Ensaios de Geografia
Essays of Geography | POSGEO-UFF
AO CITAR ESTE TRABALHO, UTILIZAR A SEGUINTE REFERÊNCIA:
VARELA, Angélica Soares de Sousa; MOURA, Raile Mota de; SOUZA, André Henrique de; ALBUQUERQUE, Francisco Nataniel Batista
de. Deficiência Visual e Mobilização de Princípios Geográficos para a Leitura do Relevo em Maquetes Táteis: discussões para a formação
docente em Geografia. Ensaios de Geografia. Niterói, vol. 10, nº 23, e102309, 2024.
Submissão em: 16/02/2024. Aceito em: 30/05/2024.
ISSN: 2316-8544
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SEÇÃO ARTIGOS
Deficiência Visual e Mobilização de Princípios Geográficos para a Leitura do Relevo em
Maquetes Táteis:
discussões para a formação docente em Geografia
Visual Impairment and the Mobilization of Geographic Principles to Read the Relief in
Tactile Models:
discussions for teacher training in Geography
Discapacidad Visual y Movilización de los Principios Geográficos para la Lectura en
Relieve de Modelos Táctiles:
discusiones para la formación docente en Geografía
DOI: https://doi.org/ 10.22409/eg.v10i23.61994
Angélica Soares de Sousa Varela1
Instituto Federal do Ceará (IFCE), Ceará,
Brasil
e-mail:
varela.angelica10@aluno.ifce.edu.br
Raile Mota de Moura2
Instituto Federal do Ceará (IFCE), Ceará,
Brasil
e-mail: raile.mota62@aluno.ifce.edu.br
André Henrique de Souza3
Instituto Federal do Ceará (IFCE), Ceará,
Brasil
e-mail:
andre.henrique.souza04@aluno.ifce.edu.b
r
Francisco Nataniel Batista de
Albuquerque4
Instituto Federal do Ceará (IFCE)
Ceará, Brasil
e-mail: nataniel.albuquerque@ifce.edu.br
Resumo
Os estudantes com deficiência visual apresentam grandes dificuldades na compreensão de conceitos
geomorfológicos, pois utilizam a visão como principal sentido de percepção. Nesse contexto, o artigo discute o
processo de compreensão de conceitos básicos sobre o relevo a partir de maquetes táteis e da mobilização de
princípios geográficos, com uma contribuição para o processo de formação docente em Geografia. A pesquisa
qualitativa enquadra-se como estudo de caso no curso de Licenciatura em Geografia do Instituto Federal do Ceará
(IFCE) campus Iguatu, a partir da elaboração e validação de cartas e maquetes táteis. Os resultados evidenciam
que os conceitos de altura e forma (elevação e depressão) foram assimilados pela aluna, porém, os conceitos que
necessitam de noções matemáticas como altitude, equidistância entre as curvas de nível, transposição do 2D para
o 3D e associações de tamanho das feições com a escala não foram compreendidos, ressaltando a importância de
uma alfabetização cartográfica tátil no processo de formação dos estudantes com deficiência visual.
Palavras-chave
Ensino de Geografia; Princípio geográfico; Geomorfologia; Cartografia tátil.
1
Licencianda em Geografia pelo Instituto Federal do Ceará (IFCE) campus Iguatu.
2
Licencianda em Geografia pelo Instituto Federal do Ceará (IFCE) campus Iguatu.
3
Licenciando em Geografia pelo Instituto Federal do Ceará (IFCE) campus Iguatu.
4
Professor do Curso de Licenciatura em Geografia do Instituto Federal do Ceará (IFCE) campus Iguatu, do
Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Estadual Vale do Acaraú (PROPGEO-UVA) e do
mestrado profissional em Ensino de Geografia da Universidade Regional do Cariri (PROFGEO-URCA).
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de. Deficiência Visual e Mobilização de Princípios Geográficos para a Leitura do Relevo em Maquetes Táteis: discussões para a formação
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Abstract
Students with visual impairments have great difficulties in understanding geomorphological concepts, as they use
vision as their main sense of perception. In this context, the article discusses the process of understanding basic
concepts about relevance based on tactile models and the mobilization of geographic principles, with a contribution
to the process of teacher training in Geography. The qualitative research is framed as a case study in the Geography
Degree course at the Institute Federal of Ceará (IFCE) Iguatu campus, based on the preparation and validation of
maps and tactile models. The results show that the concepts of height and shape (elevation and depression) were
assimilated by the student, however, the concepts that discuss mathematical notions such as altitude, equidistance
between contour lines, transposition from 2D to 3D and feature size associations with the scale were not
understood, highlighting the importance of tactile cartographic literacy in the process of training students with
visual impairments.
Keywords
Geography teaching; Geographic principle; Geomorphology; Tactile cartography.
Resumen
Los estudiantes con discapacidad visual tienen grandes dificultades para comprender conceptos geomorfológicos,
ya que utilizan la visión como principal sentido de percepción. En este contexto, el artículo analiza el proceso de
comprensión de conceptos básicos sobre relevancia a partir de modelos táctiles y la movilización de principios
geográficos, con un aporte al proceso de formación docente en Geografía. La investigación cualitativa se enmarca
como un estudio de caso en la carrera de Licenciatura en Geografía del Instituto Federal de Ceará (IFCE), campus
Iguatu, a partir de la elaboración y validación de mapas y modelos táctiles. Los resultados muestran que los
conceptos de altura y forma (elevación y depresión) fueron asimilados por el estudiante, sin embargo, los conceptos
que abordan nociones matemáticas como altitud, equidistancia entre curvas de nivel, transposición de 2D a 3D y
asociaciones de tamaño de características con la escala no fueron comprendidos, destacando la importancia de la
alfabetización cartográfica táctil en el proceso de formación de estudiantes con discapacidad visual.
Palabras clave
Enseñanza de la Geografía; Principio geográfico; Geomorfología; Cartografía táctil.
Introdução
Inúmeros são os desafios da profissionalização docente em Geografia, na atualidade, a
exemplo da inclusão de alunos com necessidades especiais nas salas de aula regulares. Entre os
tipos de necessidades, estão os alunos com deficiência visual, que impõem novas demandas aos
currículos e ao processo de formação docente inicial e contínua. Em especial, aqueles relacionados
ao domínio dos fundamentos da Cartografia Tátil (Vasconcellos, 1993; Nascimento, 2009;
Chaves; Nogueira, 2011; Almeida; Sena; Carmo, 2018; Sena; Carmo, 2023).
Na sala de aula, novas práticas de ensino na Licenciatura em Geografia são demandadas,
mais especificamente, na disciplina de Geomorfologia, campo empírico de análise da presente
pesquisa. Tais práticas dizem respeito tanto a ajustes na adoção de métodos que aliam teoria e
prática, como também, práticas de ensino que possibilitem o aprendizado de forma significativa,
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o que, na Geomorfologia, pode ocorrer por meio da adoção de modelos didáticos concretos
tridimensionais, a fim de tornar palpáveis as formas assumidas pela superfície terrestre
(Albuquerque, 2023), recurso essencial para a inclusão de estudantes com deficiência visual.
A Geomorfologia é um campo científico na interface entre a Geologia e a Geografia, que
tem como objeto de estudo as formas e os processos de formação do relevo (Marques, 1994).
Christofoletti (1980) define que as formas representam a expressão espacial de uma superfície,
compondo as diferentes configurações da paisagem, é o seu aspecto visível, enquanto os processos
dizem respeito à sequência de ações regulares e contínuas que se desenvolvem de maneira
relativamente bem especificada e levando a um resultado determinado. Assim, a Geomorfologia
torna-se um conhecimento empírico e visual, sendo que, para compreender as diferentes feições
assumidas pela superfície terrestre, faz-se necessário grande capacidade de abstração dos conceitos
que são abordados (Vitte, 2011).
Nesse sentido, a formulação do conhecimento da Geomorfologia perpassa pela
construção dos conceitos, sendo indispensáveis para compreensão dos fenômenos e apreensão dos
seus significados. Em vista disso, Cavalcanti (1998, p. 139) indica que a formulação de conceitos
“é uma habilidade fundamental para a vida cotidiana, uma vez que possibilita à pessoa organizar
a realidade, estabelecer classes de objetos e trocar experiências com o outro”.
Em pesquisa realizada com estudantes da disciplina de Geografia, Souza (2009), destaca
que a percepção é de que se trata de uma disciplina interessante, mas difícil, com destaque para as
dificuldades de compreensão e elaboração de conceitos, de habilidade, de representação e de
visualização espacial, além de obstáculos epistemológicos na concepção do relevo como elemento,
comprometendo a explicação do relevo pela dinâmica dos processos, sejam geológicos, sejam
geomorfológicos, na escala espacial local e regional.
Nesse contexto, o ensino de Geomorfologia, do ponto de vista teórico-metodológico, traz
em seu bojo o desafio de articulação entre uma abordagem ancorada nas Geociências (Sales, 2004),
mas também, pela perspectiva da abordagem de uma Geomorfologia Geográfica (Vitte, 2011),
tornando-a socialmente significativa na Geografia Escolar (Ascensão; Valadão, 2017), num
exercício de complementaridade e não de ruptura, reconhecendo pluralismos metodológicos em
detrimento de forçadas extrapolações epistêmico-metodológicas.
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Do ponto de vista educacional, recursos e prática de ensino como as aulas de campo e o
uso de maquetes de relevo, enquanto modelos didáticos concretos tridimensionais estáticos
(Albuquerque, 2023), materializam e possibilitam ao aluno vidente e com deficiência visual a
apreensão dos conceitos e associação/aplicação do fenômeno representado.
Entrelaçado a isso e, em uma complexa relação, têm-se os princípios geográficos como
elementos estruturantes para a compreensão dos conceitos e o desenvolvimento do pensamento
espacial, objetivando a construção do raciocínio geográfico. O qual reflete, de acordo com Richter,
Marin e Decanini (2010, p. 167), na capacidade intelectual do indivíduo, para interpretar os
elementos e os fenômenos que compõem e que interferem na produção do mundo, a partir da ótica
espacial, contribuindo assim, para a compreensão dos fenômenos que acontecem no espaço.
Os princípios geográficos, conforme Andreis e Callai (2019), constituem-se como uma
forma de acercar-se dos temas, identificando sua natureza e dimensão, aprofundando-se nela,
compreendendo seu valor formativo e sua função na ciência e na sociedade. Os princípios
compõem-se, dessa forma, elementos estruturantes para a compreensão da Geomorfologia, na
interpretação da relação homem-meio e, consequentemente, na construção do raciocínio
geográfico.
O que se observa, contudo, é que os estudantes com deficiência visual
5
, sobretudo,
aqueles de cursos de formação de professores como a Licenciatura em Geografia, possuem grandes
dificuldades na compreensão e aplicação dos conceitos geomorfológicos. Observa-se esse cenário,
principalmente quando se trata da mobilização dos princípios geográficos para a compreensão do
conteúdo, em razão da Geomorfologia se tratar de um campo do conhecimento geográfico que, na
maioria das vezes, está dissociada da realidade do aluno e, portanto, a compreensão do espaço, das
formas e processos do relevo depende da abstração e da percepção do relevo, através da visão.
As dificuldades decorrem também da falta de infraestrutura e materiais, além da formação
docente inicial e continuada que não contempla elementos teóricos, conceituais e práticos da
5
O emprego da terminologia pessoa com deficiência visual é instituída na Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com
Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência) (Brasil, 2015), buscando superar a concepção capacitista da
construção histórico-social da pessoa com deficiência, como bem coloca Mantoan (2017), que estas terminologias
como “Pessoa deficiente”, “Portadora de deficiência” e todas as formas de retratar algumas pessoas, de identificá-las
a um modelo pronto, fixo, compreensível e aceito pela maioria, sendo essas ideias ultrapassadas e que precisam ser
superadas.
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inclusão de alunos com deficiência visual. E, neste caso, conhecimentos básicos da Cartografia
Tátil, sendo desta forma, inerente aos professores de Geografia a existência de cursos de formação
continuada em Cartografia Tátil, pois estes permitiram “a difusão de técnicas de construção de
materiais didáticos táteis e orientações para sua utilização, apresentando outras formas de trabalhar
conteúdos de Cartografia em sala de aula” (Almeida; Sena; Carmo, 2018, p. 241).
De acordo com Tibola e Francischett (2017, p. 158), “dentre os sentidos que permitem a
sondagem espacial, o visual é o que mais favorece a compreensão e a interação com o espaço
geográfico, pois permite observar e identificar os lugares e formar conceitos sobre eles”. Assim,
sendo a Geomorfologia um conhecimento experiencial e baseado em imagens, a formulação de
conceitos e a mobilização de princípios geográficos, por parte de alunos com deficiência visual,
possui grandes dificuldades.
Nesse contexto, as maquetes de relevo configuram-se como importantes recursos
didáticos da Geomorfologia por possibilitar que os conceitos aprendidos na teoria sejam aplicados
na prática, por meio da concretude do material, possibilitando ao aluno com deficiência visual sair
do campo da abstração em algumas temáticas para compreendê-las em sua tangibilidade. Para tal,
os modelos didáticos concretos tridimensionais (MDC3D) são recursos capazes de minimizar a
abstração e complexidade de alguns temas, facilitando a abordagem de conteúdos abstratos e a
representação de forma ampliada, fenômenos na escala microscópica ou o inverso (Albuquerque,
2023).
Diante disso, a representação tridimensional possibilita aos discentes com deficiência
visual a formulação do raciocínio geográfico e a compreensão dos conceitos, contudo, a produção
de maquetes táteis deve ser acessível a fim de possibilitar que se compreenda o fenômeno sem
evadir o conceito abordado. A adequação dos recursos, portanto, precisa ser realizada de forma
que possibilite ao aluno com deficiência visual a associação entre teoria e prática, bem como, deve
abordar os conteúdos geomorfológicos de forma clara e objetiva. Isso porque a complexificação
das formas dificulta a percepção do fenômeno representado na maquete.
Diante do exposto, o presente trabalho objetiva discutir o processo de construção de
conceitos geomorfológicos básicos junto a uma aluna com deficiência visual da Licenciatura em
Geografia, a partir de maquetes de relevo de modelos acessíveis à leitura tátil por meio de um
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estudo de caso do Instituto Federal do Ceará (IFCE) campus Iguatu, de modo a contribuir com a
formação inicial e continuada de professores de Geografia.
Metodologia
A presente pesquisa classifica-se como uma abordagem qualitativa, de natureza aplicada
e com objetivo descritivo e explicativo, a partir de um estudo de caso junto a uma aluna com
deficiência visual do curso de Licenciatura em Geografia, que se utiliza de materiais como
maquetes de relevo e carta topográfica tátil, os quais foram pensados e construídos pela equipe,
visando a acessibilidade dos recursos didáticos. Assim, busca-se elucidar a compreensão e a
aplicação dos conceitos geomorfológicos para que seja possível tanto a formação significativa por
parte da discente, como a apropriação do conhecimento, através da correlação entre teoria e prática,
associação e aplicação dos conceitos, quanto à replicação dos modelos didáticos concretos por
outras instituições, a fim de facilitar o processo de formação docente.
Do ponto de vista procedimental, a pesquisa estrutura-se em três etapas: sistematização
dos princípios geográficos, formulação de conceitos geomorfológicos, elaboração das maquetes e
validação com a aluna com deficiência visual.
Primeira etapa fase de sistematização de conceitos e princípios
Consiste na formulação de conceitos geomorfológicos básicos que introduzirão noções
estruturantes das formas do relevo, aliado à sistematização dos princípios geográficos, os quais
possibilitam a compreensão de informação e dos conceitos, com o objetivo de desenvolvimento
da capacidade mobilização e aplicação de tais habilidades para a compreensão da ciência
geomorfológica. Os princípios geográficos sistematizados foram analogia, conexão, diferenciação
e extensão (Brasil, 2017), objetivando a interpretação dos conceitos geomorfológicos.
os conceitos geomorfológicos explorados nas maquetes, considerando que este é o
primeiro contato da estudante com deficiência visual com as maquetes modelo, bem como são
conceitos introdutórios da geomorfologia, sendo eles: definição de Geomorfologia; relação entre
altura e altitude; declividade e formas elevadas e depressionais básicas.
Segunda etapa fase de elaboração dos recursos táteis
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A segunda etapa corresponde à confecção das maquetes de relevo, precedida pela
elaboração manual e reprodução de cartas topográficas modelo, a qual permitiu a suavização das
formas. Em concordância com as ideias de Vasconcelos (2012), a suavização atua diretamente na
geometria das feições lineares, tornando-as visualmente mais agradáveis ao se reduzir os ângulos
agudos. Assim, as feições representadas nas maquetes otimizam a leitura tátil, ao admitir ângulos
mais abertos para possibilitar que toda a superfície seja tateada, havendo a percepção da forma e,
consequentemente, o entendimento do fenômeno representado.
As maquetes e a carta topográfica tátil foram confeccionadas de forma acessível a
estudantes com deficiência visual, obedecendo aos critérios de Cerqueira e Ferreira (1996) e
Travassos e Arêda (2021), sendo considerados aspectos como: tamanho, significação tátil,
aceitação, fidelidade, facilidade de manuseio, resistência e segurança, com exceção do critério de
estimulação visual que se aplica a pessoas com baixa visão, não se enquadrando, portanto, no
presente estudo de caso.
Além disso, foram sistematizados os princípios geográficos da analogia, extensão, para
compreensão dos elementos representados nas maquetes, tendo uma interface entre princípio
geográfico e conceito geomorfológico para construção do pensamento/raciocínio geográfico. Os
princípios geográficos corroboram ainda para a formação de habilidades que possibilitam a leitura
e interpretação do espaço, na Geomorfologia. Essas habilidades compreendem em conformidade
com o que é proposto por Souza e Valadão (2015): (a) identificar formas de relevo no campo e nas
diferentes linguagens; (b) correlacionar processos geomorfológicos/formas/escalas espacial e
temporal; (c) analisar formas segundo um arcabouço teórico; (d) interpretar o relevo à luz da visão
integrada, sistêmica e dinâmica, independentemente das escalas espacial e temporal, (e)
representar o fenômeno geomorfológico considerado.
Para a representação dos conceitos geomorfológicos, foram elaboradas duas cartas
topográficas táteis, as quais retratam noções das curvas de níveis, com o aumento e diminuição
dos valores altimétricos. Vale ressaltar que a representação em 3D foi gerada a partir de cartas
táteis acessíveis elaboradas pela equipe, pois as cartas oficiais possuem muitos detalhes, o que
dificulta a interpretação e a construção dos conceitos básicos pelos alunos com deficiência visual.
Do ponto de vista tátil, em linhas gerais, as maquetes foram elaboradas, considerando os
critérios de Cerqueira e Ferreira (1996) e Travassos e Arêda (2021):
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Tamanho A3, por ser considerado um tamanho adequado às condições dos alunos. Os
materiais pequenos não ressaltam detalhes, assim como o exagero no tamanho pode
prejudicar a apreensão da totalidade. A escolha pelo A3 foi levada em consideração que,
com esse tamanho, a pessoa com deficiência visual poderá realizar uma melhor leitura,
percebendo em sua totalidade a feição representada, uma vez que, com as duas mãos
abertas poderá abarcar quase a totalidade da maquete.
Material papelão, por possuir facilidade no manuseio. O material é simples e proporciona
ao aluno utilização prática; o papelão é resistente, assim não danifica com facilidade,
considerando o frequente manuseio pelos alunos; é seguro ao ser utilizado.
Escala genérica, porém, resguardando as proporções, foram alteradas tanto verticalmente
como na horizontal, para permitir a generalização do fenômeno representado.
Exagero vertical das feições, esse procedimento permitiu considerar com maior
propriedade, em modelos de pequenas dimensões finais, a expressividade das diferenças
altimétricas representadas em cada caso e, comparativamente.
Curvas de nível - altitude associada ao uso de barbantes, na representação do mapa tátil.
Os degraus do papelão foram preservados para facilitar a leitura tátil, essa manutenção
aconteceu por considerar que os degraus deixam mais evidentes, e contribui para a melhor
percepção da diferenciação entre as curvas de vel, possibilitando a comparação entre
altura e altitude.
Partindo desses princípios, para a compreensão do processo de transposição de 2D para
3D, foram elaboradas cartas de mesma base cartográfica, pois considera-se que para a
compreensão do fenômeno, em sua plenitude, é necessário o domínio da linguagem cartográfica.
Assim, a carta topográfica representa a mesma área, mas com a inversão da ordem das cotas,
posteriormente, as cartas foram utilizadas para a elaboração das maquetes de elevação e depressão.
Para o entendimento dos conceitos mais específicos da geomorfologia, ou seja, a altitude
e altura, assim como a extensão e a comparação entre as formas, as maquetes de elevação e
depressão foram elaboradas com a mesma base cartográfica, de forma espelhada, para facilitar que
seja feita a comparação.
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Terceira etapa fase de validação pela estudante
A terceira etapa, por sua vez, consiste na realização da validação dos recursos, para
compreender se estão de acordo com os critérios adotados, bem como suas potencialidades,
necessidades de suavização das formas do relevo e acessibilização dos recursos didáticos. De
início, foi feita a validação com um servidor do IFCE, campus Iguatu, técnico em assuntos
educacionais, coordenador do NAPNE (Núcleo de Apoio a Pessoas com Necessidades Especiais).
O servidor perdeu a visão total aos 17 anos, após ter concluído o ensino médio, guardando,
portanto, uma excelente memória visual, assim como possui excelente leitura tátil. Dessa forma,
possibilitou à equipe realizar ajustes necessários nas maquetes e na carta topográfica para facilitar
e otimizar a leitura tátil.
Em um segundo momento, foi realizada uma entrevista e validação por uma aluna com
deficiência visual, do Curso de Licenciatura em Geografia, do Instituto Federal do Ceará (IFCE)
campus Iguatu, matriculada na disciplina de Geomorfologia, no segundo semestre de 2022, com
comprometimento total da visão. A discente nasceu com baixa visão, todavia, aos 16 anos perdeu
totalmente a visão, acarretando, portanto, o pouco acúmulo de memória visual. Soma-se a isso o
fato de ela ter se alfabetizado tardiamente, fato este que dificultou o desenvolvimento da leitura
tátil.
Na análise das maquetes com a aluna, com deficiência visual, buscou-se utilizar os
princípios geográficos da analogia, conexão, extensão, diferenciação, para que assim, a discente
com deficiência visual realize a identificação das semelhanças e diferenças entre os fenômenos,
compreenda a interação entre eles e a sua variação pela superfície.
Resultados
Análise da maquete pela estudante com deficiência visual
Após a finalização dos modelos didáticos concretos tridimensionais, a entrevista realizada
com a estudante com deficiência visual revelou que a mesma possui dificuldades com relação à
compreensão de alguns conceitos da Geomorfologia, assim como a ausência de resquícios de
memória visual, além do fato de ter passado por um processo de alfabetização tátil e em Braille
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tardiamente dificultando tanto a abstração das formas do relevo, como também a própria leitura
das informações presentes nas maquetes.
A compreensão da carta topográfica e maquetes perpassa pelo entendimento dos
fenômenos geomorfológicos, mas também e, principalmente, diz respeito a elementos que
antecedem a leitura tátil, tais quais a alfabetização cartográfica que, quando realizada tardiamente,
influenciará o entendimento de princípios básicos da cartografia tátil, da leitura em Braille e a
compreensão básica da matemática, para entender a relação entre as diferentes altitudes nas
maquetes e até mesmo a forma de realizar a leitura da maquete.
No primeiro momento, a estudante entrou em contato com as maquetes para avaliar o
tamanho, o material e a resistência, sendo que, para a leitura tátil é imprescindível que os recursos
(Figura 1) possuam tais atributos, pois além de ser regularmente utilizado, tanto pela aluna com
deficiência visual quanto por outros estudantes, também precisa ter o tamanho adequado para não
dificultar a leitura tátil.
Na análise, a aluna indicou que esses aspectos estão bons, e ressaltou acerca do tamanho
A3 está adequado, porque possibilita fazer a exploração e análise da maquete com as duas mãos,
sem perder o ponto de referência, em geral, marcado com a mão esquerda sendo mantida fixa.
Figura 1 Recursos didáticos táteis 2D e 3D: carta topográfica tátil com régua móvel de valores
das cotas altimétricas (a) e maquetes representando áreas com elevação e depressão, com formas
espelhadas da carta tátil. (b)
Fonte: Autores (2024).
b
a
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Deficiência Visual e Mobilização de Princípios Geográficos para a Leitura do Relevo em Maquetes Táteis: discussões para a formação docente em
Geografia. Ensaios de Geografia. Niterói, vol. 10, nº 23, e102309, 2024.
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[Audiodescrição da imagem A (lado esquerdo): fotografia vertical e colorida de uma carta tátil de papelão em cor
marrom claro de 42 cm de comprimento e 30 cm de largura. O mapa possui oito círculos concêntricos representados
por barbante branco com réguas móveis que possuem placas azuis em Braille representando os valores das diferentes
cotas altimétricas da carta. [Audiodescrição da imagem B (lado direito): fotografia horizontal e colorida de duas
maquetes táteis de papelão em cor marrom claro de 42 cm de comprimento e 30 cm de largura cada uma e nove
camadas ou curvas de nível de aproximadamente um centímetro de altura. A maquete da esquerda representa uma
área depressional, sendo que as bordas possuem camadas mais altas, enquanto as camadas mais internas, são mais
baixas. A maquete da direita, por sua vez, representa uma área elevada, sendo que nas bordas as camadas são mais
baixas, diferente das centrais que são mais elevadas, sendo, portanto, maquetes com feições opostas. Além disso, todas
as camadas ou curvas de nível possuem placas azuis com os valores em Braille.]
De acordo com Venturini, Silva e Rocha (2016), a pessoa cega realiza a exploração do
mapa com os dedos das duas mãos e faz a leitura das informações pelo mesmo processo. Contudo,
ao realizar a validação com estudante com deficiência visual, observou-se que não uma linha
de leitura, ou seja, não segue uma sequência. Dessa forma, para maximizar a compressão, foi
proposto pela equipe que a discente parta do geral para o específico, realizando a exploração inicial
com a mão aberta para compreender o volume da maquete e, depois busque os pontos mais
específicos, como a forma, a menor e maior altitude e percepção das semelhanças e diferenças
entre as maquetes.
A partir disso, foi realizada a exploração inicial (Figura 2), por se tratar de uma maquete
e, portanto, possuir volume. Foi proposto pelo grupo, que seja realizada com a palma da mão aberta
por permitir uma compreensão mais geral, sem prender-se muito aos detalhes e possibilitando
reconhecer toda extensão da maquete, na primeira análise. Em um segundo momento, é importante
a leitura, utilizando os dedos, o que proporciona a percepção dos menores detalhes representados,
sendo possível comparar as informações percebidas do geral para as mais específicas.
Destaca-se ainda, na exploração inicial, a utilização do princípio geográfico de extensão,
para compreender a dimensão, tamanho das maquetes e as formas. Observou-se que a percepção
das formas é associada à extensão, ou seja, de acordo com o tamanho e não com o que a forma do
relevo representa, por exemplo, o topo da elevação, foi relacionado ao tamanho pequeno. Essa
associação indica que para a pessoa com deficiência visual, a extensão do fenômeno,
principalmente representado em modelos concretos, está intimamente relacionado ao seu tamanho
das representações nas maquetes, fato esse constatado tanto pela validação com a aluna (foco nesse
estudo de caso) quanto pela análise realizada com servidor.
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Seguido a isto, teve início a fase de introdução dos conceitos geomorfológicos,
começando por questões mais elementares como a definição do objeto de estudo desse campo do
conhecimento e, em seguida, adentrou-se nos conceitos mais específicos, iniciando pela altura
definida por Guerra e Guerra (2015), como a distância vertical que pode ser dada em referência a
qualquer outro lugar, isto é, um outro ponto. A aluna associou a altura a elementos do dia a dia,
como um bolo, sendo que quanto mais camadas o bolo possui mais alto será. Assim, ficou evidente
que a aluna se utilizou da analogia para comparar o fenômeno com outros elementos, para assim
identificar semelhanças ou distinções entre o que está sendo representado.
Figura 2 Exploração das maquetes de relevo pela aluna com deficiência visual: modelo 3D de
depressão (a) e respectiva carta tátil representando as curvas de nível do modelo 3D (b).
Fonte: Autores (2024).
[Audiodescrição da imagem A (lado esquerdo): fotografia vertical e colorida de uma mulher jovem com deficiência
visual, com pele parda e cabelo preto e longo, usando uma blusa azul, uma saia preta com flores vermelhas e verdes,
e uma sandália bege. E, ao lado, um homem jovem, de pele negra e cabelo curto. Ambos estão sentados junto à mesa
pequena de cor bege, porém de lados opostos. Ao fundo, está uma outra mesa, do mesmo tamanho e cor, com um
computador de mesa preto e um capacete branco de moto. Sobre a mesa principal, estão maquetes e cartas táteis, de
42 centímetros de comprimento por 30 de largura, empilhadas no canto da mesa. E ao centro, a mulher jovem está
manuseando uma maquete de relevo depressional e o homem está ao lado observando. Audiodescrição da imagem B
(lado direito): fotografia vertical e colorida de um homem de meia idade, com pele branca, cabelo preto e curto, barba,
e usando uma blusa preta. E uma mulher jovem com deficiência visual, com pele parda e cabelo preto e longo, usando
uma blusa da mesma cor. Ambos estão sentados, junto a uma mesa de reunião, grande e cinza. E ao fundo, estão um
armário azul de duas portas, a ponta de uma mesa azul e uma porta branca em uma sala com as paredes azuis. Sobre
a
b
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a mesa, estão duas maquetes e uma carta tátil de papelão, de 42 centímetros de comprimento por 30 de largura, além
de um pequeno caderno de anotações. A mulher jovem está manuseando a carta tátil com as duas mãos e o homem
está ao lado observando.]
Já a altitude, definida por Guerra e Guerra (2015) pela distância vertical de um ponto da
superfície da terra, em relação ao nível zero ou vel do oceano, foi representada na maquete por
meio de placas em Braille. Tentou-se inserir as placas o mais retilíneas possível para que a discente
com deficiência visual compreendesse a ideia de continuidade na altimetria do relevo. Mas não
conseguimos avançar devido a aluna possuir dificuldades em compreender alguns princípios
simples da matemática, os quais são importantes para a apreensão da altitude.
A utilização do Braille nas maquetes, de acordo com a aluna, ajudou porque são pontos
de referência, contudo, observou-se também certa dificuldade para compreender a equidistância
entre as camadas, em razão de ela ter dificuldades matemáticas, fato esse que pode estar associado
a alfabetização cartográfica tardia e à própria alfabetização escolar deficitária. Vasconcellos
(1993) indica que um programa de introdução à linguagem gráfica para os alunos da pré-escola e
séries iniciais é fundamental para ampliar a percepção e construção do espaço pela criança, para
facilitar o entendimento de conceitos como proporção, escala, distância, localização, direção e
orientação. No entanto, a ausência deste amparo inicial acarreta uma série de dificuldades, que vão
desde a conhecimentos matemáticos básicos à leitura espacial. E, no que tange à pessoa com
deficiência visual, essa lacuna formativa reverbera na potencialização das dificuldades, refletindo
nas barreiras para a apreensão e utilização dos princípios e habilidades da Geografia para o
entendimento da Geomorfologia.
No que diz respeito às maquetes de elevação e depressão, foi realizada a proposição de
explorar, por meio da leitura tátil, esses tipos de relevo, como também, evidenciar, por meio dos
princípios geográficos, os conceitos básicos da Geomorfologia. Contudo, nesse primeiro
momento, não conseguimos avançar devido à dificuldade que a aluna possui na leitura em Braille
e na compreensão da cartografia tátil.
Nessa linha de raciocínio, observou-se que a discente não conseguiu compreender a
relação entre os dois modelos das maquetes, mesmo sendo espelhadas. Notou-se a utilização da
analogia em elementos das maquetes. Mas quando foi perguntado se ela conseguia fazer relação
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entre as duas maquetes, a aluna não conseguiu perceber as semelhanças e as diferenças entre os
modelos.
A carta topográfica foi apresentada somente após o reconhecimento das maquetes de
elevação e depressão. Admite-se que, mesmo se tratando da mesma área, o conhecimento
topográfico para essa exploração inicial é complexo, por ser necessário maior abstração das formas
para ser realizada a analogia entre os fenômenos retratados. Verificou-se, com a validação, que a
aluna não conseguiu estabelecer relação entre o mapa e as maquetes, fato que pode estar
relacionado à complexidade, tanto das formas por trazer muitas curvas de nível quanto por poder
estar relacionado à dificuldade de abstração e falhas na própria leitura tátil da estudante com
deficiência visual, sendo isto reflexos da alfabetização cartográfica tardia da mesma.
Ao final, a aluna conseguiu compreender a diferença entre elevação-depressão e a altura,
assim como foi possível perceber a utilização de princípios geográficos, principalmente extensão
e analogia. Contudo, alguns conceitos e princípios centrais que foram sistematizados pela equipe
não avançaram, devido a questões que antecedem a leitura tátil das maquetes, como a alfabetização
cartográfica e tátil devido a entraves ligados à matemática.
Outrossim, destaca-se a necessidade da criação de uma metodologia para a leitura das
maquetes, levando em consideração que, por se tratar de um primeiro contato da aluna, é
importante a criação de um método de análise para chegar ao resultado, ou seja, a apreensão das
formas e processos representados nas maquetes, mas também, contribui para o processo de
independência na leitura tátil da aluna, tendo em vista a sua alfabetização cartográfica tardia.
Destaca-se ainda o papel da formação continuada, a qual conforme Lima, Teixeira e
Souza (2014), o professor pode encontrar os caminhos para uma nova metodologia no ensino, sua
atualização perante as novas diretrizes do mundo globalizado e a busca pela incrementação do
currículo profissional. Possibilitando, nesse sentido, o aperfeiçoamento das práticas docentes e
uma maior preparação frente às atuais especificidades da escola, do currículo e dos discentes.
Além disso, tem-se na elaboração de recursos didáticos táteis, em especial nos MDC3Ds,
bem como no desenvolvimento de metodologias e práticas de ensino em Geomorfologia, aspectos
importantes para a formação inicial de docentes que possam superar, nas palavras de Chaves e
Nogueira (2011), os fatores pessoais, político-sociais, técnicos e pedagógicos, e inclusive
epistemológicos da inclusão de alunos com deficiência visual.
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Considerações finais
Considerando em se tratar de um primeiro contato com as maquetes modelos, constatam-
se avanços com relação aos aspectos construtivos das maquetes. No entanto, com relação à análise
por parte da aluna, notou-se que, por meio da mobilização dos princípios geográficos, foi possível
a compreensão apenas de noções relacionadas à forma, altura e extensão da maquete.
Observou-se que os princípios geográficos contribuem no entendimento da
Geomorfologia, mas recebem influência de fatores que antecedem a leitura tátil, como a
alfabetização cartográfica tátil. A ausência de resquícios de memória visual e o processo de
alfabetização cartográfica e tátil tardios dificultam a compreensão dos conceitos básicos da
Geomorfologia, assim como das feições representadas pelas maquetes por parte da estudante.
Assim, mesmo com a mobilização dos princípios geográficos, constatamos dificuldades em
compreender a extensão e realizar comparações entre diferentes representações dos fenômenos.
Quanto aos conceitos geomorfológicos representados, o fato de a discente ter
compreendido somente a altura e a diferença entre elevação e depressão, indica que a compressão
por meio da leitura tátil é um processo lento e contínuo, o qual demanda a elaboração de recursos
para alfabetização cartográfica, e varia de pessoa para pessoa. Verificou-se ainda que a utilização
dos princípios geográficos é importante, pois possibilita a compreensão do modo como os
elementos se articulam, interagem e influenciam formando o espaço geográfico, facilitando a
articulação de conceitos da Geografia.
Destaca-se que mesmo por se tratar de recursos que ainda estão em processo de ajustes e
validação pela estudante, houve avanços em alguns parâmetros, principalmente construtivos.
Contudo, esse contato inicial deixou evidente que algumas dificuldades a serem superadas,
devido a aluna não conseguir fazer a transposição do recurso 2D para 3D, assim como não
estabelece relação entre as feições representadas nas maquetes.
Todos esses indicadores, associados à dificuldade de leitura do Braille, representam um
quadro de significativos desafios, tendo em vista que evidenciam o processo educativo precário e
falho, mas também representa um obstáculo para a aluna, uma vez que há questões elementares, a
exemplo com a matemática, que devemos superar juntamente com a aluna.
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Conclui-se, portanto, que se faz necessário manter o processo de construção de recursos
didáticos acessíveis e precisam ser realizados ajustes de forma contínua, visando maximizar e
potencializar o entendimento das formas do relevo e o aprimoramento da leitura tátil. Assim como,
é fundamental a produção de recursos mais simplificados, com formas menos detalhadas (por se
tratar do primeiro contato da aluna), sendo ainda indispensável um processo constante de testagens
e validações, assegurado pela criação de uma metodologia, com material escrito, para estudos
prévios pela discente com deficiência visual.
A utilização desses recursos pela discente precisa ser recorrente para que ela crie o
hábito da leitura tátil, em maquete do relevo e cartas topográficas e, do ponto de vista mais
abrangente, possibilitando que este processo seja aprimorado gradualmente, e passe a compor os
recursos e as práticas docentes na formação dos futuros professores de Geografia.
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