Ensaios de Geografia
Essays of Geography | POSGEO-UFF
AO CITAR ESTE TRABALHO, UTILIZAR A SEGUINTE REFERÊNCIA:
VALFRÉ, Lorenzo Gonçalves. CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS SOBRE A MERCADORIA-MORADIA E A PRODUÇÃO DO ESPAÇO
URBANO. Revista Ensaios de Geografia. Niterói, vol. 10, nº 21, pp. 73-97, maio-agosto de 2023.
Submissão em: 10/02/2023. Aceito em: 19/06/2023.
ISSN: 2316-8544
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fato de que os mais diversos capitais necessitam dela para se valorizarem e se reproduzirem.
Essa premissa inicial representa a base de uma série de rupturas, e subentende uma variedade
de processos históricos que tiveram de ocorrer para que esse mercado fundiário existisse, em
especial a despossessão dos trabalhadores, que já destacamos no início deste artigo, e a
separação entre capital e a propriedade fundiária, ou seja, a transformação do solo em
mercadoria (Topalov, 1979).
O pré-requisito para o modo de produção capitalista é, portanto, o seguinte: os
verdadeiros cultivadores do solo são assalariados, empregados por um capitalista, o
arrendatário, que só se dedica à agricultura como campo de exploração específico do
capital, como investimento de seu capital numa esfera particular da produção. Esse
capitalista-arrendatário paga ao proprietário fundiário, ao proprietário da terra por ele
explorada, em prazos determinados, digamos anualmente, uma soma em dinheiro
fixada por contrato (exatamente do mesmo modo que o mutuário de capital monetário
paga por ele juros determinados) em troca da permissão de aplicar seu capital nesse
campo particular da produção. Essa soma de dinheiro se chama renda fundiária, não
importando se é paga por terra cultivável, terreno para construções, minas, pesqueiros,
bosques etc. Ela é paga por todo o tempo durante o qual o proprietário da terra
emprestou, alugou por contrato, o solo ao arrendatário. Nesse caso, a renda do solo é
a forma na qual se realiza economicamente a propriedade fundiária, a forma na qual
ela se valoriza. Além disso, aqui estão, reunidas e confrontadas, as três classes – o
trabalhador assalariado, o capitalista industrial e o proprietário fundiário – que
constituem o marco da sociedade moderna (Marx, 2017, p. 745-746).
Em termos das rupturas epistemológicas que essa consideração inicial implica, importa
destacar que, embora a estruturação das cidades se dê mediada e constrangida pelo preço do
solo urbano, não é a propriedade privada em si, enquanto instituição jurídica, a causa dos
problemas que estas enfrentam em função do mercado de solos. Isso porque, como já se pode
inferir, a propriedade privada fundiária só adquire um conteúdo econômico na medida em que
a demanda capitalista por sua utilização, em especial na busca de lucros extraordinários, gera a
ela um preço (Marx, 2017; Topalov, 1979; Ribeiro, 1997) — nos ajudando a inferir a premissa
elementar de que o preço da terra é, em larga medida, uma renda capitalizada (Marx, 2017).
Nesse sentido, e como exemplo, a socialização da propriedade fundiária, no lugar de resultar
na resolução desse problema, do contrário, geraria a liberação de um dos principais entraves da
valorização capitalista, potencializando o domínio do capital sobre a estruturação das cidades e
a reprodução dos problemas urbanos (Singer, 2017). É, portanto, o capital e seus movimentos