Ensaios de Geografia
Essays of Geography | POSGEO-UFF
AO CITAR ESTE TRABALHO, UTILIZAR A SEGUINTE REFERÊNCIA:
MUNIZ, Gabriela Cardoso. Olhos Abertos. Ensaios de Geografia. Niterói, vol. 11, nº 24, e112406, 2024.
Submissão em: 11/12/2023. Aceito em: 08/02/2024.
ISSN: 2316-8544
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a próxima poderia ser eu. A viagem de volta foi mais agradável para ela do que para mim.
A partir de então, comecei a ter medo da noite, a suplicar que passasse rápido, assim
ficaria livre daquele terror. Sonhava que o Diabo corria atrás de mim, ameaçando me pegar
também porque eu era pecadora. “Deus tudo vê”, eles diziam. Todas as mentiras que já contei,
todas as vezes que fiquei chateada com alguém, toda malcriação que fiz em casa. Não importa
onde estivesse, Ele estava me vigiando. Todo passo em falso que eu fizesse me deixava mais
longe do caminho Dele. Não estava, nem nunca estaria, segura.
Toda sexta-feira eu ficava apreensiva, com medo de enxergarem meus pecados ocultos
e dizerem que eu seria a próxima. Uma vez, passei mal a semana inteira e pensei “É o Diabo.
Deus sabe que fiz algo de errado”. A pastora pôs a mão na minha cabeça, disse que ficaria tudo
bem e que eu iria melhorar. Recebi muitas bênçãos, todos ao redor rezaram por mim. Nunca
senti tanto alívio na minha vida. No dia seguinte, já estava melhor. Minha mãe disse que era
um milagre, meu pai falou que Deus iria ficar ao meu lado. Era uma benção e uma maldição.
Ele sempre estaria lá, tanto para cuidar de mim, quanto para me julgar. “Os olhos do Senhor
estão em toda parte, observando atentamente os maus e os bons”, costumavam dizer. Então,
enquanto eu fosse boa, estaria salva. Não vista estas roupas, não fale de tal forma, não se
comporte assim, não pense nisso. Seja boa.
Pouco depois, foi a vez da minha mãe. Ela não gritou como a amiga da minha mãe, mas
se contorceu, tão grotesco quanto em um conto de terror. Quis sair correndo, mas tive medo de
que Deus visse e me punisse. Permaneci observando até minha mãe estar, por fim, livre — até
quando? Ao final, uma senhora ao meu lado segurou na minha mão. Por uma fração de
segundos, me senti reconfortada. Ela olhou para mim, com um uma expressão decidida no rosto,
apontou para minha mãe, que estava sentada, conversando com outras pessoas do culto, e pediu
para que eu perguntasse seu nome. Caminhei até lá, ciente de cada movimento que fazia, Deus
enxergando cada um de meus passos. Minha mãe então sorriu para mim. Apenas a abracei. Não
tive coragem de perguntar aquilo, pois não queria descobrir a resposta. Foi aí que finalmente
chorei. Para me acalmar, meus pais me levaram para passear entre as árvores, que lembravam
a floresta em que eu brincava quando ia ao trabalho do meu pai. O ar úmido e limpo me acalmou
e, pela primeira vez em muito tempo, me senti reconfortada.
Deixei de frequentar aquela casinha aos dez anos, mas não perdi a sensação de que Deus