Residencial da Cury na Praça Marechal Hermes
Fonte: Acervo do autor (2021)
Segundo o terceiro relatório trimestral de 2021 da CDURP, também foi anunciado o
segundo empreendimento residencial do Porto Maravilha. Este anúncio ocorreu cerca de um
mês após o primeiro residencial ter sido lançado. O empreendimento fica localizado na esquina
das ruas Cordeiro da Graça e Equador, no bairro do Santo Cristo. A Cury Construtora comprou
por R$15 milhões o terreno de 7.175 m2 do FIIRP. O primeiro empreendimento é denominado
Rio Wonder Residences Praia Formosa e já está 100% vendido (CURY, 2021).
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Figura 6: Empreendimento Residencial Rio Wonder Praia Formosa
Fonte: Acervo do autor (2021)
A Cury Construtora e Incorporadora, segundo as informações dos sistemas da Comissão
de Valores Mobiliários
17
, é uma empresa de capital aberto
18
e seu código acionário é CURY3.
Segundo o site do Novo Mercado BM&BOVESPA, 31% da sua composição acionária é de
propriedade do Grupo Cyrela Brazil Realty S/A Empreendimentos e Participações
19
. A Cyrela
é uma incorporadora de imóveis residenciais com sede em São Paulo e também possui ações
na bolsa de valores, com a sigla acionária CYRE3.
De acordo com Bastos (2012), a Cyrela pode ser identificada como exemplo empresarial
que ganhou espaço no mercado de ações a partir dos investimentos do programa habitacional
Minha Casa Minha Vida (MCMV). A Cyrela foi a primeira empresa do ramo a ter ações na
bolsa de valores, em 1996, e, em 2009, sua subsidiária Living se consolidou como empresa
especializada no segmento econômico (BASTOS, 2012, p. 70).
17
Disponível em: <https://sistemas.cvm.gov.br/>.
18
A empresa possui ações na bolsa de valores brasileira.
19
Disponível em: < https://bvmf.bmfbovespa.com.br/pt-
br/mercados/acoes/empresas/ExecutaAcaoConsultaInfoEmp.asp?CodCVM=25100&ViewDoc=1&AnoDoc=202
0&VersaoDoc=3&NumSeqDoc=97222>.
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Considerações Finais
Esta seção de conclusão, busca sintetizar algumas reflexões que podem ser construídas a
partir da elaboração deste texto, bem como apresentar possíveis apontamentos que possam vir
a fomentar futuras pesquisas que englobem a temática deste artigo.
Segundo Martins (2017), esta Operação Urbana Consorciada representou uma ruptura em
relação ao modelo de gestão urbana por meio da mudança das arenas de tomadas de decisão e
dos atores envolvidos na estruturação. Assim, a internacionalização da operação se explica ao
analisar os atores produtores do espaço do projeto, suas atuações transescalares e as
movimentações da comercialização de CEPACs.
Um dos fatores que contribuiu para a internacionalização do mercado imobiliário
brasileiro, de acordo com Daniel Sanfelici (2015), foi a instauração e regulamentação dos
fundos de investimentos imobiliários, que proporcionaram massiva participação de
investimentos oriundos de incorporadores estrangeiros, certas vezes atuando em parceria com
construtoras nacionais. O Porto Maravilha oferece exemplos práticos dessa conjuntura, com a
atuação da Tishman Speyer e a parceria com construtoras brasileiras, como na construção do
Port Tower Corporate. Todavia, cabe ressaltar que o foco deste artigo não reside nas questões
sobre o fracasso ou sucesso da implementação do Porto Maravilha, quanto menos na
comparação dos desdobramentos exploratórios que o investimento nacional poderia engendrar.
As mudanças causadas pelas flutuações do mercado internacional de commodities (em
conjunção a outros fatores) foram fundamentais para desencadear a crise econômica de 2014.
Essas flutuações, por sua vez, incidem diretamente sobre as possibilidades e expectativas de
novos investimentos no Brasil (CARVALHO, 2018). Ademais, com a interligação do mercado
financeiro internacional aos investimentos em infraestrutura urbana, através dos CEPACs, por
exemplo (FIX, 2009), o projeto de revitalização torna-se ainda mais vulnerável em um contexto
macroeconômico fragilizado.
O foco deste artigo reside no balanço sobre o quão permeável a produção do espaço
urbano do Porto Maravilha está em relação aos investimentos estrangeiros, considerando que o
mercado imobiliário brasileiro é historicamente controlado por capitais concentrados nas mãos
de famílias tradicionais da burguesia nacional (FERREIRA; FIX, 2001; FIX, 2009; PINHO,
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2016). A partir da apresentação dos dados coletados e da análise da tabela de hierarquização
dos titulares das compras de CEPACs, o resultado aponta para o protagonismo do capital
internacional ao longo da execução do projeto.
A maioria dos empreendimentos finalizados, e até mesmo os não concretizados, são
constituídos por investimentos internacionais de forma direta ou indireta. Ou seja, a maior parte
dos investimentos realizados no âmbito do Porto Maravilha provém de capital internacional e,
com o arrefecimento da comercialização dos CEPACs, os investimentos no geral (nacional e
internacional) sofreram queda.
O objetivo da presente pesquisa é dimensionar a presença do capital estrangeiro e sua
influência no Projeto Porto Maravilha a fim de contribuir para o debate da economia política
associada aos estudos urbanos da evolução das cidades durante o período neoliberal do
capitalismo global. Com isso, o objetivo foi atendido, pois a presença do capital estrangeiro
revela-se como majoritária e influencia a produção do espaço por meio da lógica neoliberal. O
setor público assume como função a subordinação ao setor privado global através da assunção
dos riscos financeiros, intervindo no urbano de acordo com os interesses de incorporadores
internacionais e construtoras nacionais que atuam em parceria com empresas transnacionais.
Com a volta de Eduardo Paes (PSD) ao cargo de Prefeito da cidade, o projeto de
revitalização possivelmente entrará em uma nova fase nos próximos anos. Por esse motivo, o
objeto demanda um acompanhamento a longo prazo, para que assim possa ser verificado se
haverá ou não um desenho de ampliação da participação do capital estrangeiro. Cabe reforçar
que mesmo sem a participação desse capital transnacional, os processos exploratórios poderiam
ocorrer, pois, o investimento “tradicional” dos atores do mercado imobiliário brasileiro não
necessariamente atenderia aos anseios da população local ou promoveria um processo
democrático. Mas, com a participação intensa do capital estrangeiro, através de grandes
volumes de investimentos, ocorre uma mudança escalar no protagonismo da produção espacial,
de modo a prevalecer os interesses especulativos do mercado internacional.
Por se tratar de um projeto que apresenta sensibilidade em relação às decisões e mudanças
políticas nacionais, bem como às condições econômicas do capital global, o estudo empírico
dessa intervenção urbana encontra terreno fértil para análise por meio de diversas abordagens
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possíveis, através de recortes e delimitações variados. Diante disso, alguns desdobramentos
possíveis aparecem no horizonte para pesquisas futuras inseridas nessa temática.
Por exemplo: uma investigação sobre as razões que levaram à estagnação da venda dos
CEPACs; o acompanhamento de possíveis mudanças na estrutura da OUC com base na
intensificação (ou não) da presença de capitais transnacionais; uma análise comparativa da
Economia Política do Porto Maravilha com outros projetos de revitalização no Brasil e no
mundo; entre outras possíveis interpelações.
Referências
BASTOS, R. D. Economia Política do Imobiliário: o Programa Minha Casa Minha Vida
e o preço da terra urbana no Brasil. 2012. Dissertação (Mestrado) Curso de Sociologia,
Universidade Estadual de Campinas, São Paulo, 2012.
BRASIL. Lei de execução da política urbana (2001). Lei 10.257, de 10 de julho de 2001.
Regulamenta os artigos 182 e 183 da Constituição Federal, estabelece diretrizes gerais da
política urbana e outras providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/leis_2001/l10257.htm>. Acesso em: 13 mar. 2022.
BRENNER, N.; PECK, J.; THEODORE, N. Após a neoliberalização? Cadernos Metrópole,
v. 14, n. 27, p. 15-39, 2012. Disponível em: <
https://revistas.pucsp.br/index.php/metropole/article/view/14779>. Acesso e: 13 mar. 2022.
CARVALHO, L. Valsa brasileira: do boom ao caos econômico. São Paulo: Todavia, 2018.
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Disponível em: <https://ri.ccr.com.br/faq/vlt/>. Acesso em: 12 abr. 2022.
CDURP. Apresentação da Operação Consorciada Porto Maravilha, Rio de Janeiro, 2017.
Disponível
em:<http://www.portomaravilha.com.br/conteudo/apresentaces/PORTO_MARAVILHA_GE
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Ensaios de Geografia
Essays of Geography | POSGEO-UFF
AO CITAR ESTE TRABALHO, UTILIZAR A SEGUINTE REFERÊNCIA:
ROSSI, Breno Serodio de Castro. O URBANO NEOLIBERAL: analisando a participação do capital internacional no Porto Maravilha do Rio
de Janeiro. Ensaios de Geografia. Niterói, vol. 9, nº 19, pp. 12-38, set-dez de 2022.
Submissão em: 04/07/2022. Aceito em: 23/09/2022.
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