Ensaios de Geografia
Essays of Geography | POSGEO-UFF
AO CITAR ESTE TRABALHO, UTILIZAR A SEGUINTE REFERÊNCIA:
AREB, Matheus Vieira. GEOGRAFIA(S) DA(S) PALAFITA(S): espacialidades, precariedade habitacional e o habitar entre palafitas urbanas
em Manaus-AM. Ensaios de Geografia. Niterói, vol. 10, nº 22, pp. 175-206, setembro-dezembro de 2023.
Submissão em: 22/05/2023. Aceito em: 05/07/2023.
ISSN: 2316-8544
Este trabalho está licenciado com uma licença Creative Commons
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SEÇÃO ARTIGOS
GEOGRAFIA(S) DA(S) PALAFITA(S):
espacialidades, precariedade habitacional e o habitar entre palafitas urbanas em
Manaus-AM
GEOGRAPHY(IES) OF THE STILT HOUSE(S):
spatialities, housing precariousness and living among urban stilt houses in Manaus-AM
GEOGRAFÍA(S) DE LO(S) PALAFITO(S):
espacialidades, precariedad habitacional y convivencia entre palafitos urbanos en
Manaus-AM
Matheus Vieira Areb
1
Universidade Federal do Paraná (UFPR),
Paraná, Brasil
e-mail: matheusvareb@gmail.com
Resumo
A ocupação dos igarapés
2
urbanos é peça-chave para compreensão dos processos de produção da cidade de Manaus
(AM). Partindo de aspectos históricos mais amplos, buscou-se a partir de Manaus (AM) e das casas de palafitas
apontar características dessa tipologia habitacional e sua base geográfica no espaço urbano. O objetivo do trabalho
é apresentar aspectos geográficos das palafitas urbanas a partir do caso de Manaus-AM. Especificamente, busca-
se (1) analisar as transformações históricas antigas até as atuais, passando pela inserção dessas casas no urbano e
(2) identificar as experiências próprias dos moradores enquanto casas do possível-habitar na relação cidade-
natureza. Como procedimentos, as reflexões são apresentadas com base em revisão bibliográfica, além de trabalho
de campo em área de palafitas no bairro de Educandos, ao qual foram empregadas observações e entrevistas com
atenção à produção social dessas casas. A manifestação da “palafitarização” é um processo socioespacial pelo
conteúdo geográfico no qual as palafitas têm sua gênese e continuidade através de espaços intersticiais. Constatou-
se que a experiência palafítica é singular por estar em área limítrofe água-terra, e que essa singularidade se traduz
na agência das águas no impacto na casa e na vida. Palafitas, como expressão da cultura, também são produto
social que revelam as contradições do habitar no espaço urbano manauara.
Palavras-chave:
Geografia urbana; Habitação; Manaus; Palafitas; Precariedade habitacional.
1
Doutorando em Geografia pela Universidade Federal do Paraná (PPGEO/UFPR). Mestre em Antropologia Social
pela Universidade Federal do Amazonas (PPGAS/UFAM). Graduado em Geografia pela Universidade do Estado
do Amazonas (UEA). Membro do Núcleo de Pesquisas Urbana e Regional/NPUR (UEA/CNPq).
2
Palavra de origem indígena Tupi que significa “caminho de canoa”. Os igarapés são médios ou pequenos cursos
d’água. Na Amazônia, os igarapés tem uma importância ambiental, social e cultural e fazem historicamente parte
da sociedade como espaços de lazer, sociabilidade, navegação e moradia.
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AO CITAR ESTE TRABALHO, UTILIZAR A SEGUINTE REFERÊNCIA:
AREB, Matheus Vieira. GEOGRAFIA(S) DA(S) PALAFITA(S): espacialidades, precariedade habitacional e o habitar entre palafitas urbanas
em Manaus-AM. Ensaios de Geografia. Niterói, vol. 10, nº 22, pp. 175-206, setembro-dezembro de 2023.
Submissão em: 22/05/2023. Aceito em: 05/07/2023.
ISSN: 2316-8544
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Abstract
The occupation of urban streams is a key element for understanding the production processes of the city of Manaus
(AM). Starting from broader historical aspects, it was sought to point out characteristics of this housing typology
and its geographical basis in the urban space from Manaus (AM) and the stilt houses. The objective of this work
is to present geographic aspects of urban stilt houses from the case of Manaus-AM. Specifically, it seeks to (1)
analyze the historical transformations from the past to the present, through the insertion of these houses in the
urban area and (2) identify the residents’ personal experiences as houses of the possible-to-inhabit in the city-
nature relationship. As procedures, the reflections are presented based on a bibliographical review, in addition to
field work in an area of stilt houses in the Educandos neighborhood, to which observations and interviews were
used with attention to the social production of these houses. The manifestation of “stilt-housification” is a socio-
spatial process due to the geographical content to which the stilt houses have their genesis and continuity through
interstitial spaces. It was found that the stilt housing experience is unique due to the fact that it is in an area
bordering water and land and this uniqueness is translated into the intervention of the waters impacting the house
and life. Stilt houses, as an expression of culture, are also a social product that reveal the contradictions of living
in Manaus’ urban space.
Keywords:
Urban geography; Habitation; Manaus; stilt houses; Housing precariousness.
Resumen
La ocupación de los arroyos urbanos es un elemento clave para la comprensión de los procesos de producción de
la ciudad de Manaus (AM). Teniendo en cuenta aspectos históricos más amplios, buscamos señalar características
de esta tipología de vivienda y su base geográfica en el espacio urbano, a partir de Manaus (AM) y los palafitos.
El objetivo de este trabajo es presentar aspectos geográficos de palafitos urbanos a partir del caso de Manaus-AM.
Específicamente, busca (1) analizar las transformaciones históricas de lo antiguo a lo actual, a través de la inserción
de estas casas en el área urbana y (2) identificar las propias experiencias de los residentes como casas de lo posible-
habitar en la relación ciudad-naturaleza. Como procedimientos se presentan las reflexiones a partir de revisión
bibliográfica, además de un trabajo de campo en un área de palafitos del barrio Educandos, para lo cual se utilizaron
observaciones y entrevistas con atención a la producción social de estas viviendas. La manifestación de la
“palafitorización” es un proceso socioespacial debido al contenido geográfico al que tienen su génesis y
continuidad los palafitos a través de espacios intersticiales. Se encontró que la experiencia de palafito es única
porque se encuentra en un espacio limítrofe de agua-tierra y esta singularidad se traduce en la agencia de las aguas
en el impacto sobre la casa y sobre la vida. Palafitos, como expresión de la cultura, son también un producto social
que revela las contradicciones de vivir en el espacio urbano de Manaus.
Palabras clave:
Geografía urbana; Alojamiento; Manaos; Palafitos; Precariedad habitacional.
Introdução
As palafitas casas de madeiras que se estendem pelas águas compõem a cena
urbana e rural das cidades amazônicas. Na cidade de Manaus, desde acada de 70, com maior
intensidade, as margens de igarapés se tornaram lugar da moradia através de palafitas que se
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em Manaus-AM. Ensaios de Geografia. Niterói, vol. 10, nº 22, pp. 175-206, setembro-dezembro de 2023.
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estendem adensadas por cima dos canais fluviais urbanos (Oliveira; Costa, 2007). Esse processo
expõe a reprodução desigual do espaço urbano de Manaus em que a paisagem, envolta pelo
ambiente, ao qual as palafitas urbanas se encontram, revela variáveis que indicam a
precarização da vida em várias ordens.
A problemática habitacional em Manaus tem na “exclusão territorial” (Barbosa, 2017)
sua base espacial-social. A lógica capitalista da terra-mercadoria é a que rege o lugar das classes
na cidade. A apropriação desigual do espaço urbano leva alguns grupos a participarem
“precariamente da vida urbana e da sociedade de consumo” (Sposito, 2018, p. 129). A
precariedade é a definição usada para as tipologias habitacionais das palafitas, usada no sentido
de baixa infraestrutura material e vulnerabilidade social (Sakatauskas, 2016).
As especificidades das palafitas permitem compreender que as diferenças dessa
tipologia expressam uma relação estreita entre cultura-ambiente, as quais histórica e
geograficamente produziram especificidades nessas formas de habitar diferenças de práticas
espaciais que se traduzem na produção de espacialidades próprias, ou seja, uma geografia
própria no que se refere a posição dessas casas entre terra-água. Surge a proposta de pensar em
“geografia(s) da(s) palafita(s)”, que se propõe(m) a refletir sobre um ambiente específico de um
entrelaçamento entre cultura-natureza e cidade-ambiente, de espacialidades específicas em
meio a necessidade do habitar no urbano. A argumentação sugere pensar a particularidade das
palafitas urbanas como solução precária através da noção de “palafitarização”, ou seja, sujeição
à necessidade de autoconstrução de palafita para habitar na cidade.
As espacialidades nesse meio são marcadas pelo ritmo da natureza e ao mesmo tempo
da vida, trabalhando em uma temporalidade das atitudes regidas pelo ritmo das águas. Para
compreensão desse processo, o objetivo do trabalho é apresentar aspectos geográficos das
palafitas urbanas a partir do caso de Manaus-AM. Especificamente, se busca (1) analisar as
transformações históricas antigas até as atuais, passando pela inserção dessas casas no urbano,
e (2) identificar as experiências próprias dos moradores enquanto casas do possível-habitar na
relação cidade-natureza.
A pesquisa se insere dentro dos estudos habitacionais urbanos em específico, a
questão das palafitas a partir da cidade de Manaus. Entende-se que a especificidade das