Ensaios de Geografia
Essays of Geography | POSGEO-UFF
AO CITAR ESTE TRABALHO, UTILIZAR A SEGUINTE REFERÊNCIA:
DAVIM, David Emanuel Madeira; PAULA, Luiz Tiago de. A TERRA QUE HÁ EM NÓS: sambas sobre “ensaios” de uma procura.
Ensaios de Geografia. Niterói, vol. 10, nº 21, pp. 14-X, maio-agosto de 2023.
Submissão em: 18/04/2023. Aceito em: 20/07/2023.
ISSN: 2316-8544
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perplexo diante dos acontecimentos, sobretudo diante das catástrofes que se apresentam, é se
comprometer a questionar e a pensar sobre o mundo como este de fato é. Para Stengers (2015),
assim como para Heidegger (2002), a Ciência desaprendeu a fazer boas perguntas, pois deixou
de pensar, no momento em que se comprometeu com o destino da técnica, sendo esta ferramenta
das intenções de mercado. Desta feita, a Ciência deve empreender sua ação mediante demandas
de puro interesse do conhecimento. Para isso, é preciso permitir-se estar perplexo, ou como
preferia Heidegger, deixar-se invadir pela angústia de estar no mundo e questioná-lo.
A natureza em sua efetividade é passível de ser interpretada e traduzida por aquilo que
é, em suas potencialidades e forças eficientes. Nós, seres humanos, somos capazes de conduzir
tal interpretação, pois somos terra, e, como diria o geógrafo Éric Dardel (2011), podemos ouvir
e entender seus apelos, traduzindo-os em vocabulário. Tal possibilidade torna-se mais
compreensível se tomamos a natureza pelo seu sentido arcaico de physis, forjada nos tempos
dos gregos pré-socráticos.
Physis é a totalidade de tudo que é. Ela pode ser apreendida em tudo que acontece: na
aurora no crescimento das plantas, no nascimento dos animais e homens. E aqui
convém chamar a atenção para um desvio em que facilmente incorre o homem
contemporâneo. Posto que a nossa compreensão do conceito de natureza é muito
estreita e pobre do que a grega, o perigo consiste em julgar a physis como se os pré-
socráticos a compreendessem a partir daquilo que hoje nos entendemos por natureza
[...]. Para os pré-socráticos, já de saída, o conceito de physis é o mais amplo e radical
possível, compreendendo em si tudo o que existe. Não se compreende o psíquico, por
exemplo, a partir do modo de ser da natureza em seu sentido atual, assim como não
se compreende os deuses a partir do nosso conceito mais parco de natureza. À physis
pertencem o céu e a terra, a pedra, a planta, o animal e o homem, o acontecer humano
como obra do homem e dos deuses e, sobretudo, pertencem a physis os próprios deuses
[...] (Bornheim apud Gonçalves, 2006, p. 30).
Atendemos aos apelos da terra, enquanto physis, decifrando suas manifestações em
discurso. Mas, para isso, devemos nos atentar imanentemente a sua efetividade. O discurso da
natureza não se dá diretamente por palavras, mas por estímulos, decorrentes da efetividade
concreta de suas formas e forças (ou vontade de potência). Nosso corpo, por ser parte da própria
terra, é a dimensão da experiência mais capaz de apreender tais estímulos, um cordão umbilical,
um nervo privilegiado que sente a terra. A partir daí podemos converter, subitamente, formas e
forças em sintomas da sensibilidade. Essa subtaneidade de sentidos e sintomas provoca as
nossas inteligências a pensar, nos doando ideias. O pensamento é uma dádiva que nos advêm