Ensaios de Geografia
Essays of Geography | POSGEO-UFF
AO CITAR ESTE TRABALHO, UTILIZAR A SEGUINTE REFERÊNCIA:
NASCIMENTO, Gabrielle de Castro do. A Interdisciplinaridade entre Geografia e Literatura: um olhar crítico para a formação docente.
Ensaios de Geografia. Niterói, vol. 10, nº 23, e102319, 2024.
Submissão em: 30/01/2024. Aceito em: 24/09//2024.
ISSN: 2316-8544
Este trabalho está licenciado com uma licença Creative Commons
1
SEÇÃO ARTIGOS
A Interdisciplinaridade entre Geografia e Literatura:
um olhar crítico para a formação docente
The Interdisciplinarity Between Geography and Literature:
a critical look at teacher training
La Interdisciplinariedad entre Geografía y Literatura:
una mirada crítica a la formación docente
DOI: https://doi.org/10.22409/eg.v10i23.61678
Gabrielle de Castro do Nascimento
1
Universidade do Estado do Rio de Janeiro -
Faculdade de Formação de Professores (UERJ-FFP),
Rio de Janeiro, Brasil
e-mail: gabriellegeouerj@gmail.com
Resumo
O termo “interdisciplinaridade” surgiu na metade do século passado e desde então se tornou uma das práticas
pedagógicas mais importantes da atualidade. Nesse sentido, este artigo busca apresentar o quão fundamental é a
utilização desse método na formação de professores de Geografia e o quanto esse fator pode influenciar de modo
positivo as suas aulas. Além disso, destaca-se os benefícios da articulação entre a Geografia e a Literatura, tendo
como objetivo fazer com que questões de caráter teórico possam obter um exemplo prático dialogando com a
Geografia como campo científico e disciplinar e com a Literatura enquanto campo artístico e disciplinar. Para
exemplificar esta “prática teórica”, foram utilizados como base três textos: os livros Quarto de Despejo: Diário
de uma Favelada (1960) e Clara dos Anjos (1948), além do texto em versos que compõe a letra da música Não
Existe Amor em SP do rapper Criolo. Portanto, o objetivo deste trabalho é demonstrar o quanto aulas mais lúdicas
podem ser fundamentais no processo de aprendizagem de um educando.
Palavras-chave
Interdisciplinaridade; Geografia; Literatura.
1
Graduanda de Licenciatura em Geografia pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro/ Faculdade de Formação
de Professores (UERJ/FFP).
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Abstract
The term “interdisciplinarity” emerged in the middle of the last century and has since become one of the most
important pedagogical practices today. In this sense, this article seeks to present how fundamental the use of this
method is in the training of Geography teachers and how this factor can positively influence their classes.
Furthermore, it highlights the usefulness in the articulation between Geography and Literature, aiming to enable
theoretical issues to obtain a practical example by engaging Geography as a scientific and disciplinary field with
Literature as an artistic and disciplinary field. To exemplify this “theoretical practice,” three texts were used as a
basis: the books Quarto de Despejo: Diário de uma Favelada (1960) and Clara dos Anjos (1948), in addition to
the verse text that makes up the lyrics of the song “Não Existe Amor em SP” by rapper Criolo. Therefore, the
objective of this work is to demonstrate how much more playful classes can be fundamental in the learning process
of a student.
Keywords
interdisciplinarity; Geography;Literature.
Resumen
El término “interdisciplinariedad” surgió en la mitad del siglo pasado y desde entonces se ha convertido en una de
las prácticas pedagógicas más importantes en la actualidad. En este sentido, este artículo busca presentar la
importancia de la utilización de este método en la formación de profesores de Geografía y cómo este factor puede
influenciar de manera positiva sus clases. Además, se destaca la aplicabilidad en la articulación entre Geografía y
Literatura, con el objetivo de que cuestiones teóricas obtengan un ejemplo práctico mediante el diálogo entre la
Geografía, como campo científico y disciplinario, y la Literatura, como campo artístico y disciplinario. Para
ejemplificar esta práctica teórica, se utilizaron tres textos como base: los libros Quarto de Despejo: Diário de
uma Favelada (1960) y Clara dos Anjos (1948), además de los versos que componen la letra de la canción Não
Existe Amor em SP del rapero Criolo. Por lo tanto, el objetivo de este trabajo es demostrar cuán fundamentales
pueden ser las clases más lúdicas en el proceso de aprendizaje de un educando.
Palabras clave
Interdisciplinariedad; Geografía; Literatura.
Introdução
Segundo Klein (1990) a expressão “interdisciplinaridade” teve a sua gênese no contexto
educacional apenas na primeira metade do século passado, tendo desde então se tornado uma
das práticas pedagógicas mais importantes da contemporaneidade. Nesse sentido, Garcia (2012)
reflete que a educação interdisciplinar vai muito além do que somente uma articulação entre
duas ou mais disciplinas, mas sim, relaciona-se também a um método de estudo que conta com
a colaboração entre os discentes no processo de aprendizagem vinculadas com a lógica da
descoberta. Além disso, o autor ainda destaca que esta proposta pode ter como possibilidade a
exposição de problemas a serem resolvidos pelos discentes em sala de aula, o que pode ser
aplicado ao seu contexto externo e cotidiano.
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Todavia, por conta da diversidade etimológica do termo interdisciplinaridade e a sua
ideia de integração, de acordo com Pires (1998), este pode ser facilmente relacionado a
conceitos como o de disciplinaridade, multidisciplinaridade e transdisciplinaridade,
mesmo que seus referenciais teórico-filosóficos sejam diferentes. Primeiramente, a
disciplinaridade seria a compartimentação dos campos do conhecimento. a
multidisciplinaridade tem como proposta a escolha de um tema que deve ser resolvido
utilizando diversas áreas do conhecimento, fazendo com que o discente tenha várias
perspectivas sobre um mesmo assunto. Por fim, a transdisciplinaridade apresenta uma visão
holística sobre determinado assunto, superando então a fragmentação do ensino.
Sendo assim, é fundamental que, no mundo atual, professores de todas as matérias
escolares tenham conhecimento sobre o que constitui de fato a educação interdisciplinar, até
mesmo para que possam articular sua atuação à de seus colegas, e sobretudo, para que venham
a concluir seu processo de formação acadêmica com vistas ao rompimento de modelos
fragmentários, para que possuam o domínio da teoria a ser operada durante suas aulas e para
que a aplicação do conhecimento possa romper as barreiras de sua disciplina.
Nesse aspecto, a disciplina de Geografia, que capacita profissionais a terem uma visão
holística sobre o espaço geográfico, se apresenta como um campo de destaque para o
desenvolvimento dessa prática, já que, segundo Santos (1978, p. 122):
O espaço deve ser considerado como uma totalidade, a exemplo da própria sociedade
que lhe vida [...] o espaço deve ser considerado como um conjunto de funções e
formas que se apresentam por processos do passado e do presente [...] o espaço se
define como um conjunto de formas representativas de relações sociais do passado e
do presente e por uma estrutura representada por relações sociais que se manifestam
através de processos e funções
Por conta disso, a partir da compreensão sobre o todo que representa o espaço
geográfico, os professores de Geografia devem aplicar este conceito na análise do ambiente em
que estão inseridos para que seja possível conhecer, explicar e refletir sobre aspectos físicos e
humanos, o que se faz necessário em um século no qual veículos de telecomunicação se
tornaram tão populares e, consequentemente, o esforço deste profissional em elaborar aulas
mais criativas que instiguem a vontade de aprender no aluno deve ser muito mais expressivo;
mais do que isso, para que se saia da perspectiva somente descritiva da Geografia, mostrando
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que conceitos estudados em sala de aula podem ser aplicados à realidade. Assim, Ribeiro (2013,
p. 108) destaca “[...] a necessidade da formação de professores em Geografia que atuem com
competência, pesquisa e criatividade frente essas demandas sociais e culturais”.
Com base nisso, como um instrumento de apoio às aulas de Geografia, tanto para os
alunos da graduação quanto para os da educação básica, a interface com a disciplina de
Literatura, que abarca uma bagagem cultural extremamente rica e diversificada, pode ser
utilizada para apontar diferentes realidades presentes em um mundo globalizado, demonstrando
que questões de caráter teórico também têm exemplos verídicos no dia-a-dia.
Dessa forma, o presente artigo explicita o quão importante é a formação interdisciplinar
de um docente de Geografia e o quanto a disciplina de Literatura pode ser uma ferramenta útil
para enriquecer o professor durante sua formação e, por consequência, as suas aulas no futuro,
que, tomando como exemplo o caso dos textos trazidos como objeto de análise para este
trabalho, pode-se refletir sobre a realidade através de uma perspectiva que vai além do material
didático convencional, trazendo para dentro da sala de aula debates acerca das consequências
do processo de urbanização ocorrido de modo desordenado, da exclusão nas periferias
brasileiras, das desigualdades e da luta de classes provocadas pelo capitalismo, dentre outros
desdobramentos que são perfeitamente cabíveis no contexto de uma aula de Geografia.
Para isso, serão utilizadas três modalidades textuais importantes para demonstrar o
quanto essa articulação pode ser proveitosa para contribuir tanto para a formação de professores
na academia quanto dos alunos do ensino básico. Estas são: os livros Quarto de Desejo: diário
de uma favelada, da escritora Carolina Maria de Jesus, e Clara dos Anjos, do escritor Lima
Barreto, além da música Não Existe amor em SP, do rapper Criolo.
Nesse sentido, o que as três obras possuem em comum é a temática das cidades,
principalmente levando-se em consideração a vivência nos subúrbios e a perspectiva dos
excluídos. Em função disso, essas obras tratam de questões como a fome, violência, falta de
saneamento básico e outras ideias atuais que podem ser abordadas nas aulas de Geografia de
forma lúdica e elucidativa, mas que demonstrarão as relações materialistas histórico-dialéticas
pelas quais as cidades foram construídas.
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Dentro dessa perspectiva, este artigo teve como metodologia uma análise qualitativa
acerca da temática abordada, apresentando uma revisão bibliográfica de trabalhos acerca da
interdisciplinaridade, da formação de professores de Geografia e dos textos literários
descritos. Nesse contexto, os trabalhos acadêmicos utilizados associados a estas obras foram
fundamentais na compreensão sobre a educação interdisciplinar e como a Literatura pode ser
uma ferramenta útil nas aulas de Geografia.
Além disso, também foram utilizados dados estatísticos provenientes do sistema do
Senado Federal, Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) e Governo Federal, além de definições
propostas pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) e de uma entrevista
veiculada no portal de notícias da BBC NEWS.
Quarto de Despejo: Diário de uma Favelada: uma abordagem interdisciplinar na educação
geográfica
O livro Quarto de Despejo: Diário de uma Favelada, de Carolina Maria de Jesus, é
considerado um best-seller da literatura brasileira e representa de forma realista a vida na favela
sob a perspectiva de uma moradora deste espaço. Nesse cenário, a escritora, como uma forma
de denunciar o modo de vida insalubre em que vivia, retrata diversos temas de cunho social que
estavam em voga na sociedade da época e que assombram a realidade de tantas pessoas que
vivem atualmente no Brasil. Em vista disso, conforme descrito por Carlos (2004), vivemos uma
crise da cidade (como apresentado neste livro) por conta do processo de realização da
acumulação em escala ampliada, que se torna evidente a partir do aprofundamento dos
processos de segregação humana. A partir disso, nota-se que, como consequência do avanço do
capitalismo na era pós-moderna, houve a massificação da pobreza, que afeta principalmente
essas camadas que sempre sofreram com as crises nas cidades durante décadas no Brasil e no
mundo.
Carolina Maria de Jesus (1914-1977), viveu sua infância em Sacramento, interior de
Minas Gerais, até migrar para São Paulo, onde trabalhou como doméstica e foi moradora de
cortiços no centro da cidade. Posteriormente, a partir das reformas urbanas da década de 1940,
ela se mudou em 1948 para a favela do Canindé, às margens do rio Tietê, local em que viveu
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boa parte de sua vida (Silva, 2006 apud Gonçalves, 2014, p.23). Diante disso, somente a
biografia da autora evidencia temas de extrema relevância para a Geografia, como a
centralização dos investimentos capitalistas e o afastamento das pessoas mais vulneráveis
destes circuitos, além de fugirem do radar de investimentos.
Além disso, sua obra, escrita no decorrer da década de 50, está inserida em um período
histórico marcado pela aceleração econômica e pelo processo de urbanização ocorrido durante
o governo de Juscelino Kubitschek (1956-1961). Isto posto, os escritos de Carolina se
configuram como uma peça importante para a compreensão da relação entre a modernidade e
a desigualdade no Brasil, principalmente no que tange às relações sociais, o que é uma
emergência a ser discutida atualmente (Meihy, 1994 apud Gonçalves, 2014, p. 7).
Nesse cenário, conforme Costa (2017), pode-se afirmar que as cidades passaram a atrair
pessoas com a expectativa de melhores oportunidades de vida, o que, consecutivamente, causou
o processo de macrocefalia urbana, marcado pela expansão acelerada e desordenada das cidades
brasileiras. Nesse viés, segundo Santos (1993, p. 5-6) “[...] a grande cidade, mais do que antes,
é um pólo da pobreza (a periferia no pólo...), o lugar com mais força e capacidade de atrair e
manter gente pobre, ainda que muitas vezes em condições sub-humanas [sic].
Desse modo, a escritora, no gênero literário do diário, relata como era o seu cotidiano
na favela e a luta pela sua sobrevivência e a de seus 3 filhos (Vera, Eunice, João José e José
Carlos) dentro desse contexto sub-humano, como descrito por Santos (1993). Por isso, esse
livro, devido à sua representatividade, por ser escrito por uma mulher negra e periférica,
também pode se tornar uma ferramenta de cunho cultural e interdisciplinar fundamental para a
reflexão sobre como é o cotidiano nas comunidades brasileiras, como é a vida de uma figura
feminina e mãe solteira em um ambiente como esse, além de demonstrar como o fenômeno da
urbanização desordenada até mesmo do capitalismo desordenado pode impactar
negativamente a qualidade de vida das pessoas suburbanas, que sofrem com o descaso do poder
público e a falta de planejamento urbano.
A partir dessa lógica, a temática principal abordada nesse livro é a fome, que aos dias
atuais permeia grande parte da realidade nos lares do Brasil, que, segundo dados do site do
Senado Federal (2023), cerca de 61,3 milhões de brasileiros passam por um quadro de
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insegurança alimentar, de acordo com um levantamento feito pela FAO (Organização das
Nações Unidas para Alimentação e Agricultura). Sendo assim, esse fato precisa ser exposto e
refletido nas salas de aula mediante um olhar crítico promovido por parte do professor que,
desde a sua formação, precisa estar familiarizado com esse tipo de discussão a fim de que
venha contribuir para o desenvolvimento de cidadãos mais conscientes sobre tais
problemáticas, engajados na luta por sua resolução e para que, segundo a perspectiva de Castro,
em seu famoso livro Geografia da Fome (1952), esse tema não seja considerado proibido por
conta de interesses e preconceitos de ordem moral, política e econômica dentro do contexto da
civilização ocidental, mas que seja debatido, principalmente em um ambiente de aprendizado e
troca de experiências.
Diante disso, a obra evidencia, na maioria dos dias, Carolina, que era catadora de papel,
indo bem cedo exercer sua função justamente para vender o que havia coletado o mais depressa
possível para garantir a sua alimentação e a de seus filhos. O cenário era de extrema miséria.
Logo no primeiro dia da escrita do diário 15/07/1955 , a autora relata que era aniversário
de sua filha e que o seu desejo era de comprar-lhe um par de sapatos, mas que, por conta dos
altos preços dos alimentos, isso não seria possível. Posteriormente, a mesma relata que encontra
um par de sapatos no lixo, os quais ela lava e remenda para dar a Vera Eunice.
Diante desse cenário, evidencia-se que existem ainda hoje casos como o da autora e
outros que ela presenciou e descreveu , de pessoas que passam por um quadro de extrema
precarização de seu trabalho, e por isso, vivem diversas dificuldades em seu dia a dia associadas
a falta de meios financeiros. Atualmente, com a expansão dos recursos tecnológicos e a
popularização de aplicativos de prestação de serviços, percebe-se o surgimento do dito
fenômeno de uberização
2
e como ele impacta negativamente os indivíduos que aderem a esse
modelo empregatício, já que os mesmos não possuem direitos trabalhistas como indenizações
ou qualquer segurança para o proletário no exercício de sua profissão. Assim, nota-se que,
mesmo que o contexto histórico seja diferente, questões como a precarização do trabalho
permanecem muito atuais e o estabelecimento do paralelo entre as situações retratadas no livro
2
Nome dado ao fenômeno associado ao modelo de trabalho realizado a partir de plataformas digitais, que tem por
principal característica a informalidade e a flexibilidade por parte de seus aderentes, mas que não possui a garantia
de muitos direitos previstos pela CLT.
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e a uberização pode ser uma ferramenta útil para a compreensão de modo interdisciplinar das
mazelas do capitalismo e como elas impactam no cotidiano dos trabalhadores mais pobres.
Isto posto, além desse relato apresentado logo no início do livro, muitos outros casos de
fome e insegurança alimentar são vivenciados e presenciados pela autora. Por isso, Carolina
Maria de Jesus reclama sobre o descaso do poder público frente às dificuldades dos
necessitados, principalmente os da favela, em diversos trechos de seus escritos.
Nessa conjuntura, a escritora proferia frases como: “O Brasil precisa ser dirigido por
uma pessoa que passou fome. A fome também é professora. Quem passa fome aprende a
pensar no próximo, e nas crianças” (Jesus, 2014, p. 25); “De quatro em quatro anos muda-se os
políticos e não soluciona a fome, que tem a sua matriz nas favelas e as sucursaes nos lares dos
operários [sic] (Jesus, 2014, p. 34); “Comprei um pão as 2 horas. E 5 horas, fui partir um
pedaço está duro [...] O pão atual fez uma dupla com o coração dos politicos. Duro, diante
do clamor publico [sic] (Jesus, 2014, p. 45-46); “Quando o arco-iris surgia eu ia correndo na
sua direção. Mas o arco-iris estava sempre distanciando. Igual os políticos distante do povo
[sic] (Jesus, 2014, p. 46).
Diante deste e tantos outros exemplos, Carolina relata que o “Quarto de Despejo” a
favela, local onde se jogam os lixos é um lugar carente e que precisa de maior visibilidade
por parte dos políticos. Mediante isso, é indispensável que sejam promovidos debates nas aulas
de Geografia acerca da importância do voto consciente, do exercício pleno da democracia e da
luta por parte dos educandos por seus direitos e pelos dos outros, justamente para que haja a
formação de um aluno consciente e crítico dentro de sua sociedade, já que essa é justamente a
proposta do ensino da Geografia Crítica.
Ademais, outro problema bastante atual que precisa ser discutido com veemência nos
espaços de aprendizagem é o da violência. Nesse viés, a autora relata vários casos de vizinhos
que tentavam invadir sua casa para bater nos seus filhos ou de brigas recorrentes e sangrentas
na favela, além de muitas “rixas” entre as mulheres como um todo. Diante disso, esse tipo de
debate pode ser bastante relevante para levantar questões como o estereótipo criado sobre quem
vive em comunidades, a falta de segurança nesses locais, e, à ocasião da intervenção estatal, a
violência que os agentes da lei impõem aos moradores do local, entre outros temas.
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Além disso, é apresentado pela autora outra consequência do descaso público que
também aparece expressivamente no livro, que é a da falta de saneamento básico no Canindé,
que nesta favela as mulheres precisavam encher latas em uma única torneira a fim de
abastecer as suas casas, além de realizarem essa coleta também no Rio Tietê, o que demonstra
que os moradores dessa favela não possuíam acesso à água encanada e potável. Essa questão,
mesmo sendo retratada no contexto da década de 1950, ainda é um problema presente em
diversos locais no Brasil, principalmente nas periferias, constituindo mais um tema a ser
trabalhado nas salas de aula, o da construção desigual das cidades a partir de sua forma de
organização, uma vez que esse tipo de problema incide sobretudo sobre os moradores das
periferias.
Por último, outro assunto abordado por Carolina é a ingestão de bebida alcoólica por
parte de seus vizinhos, o que causava uma série de conflitos que se desdobraram ao longo da
obra. Dentro de um contexto escolar, trabalhar esse tipo de assunto torna-se bastante pertinente
até mesmo por uma conscientização sobre os riscos do alcoolismo e do consumo responsável e
na idade adequada do álcool.
Logo, o livro de Carolina Maria de Jesus pode ser usado como uma proveitosa
ferramenta interdisciplinar na formação cultural de graduandos nos cursos de Geografia e dos
seus futuros alunos. Por isso, a abordagem interdisciplinar em aulas com conteúdos teóricos
pode tornar o tema menos maçante, mais didático e propicia uma abordagem que venha a fixar
melhor a matéria, além de contribuir para consolidar no educando um olhar mais crítico frente
aos problemas sociais enfrentados pela sociedade brasileira.
Clara dos Anjos: Geografia e Literatura clássica em sintonia na prática educativa
O livro Clara dos Anjos, do autor Lima Barreto, é considerado uma das obras mais
importantes do autor. Sua personagem principal é uma menina pobre, negra e suburbana cujo
nome dá título do livro. Sob esse viés, Lima, também negro e suburbano, aborda a temática da
vida no subúrbio, das “malandragens” cometidas nesse meio, além de retratar de modo
fidedigno a temática do racismo dentro de seu contexto histórico.
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Lima Barreto (1881-1922), morador da Ilha do Governador, no Rio de Janeiro, estudou
em um colégio na capital e matriculou-se posteriormente na Escola Politécnica, no centro da
cidade, local onde sofreu muito com o racismo e que precisou abandonar para assumir o
sustento de sua casa, devido uma doença de seu pai. O autor escreveu o romance Clara dos
Anjos durante toda a sua vida e ensaiou diversos finais para a trama, mas sua publicação só se
deu de forma póstuma, como relatado por Schwarcz (2017).
O livro começou a ser escrito no início do século XX, no contexto da Primeira República
(1889-1930), na qual São Paulo e Minas Gerais, por serem os grandes produtores de café e leite,
respectivamente, eram os estados mais ricos e mais poderosos em relação à política. O Rio de
Janeiro, embora não tivesse uma produção tão expressiva quanto a desses estados, também tinha
grande destaque nesse cenário por ser capital do Brasil, constituindo um polo atrativo de
migrantes em busca de uma vida melhor, o que contribuiu para o processo de urbanização
desordenada na cidade e para o fenômeno da favelização no Estado.
Segundo Barreto (2012), Clara dos Anjos inaugurou uma linha pouco explorada nos
romances cariocas, que seria a abordagem dos excluídos das cidades, da marginália, dos
moradores distantes do centro e de áreas pobres como as favelas. Nesse sentido, nos escritos de
Lima Barreto, assim como nos de Carolina Maria de Jesus, a apresentação de temas de
caráter social que podem ser incorporados às aulas de Geografia, principalmente na formação
de docentes, porque o “[...] professor deve ter a sua disposição um conhecimento abrangente
que faça com que ele não se limite a conteúdos e sim, observe que é mais importante ter um
conhecimento diferenciado desses conteúdos [...]” (Pavanello, 2003, p. 31). Portanto, a forma
interdisciplinar com que a Geografia pode ser apresentada, neste caso, sendo integrada com a
Literatura, pode ser uma metodologia fundamental para o ensino e a prática dos seus temas.
Assim, a narrativa desse livro está inserida no contexto dos subúrbios do Rio de Janeiro,
sendo o capítulo 7 o que mais detalha a vida nesses ambientes. Nele, descrições sobre o
processo de favelização ocorrido nesse período, pois o autor relata que todos os tipos de
habitações construídas especificamente em cima de elevações, o que evidencia uma
característica marcante do processo de urbanização desordenada ocorrida no Rio de Janeiro.
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Ademais, o livro, através de sua personagem principal, a jovem Clara dos Anjos, faz
uma denúncia sobre a vulnerabilidade da mulher nas periferias brasileiras. Clara, caracterizada
por ser uma jovem mulata e moradora de uma paisagem suburbana, filha de um carteiro e uma
dona de casa e criada sob um zelo excessivo, é seduzida por Cassi Jones, um homem branco e
de classe média, que a engravida e a abandona logo em seguida.
Nesse contexto, a temática a ser trabalhada acerca da mulher é de grande importância
na luta pela garantia dos direitos da figura feminina na sociedade brasileira. Atualmente, em
um contexto no qual os casos de homicídio contra a mulher aumentaram cerca de 31,46% em
apenas quatro décadas, segundo dados da Fiocruz (2023), além dos casos de violência
doméstica que pode ser física, psicológica, sexual, moral ou patrimonial , que chegaram
a 169.676 denúncias somente no ano de 2022, de acordo com site do Governo do Brasil (2022),
é de suma importância que a discussão sobre a condição de vulnerabilidade da mulher frente ao
aumento da violência como um todo na sociedade contemporânea seja levada à sala de aula,
bem como o debate sobre a Lei Maria da Penha e a busca por um conhecimento mais
aprofundado sobre a legislação que defende a integridade feminina, além de temas atrelados à
valorização da figura da mulher na sociedade, o incentivo ao fortalecimento de movimentos
sociais em apoio a mulheres vítimas de algum tipo de violência e outros assuntos que podem
ser incorporados a essa temática.
Ademais, além dessa abordagem, temas como a insegurança alimentar, o descaso do
poder público, a violência, a falta de saneamento básico e o excesso na ingestão de bebidas
alcoólicas, assim como no livro de Quarto de Despejo, aparecerem no sétimo capítulo de Clara
dos Anjos, o que demonstra que, nesse contexto suburbano, um padrão de questões sociais
vivenciadas pelos seus moradores, mesmo em locais e épocas distintas, e que merecem a
atenção da comunidade estudantil como um todo e, principalmente, na formação dos
professores, especialmente os de Geografia, disciplina que
[...] tem como foco o desenvolvimento de um profissional crítico, criativo, responsável
e cidadão, que tenha capacidade de posicionar-se de forma crítica e reflexiva diante as
conjunturas mundiais, nacionais e locais. Práticas pedagógicas condizentes com a
realidade social, aliadas ao ensino geográfico, a pesquisa, ao estudo do meio e, a outras
atividades, contribui de forma relevante e significativa no processo de formação do
aluno-professor, isto é, “saber, saber fazer, e sobretudo saber como fazer” (Vaz, 2020,
p. 473).
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AO CITAR ESTE TRABALHO, UTILIZAR A SEGUINTE REFERÊNCIA:
NASCIMENTO, Gabrielle de Castro do. A Interdisciplinaridade entre Geografia e Literatura: um olhar crítico para a formação docente.
Ensaios de Geografia. Niterói, vol. 10, nº 23, e102319, 2024.
Submissão em: 30/01/2024. Aceito em: 24/09//2024.
ISSN: 2316-8544
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Não Existe Amor em SP: o uso metáfora de São Paulo nas aulas de Geografia
A canção Não Existe Amor em SP (2011), do rapper Criolo, traz uma crítica
contundente às dinâmicas presentes na cidade de São Paulo. Kleber Cavalcanti Gomes, mais
conhecido como Criolo, nasceu no bairro de Santo Amaro, em São Paulo, mas viveu grande
parte de sua vida na periferia do Grajaú, distrito bastante populoso e que possui uma expressiva
quantidade de favelas, retrato de como esta cidade se urbanizou de modo desordenado.
Conforme relatado em uma entrevista à BBC NEWS, o artista conta um pouco de sua
história nesse local, que foi inspiração para a composição da música. Para ele, filho de pais
nordestinos que vieram de um contexto completamente diferente do vivenciado pelos
paulistanos, o maior sentimento presente em seu cotidiano nesse local é o de não
pertencimento. Ainda segundo o rapper, essa sensação experienciada em São Paulo ocorre
porque O modo como a cidade é gerida e como um grupo de pessoas consegue desenvolver
um tipo de pensamento que define que tipo de cidadão merece receber qual tipo de serviço, que
é o básico do básico de obrigação do Estado(BBC, 2020), ou seja, uma grande desigualdade
social neste espaço devido ao fato de que muitos não têm acesso aos serviços básicos da cidade
e aos benefícios que ela pode oferecer. Por esses fatores apresentados pelo artista, observa-se a
concordância com temas que fazem parte da base curricular da Geografia, como migração,
urbanização, desigualdades sociais, entre outros desdobramentos.
Como ressaltado pelo IBGE (2008), São Paulo é caracterizada por ser a grande
metrópole nacional. Isso ocorre, pelo fato de essa localidade ser o maior conjunto urbano do
Brasil. Além disso, a região, como ressaltado pelo Instituto, exerce uma significativa influência
sobre outros locais, visto que a
[...] presença de órgãos do executivo, do judiciário, de grandes empresas, serviços de
saúde. [...] A oferta de equipamentos e serviços informações de ligações aéreas, de
deslocamentos para internações hospitalares, das áreas de cobertura das emissoras de
televisão, da oferta de ensino superior, da diversidade de atividades comerciais e de
serviços, da oferta de serviços bancários, e da presença de domínios de Internet (IBGE,
2008).
Porém, sob a visão de Criolo, como descrita em sua música, Numa linda frase /De um
postal tão doce/ Cuidado com o doce/ São Paulo é um buquê /Buquês são flores mortas /Num
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lindo arranjo /Arranjo lindo feito pra você, essa cidade parece ser superficialmente atraente,
cheia de oportunidades e benefícios para os que vivem e migram para ela, mas a realidade se
apresenta muito oposta a essa impressão inicial. Em vista disso, sob uma análise geográfica,
pode-se fazer a leitura dessa percepção através da mudança no conceito de paisagem que,
segundo Barata Salgueiro (2001), antigamente, era definido como tudo que podia ser
contemplado através da visão, mas, mediante uma perspectiva contemporânea da literatura
geográfica, passa a ter maior relação com o campo fenomenológico, ou seja, o modo de ver as
coisas e a relação sujeito/objeto, e é nesse sentido que se relaciona com a temática abordada
neste texto em versos, que a visão apresentada pelo seu compositor mostra a sua relação
hostil com essa paisagem, o que pode ser livremente discutido em uma roda de conversa com
os alunos acerca desse conceito, fundamental para a esfera da Geografia.
Por conta dessa bagagem literária, cultural e metafórica da música de Criolo, e
principalmente por conta da popularização do rap na contemporaneidade, a obra pode se tornar
uma grande ferramenta para fomentar o ensino interdisciplinar nas salas de aula, já que
hoje se torna cada vez mais necessário o uso de múltiplas linguagens/instrumentos
para o ensino (músicas, poesias, maquetes, vídeos, jornais, revistas, entre tantas
outras), como forma de trazer a realidade concreta para a sala de aula. A busca por
outras metodologias para o processo de ensino e aprendizagem é um dos objetivos
que a Universidade e a Escola estão buscando alcançar, a fim de levar o aluno à
construção do conhecimento geográfico (Cardoso; Queiroz, 2016, p. 2).
Sob este ponto de vista, a linguagem presente nesta composição, embora de caráter
descontraído, traz um ponto de vista bastante interessante a ser apresentado no contexto do
ensino geográfico, que é o da superficialidade do fator de atração migratório que muitos locais
possuem, haja vista a propagação midiática positiva que se fazem deles sem que se mostre de
fato a parte negativa dos mesmos.
Por isso, muitos migrantes, na esperança de encontrar melhores condições de vida,
acabam indo para a cidade e se frustrando justamente por se depararem com uma realidade
diferente da que geralmente é propagado pelo senso comum, além de sentirem a mesma
sensação de não pertencimentorelatada por Criolo. Nesse contexto, a denúncia feita pelo
rapper, assim como nos livros de Carolina Maria de Jesus e Lima Barreto, demonstra uma
perspectiva importante acerca da temática das cidades presente na Geografia, porque se trata
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do ponto de vista do periférico, do excluído e, sobretudo, daquele que vive cotidianamente em
um contexto em que o processo de urbanização ocorreu de forma desordenada.
Portanto, através dessa música, principalmente no que tange à metáfora sobre a cidade
de São Paulo, variados temas sobre o subúrbio e suas mazelas podem ser trabalhados nas salas
de aula, como o da fome, violência, carência de saneamento básico e o excesso na ingestão do
álcool, assim como em Quarto de Despejo e Clara dos Anjos.
Conclusão
O presente artigo buscou apresentar a importância da educação interdisciplinar para a
formação de um professor de Geografia e como a Literatura pode ser uma ferramenta essencial
para apresentar um exemplo prático e humanizado para o levantamento de questões de caráter
teórico da situação apresentada, bem como a forma como o uso de recursos mais lúdicos são
fundamentais na aprendizagem do educando tanto para licenciandos de Geografia quanto
para a construção de conhecimento nas salas de aula desses futuros professores
Além disso, através dos livros Quarto de Despejo: Diário de uma Favelada e Clara dos
Anjos, bem como do texto em versos que compõe a letra da música “Não Existe Amor em SP”,
do rapper Criolo, são dados exemplos de como a interdisciplinaridade entre a Geografia e a
Literatura pode ser utilizada no cotidiano das salas de aulas, já que diversos temas importantes
para o ensino da Geografia possuem uma emergência em sua discussão, principalmente em um
contexto de aprendizagem e troca de conhecimentos e experiências de forma horizontal em uma
sala de aula, podendo contribuir para o desenvolvimento de cidadãos mais conscientes sobre
estes problemas e engajados na luta por sua resolução. Estes incluem o modo como as cidades
foram construídas ao longo dos anos ao ponto de pré-definir o espaço de pertencimento de seus
moradores devido ao seu perfil social; a abordagem fenomenológica do conceito de paisagem,
principalmente atrelada a sensação de pertencimento ou não pertencimento dos sujeitos
constituintes desse espaço; as temáticas das migrações, da urbanização desordenada, das
mazelas sociais intensificadas pelo capitalismo e a centralização dos investimentos capitalistas
que não vão contemplar os mais vulneráveis, causando a desigualdade social, a precarização do
trabalho; além de abrir debates para o papel da mulher na sociedade atual e a violência sofrida
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por estas; a discussão sobre a problemática da fome, da falta de planejamento público no âmbito
urbano, entre outros desdobramentos que cada um desses temas pode trazer.
Salienta-se, também, o uso desses recursos para que os futuros docentes sejam mais
críticos e engajados na reflexão sobre os mais diversos problemas sociais e, sobretudo, que não
tenham uma formação pautada somente em teorias, mas também em um olhar holístico e
analítico para as questões ao seu entorno. Portanto, nota-se ao longo deste artigo a importância
da educação interdisciplinar no contexto contemporâneo e a sua contribuição positiva no âmbito
educacional brasileiro.
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