Ensaios de Geografia
Essays of Geography | POSGEO-UFF
AO CITAR ESTE TRABALHO, UTILIZAR A SEGUINTE REFERÊNCIA:
PEQUENO, Victor Dantas Siqueira. CRIAÇÕES CORPO-ESPACIAIS POÉTICAS EM MALECÓN, HAVANA: aproximações com a
geografia humanista Ensaios de Geografia. Niterói, vol. 9, nº 20, pp. 187-203, janeiro-abril de 2023.
Submissão em: 28/11/2022. Aceito em: 28/02/2023.
ISSN: 2316-8544
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Experiências cotidianas, como caminhar, imaginar, sonhar ou mesmo despertar nossa
atenção para o mundo, deixar-se encantar, parecem incoerentes e fúteis em uma
sociedade que aprendeu a supervalorizar a razão e o tecnicismo. [...] quando a
experiência de ser cidade é privada, ou seja, quando se ofusca a geograficidade e o
espaço vivido, o sujeito não consegue experienciar além do sentido funcional ofertado
pelos espaços (ARAUJO; MOURA, 2021, p. 51).
Consoante com tal pensamento, Cássio Hissa e Maria Nogueira (2013) baseando-se na
obra de Milton Santos argumentaram que o racionalismo e/ou tecnicismo legitimam a cidade
hegemônica qual seja, a cidade da pressa, já o subjetivismo consiste no significante da cidade
lenta. Sobre os usos e apropriações desta última:
Milton Santos afirma que, aos pobres, que não experimentam a cidade da pressa, resta
a invenção. Os homens lentos desconhecem – ou desconsideram – as regras inscritas
no cotidiano urbano e, justamente por isso, para eles, sua memória é inútil. Em seus
ritmos lentos, produzem novos sentidos na cidade; encaminham novos significados à
cidade-corpo. Os homens lentos exploram diferentes e imprevisíveis experiências [...]
(HISSA; NOGUEIRA, 2013, p. 59, grifo dos autores).
De todo modo, tanto a cidade da pressa quanto a cidade da lentidão, ainda que
antagônicas, demandam experiências urbanas individuais e/ou coletivas coexistentes que se
manifestam na trama diária citadina.
As experiências urbanas são distintas, cada qual a vive e a ressignifica de modo
diferente. No entanto, todas criam em si um imaginário, histórias e aprendizados. Há
inúmeros estímulos que tornam as experiências urbanas poéticas e formadoras. Ao
caminhar pela cidade, esta vai se revelando a nós. Aliás, há muito mais em caminhar
do que simplesmente andar [...] (ARAUJO; MOURA, 2021, p. 53).
Ao destacar a prática de caminhar pela cidade, as autoras estão considerando-a como
um ato inventivo e/ou criativo. Nesse sentido, é sugerido que o corpo que caminha irradia
sentidos, significados e apropriações para com os espaços citadinos. O corpo que caminha está
sempre condicionado ao novo, o imprevisível. E ainda que esse corpo caminhe, por exemplo,
por uma mesma rua todos os dias e nos mesmos horários, o caminhar ocorre sempre no “agora”:
Entre os encontros inesperados que ocorrem na caminhada urbana, incluem-se os que
se expressam em múltiplas linguagens verbais, escritas, gestuais, sonoras,
performativas, arquitetônicas etc. Os seus significados são também variados e podem
incluir o confronto de visões do mundo conflitantes ou existências e copresenças
aleatórias, que tanto podem gerar compromissos e solidariedades como podem
provocar diversão, ou disputas de sentidos e conflitualidade, violência ou racismo
(FORTUNA, 2018, p. 147).