Ensaios de Geografia
Essays of Geography | POSGEO-UFF
AO CITAR ESTE TRABALHO, UTILIZAR A SEGUINTE REFERÊNCIA:
SILVA, Emilly Domingos da; LIMA, Gabriella Cristina Araújo de. Uma Análise do Vivido na Escola Estadual Newton Braga: narrativas do
cotidiano docente. Ensaios de Geografia. Niterói, vol. 10, nº 23, e102318, 2024.
Submissão em: 16/02/2024. Aceito em: 16/09/2024.
ISSN: 2316-8544
Este trabalho está licenciado com uma licença Creative Commons
1
SEÇÃO ARTIGOS
Uma Análise do Vivido na Escola Estadual Newton Braga:
narrativas do cotidiano docente
An Analysis of the Experience at Newton Braga State School:
narratives of everyday life as a teacher
Un Análisis de la Experiencia en la Escuela Estatal Newton Braga:
relatos de la vida cotidiana de un docente
DOI: https://doi.org/10.22409/eg.v10i23.61022
Emilly Domingos da Silva
1
Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN),
Rio Grande do Norte, Brasil
e-mail: emillydoomingos@gmail.com
Gabriella Cristina Araújo de Lima
2
Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN),
Rio Grande do Norte, Brasil
e-mail: gabriella.lima.078@ufrn.edu.br
Resumo
O estágio supervisionado III é o período de descobertas para os futuros professores, que passam a ter acesso a um
novo lugar, a escola, criando laços e conexões que reestruturam sua forma de ver a docência e os alunos. Nesse
sentido, elencou-se a Escola Estadual Newton Braga de Farias como lócus de experimentação ensaísta sobre o
cotidiano docente no ano de 2023, entre os meses de novembro e outubro. Assim, objetivamos compreender o que
os alunos entendem como o seu lugar no mundo, partindo de experiências e vivências cotidianas que serão
expressas na cotidianidade, para isso utilizou-se como aporte Fernandez (2007), Cavalcante (2016) e Abramovay
(2003). Nesse sentido, a etnografia como aporte metodológico, acessada por meio das narrativas dos relatos de
experiências dos estagiários demonstrou-se como uma potente forma de amplificar e acessar as afetações que
ocorrem no chão da escola, pelo prisma subjetivo do docente. Os resultados obtidos incluem relatos detalhados
das experiências vivenciadas no cotidiano escolar, que evidenciam a forma como os estagiários e os alunos
interagem e se influenciam mutuamente. Esses relatos destacam a riqueza das experiências diárias e oferecem uma
visão sobre a dinâmica escolar e o impacto das práticas pedagógicas no desenvolvimento dos alunos.
Palavras-chave
Estágio; Ensino de Geografia; Etnografia; Ensaio etnográfico
1
Doutoranda, mestra e bacharel em Geografia pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Tem
experiência como pesquisadora, tendo ênfase na área de Geografia Humana. Possui interesse e atuação
principalmente em temas como violência, medo do crime, cotidiano, cidade, poesia e arte.
2
Doutoranda, mestre, licenciada e bacharel em Geografia pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte
(UFRN). Possui interesse em pesquisas e trabalhos nas áreas de geografia física, educação ambiental, ensino e
metodologia da geografia, cartografia e ambientes semiáridos.
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AO CITAR ESTE TRABALHO, UTILIZAR A SEGUINTE REFERÊNCIA:
SILVA, Emilly Domingos da; LIMA, Gabriella Cristina Araújo de. Uma Análise do Vivido na Escola Estadual Newton Braga: narrativas do
cotidiano docente. Ensaios de Geografia. Niterói, vol. 10, nº 23, e102318, 2024.
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Abstract
Supervised Internship III is a period of discovery for future teachers, who gain access to a new environment, the
school, and create bonds and connections that reshape their views on teaching and students. In this sense, the
Newton Braga de Farias State School was chosen as the locus for an ethnographic experiment on daily teaching
practices in 2023, between November and October. The objective was to understand how students perceive their
place in the world, based on their everyday experiences and lives, which will be expressed in their daily routines.
For this, we used the work of Fernandez (2007), Cavalcante (2016), and Abramovay (2003) as theoretical support.
Ethnography, as a methodological approach accessed through the narratives of the interns' experience reports,
proved to be a powerful means of amplifying and accessing the affective aspects occurring within the school
environment from the subjective perspective of the teacher. The results include detailed accounts of experiences
lived in the school routine, which highlight how interns and students interact and influence each other. These
accounts underscore the richness of daily experiences and provide insight into the school dynamics and the impact
of pedagogical practices on student development.
Keywords
Internship; Geography teaching; Ethnography; Ethnographic essay
Resumen
La Práctica Supervisada III es un período de descubrimiento para los futuros profesores, quienes acceden a un
nuevo entorno, la escuela, estableciendo lazos y conexiones que reformulan su visión sobre la enseñanza y los
alumnos. En este sentido, se eligió la Escuela Estatal Newton Braga de Farias como el lugar para una
experimentación etnográfica sobre las prácticas docentes diarias en el año 2023, entre los meses de noviembre y
octubre. El objetivo fue comprender cómo los alumnos perciben su lugar en el mundo, a partir de sus experiencias
y vivencias cotidianas, las cuales se expresarán en su rutina diaria. Para ello, se utilizaron los aportes de Fernandez
(2007), Cavalcante (2016) y Abramovay (2003). La etnografía, como enfoque metodológico, accesada a través de
las narrativas de los informes de experiencia de los pasantes, demostró ser una herramienta poderosa para
amplificar y acceder a los aspectos afectivos que ocurren en el entorno escolar desde la perspectiva subjetiva del
docente. Los resultados obtenidos incluyen relatos detallados de las experiencias vividas en la rutina escolar, que
evidencian cómo los pasantes y los alumnos interactúan e influyen mutuamente. Estos relatos destacan la riqueza
de las experiencias diarias y ofrecen una visión sobre la dinámica escolar y el impacto de las prácticas pedagógicas
en el desarrollo de los alumnos.
Palabras clave
Prácticas; Enseñanza de la Geografía; Etnografía; Ensayo etnográfico
Introdução
O estágio supervisionado é uma etapa fundamental na formação acadêmica e
profissional de estudantes em diversas áreas do conhecimento. Trata-se de um período no qual
os alunos têm a oportunidade de desenvolver na prática os conhecimentos adquiridos em sala
de aula, sob a orientação e supervisão do professor titular. Essa experiência desempenha um
papel crucial na transição entre o ambiente acadêmico e o mercado de trabalho, proporcionando
aos estudantes a oportunidade de vivenciar situações reais e enfrentar desafios que corroboram
com o aprimoramento de habilidades específicas relacionadas à sua área de estudo.
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As experiências vivenciadas durante o período de estágio o constituem como parte
essencial da transmutação de aprendizes-estudantes, quando estes se preparam para assumir um
papel mais ativo, como docentes-professores, na busca pela compreensão dos saberes
socioculturais e do comportamento dos sujeitos através da imersão em contextos escolares.
Adotamos, assim, o ensaio etnográfico como metodologia, através do qual, por meio de
narrativas, foi possível ampliar horizontes, permitindo que os sujeitos e suas subjetividades
ganhem forma, dinamizados pelas práticas sociais e culturais. Essa abordagem viabiliza a busca
de cada indivíduo por seu lugar no mundo, possibilitando uma análise aprofundada das
experiências, identidades e conexões das pessoas com o espaço que habitam. Isso revela sons,
cheiros, tonalidades e vivências singulares, resultantes das subjetividades daqueles que vivem,
afetam e são afetados pelo ambiente.
Utilizando a etnografia como ferramenta para desvelar o meu lugar no mundo,
conforme fundamentado por Abramovay et al. (2007), Fernandez (2013) e Cavalcanti (2016),
podemos direcionar o olhar dos alunos para a escola e seu entorno como um campo de
imanência. Partindo de múltiplos contextos vividos e experienciados, esses olhares colidem,
interagem entre si e rompem o fio da linearidade cotidiana.
Assim, tomamos como objeto de estudo a Escola Estadual Almirante Newton Braga,
localizada no bairro do Alecrim, na Zona Administrativa Leste de Natal RN, como ilustrado
na Figura 1. Atualmente, a escola oferece o ensino fundamental para os anos iniciais do 1° ao
ano, e os anos finais do ao ano, contando com 434 alunos matriculados e 25 professores,
segundo o Censo Escolar 2022 realizado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas
Educacionais Anísio Teixeira (INEP). Vale ressaltar que as atividades de estágio foram
desenvolvidas com alunos do ano, os quais se encontravam sem aula de Geografia desde o
início do ano de 2023.
Buscamos, assim, abrir uma porta para a compreensão da dinâmica cotidiana que é
tecida na Escola Newton Braga, e como essa é imbricada ao lugar do sujeito. Portanto,
questionamo-nos como as transubjetividades afetam o viver no ambiente escolar dos alunos.
Logo, apresentamos como objetivo compreender o que os alunos entendem como o seu lugar
no mundo e, visando coser as arestas da etnografia escolar com a percepção dos estagiários,
efetuamos uma narrativa sobre as afetações na/sobre a Escola Newton Braga.
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Dessa forma, nas seções subsequentes, é possibilitado o encontro com experiências que
retratam o cotidiano escolar a partir da visão de estagiários, onde encontram o rompimento para
com a teoria vista em sala de aula. O texto encontra-se disposto em uma epopeia escolar, na
qual apresenta a realidade da escola que se configurou como lócus da aplicabilidade etnográfica,
esta, sendo constituída enquanto metodologia. Por fim, abordam-se situações cotidianas
vivenciadas que trouxeram consigo uma carga de pensamentos, experiências e emoções
compartilhadas entre a vida discente e a prática docente.
Uma epopeia escolar - pelos caminhos do chão da escola
Estamos na rua Brasília, caminho que leva até a Escola Newton Braga de Farias. Essa é
uma rua estreita repleta de carros, casas e pessoas (Figura 1).
Figura 1 Localização da escola Newton Braga
Fonte: Elaboração dos autores (2023)
Ao deslocar o olhar ao chão, observamos rochas de paralelepípedos em tons cinzentos
que se interligam de modo intercambiante, desencontrando-se e encontrando-se, formando
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linhas, desenhos e texturas que instigam, desvelam e imprimem as tatuagens do cotidiano, que
são narradas por essas marcas. Seria esse um prelúdio do que está por vir nessa escola? Não
sabemos, mas seguimos esses grafismos que levam ao final da rua, onde um pequeno portão
azul demarca o início da Vila Militar, em cuja área de jurisdição a escola está inserida.
Ao transpor esse portão, simbolicamente adentramos em um território desconhecido que
vai sendo desvelado de acordo com nossas vivências no Newton Braga. O primeiro elemento
desse novo mundo que salta aos olhos é uma guarita localizada à direita do portão azul, onde
um militar está em seu posto “guardando” e controlando quem entra e sai. Logo, um trunfo de
poder é exposto de modo a impor sua presença que, com a convivialidade, passa a ser ignorada,
ou ao menos normalizada. Entretanto, o controle está sempre presente.
O espaço toma uma nova configuração, invadido por sons de risos, gritos e vozes que
conversam animadamente e constroem uma paisagem pautada na efemeridade temporal que se
espraia pelo Newton Braga. Essa dinâmica é dada em frente à escola, pelos alunos, que esperam
o soar do sinal para entrar em suas dependências para assistir às primeiras aulas. Ao adentrar
na escola, um vigia encontra-se controlando a entrada, no primeiro portão. Ao direcionar o olhar
a frente, observamos mais dois portões em tons de azul descascado. Essa configuração evoca
uma sutil sensação de enclausuramento, onde a luz que atravessa o ambiente parece densa e
rarefeita, reforçando a percepção de confinamento e sugerindo a presença de uma estrutura de
sociedade disciplinar, como explorado por Foucault (1987). Ao adentrarmos esse primeiro
espaço e superarmos essa impressão inicial, nos deparamos com o retrato do patrono da escola,
o Almirante Newton Braga.
Observamos um pátio que dá acesso às salas de aulas e ao segundo andar da escola. Os
alunos passam apressadamente ao encontro de seus colegas para adentrar nas salas, pois já são
13 horas e a aula vai iniciar. A aula começa, o professor escreve na lousa branca um conteúdo,
enquanto alguns alunos conversam e brincam no fundo da sala. O tempo corre, três aulas se
passam e é hora do intervalo. Correria e dispersão, um som singular toma conta do espaço, a
quietude e o silêncio se transformam em barulho, gritarias e risadas, tipicamente inseridos no
contexto dos jovens.
Os alunos fazem fila na cantina para pegar seus lanches, a quadra é ocupada pelos jovens
que jogam bola, vôlei ou simplesmente conversam embaixo da sombra de uma árvore. Nos
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deslocamos até a sala dos professores, que é ocupada pela diversidade de sujeitos que lecionam
na escola. Tomamos o ambiente como hostil, não somos pertencentes àquele lugar, os olhares
transpassados e os comentários sobre também querer um estagiário para dar aula por eles nos
repele daquele espaço. Sentimo-nos como corpos vagantes, não pertencemos aos grupos dos
alunos e tampouco ao grupo dos professores. O que somos?
O intervalo acaba, as duas últimas aulas de Geografia iniciam-se, os alunos são arredios
e apresentam um afastamento inicial. Porém, ao quebrar tal barreira, a aula flui e a participação
se torna latente. O tempo corre não seguindo uma linearidade e é o fim da aula, os
alunos saem em marcha buscando chegar o mais rápido possível na parada para pegar o próximo
ônibus, com destino à casa, e assim termina mais um dia na escola Almirante Newton Braga.
Diante dos relatos tecidos acima, optou-se por efetuar tal narrativa, visando embeber o
leitor de um cotidiano que é experienciado e vivenciado no chão da escola. Portanto, a narração
efetuada neste contexto exige ser estrangeiro em terras conhecidas. Dessa perspectiva, essa
narrativa torna-se uma estratégia de método, exercício ou uma “faculdade de intercambiar
experiências” (Benjamin, 2013, p. 198), tornando assim a geografia uma narrativa do que é
vivido e experienciado na escola Almirante Newton Braga.
Metodologia
Como estratégia metodológica, utilizou-se o ensaio etnográfico como verticalização do
ensino-aprendizagem, abrindo caminhos heterogêneos, propondo um exercício de
“estranhamento” ao colocar-se no lugar do outro, segundo Fernandez (2013). Nesse sentido, o
contato factual do corpo com o lugar estabelece uma ligação única, que afeta e é afetado, sendo
esse processo uma ação conectiva da descrição etnográfica, corroborando com a sistematização
das vivências e afetações que marcam o cotidiano do professor.
Nesse contexto, Abramovay, Andrade e Esteves (2007) abordam a necessidade de
retomar um olhar aguçado perante as realidades vividas e experienciadas pelos jovens em
contexto escolar através dos relatos em sequência, utilizados como aparato metodológico.
Desse modo, foi organizado o Quadro 1, visando sistematizar o passo a passo para a construção
deste relato etnográfico, buscando acessar o protagonismo dos discentes em seu próprio
cenário.
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Quadro 1 Composição metodológica.
Escola
Cidade
UF
Período de
aplicação
Objetivo
Escola Estadual
Newton Braga
de Farias
Natalnn
Natal
RN
18 de outubro a
16 de novembro
Compreender a dinâmica
vivenciada e
experienciada no chão da
escola
PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS: TEÓRICO
FASE 1
Definição da escola e sistematização burocrática da documentação do estágio.
FASE 2
Planejamento: Na segunda fase efetuou-se um planejamento geral levando em conta
o conteúdo programático do livro didático.
PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS: PRÁXIS INTERVENÇÕES NA ESCOLA
FASE 3
Reconhecimento do objeto: Ida à Escola Newton Braga e reunião com a equipe
pedagógica, tendo em vista que na sala de aula a qual foi desenvolvido o estágio
havia crianças com necessidades específicas;
Aulas: 11 aulas foram ministradas, com a temáticas: Continente Americano
(aspectos físicos, sociais, culturais); Meu Lugar no mundo;
Projeto Pedagógico: Construção de um Projeto Pedagógico que tem como Objeto
Didático o cordel, onde os poemas foram escritos e declamados pelos alunos a partir
de sua experiência com o lugar.
FASE 4
Sistematização de ideias: Foi efetuado a redação do material obtido em lócus
escolar que culminou neste relato de estágio, vale ressaltar que o relato leva em conta
a etnografia dando ênfase ao vivido e experienciado na escola pelos estagiários.
Fonte: Elaboração dos autores (2023)
Uma aproximação afetiva - por entre as frestas cotidianas da escola
Afetos são uma polifonia que age operando entre o consonante e/ou dissonante, com
tons, cores e sonoridades que sublinham a identidade como o acorde de uma sinfonia ou a
vibração de uma pintura, que cria blocos de percepções e afecções numa composição singular
de sensações e possibilidades, segundo Deleuze e Guattari (2016). Nesse sentido, as sensações
podem:
[...] conservar-se, sem um material capaz de durar, e, por mais curto que seja o tempo,
este tempo é considerado como uma duração; vemos como o plano material sobe
irresistivelmente e invade o plano da composição das sensações mesmas, até fazer
parte dela ou ser dela indiscernível. [...] E, todavia, a sensação não é idêntica ao
material, ao menos de direito. O que se conserva, de direito, não é o material, que
constitui somente a condição (enquanto a tela, a cor, ou a pedra não vira pó), o que se
conserva em si é a percepção ou o afecto. Mesmo se o material durasse alguns
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segundos, daria a sensação o poder de existir e de se conservar em si, na eternidade
que coexiste como está curta duração (Deleuze; Guattari, 2016, p. 197).
Logo, utilizaremos o corpo e a mente como receptor e catalisador dos afetos e
experiências. Esta é a formulação de encontros factuais que transcendem e potencializam o
entrelace das subjetividades cotidianas que se amplificam e transbordam nos/os sujeitos,
afetando-os. As emoções são guiadas pelo corpo, imbricam-se equilibrando o sentir e o agir dos
sujeitos. Para Deleuze e Guattari (2016, p. 200).
Os afetos são precisamente estes devires não humanos, como os perceptos (entre eles
a cidade) são paisagens não humanas da natureza. um minuto do mundo que passa,
nós nos tornamos, contemplando-o. Tudo é visão, devir. Tornamo-nos universo.
Devires animal, vegetal, molecular, devir zero.
Muitos questionamentos são levantados, mas como fazer um momento do mundo
durável ou fazê-lo existir? Em específico, no contexto escolar que está em constante ebulição e
afetação. Segundo Fernandez (2013, p. 152), “o estranhamento gerado poderá se constituir em
um caminho de diálogo e troca de ideias”, pois os afetos são um modo de explorar e esgarçar
as subjetividades. Nesse sentido:
[...] os afectos não são mais sentimentos ou afecções, transbordam a força daqueles que
são atravessados por eles. As sensações, percepções e afectos, são seres que valem por
si mesmo e excedem qualquer vivido. Existem na ausência do homem podemos dizer,
porque o homem, tal como ele é fixado na pedra, sobre a tela ou ao longo das palavras,
é ele próprio um composto de percepções e de afectos (Deleuze e Guattari, 2016, p.
194).
Destarte, os afetos escolhidos para criação de narrativas escolares de estágio são
assemelhados a grafias, artes “é um ser de sensação, e nada mais: ela existe em si” (Deleuze e
Guattari, 2016, p. 194). Um instante no espaço/tempo que deixa impressões crivada no âmago
do ser, essas fissuras, marcas e grafias a qual desejamos acessar através das narrativas
cotidianas, que ocorreram no chão da Escola Newton Braga, demonstrando o lado prosaico e
poético que re-cria o lugar, demonstrando sua potencialidade, fragilidades, rupturas e
continuidades em sua mais límpida forma.
Inspirado neste estrangeiro que retorna à sala de aula temos construído no Estágio
Supervisionado (e nas Práticas de Ensino) um caminho que se esboça a partir de uma
questão de “ponto de partida” [...] desde falas que indicam uma afeição a este saber
mobilizado a partir das memórias de um(a) professor(a) que os marcou por ter um
olhar e fala crítica, pelo engajamento ou por lhes apresentar temas importantes
(Fernandez, 2019, p. 153).
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No ensaio etnográfico que se sucede, buscamos esgarçar as vivências cotidianas de um
discente no ensino básico. Para tal, utilizamos das narrativas, memórias e afetações que marcam
e transcendem a sala de aula em uma construção não linear, rizomática, uma trajetória que
significa “abertura para o desconhecido” (Fernandez, 2013, p. 154), evidenciando de forma
horizontal o acesso aos sujeitos (alunos e professores) e suas afetações, causas e efeitos,
desvelando ações, estranhamentos, improvisos, surpresas e aproximações que ocorrem em
lócus, evidenciando os conflitos e as contradições do espaço escolar.
Esperançar - o germinar de uma semente: A escola da farda azul
Nomearemos de modo fictício a aluna que foi protagonista dessa narrativa como Lua,
de modo a proteger sua identidade. Vale ressaltar que Lua tem uma deficiência intelectual
acentuada, apresentando comportamentos cognitivos infantilizados que não condizem com sua
idade.
Era uma tarde quente e Lua, ao olhar a atividade adaptada, um mapa das Américas onde
era pedido para indicar a América do Norte, Sul e Central. A seguinte sentença foi proferida:
- Professora, tinha como passar atividade assim para minha idade, de 17 anos?
Fui invadida por curiosidade e perguntei o porquê de aquela atividade não ser para a idade
dela. Ela não respondeu. Então pedi para indicar no mapa a América do Norte, Lua apontou
para o Chile e disse que ali era Natal. Expliquei a real disposição espacial de Natal, e dos
continentes, a instruindo sobre como responder à atividade. Ao refletir sobre a situação, lembrei
de um fato ao qual presenciei posteriormente, em que a coordenadora pedagógica da escola
imprimiu uma figura da Tinker Bell e deu para Lua pintar e não “atrapalhar” o desenvolvimento
da aula. Logo, quando ela viu o mapa, achou que era para colorir sem uma finalidade, o que
não seria uma atividade adequada para uma pessoa com 17 anos.
A aula continua, a classe tem o total de 27 alunos e não um professor auxiliar para
acompanhar Lua, que requer maior atenção. Desdobramo-nos para tentar sanar as dúvidas de
todos. Ao continuar a atividade, fica claro que Lua não sabe ler, sendo necessário ditar as letras
para que ela escreva as respostas. Seguimos até chegar à última questão, a qual propunha que
os alunos elaborem um texto que será utilizado em um cordel, atividade proposta como produto
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pedagógico do Estágio III. Questiono: “Qual narrativa você quer fazer? Sobre a cidade, o bairro,
a escola, seu caminho para chegar aqui [...]?”
- Quero fazer sobre a escola da farda azul!
Inicialmente, ficamos sem entender o que ela estava falando. Por quê? Que escola era essa?
A aluna já tinha estado lá? Lua continua a dizer:
- É a escola ali perto da praça, ela tem a farda azul. É Ary.
Indagamos: “É a escola Ary Parreira?” Prontamente ela responde que sim, que nunca foi lá,
mas que quer fazer o texto do cordel sobre isso. Surgem mais dúvidas sobre a relação da aluna
com aquela outra escola: o que a leva a desejar efetuar uma narrativa sobre um lugar em que
nunca esteve antes? Qual a sua ligação com aquele lugar? Quando Lua afirma:
- Eu quero dar uma palestra lá […] eu vou falar para todos e eles vão me escutar.
Imediatamente, somos bombardeados por um misto de sensações, que inicialmente nasce
da surpresa, a voz embarga e o ar que passa pelos pulmões torna-se mais denso e queima as
narinas. A Lua só deseja falar e ser ouvida, não importa a temática da palestra, ela quer que as
pessoas a escutem, ela almeja ser ouvida e entendida. Lua questiona se o título de sua narrativa
pode ser “a escola da farda azul”. Prontamente respondemos que sim, e rascunhamos em um
pedaço de papel o que ela falou, para que Lua possa transcrever e responder à última questão
da atividade. O tempo passa e, logo, realizamos a correção da atividade de forma coletiva e
fazemos a chamada. Após mencionar o último nome da lista, Lua se levanta e vem à frente da
sala, segurando uma pequena folha, uma cópia de sua identidade. Ela diz que seu rosto está
azul, mas que a usa para vir à escola. Iniciamos o seguinte diálogo:
Professora: Qual ônibus você pega?
Lua: Eu pego o Santa Rita!
Professora: Você mora em Santa Rita?
Lua: Moro sim.
Professora: Quanto tempo para ir e voltar de ônibus todo dia? Mais de uma hora?
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Lua: Mais de duas horas. Eu vou e venho com meu irmão, senhora não sabia não? Ele
é meu irmão (Apontando para o Sol que se senta na primeira fileira próxima à carteira
do professor).
Professora: Eu não sabia não (olho para o lado e Sol sorri meio sem jeito). Por que você
não estuda lá em Santa Rita?
Lua: Porque tem que pagar e minha família não tem esse dinheiro não. E aqui também
é melhor. [sic]
Lua não fala mais nada, se vira e vai embora se sentar em sua cadeira. Naquele
momento, sentimos sobre os ombros o peso do mundo, o peso de ser educador! Acreditamos
que um vínculo com Lua foi criado, pelo simples fato de vê-lacomo uma estudante que
precisa de orientação, e não como um fardo. Ao mesmo tempo, questiono-me: que educação é
essa que estamos oferecendo nas escolas? Por que Lua não sabe ler, mesmo vindo todos os dias
à escola? Quem é responsável por isso? Somos arrancadas de devaneios próprios, Lua está mais
uma vez à minha frente com uma revista de cosmético nas mãos, e pede o piloto emprestado
para escrever algo. Tentamos entender o que Lua quer fazer, mas desejamos observar onde
aquela situação iria desaguar. Entrego-lhe o lápis, ela se dirige ao quadro e escreve a primeira
palavra da revista, “HOMEM”, e vem entregar o piloto. Tal ação lembrou-me a mim mesma,
minutos antes, ao segurar um papel em mãos e escrever o conteúdo no quadro… seria o desejo
de Lua se tornar professora? Seriam essas as palestras às quais ela se referia?
Muitas questões sem respostas fervilham na mente, o sinal toca e me despeço dos
alunos. Saímos da escola em direção à parada de ônibus, com a certeza de que uma semente foi
plantada, que Lua é essa semente, o esperançar, como verbo de potência e transformação, como
proposto por Paulo Freire, brota de situações como essa, onde a luz cria-se do inesperado.
No início tudo era caos: o conflito em sala de aula
O conteúdo da aula acontecia se desenvolvia de forma aparentemente normal, a sala que
se encontrava dividida nos territórios dos meninos do lado esquerdo e meninas do lado direito
estava pacífica, a não ser por um detalhe: ao realizar atividades em dupla, há um burburinho e
risadas.
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Essays of Geography | POSGEO-UFF
AO CITAR ESTE TRABALHO, UTILIZAR A SEGUINTE REFERÊNCIA:
SILVA, Emilly Domingos da; LIMA, Gabriella Cristina Araújo de. Uma Análise do Vivido na Escola Estadual Newton Braga: narrativas do
cotidiano docente. Ensaios de Geografia. Niterói, vol. 10, nº 23, e102318, 2024.
Submissão em: 16/02/2024. Aceito em: 16/09/2024.
ISSN: 2316-8544
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Ao me perguntar o que estava acontecendo, fomos surpreendidos por Sol, que exclamou de
forma angustiada:
- Aluno Sol: Professora, os meninos aqui pintaram meu cabelo de corretivo!!!
Naquele momento, precisamos de um segundo, um momento para respirar fundo, para que
de forma impessoal, pudéssemos compreender do que se tratava a situação em sua completude,
não apenas aquele momento pontual, questionando a turma como um todo, com ênfase nos
envolvidos:
- Professora: Pessoal, o que está acontecendo? Vocês acham que isso é legal?
E assim eles responderam:
- Alunos: Professora, a gente descontou nele porque ele ficou mexendo com a gente,
falando coisas que a gente não gosta!
Nesse instante, percebemos que a situação conflituosa era advinda de estímulos
negativos recíprocos entre o próprio grupo de trabalho e que expressa a forma pela qual se
relacionam no cotidiano vivido diariamente. Assim, agimos de modo rápido, informando-os:
- Professora: No final da aula, por favor, peço que os três envolvidos não saiam, o diretor
Céu irá conversar com vocês. [sic]
Percebemos um cenário de preocupação por parte deles. Assim, inquietações surgem,
como: Seria o medo de falar com o diretor? Como será que o diretor irá abordar o problema?
Ao mesmo tempo que pairavam as preocupações subjetivas, temos consciência de que aquela
problemática, abordada pelo diretor no final da aula, estava além do controle de estagiárias.
Entre inquietações e conflitos, temos a certeza de que o incidente na sala de aula revela
a dinâmica complexa e desafiadora que permeia as relações interpessoais entre os alunos. A
divisão aparentemente inofensiva entre meninos e meninas não foi suficiente para evitar
conflitos, evidenciando a existência de tensões coexistentes que culminaram nesse evento.
O racismo estuda ao lado - um relato em contexto escolar
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SILVA, Emilly Domingos da; LIMA, Gabriella Cristina Araújo de. Uma Análise do Vivido na Escola Estadual Newton Braga: narrativas do
cotidiano docente. Ensaios de Geografia. Niterói, vol. 10, nº 23, e102318, 2024.
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O dia 16 de novembro de 2023 foi um dia ensolarado, nosso último dia ministrando
aulas para o ano. Por volta das 13 horas, o soar do sinal invade o espaço, lembrando que é
hora de sair da sala dos professores e se dirigir aa sala de aula. Ao sairmos no pátio, nos
deparamos com os alunos em frente à sala conversando e aguardando nossa chegada. Fomos
recebidos com sorrisos e questionamentos sobre a aula. Neste dia, foi planejada a apresentação
e sistematização do objeto didático cordel produzido pela turma, seguido por uma
dinâmica de finalização e encerramento de atividades.
Inicialmente foi feita uma roda, para que pudéssemos declamar os poemas elaborados
pelos alunos. A dinâmica inicia-se, os alunos estavam tímidos, porém logo a excitação com a
atividade invade o lugar, comentários, risadas, tentativas de descobrir os homônimos que
produziram os poemas, e com esta integração da turma a leitura termina e o segundo momento
da aula se inicia. Como era o último dia de estágio, optamos por encerrar as atividades de forma
lúdica, e para tal efetuamos uma mímica geográfica, tendo como tema os bairros de Natal-RN.
Esta dinâmica visava acionar o lugar e sua promoção de afetações nos alunos, pois, diante do
bairro sorteado, os alunos buscavam características, serviço e usos específicos do lugar.
A atividade correu bem, vários bairros foram sorteados e representados pelos alunos,
muita animação e empolgação com a dinâmica, que imprimiu um ritmo único na sala de aula.
Entretanto, quando o bairro de Ponta Negra foi sorteado, algo inesperado ocorreu. O aluno que
efetuava a mímica repetia movimentos verticais com os braços e apontava para um colega que
estava sentado à sua frente. O tempo acabou e ninguém conseguiu decifrar o bairro algoz da
interpretação do aluno, nem mesmo os estagiários que acompanhavam a cena de fato
compreenderam. Inconformados com a tentativa falha os alunos questionam:
- Aluna Estrela: Que bairro é esse? nunca vi ficar fazendo assim (aluna imitava
expressão corporal do colega)
- Aluno Cometa: Era Ponta Negra! A ponta (movimento com braço) e negra (apontando
para um colega, único preto retinto da sala) [sic]
A risada e algazarra toma conta da sala, ficamos paralisados com o primeiro impacto
daquela informação. Ao olhar o rosto do aluno alvo de racismo, a angústia, dor e
constrangimento eram nítidos em sua expressão. Rapidamente intervimos e pedimos para eles
se calarem:
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SILVA, Emilly Domingos da; LIMA, Gabriella Cristina Araújo de. Uma Análise do Vivido na Escola Estadual Newton Braga: narrativas do
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- Professora I: Vocês sabem que esse tipo de comportamento não é legal né?
- Professora II: Isso é racismo! [sic]
O silêncio toma conta… nitidamente todos tomam consciência do acontecido. O aluno
que iniciou todo esse quadro se levanta, vai em direção ao colega e pede desculpas, que
aparentemente são aceitas. Sem adentrarmos maiores discussões para tentar apaziguar o
conflito, os próprios alunos pedem para continuar a dinâmica, e assim fazemos. Esse relato se
faz necessário como uma forma de gritar e rasgar o véu da aceitação e conformismo sobre o
racismo sistemático que ocorre no seio da sociedade brasileira. É difícil admitir, mas somos
racistas.
Vivemos no país que, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2023, a
cada 100 pessoas assassinadas no Brasil em 2021, 78 eram negras. Na última década, 408.608
pessoas negras foram assassinadas no Brasil, e da totalização dos homicídios, 72% foram de
negros. Nesse cenário, a sensação de medo e violência é gritante: cerca de 85,3% das pessoas
negras tem medo de morrer assassinados, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública
2023. Nesse sentido, “o preconceito racial contra o negro é violento e, ao mesmo tempo, sutil”
(Nascimento, 2021, p. 35), passando a agir nas entrelinhas da vida do sujeito, o afetando de um
modo que esses atos crivados pelo racismo estrutural são tidos como “normais”.
Essa situação em sala de aula foi somente um relato do cotidiano daquele aluno, que
consequentemente passa por experiências como aquela rotineiramente. Seria necessário efetuar
uma intervenção sobre racismo estrutural e como esse afeta o cotidiano do negro no Brasil.
Entretanto, tal retomada naquele momento não seria pertinente, e causaria mais
constrangimento para a vítima de racismo.
Considerações Finais
O estágio supervisionado na Escola Estadual Newton Braga de Farias revelou-se um
período de descobertas e afetações significativas para nós enquanto futuros professores. Ao
entrar em um novo ambiente educacional, é possível estar em frente à oportunidade de
experimentar a prática docente, mas também de criar laços e conexões que reestruturam
percepções sobre a docência e os alunos.
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Este estágio não apenas enriqueceu a formação dos futuros educadores ao proporcionar
experiências práticas e contextualizadas, mas também fortalece a compreensão teórica
adquirida em sala de aula. Ao vivenciarmos a dinâmica do ambiente escolar, desenvolvem-se
habilidades essenciais, como a gestão de sala de aula, a adaptação de conteúdos e a interação
direcionada e afetiva com os alunos. Assim, o estágio supervisionado emerge como um
componente vital na formação docente, promovendo a integração entre teoria e prática e
preparando os educadores para os desafios reais do ensino.
A escolha da Escola Estadual Newton Braga de Farias como lócus de experimentação
mostrou-se um campo experimental repleto de experiências, permitindo um mergulho profundo
no cotidiano docente e nas afetações que emergem desse contexto específico. O processo de
ensino e pesquisa buscou compreender como os alunos concebem o seu lugar no mundo,
explorando suas experiências e vivências cotidianas que são expressas no ambiente escolar.
A abordagem etnográfica, a partir das narrativas que serviram como instrumento de
investigação, revelou-se uma ferramenta poderosa. Essa abordagem permitiu ampliar e acessar
as afetações que ocorrem no chão da escola, destacando a importância da perspectiva subjetiva
dos docentes. Através dessa lente, foi possível capturar nuances e compreender os impactos
pessoais e emocionais da prática pedagógica.
As ações apontam para a relevância de considerar não apenas os aspectos objetivos do
ensino, mas também as dimensões subjetivas que permeiam a experiência docente. A
compreensão do lugar no mundo pelos alunos, sobretudo através de suas interações e
percepções cotidianas, destaca a importância de promover uma educação que dialogue com as
realidades vividas pelos estudantes.
Dessa forma, o estágio supervisionado na Escola Estadual Newton Braga de Farias não
apenas proporcionou aos estagiários uma prática na docência, mas também contribuiu para uma
compreensão mais profunda da complexidade e da riqueza das relações no ambiente escolar.
As experiências vivenciadas e a forma como foram apresentadas forneceram excelentes
contribuições para o aprimoramento da prática pedagógica e o desenvolvimento de uma
perspectiva mais sensível e contextualizada em relação ao ensino e aprendizagem.
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