Ensaios de Geografia
Essays of Geography | POSGEO-UFF
AO CITAR ESTE TRABALHO, UTILIZAR A SEGUINTE REFERÊNCIA:
LUISI, Ricardo Gabriel; FIRMINO, Larissa Corrêa. A Potência das Imagens para uma Educação Geográfica Antirracista: um fazer pedagógico
sobre o continente Africano. Ensaios de Geografia. Niterói, vol. 10, nº 23, e102312, 2024.
Submissão em: 17/02/2024. Aceito em: 01/06/2024.
ISSN: 2316-8544
Este trabalho está licenciado com uma licença Creative Commons 1
SEÇÃO ARTIGOS
A Potência das Imagens para uma Educação Geográfica Antirracista:
um fazer pedagógico sobre o continente Africano
The Power of Images for Anti-Racist Geographical Education:
a pedagogical approach to the African continent
La Potencia de las Imágenes para una Educación Geográfica Antirracista:
un enfoque pedagógico sobre el continente Africano
DOI: https://doi.org/10.22409/eg.v10i23.62008
Ricardo Gabriel Luisi1
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS),
Rio Grande do Sul, Brasil
e-mail: ricardo.07.luisi@gmail.com
Larissa Corrêa Firmino2
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS),
Rio Grande do Sul, Brasil
e-mail: larissa.firmino@ufrgs.br
Resumo
O presente artigo propõe reflexões sobre como as práticas de ensino de Geografia desenvolvidas no contexto do
Programa de Residência Pedagógica da UFRGS - Subprojeto Geografia (Porto Alegre) no Colégio Estadual Paula
Soares, podem colaborar com uma educação antirracista. As atividades desenvolvidas pelos residentes, professora
preceptora e professora coordenadora utilizaram imagens juntamente com o conceito de Espaço Ausente (Costella,
2018) para entender e desconstruir os estereótipos vinculados pelos estudantes ao espaço geográfico africano.
Elaborar essas práticas de ensino no contexto de um programa de formação inicial partindo da realidade da escola
suscitou reflexões sobre os fazeres docentes, os tipos e as finalidades das práticas de ensino em Geografia. Ao
final do trabalho observamos a potência do ensino de Geografia e das imagens sobre a constituição dos imaginários
geográficos dos estudantes sobre lugares e pessoas, bem como compreendemos a potência dos elementos
elencados para realização das atividades propostas sobre a produção dos imaginários.
Palavras-chave
Ensino de Geografia; Programa Residência Pedagógica; Imagens; Espaço Ausente; Educação antirracista.
1
Graduando do Curso de Geografia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS, e Residente do
Subprojeto Geografia do Programa Residência Pedagógica da UFRGS.
2
Doutora em Geografia pela Universidade Federal de Santa Catarina UFSC, Professora Adjunta da Faculdade
de Educação, atuando no curso de Graduação em Geografia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul
UFRGS e Pesquisadora permanente do Núcleo de Estudos em Educação e Geografia - NEEGeo/UFRGS.
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sobre o continente Africano. Ensaios de Geografia. Niterói, vol. 10, nº 23, e102312, 2024.
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Abstract
This paper proposes reflections on how Geography teaching practices developed within the context of the
Pedagogical Residency Program (UFRGS) at Paula Soares State School can contribute to an anti-racist education.
The activities carried out by the residents, the supervising teacher, and the coordinating teacher utilized images
along with the concept of Absent Space as proposed by Costella (2018) to understand and deconstruct the
stereotypes associated by students with the African geographical space. Planning these teaching practices within
the framework of an initial training program based on the schools reality prompted reflections on teaching
practices, the types, and purposes of Geography teaching. At the end of the study, we observed the power of
Geography teaching and images in shaping students geographical imaginaries about places and people.
Additionally, we recognized the potential of the elements listed for carrying out the proposed activities in
influencing the production of these imaginaries.
Keywords
Geography teaching; Pedagogical Residency Program; Imagery; Absent Space; Anti-racist education.
Resumen
Este artículo propone reflexiones sobre cómo las prácticas de enseñanza de Geografía desarrolladas en el contexto
del Programa de Residencia Pedagógica (UFRGS) en la Escuela Estatal Paula Soares pueden contribuir a una
educación antirracista. Las actividades llevadas a cabo por los residentes, la profesora supervisora y la profesora
coordinadora utilizaron imágenes junto con el concepto de Espacio Ausente según Costella (2018) para
comprender y deconstruir los estereotipos asociados por los estudiantes al espacio geográfico africano. Elaborar
estas prácticas en el contexto de un programa de formación inicial basado en la realidad de la escuela suscitó
reflexiones sobre las prácticas docentes, los tipos y propósitos de la enseñanza de la Geografía. Al final del estudio,
observamos el poder de la enseñanza de Geografía y de las imágenes en la formación de los imaginarios
geográficos de los estudiantes sobre lugares y personas, así como comprendimos la potencia de los elementos
enumerados para llevar a cabo las actividades propuestas en la producción de estos imaginarios.
Palabras clave
Enseñanza de Geografía; Programa de Residencia Pedagógica; Imágenes; Espacio Ausente; Educación
antirracista.
O que nos diz a escola?
A escola é um lugar e um tempo em que os seres humanos podem sair das ocupações
que lhes foram dadas (pela sua condição, pela sua posição, por seu nascimento) e
podem imaginar a possibilidade de ser qualquer coisa (Larrosa, 2019, p. 234).
Assim como nos diz Larrosa (2019) na epígrafe do presente artigo e em outras palavras
é sugerido pelo grupo Racionais Mcs (1997) “cada lugar um lugar, cada lugar uma lei, cada lei
uma razão”. Cada escola é uma e com seu universo a parte possui problemas específicos do
lugar onde está. Este texto abordará uma problemática vivida em uma escola em específico,
mas que certamente é compartilhada por tantas outras - a questão do racismo e dos estereótipos
geográficos e raciais. Também neste texto, discutiremos sobre imaginação, ou melhor, sobre os
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imaginários que são produzidos a partir da escola e do ensino de Geografia fazendo uso de
imagens fotográficas.
A escola em questão, de onde este trabalho se produz, situa-se no Centro Histórico de
Porto Alegre - RS, o Colégio Estadual Paula Soares. Estávamos inseridos neste colégio através
do Programa de Residência Pedagógica
3
da UFRGS
4
- Subprojeto Geografia
5
quando, em uma
de nossas reuniões semanais, a Professora de Geografia, preceptora do programa na escola,
Shanna Bilhar, propôs a realização de uma feira escolar visando combater ideias que estavam
sendo cotidianamente reproduzidas por estudantes e professores/as que reforçavam estereótipos
negativos sobre o continente Africano dentro daquele espaço escolar. De acordo com o contexto
em que estávamos inseridos, uma turma de terceiro ano de Ensino Médio
6
, tomamos como
referência a categoria território de modo central para a compreensão na área de Ciências
Humanas, conforme salienta a Base Nacional Comum Curricular do Ensino Médio:
Território é uma categoria usualmente associada a uma porção da superfície terrestre
sob domínio de um grupo e suporte para nações, estados, países. É dele que provem
alimento, segurança, identidade e refúgio. Engloba as noções de lugar, região,
fronteira e, especialmente, os limites políticos e admirativos de cidades, estados e
países, sendo, portanto, esquemas abstratos de organização da realidade. Associa-se
território a ideia de poder, jurisdição, administração e soberania, dimensões que
expressam a diversidade das relações sociais e permitem juízos analíticos (Brasil,
2018, p. 564).
É importante destacar, de início neste texto, que embora o conceito de paisagem não
tenha sido diretamente mobilizado, sua relevância, proximidade e diálogo com o tema abordado
são reconhecidas e integradas à questão apresentada aqui, uma vez que Cosgrove (1998) ressalta
que a paisagem é uma construção simbólica moldada e interpretada por diferentes grupos
sociais, refletindo suas relações de poder e seus valores culturais dominantes. Desta forma,
representações de paisagens como mapas e fotografias, são construções simbólicas fortemente
atuantes na maneira como percebemos e compreendemos os lugares e os povos.
3
A partir deste momento do texto vamos nos referir ao Programa Residência Pedagógica pela sigla PRP.
4
Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS.
5
Vinculado à Faculdade de Educação - FACED da UFRGS, campus Porto Alegre/RS.
6
A escolha pela categoria território, e não paisagem, se deu pelas orientações curriculares dispostas na Base
Nacional Comum Curricular do Ensino Médio (Brasil, 2018), uma vez que a ênfase na categoria de paisagem é
curricularmente trabalhada na etapa do Ensino Fundamental (Brasil, 2017).
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sobre o continente Africano. Ensaios de Geografia. Niterói, vol. 10, nº 23, e102312, 2024.
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A partir desta proposta realizada pela professora de Geografia, preceptora do programa,
outras questões se desencadearam. Estar imersos nessa realidade escolar a vivenciando e
pesquisando nela e com ela, se fez extremamente necessário, uma vez que a observação atenta
do que a escola nos diz pode apontar um caminho para pensarmos e propormos práticas
pedagógicas a partir da realidade manifestada por aquele singular espaço. À vista disso, assim
como a escola se constitui como um espaço de reprodução e alienação, ela pode também
constituir-se como um espaço de criação e subversão.
Neste sentido, o presente artigo visa apresentar as discussões que surgiram e embasaram
a construção da prática pedagógica desenvolvida que buscou problematizar e desconstruir
imaginários geográficos que reforçavam estereótipos racistas dentro da escola, apresentando
também, brevemente, o contexto e a proposta que foi desenvolvida.
Caminhos para a sala de aula: o Programa de Residência Pedagógica como terceiro lugar
Estávamos inseridos no colégio através do PRP da UFRGS - Subprojeto Geografia. O
PRP é caracterizado como uma das ações que integram a Política Nacional de Formação de
Professores/as e visa induzir a profissionalização dos licenciados de forma colaborativa,
integrando e aproximando teoria e prática, escola e universidade, professores/as já atuantes na
Educação Básica e professores/as em processo formativo, visando o aprimoramento da
educação e da formação docente pública.
Nóvoa (2022), ao fazer uma análise acerca das possíveis transformações da escola após
a pandemia de COVID-19, propõe considerações sobre a necessidade de repensar a formação
docente, defendendo e apontando as potencialidades das aproximações causadas por programas
e políticas voltadas à formação docente inicial, como o PRP e o PIBID
7
. As considerações
escritas por Nóvoa (2022) abarcam críticas ao discurso que vincula o espaço da formação
docente somente às universidades, onde tradicionalmente atribui-se também a este espaço a
produção do conhecimento científico e, paradigmaticamente, as escolas acabam por se
configurar nessa narrativa como espaços ligados ao desenvolvimento de práticas e das teorias
estudadas nos cursos de graduação. Além disso, Nóvoa (2022) ainda ressalta que esta dicotomia
7
Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência.
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entre universidade e escola é atrasada e limitante para pensar a formação de professores/as, uma
vez que as escolas são espaços autônomos e que também produz saberes e conhecimento. Sendo
assim, faz-se necessário repensar e problematizar esses ricos espaços tendo como orientação a
noção de que “o lugar da formação é o lugar da profissão” (Nóvoa, 2022, p.63).
Nessa perspectiva, programas de formação docente como o PRP e o PIBID apresentam-
se como uma outra maneira de compreender, pensar e produzir a formação de professores/as e
sua institucionalidade, uma vez que esses programas criam na intersecção destes dois espaços
um terceiro lugar de formação docente:
[...] um lugar de encontro entre professores universitários que se dedicam à formação
docente e os professores da rede. Esta casa comum é um lugar universitário, mas tem
uma ligação à profissão, o que lhe características peculiares, assumindo-se como
um “terceiro lugar”, um lugar de articulação entre universidade e a sociedade, neste
caso, entre a universidade, as escolas e os professores. Nesta casa comum faz-se a
formação de professores ao mesmo tempo que se produz e se valoriza a profissão
docente (Nóvoa, 2022, p. 65).
Por possibilitar estas articulações entre a universidade, as escolas e os/as professores/as,
este terceiro lugar é pensado por Nóvoa (2022) como espaço de potência e criação docente,
uma vez que se debruça a acolher e integrar ao cotidiano escolar professores/as em formação
que são recebidos por docentes que atuam profissionalmente, reforçando as dimensões
coletivas deste lugar e oportunizando o processo de tornar-se professor/a meio à escola e junto
de outros/as professores/as. É neste contexto que Nóvoa (2022) ainda salienta que a invenção
de práticas pedagógicas se em uma relação de alteridade com o espaço escolar e seus sujeitos.
Este terceiro espaço suscita ainda a “diferenciação e convergência de papéis,
combatendo a crença [...] da existência de uma hierarquização do sistema de saberes que
legitima uns em detrimento de outros, reforçando relações assimétricas de poder” (Nóvoa,
2022, p. 72) uma vez que são reconhecidas as importâncias de todos os sujeitos envolvidos
internos e externos à universidade e à escola fortalecendo a dimensão ética e democrática
deste terceiro lugar.
Foi compreendendo a escola como espaço de pesquisa, formação, potência e criação que
pudemos pensar e construir coletivamente a proposta pedagógica de realizar uma feira escolar
intitulada “Africanamente” com o objetivo de problematizar e pensar o continente Africano
para além dos discursos racializados e estereotipados, reafirmando assim um compromisso com
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a Lei 10.639/03 que estabelece a obrigatoriedade do ensino sobre História e Cultura Afro-
Brasileira nas escolas brasileiras.
Os comentários e falas percebidos no cotidiano escolar em questão e que foram
relatados pela professora preceptora a nós desencadeando a iniciativa de realização da feira
Africanamente são descritos por hooks
8
(2020) como sendo uma mentalidade colonizadora,
uma vez que:
que não somente molda consciências e ações, mas também fornece recompensas
materiais para submissão e aquiescência que superam em muitos quaisquer ganhos
materiais advindos da resistência, de modo que precisamos estar constantemente
engajados em novas maneiras de pensar e de ser (hooks, 2020, p. 57).
hooks (2020) nos aponta sobre a forma como a mentalidade colonizadora nos atravessa
em nosso cotidiano e nos alerta para seus efeitos em nossas percepções e constituição. Essa
mentalidade colonizadora é uma grande produtora de estereótipos. Os estereótipos são formas
de reducionismos que buscam enquadrar as pessoas em nichos com elementos característicos
pré-estabelecidos. hooks (2020), nos diz ainda que essa mentalidade nos ataca por várias áreas
e convive entre nós. Como professora, hooks (2020) aponta ainda que existe um potencial no
trabalho em educação para combater essa mentalidade e que nós professores/as somos
“especialmente afortunados, porque, individualmente, podemos atuar contra o reforço da
cultura do dominador e dos preconceitos com pouca ou nenhuma resistência” (hooks, 2020, p.
57). O problema central em que a feira Africanamente se empenhou em trabalhar na disciplina
de Geografia está lastreado nesta mentalidade.
Ao encontro dos objetivos e embasamento proposto pela professora preceptora para a
feira, Santos (2011) argumenta que a Lei 10.639/03, fruto da luta do Movimento Negro
Brasileiro, é o principal instrumento de combate ao racismo no campo da educação, pois:
Reposiciona o negro e as relações raciais na educação transformando em denuncia
e problematização o que é silenciado, chamando atenção para como conhecimentos
aparentemente “neutros” contribuem para a reprodução de estereótipos e estigmas
raciais e para o racismo. A 10.639 nos coloca o desafio de construir uma educação
8
O nome de bell hooks escrito em letras minúsculas se em respeito à orientação da própria autora, que criou
este nome em homenagem à sua avó materna como uma postura política que visa transgredir convenções
acadêmicas, dando enfoque à sua escrita e não à sua pessoa.
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para a igualdade racial, uma formação humana que promova valores não racistas
(Santos, 2011, p. 5).
Todavia, Santos (2011) alerta que “existir a Lei não garante uma educação antirracista.
Isto é uma construção no campo das práticas curriculares concretas” (Santos, 2011, p. 8).
Assim, o que realizamos na prática escolar, como a realizamos e por que a desenvolvemos é o
que confirmará se o que ensinamos possibilitará a promoção, ou não de valores não racistas.
hooks (2021) nos diz que muitos dos processos de tomada de consciência relacionada ao
racismo está voltada à simples denúncia de como o preconceito se externaliza no nosso
cotidiano e aponta ainda que “quando apenas apontamos o problema, quando expressamos
nossa queixa sem foco construtivo na resolução, afastamos a esperança” (hooks, 2021, p. 25).
Desta forma, ao pensarmos em práticas pedagógicas antirracistas para promovermos valores
não racistas, devemos considerar como as práticas desenvolvidas podem construir pilares para
sustentação de pensamentos que venham a se tornar condutas no cotidiano dos estudantes.
Assim, compreendemos “como práticas antirracistas aquelas voltadas para a denúncia do
racismo no sentido maior de sua reversão/destruição” (Pinheiro, 2023. p. 89).
E o que práticas escolares antirracistas têm a ver com o ensino de Geografia? Santos
(2011) nos diz que o ensino de Geografia pode ser um importante instrumento de uma educação
para igualdade racial, por entender que a Geografia tem relação direta com a constituição das
relações raciais, uma vez que a ideia de raça, concebida como um construto social, busca
ordenar e regular comportamentos por associar uma comunidade ou grupo a um conjunto de
associações artificiais, que possuem essas características atreladas se não a uma origem
biológica, a uma origem histórico-geográfica. Neste sentido:
Raça passa a ser, por esta ótica, um conceito geográfico, uma noção que se assenta
sobre leituras espaciais. A Geografia está, portanto, de uma forma muito subliminar,
na base da construção da ideia, das relações e dos comportamentos baseados no
princípio de classificação racial. A visão de mundo que a Geografia constrói alicerça
as identidades raciais (Santos, 2011, p. 11).
Para que possamos construir práticas pedagógicas antirracistas que visem desconstruir
a mentalidade colonizadora, precisamos então estar atentos às visões de mundo que queremos
fomentar com nossos estudantes nas escolas.
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Após lançar a proposta e organizar as considerações sobre os objetivos da feira, a
professora preceptora deixou em aberto para o grupo de residentes aceitar ou não a ideia
sugerida. De imediato todos apoiaram e se engajaram na realização da feira.
Começamos então a debater em grupo as proposições de atividades que chamamos de
oficinas e que poderiam ser desenvolvidas com as turmas em que atuavam os residentes do
Colégio Estadual Paula Soares. Durante os nossos encontros de planejamento, a professora
orientadora do PRP Subprojeto Geografia sugeriu que pensássemos em práticas pedagógicas
que mobilizassem o uso de imagens, visto que muitas vezes são elas as produtoras de
imaginários geográficos sobre lugares e pessoas (Firmino e Martins, 2017). Inspirados por
práticas desenvolvidas anteriormente no PRP Subprojeto Geografia e ancorados no conceito de
Espaço Ausente (Costella, 2018), decidimos utilizar imagens fotográficas para problematizar o
imaginário geográfico dos/as estudantes acerca do continente Africano no intuito de
desconstruir as visões simplistas e estereotipadas que muitas vezes embasam atitudes racistas.
Oficina de Imagens Ausentes: o planejamento no ensino de Geografia
Com os objetivos da feira Africanamente traçados e com a devida articulação com o
grupo de residentes do PRP Subprojeto Geografia, iniciamos os trabalhos planejando a Oficina
de Imagens Ausentes dividindo esta proposta pedagógica em três diferentes atividades que
foram realizadas em sala de aula com os estudantes do terceiro ano do ensino médio.
Atividade 1 - Apresentando paisagens
Nesta primeira atividade, sem saber que a temática trabalhada seria o continente
Africano, os/as estudantes foram convidados a responder um formulário digital com imagens
fotográficas de diferentes paisagens (Figura 1) para que eles pudessem fazer a associação da
paisagem apresentada aos países pré-selecionados em diferentes continentes e contextos.
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Figura 1 Estudantes respondendo formulário
Fonte: Arquivo pessoal (2023).
Nesta etapa inicial visamos diagnosticar quais são os elementos de significação que
os/as estudantes atribuem ao continente Africano através do uso de imagens fotográficas. É
importante ressaltar que nesta etapa não problematizamos o tema, apenas coletamos as
informações quantitativas geradas pelo formulário a partir das respostas das turmas, visando
compreender qual a visão dos/as estudantes acerca das paisagens ali mostradas e a que espaço
geográfico eles atribuem os elementos simbólicos presentes nas imagens.
A escolha pela utilização do formulário digital se deu pela praticidade que as imagens
fotográficas puderam ser apresentadas juntamente com as opções de múltipla escolha pré-
selecionadas. Esta escolha também foi utilizada por ser uma alternativa prática de organização
em que os dados quantitativos gerados a partir das respostas poderiam ser consultados
imediatamente após a resposta dos/as estudantes, bem como ficariam armazenados para serem
trabalhados em análises posteriores. A questão do acesso à internet foi facilitada visto que o
colégio possui rede de internet wi-fi disponível para os/as estudantes e caso eles não possuíssem
telefone celular poderiam utilizar os nossos aparelhos para a realização da atividade.
Observando que a oficina aqui proposta seria desenvolvida com diferentes turmas, o formulário
digital poderia ser reutilizado várias vezes e gerar resultados passíveis de análises futuras, uma
das vantagens da integração de métodos, conforme ressalta Goldenberg (2004):
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A integração da pesquisa quantitativa e qualitativa permite que o pesquisador faça um
cruzamento de suas conclusões de modo a ter maior confiança que seus dados não são
produto de um procedimento específico ou de alguma situação particular. Ele não se
limita ao que pode ser coletado em uma entrevista: pode entrevistar repetidamente,
pode aplicar questionários, pode investigar diferentes questões em diferentes ocasiões,
pode utilizar fontes documentais e dados estatísticos (Goldenberg, 2004, p. 62).
No intuito de compreender o imaginário geográfico dos/as estudantes acerca do
continente Africano, realizamos uma seleção de diferentes imagens fotográficas, e as separamos
em três categorias:
Categoria 1: Imagens que fogem do estereótipo negativo sobre o continente Africano,
mas que pertencem a ele, como paisagens que contenham elementos associados ao
desenvolvimento social, econômico e financeiro: cidades urbanizadas contendo prédios, ruas
arborizadas, asfaltadas etc. Além disso, esta categoria de imagens explorava também elementos
naturais associados à abundância de água e vegetação perene, em contraposição ao simbólico
paisagístico de seca, aridez e escassez.
Categoria 2: Imagens que remontam o estereótipo negativo do continente Africano,
mas que não pertencem a ele, como paisagens que contenham elementos simbólicos associados
à pobreza e miséria: habitações vulneráveis, excesso de lixo pelas ruas, falta de infraestrutura,
espaços comumente figurados por uma população majoritariamente negra. Também foram
inseridas nesta categoria imagens fotográficas que continham elementos simbólicos associados
a seca, aridez e escassez, bem como à presença de animais.
Categoria 3: Imagens que remontam o continente Africano e que de fato pertencem e
ele, apresentado por paisagens que trazem elementos simbólicos associados à pobreza e miséria
de determinados países e regiões africanas, como habitações em áreas de alta vulnerabilidade,
lixo excessivo espalhado pelas ruas, falta de infraestrutura, em espaços figurados na maioria
das vezes por uma população majoritariamente negra. Além disso, imagens contendo
elementos simbólicos associados a um clima seco, árido e provido de recursos escassos,
figurados por animais. Ressaltamos que a diferença das categorias 2 e 3, é que esta categoria
apresentou imagens fotográficas em que a paisagem é pertencente ao continente Africano,
enquanto a outra não.
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Nesta primeira atividade que compôs a Oficina de Imagens Ausentes objetivamos tornar
presentes aos/às estudantes imagens fotográficas do continente Africano que são diversas e
complexas em seus elementos simbólicos, ligando este espaço geográfico ao mesmo tempo a
elementos associados ao desenvolvimento econômico capitalista e, também, elementos ligados
à pobreza, bem como a extensão desses mesmos elementos a outros espaços inclusive a
aqueles que acreditamos que os/as estudantes não esperam que haja pobreza, para que possamos
problematizar as escolhas realizadas na atividade seguinte.
Ao selecionarmos as opções das cidades e países que correspondem à cada imagem,
tentamos realizar uma espécie de pensamento reverso, pensando de acordo com os estereótipos
mais disseminados, partindo do princípio de que os/as estudantes também o fariam. Desta
forma, cada opção para associação da imagem fotográfica à cidade/país teve também um
propósito, buscando evitar que a escolha se desse por eliminação ou qualquer outra forma de
sorteio ou “chute”. Os/as estudantes deveriam associar as imagens aos locais pelos elementos
e impressões que tinham sobre as opções disponíveis. Outra preocupação que tivemos foi de
junto do nome das cidades, nas opções de seleção, colocarmos o nome país e o continente em
que se localizava a imagem, visto que algumas cidades de países africanos não são tão
difundidas pelo cotidiano social e escolar. Ainda sobre as opções a serem escolhidas, buscamos
sempre diversificar as alternativas entre os cinco continentes de modo a não evidenciar que
estávamos realizando uma atividade que trataria do continente Africano, para não induzir as
respostas às opções em que o continente fosse citado.
Atividade 2 - O que você pensa quando falamos de África?
Após os/as estudantes desenvolverem a Atividade 1 anunciamos o início dos trabalhos
que iriam envolver a Feira Africanamente, pois a partir de então nos debruçamos a estudar sobre
o continente Africano em sala de aula com as turmas. Nesta atividade entregamos para cada
estudante três post-its de diferentes cores e solicitamos que eles fizessem uma livre associação
escrevendo as três primeiras palavras que lhes vêm à mente quando falamos de África. Após
a entrega colocamos os post-its preenchidos com as palavras pelos estudantes em um mapa do
continente Africano (Figura 2) que fixamos no quadro da sala de aula, formando uma
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LUISI, Ricardo Gabriel; FIRMINO, Larissa Corrêa. A Potência das Imagens para uma Educação Geográfica Antirracista: um fazer pedagógico
sobre o continente Africano. Ensaios de Geografia. Niterói, vol. 10, nº 23, e102312, 2024.
Submissão em: 17/02/2024. Aceito em: 01/06/2024.
ISSN: 2316-8544
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tempestade de ideias com as palavras que os estudantes escolheram (Figura 3). Assim, os/as
estudantes estavam simbolicamente atribuindo significados ao continente Africano.
Figura 2 Post-its
Fonte: Arquivo pessoal (2023).
A ideia deste momento foi, mais uma vez, que a turma registrasse em palavras quais são
os elementos de significação que eles atribuem ao continente Africano. Neste segundo
momento, não questionamos a origem ou o motivo da escolha das palavras que os/as estudantes
escreveram. Esta segunda etapa funcionou também como registro de onde partimos e com qual
imaginário geográfico de África iríamos lidar.
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sobre o continente Africano. Ensaios de Geografia. Niterói, vol. 10, nº 23, e102312, 2024.
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Figura 3 O mapa
Fonte: Arquivo pessoal (2023).
Após o rmino da Feira Africana realizamos novamente esta atividade para verificar se
houve ou não alteração das palavras escolhidas pelos/as estudantes, solicitando novamente o
registro de três palavras escritas em post-its associadas à “África” para que possamos constatar
os possíveis novos elementos de significação que os/as estudantes atribuem ao continente e
países africanos, ou não.
Atividade 3 - Paisagens Ausentes, onde se localizam? Por quê?
Na terceira atividade que compôs a Oficina Imagens Ausentes, retomamos as imagens
utilizadas na Atividade 1 projetando-as em sala de aula juntamente com as opções de múltipla
escolha que também estavam no formulário. Esta atividade foi elaborada para discutir com a
turma sobre quais foram as relações que eles fizeram acerca do tema e o motivo de a terem
feito. Ao mesmo tempo em que íamos revelando a quais cidades, países e continentes
pertenciam as imagens fotográficas, buscamos problematizar o tema que estava sendo
discutido, ou seja, um “momento em que o sujeito é posto à frente de uma questão que de
alguma forma o perturba, sendo necessário empregar os seus esquemas para encontrar uma
possível solução” (Costella, 2022, p. 108).
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Com a problematização do tema em discussão, realizamos um exercício reflexivo para
que os/as estudantes ressignificassem e refletissem o que os levou a escolher tais associações
entre as imagens fotográficas e seus elementos simbólicos daquelas cidades.
Pressupondo que a maior parte dos/as estudantes associaria a imagens que continham
elementos relacionados à pobreza, moradia precária, escassez, dentre outras características, a
países ditos periféricos problematizamos as respostas obtidas questionando sobre o que nos
faz pensar que não existem arranha-céus em países africanos e pessoas vivendo em habitações
vulneráveis em países desenvolvidos como os Estados Unidos da América? Ou o porquê de não
associarmos uma floresta abundante em recursos naturais ao continente Africano?
Pensamos esta etapa visando desnaturalizar esses elementos simbólicos associados a
países “periféricos” e a própria complexificação do Espaço Mentalmente Projetado (Costella,
2018) dos/as estudantes.
Além disso, buscamos também relacionar o espaço vivido dos/as estudantes com as
situações postas nas imagens fotográficas, como por exemplo, ao revelarmos que uma das
imagens que continha uma favela se localiza na mesma cidade que apresentava variados prédios
de alto padrão. Questionamos a turma: e em Porto Alegre? Não temos lugares em que existem
moradias precárias e outros que possuem prédios luxuosos? O intuito era complexificar esta
reflexão em relação ao Brasil, relacionando áreas de escassez e aridez com áreas de abundância
de recursos de modo a evidenciar que da mesma forma que o Brasil é um país que abrange uma
variedade de situações, ambientes e problemas, os países do continente Africano também,
sempre tendo em evidência a reflexão e problematização do porquê das associações realizadas
pela turma.
Repensando o ensino de Geografia: uma abordagem escolar a partir de práticas
pedagógicas
A história única cria estereótipos, e o problema com os estereótipos não é que sejam
mentira, mas que são incompletos. [...] A consequência da história única é esta: ela
rouba a dignidade das pessoas (Chimamanda Ngozi Adichie, 2019).
A escritora nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie (2019) nos coloca um ponto de vista
que muitas vezes não refletimos: no que baseamos a nossa concepção sobre determinados
lugares? Qualquer um pode pensar nisso com relativa preocupação, pois como pensamos os
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lugares implica em pensar quem vive nele. Quando assumimos a posição de professores/as,
muitas vezes atuamos na construção do imaginário geográfico dos estudantes sobre espaços que
a maior parte deles jamais visitarão. Esse exercício reflexivo se torna uma imprescindível tarefa
para que não venhamos a construir estereótipos negativos acerca de povos, etnias e lugares.
Em vista dos objetivos da Feira Africanamente organizamos e desenvolvemos as
atividades anteriormente apresentadas para proporcionar a desconstrução de estereótipos
negativos relacionados ao continente Africano, entendendo que estes são simplificações que
roubam a dignidade das pessoas (Adichie, 2019) e reforçam estigmas raciais e preconceitos,
como o racismo.
Ao longo desta seção serão abordados os referenciais teóricos que guiaram as propostas
apresentadas discutindo brevemente o ensino de Geografia, a Geografia Escolar, a potência das
imagens e a noção de Espaço Ausente (Costella, 2018) como premissa para a problematização
e desconstrução de estereótipos que sustentam discursos e atitudes racistas muitas vezes
presentes no cotidiano escolar.
Entre geografias, imagens e espaços ausentes
De acordo com Renato Emerson dos Santos (2011) as visões de mundo que a Geografia
Escolar constrói sustenta as identidades raciais. Pensar nas visões que são impressas através da
Geografia que é produzida na escola implica pensar como o Ensino de Geografia é praticado
por quem ensina.
Kaercher (2014) nos sustenta no presente trabalho nas reflexões sobre o propósito de
ensinar Geografia, pois não acreditamos que a Geografia enciclopédica que a informação
como início, meio e fim seja suficiente para os objetivos que nos propomos neste trabalho. Pelo
contrário, vemos nesta última, questões que podem acabar por reforçar estereótipos e
simplificações de mundo que sustentam o racismo no cotidiano dos nossos estudantes.
Entendemos que enquanto professores/as de Geografia ao apresentarmos aos nossos
estudantes imagens, tabelas, mapas, dados, informações sobre, por exemplo, a violência no
Brasil e o número de casos de racismo com a mera função de informá-los, não estamos a
produzir uma reflexão e/ou mudança de percepção sobre tais temáticas.
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Por exemplo, posso explicar em sala de aula que o Continente Africano possui diferentes
tipos climáticos, como equatorial, tropical, desértico e mediterrâneo, e que isso faz com que as
médias térmicas se mantenham predominantemente elevadas neste continente, e por este
motivo associa-se a tal a ideia de que ele é quente. Também posso associar o Continente
Africano a sua grande diversidade de povos, biomas e pela existência de acentuada pobreza em
muitos de seus países. A que serve esta última informação se não a indagar o motivo da
pobreza? Se é pobre em toda parte? Qual a relação desta pobreza com os tipos climáticos? O
que isso tem a ver conosco, enquanto povo latino-americano?
Se não problematizamos as temáticas que ensinamos em Geografia, se não nos
importarmos em sensibilizar estes territórios, em entender a visão dos estudantes, fazendo com
que aquelas informações dialoguem com a realidade dos nossos estudantes, um simples telefone
celular com conexão à internet poderia nos substituir como professores e desempenhar esta
mesma função, quem sabe até de forma mais satisfatória, colorida e atraente aos olhos.
Entretanto, como argumentado anteriormente, o ensino de Geografia não pode se
resignar à mera apreensão de informações ou memorização de aspectos sobre lugares e pessoas,
pois esta postura metodológica e didática não gera marcas, não significa algo se não refletido.
Não constrói conhecimento.
Mas pelo contrário, quando indagamos, provocamos os estudantes a falarem suas
percepções, proporcionamos o protagonismo para que os estudantes possam relacionar as
informações dos conteúdos com suas noções de mundo. Possibilitamos que a Geografia se
torne “matéria prima, pretexto para, a partir dos seus conteúdos e conceitos, refletirmos a
existência e nossa ação no mundo” (Kaercher, 2014, p. 40). Neste mesmo sentido, também
reduzimos as chances de transformarmos a Geografia em um “pastel de vento: bonita por fora
(conteúdos atuais, belos livros didáticos), mas pobre na leitura, na proposta de entendimento do
que se fala” (Kaercher, 2014, p. 206).
Nesta perspectiva buscamos desenvolver a autonomia de pensamento do estudante e,
assim, “o conteúdo serve de referência para tal desenvolvimento, não representa o fim em si,
ou o produto da aprendizagem. O produto da aprendizagem é o aluno e suas ações reflexivas”
(Costella, 2015, p. 39). Também neste sentido hooks (2020) nos explica que:
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Todo mundo se envolve com o pensar na vida diária. Há várias situações enfrentadas
por pessoas comuns que exigem que elas examinem a realidade para além do que é
superficial, para conseguirem enxergar a estrutura profunda. Essas situações podem
levá-las a refletir sobre as questões relacionadas a quem, o quê, onde, quando, como
e por quê; e, então começar a trilhar o caminho do pensamento crítico (hooks, 2020,
p. 279-280, grifo nosso).
Acreditamos que a Geografia pode potencializar as chances de desenvolver o
pensamento crítico ao propor em aula essas situações que necessitam de uma análise a nível
mais profundo.
A Feira Africanamente surge como possibilidade de discussão do espaço geográfico
africano e com nossa oficina, tendo em vista os objetivos da feira, queremos possibilitar
reflexões sobre como entendemos este Espaço Geográfico (Santos, 2020) principal objeto
de estudo da Geografia.
Milton Santos (2020) define o Espaço Geográfico sendo “um conjunto indissociável,
solidário e contraditório de sistemas de objetos e sistemas de ações, não considerados
isoladamente, mas como o único quadro no qual a história se dá” (Santos, 2020, p. 63). Se
vamos ensinar sobre o espaço geográfico devemos considerá-lo em sua complexidade. O
próprio Milton Santos (2020) ressalta duas vezes ao definir como indissociável e não
considerados isoladamente que a compreensão das coisas depende da compreensão das
intenções e vice-versa. Se quando vamos realizar uma análise geográfica técnica que
considera o espaço, não dissociamos ou isolamos os objetos das ações, visando uma análise
mais assertiva, ao trabalharmos o Espaço Geográfico (Santos, 2020) na Geografia Escolar do
mesmo modo não devemos isolar e dissociar.
Quando apresento para meus estudantes uma imagem fotográfica com habitações
precárias e vulneráveis com esgoto a céu aberto (sistemas de objetos) que claramente
evidenciam uma situação de extrema pobreza e falta de infraestrutura e os digo que esses
objetos estão localizados em um país africano sem questionar e relacionar quais são as
complexidades sociais e históricas (sistemas de ações) - que permitiram que aqueles elementos
se localizassem onde estão, que permitem que sejam habitações precárias ao invés de boas
moradias - incorre no risco de criar uma meia verdade sobre aquele lugar, um espaço
incompleto, uma simplificação, um estereótipo consoante ao que Adichie (2019) nos alertara.
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Sabendo ainda que raça é um construto que busca padronizar o comportamento e que
essa padronização se assenta sobre leituras espaciais (Santos, 2011) estaremos também
correndo o risco de produzir estereótipos que vão se incorporar a identidade do grupo de pessoas
que vivem naquele espaço, ou ainda nas identidades raciais que estejam associadas ao mesmo,
no caso em questão do Continente Africano, às pessoas negras.
Se queremos desconstruir as meias verdades, ou histórias e geografias únicas, o que
precisamos fazer? Apresentar a outra metade! A verdade, não absoluta, mas em sua
complexidade histórica e geográfica. Assim, ao apresentar os outros sistemas de objetos não
mostrados, os sistemas de ações não evidenciados pelos discursos reducionistas que
simplificam e sustentam os estereótipos que embasam visões preconceituosas,
proporcionaremos um imaginário geográfico mais complexo. Em outras palavras apresentar a
complexidade destes espaços, ou seja, as histórias que produzem estes imaginários geográficos,
são um modo de provocar reflexões sobre como são equivocadas as generalizações que
simplificam nossas visões.
Como nós pretendemos a partir da oficina proposta trabalhar o espaço africano em sua
complexidade territorial? Este estudo se debruçou a movimentar o território africano através do
conceito de Espaço Ausente utilizando imagens fotográficas.
O conceito de Espaço Ausente é fundamentado por um conjunto de dados e informações
que são atribuídos pelos estudantes a espaços que eles nunca visitaram, experienciaram ou
vivenciaram, por essa razão se configuram como ausentes. Estes espaços são estruturados
através de memórias relacionais, ancoradas na realidade próxima dos estudantes, que a partir
da associação de elementos dessa realidade que gerem significação, se incorporam na projeção
e entendimento desses Espaços Ausentes (Costella, 2018).
Assim, ao imaginar lugares que nunca fomos, buscamos nas nossas memórias elementos
com significação que atribuímos a estes espaços e vamos juntando fragmentos de pequenas
coisas, partes de memórias, construindo a síntese desse Espaço Ausente, antes Espaço
Inexistente. Esse espaço que o estudante está criando em seu imaginário geográfico está
ancorado em noções, informações e memórias que ele viu ao longo de sua vida e que ele
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relaciona a elementos que tenham significação a este novo espaço mentalmente projetado.
Todavia, Costella (2018) ressalta que:
A imagem que o aluno constrói sobre um espaço que ele nunca visitou, que ele nunca
compareceu ou vivenciou depende da forma como este espaço foi contextualizado
pelo outro, que pode ser a televisão, as fotografias, as escritas, [a internet, as redes
sociais,] mas principalmente na capacidade do professor em oportunizar a ideia sobre
os objetos apresentados (Costella, 2018, p. 51, grifo nosso).
Portanto, a síntese que os estudantes realizam desse espaço geográfico pode estar
enviesada de ideias que reduzem a Geografia daquele espaço e seus indivíduos, gerando
estereótipos.
A potência das imagens na Educação Geográfica Antirracista: explorando outros
horizontes
A escola é uma invenção da Modernidade que resiste ao mundo contemporâneo. Poucos
lugares da experiência humana evocam ao mesmo tempo um caos de sentimentos, memórias e
sensações como a escola, uma vez que muito de nossa identidade é forjada por ela ou nela. A
escola tem por premissa instruir, ensinar, construir um corpo de conhecimentos que atua na
postura dos sujeitos sociais. O contemporâneo foi construído de modo que a escola, instituição
disciplinar e de controle, preparou-se para educar e corrigir sujeitos de corpos dóceis. A escola
foi e ainda é um espaço que concorreu com o mundo contemporâneo para a educação de
pessoas. Portanto, a educação é um processo amplo que permeia a vida dos sujeitos, e que
acontece tanto dentro da escola como fora dela, é um conjunto de processos pelos quais os
indivíduos são transformados ou se transformam em sujeitos culturais (Meyer, 2012).
Firmino (2020) acrescenta a ideia de que, simbolicamente, a escola trabalha desde
nossos primeiros anos de vida com a nossa forma de ser, estar e pensar no mundo em que
atuamos e nos construímos. A cultura escolar nos produz subjetividades e se integra a nós por
intermédio da prática do discurso em toda a sua materialidade e imaterialidade.
Os livros didáticos, por exemplo, são produtores de padrões e referências sociais e que
é em virtude dessa realidade que se a importância em estudar artefatos escolares e suas
linguagens, uma vez que práticas, sujeitos e instituições estão em um constante movimento de
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ressignificação do mundo e das coisas, como denota Costa (2004, p.74). As imagens se fazem
pedagógicas ao produzir significados e sujeitos, pois atuam como veículos de significados e de
mensagens simbólicas produzidas discursivamente, as fotografias que compõem materiais
didáticos também atuam como uma prática de significação, que nos atravessa e nos constitui
como sujeitos no contemporâneo (Tonini, 2013, p. 179).
Dessa forma, o intuito deste trabalho estabelece relações com o que Firmino e Martins
(2017) ressaltam sobre a utilização de imagens nos livros didáticos, como as fotografias, que
assumem uma produção de significados onde discursos são forjados e postos em circulação e,
que, devemos aprender a educar o olhar a ler textualidades imagéticas, pois estas são produtoras
de significados e, também, constituidoras de sujeitos. Ademais, as imagens fotográficas
constituem ideias e sujeitos que, por vezes, são difíceis de serem desconstruídas. Portanto,
torna-se relevante que a Geografia Escolar não funcione reforçando estereótipos geográficos,
mas mobilizando os conteúdos escolares de maneira a complexificar a construção de
conhecimentos mais complexos sobre os objetos estudados.
Tonini (2013) nos diz que as “imagens são sempre textos visuais que direcionam para
leituras do espaço geográfico a partir de significados ali inscritos” (Tonini, 2013, p. 181) e que
estas imagens contam com a capacidade de informar amparada pela visualidade, pela
materialidade das informações apresentadas. Tonini (2013) ainda aponta que essa capacidade
de comunicar através da materialidade apresentada nas imagens aparentemente lhe cria um
poder supremo em informar algo sobre algum lugar, o que “potencializa as imagens como
artefatos produtores de sentidos, máquinas operadoras de significados” (Tonini, 2013, p. 178).
Deste modo, a realidade, ou ainda a informação apresentada através das imagens “ocupam lugar
na produção da realidade e participam de nossa imaginação sobre as grafias do espaço, [e] por
isso elas nos educam” (Desidério; Tonini, 2021, p. 25). No mesmo sentido Tonini (2013) afirma
que
As imagens podem ser pensadas como um aparato cultural, com finalidade de
formação e subjetivação e, tal como veiculada em materiais escolares (principalmente
o livro didático por ser o mais usual), estariam se valendo de certos dispositivos de
poder que entram em jogo para capturar identidades ali inscritas. Assim as imagens
são veículos de significados e das mensagens simbólicas produzidas discursivamente
(Tonini, 2013, p. 179).
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Quando nos atentamos para verificar o que as imagens que buscam representar o
continente Africano significam e simbolizam, facilmente percebemos um padrão que remete o
continente Africano sempre relacionado a elementos associados à pobreza, fome, miséria,
aridez, grandes mamíferos etc. Ou seja, clichês e estereótipos.
Estes clichês conforme Firmino e Martins (2017) são os conjuntos de informações
trazidas pelas imagens que nos enquadram em um padrão de ideias, uniformizando os
pensamentos a partir do representado nas imagens. Ainda conforme as autoras, estes padrões
reproduzidos têm a capacidade de paralisar nosso imaginário sobre os lugares e as pessoas uma
vez que “imagens, ideias-clichês servem como a ‘prova do real’ de um determinado discurso
sobre a Geografia dos lugares e das pessoas” (Firmino; Martins, 2017, p. 107) condicionando a
nossa percepção sobre os lugares e pessoas aquele padrão de características e elementos trazidos
nas imagens.
Assim os clichês utilizam do potencial comunicativo de significados das imagens para
a construção discursiva de ordenamento e regulação de atributos sobre os lugares e pessoas,
que corrobora para os estereótipos que sustentam a noção de identidade racial.
Utilizar o potencial comunicativo de significações das imagens, dado pela materialidade
significante, aliado ao conceito de Espaço Ausente para entender qual a percepção dos nossos
alunos, através dos elementos das imagens, e utilizar desses significados atribuídos por eles aos
lugares para pensar os espaços apresentados nesta oficina, consideramos que é mobilizar a
Geografia como instrumento para promover a ação reflexiva do aluno sobre o continente
Africano.
Assim, este estudo pretendeu mobilizar, ao mesmo tempo, as imagens e o Espaço
Ausente para partir das definições e significações que os estudantes atribuem aos espaços
geográficos, possibilitando, a partir das reflexões e relações com o espaço próximo, que novas
significações sejam atribuídas, uma vez que:
Ao reconhecer as relações pelas memórias, recentes ou não, partimos sempre de um
projeto de memória, e deste alçamos voos para outros e mais outros. [...] Os espaços
ausentes ou mentalmente projetados precisam ser ancorados em representações
presentes. O estudo de algo que não enxergamos de forma literal, parte de algo que
estamos vivendo de forma literal. Sempre há o que relacionar com outras memórias
relacionadas e acomodadas. O significado do novo, que o aluno atribui a algo que
está significado, permite um avanço a patamares mais complexos do
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pensamento, movimentando esquemas já estruturados (Costella, 2018, p. 51-52,
grifo nosso).
Durante o desenvolvimento das atividades tentamos, ao apresentar imagens de uma
África rica e uma Europa pobre, inverter o conjunto de valores gerados pelos clichês, buscando
pressionar e desacomodar os esquemas estabelecidos pelos estudantes, tendo em vista que
“quando esses esquemas estão pressionados pela exigência de novos pensamentos e ações,
outras significações são relacionadas e assim, o conhecimento sobre o espaço se torna mais
complexo e significativo” (Costella, 2018, p. 52).
Buscamos com esta oficina desacomodar essas estruturas impostas que embasam visões
pouco complexas sobre os lugares e as pessoas. Não queremos que o resultado das nossas
atividades nos leve a outras formas de reducionismos. Queremos que as práticas aqui
apresentadas levem os estudantes, não a deixar de considerar que no continente Africano existe
pobreza, mas que considerem que não existe apenas pobreza no continente Africano. Queremos
que os estudantes entendam que os lugares e as pessoas, como nos coloca Frantz Fanon (2020),
não têm o dever de serem isto ou aquilo, mas que são complexos, com diversas faces e
profundidades. Que poderíamos falar de Áfricas, Europas, Brasis e Portos Alegres sem
determiná-los a uma única característica ou destino, ou a uma história única, uma geografia
única.
Considerações Finais
A sala de aula, com todas as suas limitações, continua sendo um ambiente de
possibilidades. Nesse campo de possibilidades temos a oportunidade de trabalhar pela
liberdade, de exigir de nós e dos nossos camaradas uma abertura da mente e do coração
que nos permita encarar a realidade ao mesmo tempo em que, coletivamente,
imaginamos esquemas para cruzar fronteiras, para transgredir. Isso é a educação como
prática de liberdade (hooks, 2017, p. 273).
A elaboração deste trabalho e as reflexões decorrentes dele foram possibilitadas devido
a escuta atenta da professora preceptora sobre o espaço escolar em que atuava. A escuta e o
compartilhamento da situação induziram, a partir do diagnóstico de um problema, a ação
coletiva possibilitada pela existência de um programa voltado para a formação inicial docente,
o Programa de Residência Pedagógica, mais especificamente o Subprojeto Geografia (Porto
Alegre) da UFRGS. Esse fato demonstra a importância, de estar atento às possíveis situações
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AO CITAR ESTE TRABALHO, UTILIZAR A SEGUINTE REFERÊNCIA:
LUISI, Ricardo Gabriel; FIRMINO, Larissa Corrêa. A Potência das Imagens para uma Educação Geográfica Antirracista: um fazer pedagógico
sobre o continente Africano. Ensaios de Geografia. Niterói, vol. 10, nº 23, e102312, 2024.
Submissão em: 17/02/2024. Aceito em: 01/06/2024.
ISSN: 2316-8544
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que ocorrem na escola, escutar o que a escola está nos dizendo com sensibilidade, além de
reforçar a importância dos programas de formação inicial, que se configuram, pelas
características elencadas por Nóvoa (2022), como um terceiro espaço para a formação de
professores.
Outro ponto a destacar é a potência das imagens e do ensino de Geografia, que têm o
poder de produzir imaginários sobre os lugares distantes e as pessoas que compõem esses
lugares. E, por isso, possuem a competência tanto para reduzir quanto para complexificar
identidades, incluindo as raciais. Por essa razão o papel do professor reflexivo é fundamental,
uma vez que o propósito da prática é o que possibilitará ou não a construção de valores e visões
de mundo inclusivas ou excludentes.
Ressaltamos também a importância do ensino de Geografia para complexificar visões
de mundo que muitas vezes perpetuam preconceitos e estereótipos sobre pessoas e lugares.
Ainda que não sejamos, e nem pretendemos ser, as únicas referências que compõem as visões
de mundo dos/as estudantes, buscar construir em conjunto as suas ações reflexivas sobre o
mundo em que habitam, para pensar a forma como o entendem e se entendem no mundo a partir
do seu lugar, a partir do ensino de Geografia a partir das imagens, se demonstrou um
interessante caminho para pensar e complexificar os espaços que muitas vezes são ausentes de
imaginários mais complexos. Um caminho, uma alternativa para pensar e desconstruir as meias
verdades que subjugam pessoas, lugares e identidades.
Referências
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Ensaios de Geografia
Essays of Geography | POSGEO-UFF
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