Ensaios de Geografia
Essays of Geography | POSGEO-UFF
AO CITAR ESTE TRABALHO, UTILIZAR A SEGUINTE REFERÊNCIA:
ABREU, Edson de Jesus. Notas sobre a escrita científica e a literatura. Revista Ensaios de Geografia. Niterói, vol. 10, nº 21, pp. 43-
57, maio-agosto de 2023.
Submissão em: 08/03/2023. Aceito em: 13/06/2023.
ISSN: 2316-8544
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Madame Bovary, as metáforas são escritas de maneira diferente a depender do
personagem (Nabokov, 2021b). Metáforas são um dos modos que o narrador tem — e
uma prerrogativa sua — de comparar uma coisa, como um sentimento de um personagem,
com outra, mais próxima de si mesmo e do leitor; esse cuidado de Flaubert, para que as
metáforas fossem escritas como que pelos personagens, ainda que transformadas por seu
talento artístico, mostra, talvez, a maior diferença entre um bom estilo ficcional e o
“escrever bem” padrão.
O bom texto tradicional, “Aquele que vem, na maioria das vezes, dos franceses: a
palavra exata, corte de adjetivos, exatidão no ritmo, visibilidade, informação precisa,
enxuta. Corte radical de repetições, eliminação de assonâncias, caça aos hiatos.” (Carrero,
2017, p. 33) é o que se considera “escrever bem” na maioria das ciências. Muitos dos
textos escritos nesse padrão são bons; muito bons até, mas falta-lhes a precisão dos
escritores. A escrita se torna quase mecânica: “se o parágrafo está muito longo: quebre-
o”, “a palavra se repete: substitua-a por um sinônimo”, etc., as orientações do escrever
bem tradicional se tornam quase irrefletidas. São muitas regras, tantas ou mais que no
escrever ficcional, mas não se refletem verdadeiramente no texto. A uniformidade que
essas regras criam difere, e muito, do pensar cuidadoso do bom estilista sobre cada frase,
cada palavra, cada sinal de pontuação e seus efeitos.
Todo e qualquer elemento cria um efeito diferente no texto:
As conjunções — “e”, por exemplo — e as adversativas — “mas”, “porém”,
“contudo”, “todavia” — criam sinuosidade nas frases, fazem curvas,
movimentam. Não nasceram apenas para ligar, mas também para suavizar. A
sequência de pontos deixa o parágrafo pesado e as conjunções possibilitam a
leveza.
Mas é esse efeito que o escritor quer alcançar? (Carrero, 2017, p. 51).
Qual o efeito que o cientista quer alcançar?
Efeito, no escrever bem científico, não é muito discutido; fica em segundo plano
dando lugar à convenção, mas está lá em todo texto, e exemplos não faltam.
Às vezes, para seguir as regras da boa escrita tradicional, se evitam as conjunções
onde seriam necessárias. O “e” repetido, por exemplo, é um crime. Nada como o seguinte