Ensaios de Geografia
Essays of Geography | POSGEO-UFF
AO CITAR ESTE TRABALHO, UTILIZAR A SEGUINTE REFERÊNCIA:
MAIA FILHO, Pedro Paulo Pinto. Esquadrinhando a Paisagem Cinematográfica: uma análise das leituras geográficas do cinema. Ensaios de
Geografia. Niterói, vol. 11, nº 24, e-112417, 2024.
Submissão em: 11/04/2024. Aceito em: 17/07/2024.
ISSN: 2316-8544
Este trabalho está licenciado com uma licença Creative Commons
1
SEÇÃO ARTIGOS
Esquadrinhando a Paisagem Cinematográfica:
uma análise das leituras geográficas do cinema
Scouting the Cinematic Landscape:
an analysis of the geographical readings of cinema
Explorando el Paisaje Cinematográfico:
un análisis de las lecturas geográficas del cine
DOI: https://doi.org/10.22409/eg.v11i24.62549
Pedro Paulo Pinto Maia Filho
1
Universidade Federal do Vale do São Francisco (UNIVASF)
Bahia, Brasil.
e-mail: pedro.maiafilho@univasf.edu.br
Resumo
O cinema é uma das representações artísticas que mais vêm sendo estudadas na Geografia, principalmente
enquanto um recurso didático. No entanto, muitas interpretações realizadas por ggrafos se centram na
análise da narrativa, ou seja, de como a hisria do filme trabalha com temas de interesses geográficos. No
presente artigo apresentaremos autores que fazem a análise geográfica do cinema incorporando um conjunto
de noções que compõe a linguagem cinematogfica, expandindo assim a possibilidade interpretativa deste
meio. A representão cinematográfica possui uma linguagem, ou seja, um rico conjunto de códigos e
conveões que produz sentidos para am da narrativa. Portanto entender o papel de elementos
cinematogficos como enquadramento, ângulo e movimento de câmera, entre outros, são cruciais para
compreender a prodão da espacialidade lmica. A paisagem, com suas acepções estéticas e
representacionais, será tomada como um conceito mediador na aproximação entre Geografia e Cinema, entre
a representação e a experiência do espaço.
Palavras-chave:
Geografia e cinema; Paisagem; Geografia Cultural
1
Bacharel em Geografia pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Mestre e Doutor em Geografia pela
Universidade Federal Fluminense (UFF). Atualmente é Professor Adjunto da Universidade Federal do Vale do
São Francisco (UNIVASF).
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Abstract
Cinema is one of the artistic representations that have been most studied in Geography, especially as a teaching
resource. However, many interpretations made by geographers focus on the analysis of the narrative, that is, how
the film's story deals with geographical themes of interest. In this article, we will present authors who perform a
geographical analysis of cinema by incorporating a set of notions that make up the cinematographic language, thus
expanding the interpretative possibility of this medium. Cinematographic representation has a language, that is, a
rich set of codes and conventions that produce meanings beyond the narrative. Therefore, understanding the role
of cinematographic elements such as framing, angle, and camera movement, among others, is crucial to
understanding the production of filmic spatiality. The landscape, with its aesthetic and representational, meanings
will be taken as a mediating concept in the approximation between Geography and Cinema, between the
representation and the experience of space.
Keywords
Geography and cinema; Landscape; Cultural Geography
Resumen
El cine es una de las representaciones artísticas que más se han estudiado en Geografía, especialmente como
recurso didáctico. Sin embargo, muchas de las interpretaciones realizadas por los geógrafos se centran en el análisis
de la narrativa, es decir, en cómo la historia de la película aborda temas de interés geográfico. En este artículo,
presentaremos a autores que realizan un análisis geográfico del cine incorporando un conjunto de nociones que
conforman el lenguaje cinematográfico, ampliando así la posibilidad interpretativa de este medio. La
representación cinematográfica tiene un lenguaje, es decir, un rico conjunto de códigos y convenciones que
producen significados más allá de la narrativa. Por lo tanto, comprender el papel de elementos cinematográficos
como el encuadre, el ángulo y el movimiento de cámara, entre otros, es crucial para entender la producción de la
espacialidad fílmica. El paisaje, con sus significados estéticos y representacionales, se tomará como un concepto
mediador en la aproximación entre Geografía y Cine, entre la representación y la experiencia del espacio.
Palabras clave
Geografía y cine; Paisaje; Geografía cultural
Introdução
O estudo do cinema pela Geografia se insere no contexto em que as representões
artísticas passam a ser consideradas enquanto uma fonte de conhecimento das condições da
existência humana no espaço geográfico. Seguindo a tradição visual da descrição da paisagem
na Geografia, o cinema e outras representações artísticas se consolidam como objetos de
pesquisa para a ciência geográfica nos anos de 1990. O interesse por parte de alguns geógrafos
no cinema vem resultando em inúmeros trabalhos que se dedicam não só à análise de um único
filme (ou gênero de filmes), mas também de proposições teórico-metodológicas que contribuem
para o próprio desenvolvimento epistêmico e ontológico da Geografia.
Na interpretação geográfica do cinema, a paisagem é utilizada como um conceito
“mediador” que abrange em si inúmeras definições e significados oriundos de distintos campos
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do conhecimento científico e nas mais variadas representações artísticas. Para o presente estudo,
o conceito interessa na medida em que permite essa aproximação entre a arte (cinema) e a
ciência (Geografia).
Partindo da acepção do termo paisagem na Geografia, a paisagem cinematográfica
enquanto construção de uma retórica geográfica é considerada como um conjunto de
argumentos (sobretudo visuais, porém com apelo a outros sentidos) com enorme poder de
transmitir uma impressão acerca do espaço representado. Portanto, a paisagem no cinema, além
de conceito mediador, poderá ser tomada como uma nova forma de perceber o espaço
geográfico.
Uma vez mapeados os caminhos abertos pelos geógrafos no campo do cinema, será
analisado o papel da linguagem cinematográfica na construção da paisagem. O objetivo é
entender o papel de elementos como enquadramento, ângulo e movimento de câmera, edição,
uso da iluminão, das cores, entre outros, na produção da espacialidade lmica.
Ao compreender como esses elementos da linguagem cinematográfica são utilizados,
pode-se analisar de forma mais profunda como o espaço é representado e significado no cinema.
Esse embasamento permite entender melhor a relação entre cinema e Geografia, bem como as
possibilidades de diálogo entre essas duas áreas do conhecimento.
Uma Geografia visual
O uso da imagem para auxiliar na análise do espaço está presente desde o início da
ciência geográfica. Neste sentido, Gomes (2017) afirma que “A Geografia é reconhecidamente
uma disciplina visual” (Gomes, 2017, p. 142). Em acréscimo, Novaes (2011) afirma que o
conhecimento geográfico tem sido constantemente apresentado como uma forma especial de
visualização. No ensino de Geografia a imagem, geralmente acompanhando as descrições
escritas do espaço, se destaca como um recurso pedagógico crucial para a disciplina.
Contudo, nos últimos anos cresce o número de estudiosos que tomam a imagem
enquanto objeto de análise para a Geografia. Na busca de entender o espaço, a imagem não será
abordada como um mero componente secundário, mas sim como elemento central na pesquisa
geográfica (Gomes; Ribeiro, 2013).
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Esse interesse renovado pelas imagens será possível se levarmos em consideração o
período de renovação do arcabouço teórico-conceitual da Geografia. Para alguns autores, isto
se deve justamente ao desenvolvimento epistemológico da nova Geografia cultural, que
estimula a produção de novos temas de pesquisa, trazendo uma renovação para o âmbito da
ciência geográfica.
Hoje, inspirados nessa geografia cultural, é possível discutir com legitimidade e sob
um ponto de vista geográfico temas que, no passado recente, eram considerados
completamente estranhos a esse domínio disciplinar e por isso tratados como não
adequados de aí figurar (Gomes, 2008, p. 187).
Essa nova Geografia cede progressivamente aos estudos acerca dos componentes
materiais, colocando sua ênfase na representação formal destes, ou seja, no que poderíamos
chamar de paisagens imateriais e intangíveis (Lukinbeal, 2005). Nesse mesmo sentido, Corrêa
e Rosendahl (2009) afirmam que as novas bases epistêmicas decorrentes da renovação da
Geografia Cultural atraem os geógrafos ao estudo dos meios artísticos.
A partir da renovação da geografia cultural, na qual “significado” passou a constituir-
se em “palavra-chave”, cinema, música, literatura, pintura e outras artes tornaram-se
relevantes para os geógrafos, agora dotados de outras bases epistemológicas, teóricas
e metodológicas que lhes permitem interpretar representações construídas pelos
outros (Corrêa; Rosendahl, 2009, p. 8).
Nas décadas de 1980 e 1990, autores da Geografia cultural anglófona ressaltam a
paisagem enquanto uma construção social, “[...] uma consequência de como pessoas,
particularmente pessoas de grupos dominantes, criam, representam e interpretam paisagens
baseadas no olhar que eles mesmos têm do mundo e das relações com outros” (Morin, 2009, p.
290). Isso sem desconsiderar que há sempre espaço para a contestação da autoridade.
Neste sentido, os estudos recentes acerca da paisagem incluem o componente político,
destacando os conflitos sociais e culturais (Mitchell
2
, 2003 apud Morin, 2009). Tal concepção
compreenderá os estudos das representações como construções sociais que podem ser
observadas sob a ótica da espacialidade.
2
MITCHELL, D. “Cultural landscapes: just landscapes or landscape of justice?” In: Progress in Human
Geography, p. 787-796, 2003.
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Dessa forma, as representações paisagísticas contêm diferentes intencionalidades e
podem assumir diferentes formas e funções. Portanto, cabe ao geógrafo contextualizar as
diferentes variáveis que envolvem uma produção artística/representacional, desde o autor à
audiência, bem como as relações empregadas para comunicar significados, analisando o
processo pelo qual os significados veiculados convençam o público (Mitchell, 2003 apud
Morin, 2009).
Evidentemente, pode-se usar como instrumento de análise uma série de expressões
artísticas, tais como a música, a fotografia e a literatura, mas o cinema tem a vantagem de poder
agregar várias formas de linguagem e de se comunicar com maior profundidade e envolvimento
do que outros meios (Campos, 2006).
As interpretações desenvolvidas por geógrafos convocam o debate acerca do uso do
meio cinematográfico como possibilidade de interpretar o espaço. Neste sentido,
empreenderemos um sucinto levantamento de como alguns autores estudam o cinema do ponto
de vista teórico e metodológico.
Esses estudos lançam mão de distintas bases epistêmicas para construir uma mediação
entre os campos da geografia e do cinema. Eles se diferenciam também no tempo e no espaço,
compreendendo autores estrangeiros e brasileiros de diferentes escolas, compreendidas entre as
décadas de 1990 e 2010. De modo geral, esses estudos buscam compreender as possibilidades
de diálogo entre a geografia e o cinema na construção de interpretações sobre o espaço.
Geografia Cultural e o Cinema
Primeiramente é preciso ter em mente que os meios de comunicação não devem ser
considerados apenas como um mero veículo de entretenimento e de lazer. São também fontes
de conhecimento de mundo, como afirma Reali (2007), quando define a mídia como uma
instituição pedagógica equiparada ao aprendizado familiar e religioso.
A dia de modo geral e o cinema em especial tem atraído a atenção de
educadores das mais distintas áreas do saber (inclusive da Geografia) como fonte de
conhecimento. Portanto, assistir a um filme o é uma atividade neutra, sem nenhum efeito
sobre o espectador, mas sim uma atividade política, assim como sua produção e distribuição:
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Quanto mais o sujeito estiver equipado para “dialogar” com o filme (concordar,
duvidar, contrapor-se, conhecer, reconhecer, discordar etc.), mais ativa também será
sua “aprendizagem”, mais amplo se tornará seu campo cognitivo. O cinema se
transforma em uma riquíssima ferramenta de análise, reflexão e compreensão do
mundo e da humanidade, podendo transformar-se em verdadeiro debate coletivo
(Reali, 2007, p. 134-135).
Seguindo essa concepção, o cinema não é visto como uma narrativa que conteria uma
verdade absoluta, sendo passível de gerar ação reflexiva e interpretativa dos espectadores.
Nessa perspectiva, o entendimento básico do complexo sistema cinematográfico e seus
elementos, como roteiro, edição, fotografia, iluminação e som, é um importante meio para uma
análise crítica de uma determinada “construção” da realidade filmada. Mais que reproduzir, a
gama de processos envolvidos no modus operandi do cinema possibilita dotar o espaço
geográfico de conteúdo “aurático”, ou ampliá-lo de forma ímpar e contundente (Name, 2013).
Segundo Gamir Orueta e Valdés (2007) existem três linhas de pesquisa na interface
entre a Geografia e o cinema. Uma primeira aproximação procede do Ensino da Geografia
(Didáctica de La Geografía) na década de 1950, no contexto anglo saxão, os filmes
chamam atenção acerca das possibilidades pedagógicas. O cinema ou qualquer produção
audiovisual (como documentários) são recursos bastante utilizados na prática educativa da
Geografia, no entanto, poucas reflexões críticas são desenvolvidas nesse âmbito (Campos,
2006).
A segunda linha, que costuma ser negligenciada, parte da Geografia Econômica
estudando o cinema enquanto uma relevante indústria cultural. Realiza trabalhos com a
finalidade de destacar a importância desta “indústria” e mostrar suas pautas de distribuição e
localização (Christopherson; Storper, 1986; Scott, 2002, 2004; Gámir, 2005) se envolvendo
também com a geografia urbana, levando em consideração a distribuição de salas na cidade
(Gámir, 2001).
Por fim, um terceiro grupo de trabalhos procede da Geografia Cultural e se centra na
criação e difusão de imagens geográficas. A produção geográfica demarcada neste segmento
apresenta uma considerável variedade de enfoques e de conteúdos, partindo de trabalhos
pioneiros como Kemal e Gaskell (1993) e os citados Burguess e Gold (1985) e Aitken e Zonn
(1994).
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É importante destacar que deste último procedem duas correntes interpretativas. A
primeira delas, a estadunidense, considera a comunicação como um processo mediante a qual
se transmite uma mensagem a distância. Sob está abordagem, a indústria cinematográfica
estadunidense se encontra interessada na produção de estereótipos, seja de sociedades o de
lugares (Gámir Orueta; Valdés, 2007). a interpretação europeia conceitua a comunicação
como um processo através do qual uma determinada cultura é criada, modificada e
transformada. As análises da representação fílmica devem, assim, constituir uma prioridade
para os geógrafos que pretendam entender a sociedade pós-moderna.
Alguns autores destacam o interesse comum entre a Geografia e o cinema. Para
(Konstantarakos, 2000). Assim, Pesquisar sobre filmes cai bem dentro do propósito da
geografia humana. Filmes tratam de espaço e tempo, bem como, sua construção de lugar e
significado” (Kennedy; Lukinbeal, 1997 p. 33). Neste sentido, Lacoste (1999) afirma:
Na verdade, a lógica da geografia, pode-se dizer, parece muito próximo ao do cinema.
Geografia, etimologicamente, significa em grego (como geografia remonta a
Heródoto há 2500 anos) desenhar, representando a Terra. Representando a superfície
da terra, não são apenas os mapas, mas também paisagens (e são elas que estamos
atualmente interessados), como mostrado nos desenhos e pinturas durante séculos, e,
hoje em dia, em fotografia e filmes. Sem dúvida, é o cinema que hoje mais contribuí
para desenvolver a sensibilidade paisagística para uma parte da população,
sensibilidade que não existia antes
3
(Lacoste, 1999. p. 155, tradução nossa)
Apesar de distintos modelos de se estudar cinema e Geografia, o recurso mais
empregado pelos autores para a reflexão crítica dos filmes estaria na interpretação da paisagem
transformada em pura imagem (Barbosa, 1998). Donde se conclui que o conceito chave para se
estudar cinema na Geografia é paisagem: A “[...] paisagem é central na formação do espaço
cinematográfico
4
(Lukinbeal, 2005, p. 3). O foco geográfico seria “[...] a ênfase no processo
3
No original: En effet, la raison d'être de la géographie, pourrait-on dire, me parait très proche de celle du cinéma.
Étymologiquement géographie, cela veut dire en grec (car la géographie remonte en fait à Hérodote il y a 2500
ans) dessiner, représenter la Terre. Représenter la surface terrestre, ce ne sont pas seulement les cartes, mais aussi
les paysages (et ce sont eux qui nous intéressent présentement) tels que les montrent depuis des siècles le dessin,
la peinture et, de nos jours, la photographie, le film. Sans doute est-ce le cinéma qui aujourdhui contribue le plus
à développer la sensibilité aux paysages d'une part de plus en plus grande de la population, sensibilité qui n'existait
guère autrefois.
4
No original: “[…] landscape is central in the formation of cinematic space.
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de construção das representações de paisagens culturais por intermédio da obra fílmica”
(Maciel, 2005, p. 4).
Leituras da paisagem cinematográfica
Em meados dos anos 1990 inauguram-se novos estudos acerca das possibilidades
interpretativas da dimensão espacial em produções cinematográficas. Partindo dos autores
(Aitken; Zonn, 2009) que organizaram uma publicação
5
pioneira que reúne diversos artigos que
buscam analisar a relação entre Geografia e o Cinema, este campo de estudos cresce no Brasil
no final da década dos anos 2000.
Para Aitken e Zonn (2009), a análise fílmica é feita com a descrição de um plano
sequência
6
de um determinado filme, relacionando imediatamente a paisagem com o
personagem. Em seguida, são apresentados a obra, o diretor, seus prêmios e, posteriormente,
descreve-se uma breve sinopse. “A estória de Paris, Texas (1984) gira em torno da busca de
Travis por seu self [por seu próprio ‘eu’] e pela família, em um terreno improdutivo de mitos
norte-americanos: o deserto como a última fronteira, a liberdade do automóvel e do homem
nômade e o santuário da família nuclear” (Aitken; Zonn, 2009, p. 16).
Trata-se de um filme de viagem (gênero Road movie), no qual o deslocamento é
entendido como uma experiência fenomenológica que intensifica a noção de lugar, uma busca
existencial para o passado e um espírito de fronteira que olha a diante. Os autores destacam a
importância da representação cinemática para o entendimento de nosso lugar no mundo, e que
os geógrafos podem oferecer importantes subsídios para a teoria crítica do cinema.
A maneira como são utilizados os espaços e como são retratados os lugares no cinema
reflete normas culturais, costumes morais, estruturas sociais e ideologias
preponderantes. Concomitantemente o impacto de um filme sobre um público pode
moldar experiências sociais culturais e ambientais (Aitken; Zonn, 2009, p. 19).
O foco teórico é a relação entre imagem e representação como uma forma de entender
o filme pelo viés geográfico: “[...] a representação consolida uma série de estruturas sociais que
5
AITKEN, S. C.; ZONN, L.E. (orgs.). Place, power, situation, and spectacle: a geography of film. Lanham:
Rowman&Littlefield, 1994.
6
Trata-se de um plano longo para representar o equivalente de uma sequência. Uma ação completa rodada de uma
vez, sem cortes que possui unidade dramática (Amount; Marie, 2006).
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ajudam os indivíduos a compreender ambientes que de outro modo seriam caóticos e aleatórios
e a se definirem e se localizarem em relação a esses ambientes” (Aitken; Zonn, 2009, p. 21).
Em seguida, lançam mão de autores como Massey, Dear, Harvey e Soja como base coerente
para a teoria contemporânea (pós-moderna) da Geografia.
Como se trata de um artigo de caráter introdutório, Aitken e Zonn apontam trabalhos
pioneiros na Geografia anglo-saxã acerca da descrição de paisagens culturais representadas por
meios de comunicação em massa. Destacando Geography, the media, and popular culture
7
,
organizado por Burgess e Gold e publicado em 1985, como uma das primeiras tentativas em
conciliar Geografia e estudos de mídia centrada em duas correntes mídia e normas culturais
e políticas (estruturalista, semiótico) e mídia e comportamento individual (psicologia social e
cognitiva).
Expondo o caráter “mimético” do filme e sua capacidade de criar um modelo fictício do
mundo, de construir uma realidade tanto na mis-en-scène da ficção ou do cenário “autêntico”
do documentário, incorporando um conjunto de estratégias narrativas. A capacidade de um
filme produzir sentido “[...] não deriva do grau de ‘realismo’, mas da construção bem sucedida
de uma série de convenções narrativas(Aitken; Zonn, 2009, p. 39), bem como o menosprezo
ou desconstrução da convenção narrativa rebatem os discursos dominantes. Aliado à
participação ativa do espectador (dinâmica e mutável), a compreensão espacial e temporal do
filme não causa estranhamento. A câmera não reflete a realidade, mas elabora sentido, discurso
e ideologia, sendo passível de ser contestada.
Jeff Hopkins (2009) apresenta um estudo que busca levar em consideração a
preocupação geográfica com a paisagem e fundamentar teoricamente a produção e consumo da
imagem fílmica. A análise recaiu em processos “semióticos” que criam a imagem fílmica, que
deve ser tratada enquanto uma paisagem semiótica, ou seja, como uma construção humana,
cultural de signos e sistemas de signos sistematicamente relacionados. A paisagem, na
perspectiva do autor, é um conceito fundamental para o geógrafo empreender uma análise
cinematográfica, buscando assim uma paisagem fílmica/cinematográfica.
7
BURGESS, J.; GOLD, J. R. (Orgs.). Geography, the media, and popular culture. New York: St. Martins
Press, 1985.
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Essa paisagem será a representação fílmica de um meio ambiente real ou
imaginado/visualizado por um espectador. Constitui-se assim um complexo sistema de signos
auriculares e visuais criados por quem faz cinema, pelo meio de expressão e pela audiência.
Assim como Aitken e Zonn, Hopkins destaca o poder do público de cinema que reside na
capacidade de vivenciar o filme criticamente.
Neste sentido, Azevedo (2009) entende que a “Geografia do cinema” se desenvolve na
esfera de trabalhos de geógrafos como Doreen Massey e Denis Cosgrove, ou seja, com a análise
dos significados de lugares por meio de diferentes produtos culturais que interferem na
interação entre os indivíduos e o espaço, refletindo estruturas de poder e ideologias.
A análise do cinema como produto cultural recai em alguns temas, no entanto, para
efeito deste debate, nos afinaremos à análise da paisagem cinemática como representação
cultural: “Enquanto produto cultural e forma de arte, cada filme proporciona um mapa de
itinerários e trajetórias vivas, envolvendo seus habitantes temporários e seus viajantes nas mais
diversas práticas espaciais” (Azevedo, 2009, p. 122)
No Brasil, Jorge Luiz Barbosa é um dos primeiros geógrafos a adentrar neste novo
campo, contribuindo com uma série de artigos e um livro sobre o tema da Geografia e o cinema.
Em 1998, publicou o artigo intitulado “Paisagens americanas: imagens e representações do
wilderness”, no qual questiona como o mito da natureza selvagem norte-americana foi utilizado
e re-significado pela cinematografia estadunidense.
Ao destacar o enfoque das produções nas paisagens naturais do Oeste americano
(montanhas, planícies e desertos), o autor indica caminhos a serem seguidos pelo geógrafo
interessado no meio cinematográfico como campo de negociação cultural acerca dos “modos
de ver”, imaginar e simbolizar espaços regionais de grande importância para as identidades
nacionais. O autor destaca o gênero western hollywoodiano como re-criador do mito do
wilderness, associando o gênero com produções posteriores que abordam a região, além das
obras que enfocavam paisagens do Sul americano, indicando diferentes significados:
[...] as paisagens do Oeste e do Sul revelam, na superfície de suas diferenças, formas
de percepção, concepção e ação instituidoras dos destinos de uma civilização. A
monocromia melancólica do Sul e a policromia esfuziante do Oeste traçam as
fronteiras do american dream (Barbosa, 1998 p. 50).
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O autor revisa o conceito de paisagem, partindo das concepções clássicas de Vidal de
La Blache, Pierre George e Olivier Dolfuss,
8
destacando que “[...] na tradição dos estudos
geográficos, a paisagem é definida como um campo da visibilidade”. Todavia, o olhar “não é
somente o exercício de um sentido (visão), é também uma produção de sentido (significação)”
(Ronai
9
apud Barbosa, 1998, p. 44). Em seguida destaca-se que o entendimento conceitual da
paisagem compatível com a abordagem cinematográfica é oferecido mais diretamente pelos
geógrafos franceses, utilizando-se dos conceitos de Augustin Berque
10
e Paul Claval
11
, como
descreve o autor:
Visível e concebida. Marca e Matriz. Sentido da relação de uma sociedade com a
natureza, a paisagem é o registro gravado de uma civilização. [...] paisagem é produto
como também suporte da cultura, porque é veículo de mitos, tradições, valores [...]
que contribuem para transferir saber, crenças, sonhos e atitudes sociais de uma
geração a outra (Barbosa, 1998, p. 44).
Como quer que seja, o conceito de paisagem é retomado e desenvolvido pelos
geógrafos, criando uma possível definição de “paisagem cinematográfica” que compactua com
a perspectiva de Cosgrove (2002), segundo a qual a paisagem na geografia humana está
intimamente vinculada com a cultura, sendo uma “maneira de ver” carregada de sentido e de
simbolismo.
Nesta perspectiva, abre-se para o geógrafo a possibilidade de atribuir às imagens de uma
determinada película o caráter de uma seleção (intencional ou não) de “maneiras de ver”
carregada de sentido e simbolismo de uma dada sociedade. Segundo Name (2013) um filme é
espaço geográfico gravado, é indistinto do que é espaço geográfico “real”, seus significados
fundem-se e confundem-se.
A linguagem cinematográfica e a produção do espaço
8
DOLFUSS, O. A análise geográfica. São Paulo: DIFEL. 1973
9
RONAI, M. Paysages. Herodote, n. 1, 1976, p. 125-159.
10
BERQUE, A. Les Raisons Du Paysage. Paris: Hazan, 1995; BERQUE, A. “Paysage-empreinte, paysage-
matrice: Eléments de problématique, por une géographie culturalle.” In: L’espace Geographique, TOMO XIII,
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11
CLAVAL, P. “Champs e perspectives de la geographie culturelle.” In: Geographie et cultures, n.1, 1992.
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MAIA FILHO, Pedro Paulo Pinto. Esquadrinhando a Paisagem Cinematográfica: uma análise das leituras geográficas do cinema. Ensaios de
Geografia. Niterói, vol. 11, nº 24, e-112417, 2024.
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Quando lidamos com imagem, evidentemente o estamos lidando apenas com o
objeto ou o conceito que esta representa, mas também com o modo em que está sendo
representada. A representão audiovisual possui uma linguagem, um conjunto de digos
e convenções que produz sentidos (Tuner, 1997).
Assim, uma determinada produção cinematogfica pode mobilizar diferentes
técnicas que influenciarão na constrão da espacialidade. Por isso, para analisar a
Geografia do cinema é imprescindível o geógrafo entender algumas das linguagens que
compõe um documento fílmico.
Neste sentido, Gamir Orueta (2012) defende a necessidade de o geógrafo se apropriar
dos mecanismos de funcionamento de um meio que se tornou “[...] o instrumento mais poderoso
para a difusão de espaços geográficos” (Gámir Orueta, 2012). Por isso a “desconstrução” da
linguagem cinematográfica é necessária para fazer desse meio uma forma de conhecimento
geográfico.
Ao aliar o uso da imagem em movimento à posterior incorporão do som, o cinema
desenvolve seus próprios sistemas de signos, um rico conjunto de código e convenções, tais
como a edição, o enquadramento da câmera e a iluminação. A compreensão de características
peculiares ao meio cinematográfico passa por uma leitura pouco usual e desafiadora para o
geógrafo.
Considerando a linguagem cinematográfica, Costa (2005) realiza um profícuo diálogo
com a Geografia cultural, sugerindo uma metodologia para o entendimento do que se conhece
por Geografia fílmica”. A partir daí, indica que sejam privilegiados ângulos de análise
considerando: o cineasta (quem dirige e quem produz o filme); a estrutura fílmica (o que
acontece no filme? Como temas, personagens e locações são inseridos? Como começa e
termina?), as locações e os cenários (quais espaços são privilegiados, o que significam e que
personagens povoam esses espaços), o “trabalho” da câmera cinematográfica (como o
posicionamento da câmera a estética e a composição das imagens influencia o conteúdo das
visões de um determinado espaço), o som (como diálogos, música e som ambiente contribuem
para o desenvolvimento da trama), a intertextualidade (filmes são influenciados por outros
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filmes e outros tipos de textos) e a recepção (pode ser feito por entrevista direta com a audiência
ou revisar comentários publicados em periódicos).
Para Alvarenga (2011), a montagem é um componente crucial na construção espaço-
temporal do filme. Ou seja, o autor busca retratar como as manipulações dos planos
cinematográficos podem elaborar uma “Geografia criativa” própria ao meio cinematográfico.
Tendo em mente que uma produção cinematográfica “[...] é uma obra fragmentária e
descontínua, concebida e realizada em pequenas partes (Marques, 2007), a montagem será
eleita como uma técnica fundamental na construção da espacialidade, comprimindo o espaço
em função do tempo ou o inverso. Neste sentido, o cinema é a impressão de movimento pela
sequência no tempo de imagens projetadas sobre um mesmo espaço (Gomes, 2013).
Partindo das análises e experiências de cineastas soviéticos dos anos 1920, verifica-se a
capacidade que o cinema tem na elaboração de um novo espaço: “[...] puramente imagéticos, a
partir da colagem de imagens de fragmentos do espaço capturados do mundo físico”
(Alvarenga, 2011).
O cinema pode manipular espaços, justapô-los, de modo a configurar um espaço único,
próprio do filme (Name, 2013). Neste sentido, o plano-sequência é uma opção que valoriza
naturalmente o espaço, porque não o fragmenta. “Além disso, garante maior realismo, pois
mantém acontecimentos importantes para a narrativa dentro da mesma unidade espaço-
temporal” (Martins, 2014, p. 32).
O enquadramento, ou seja, a posição e o movimento da câmera, é também um dos
elementos mais destacados nas análises da espacialidade fílmica. Para Gámir Orueta (2012),
filmar é escolher um trecho do espaço (campo) por meio de um quadro elaborando um
espaço diegético. Os deslocamentos de mera e dos objetos filmados elaboram uma
impressão da realidade ppria à sétima arte, possibilitando uma vincia pxima e
empírica (Name, 2013).
A noção de enquadramento (moldura) é familiar à pintura e aparece no cinema para
designar o conjunto do processo mental e material pelo qual se chega a uma imagem que
contém certo campo visto de certo ângulo (Aumont; Marie, 2006). Neste sentido, enquadrar
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no cinema é um processo de selão de um determinado espo pelamera, que dependerá
do manejo, formato de tela, movimento e ângulo.
O enquadramento é realizado em diferentes escalas, desde um plano muito fechado,
que ponha em evincia objetos misculos, a planos abertos, que podem exibir uma ampla
paisagem. O plano geral (ou plano aberto) costuma apresentar uma grande porção do
espaço, e é comumente utilizado para apresentar a paisagem na qual decorre a narrativa.
A paisagem no cinema vai ser um conjunto de planos esparsos e fragmentados que
organizam a narrativa, dando-lhe ritmo ou emoldurando a ação dos personagens. A
paisagem no cinema vai ser pontuação, relaxamento, pausa reflexiva, imagem poética,
composição estética (Amancio, 2000, p. 49).
A apresentação do espo por planos gerais é crucial para a produção espacial na
narrativa. Algumas vezes, basta um ícone (como a Torre Eiffel) para sabermos que o filme
se passa em Paris. Segundo Martin Lefebvre (2002) a paisagem aparece no filme em
momentos em que o diretor tenha um interesse de exibi-la e que o espectador se encontre
capacitado para apreciá-la. Desta forma, a capacidade de visualizar e identificar paisagens é
inerente à pessoa e difere consoante as suas circunstâncias pessoais (idade, nível cultural,
conhecimentos geográficos, experiências anteriores, etc.)
12
(Gámir Orueta, 2012, p. 44).
Assim, Lefebvre identifica dois tipos de paisagem no filme: as paisagens impuras,
que seriam pprias do modo narrativo, no qual o espectador se centra nos diálogos dos
personagens e sua ação; e as paisagens puras, que são exibidas pelo filme de maneira
contemplativa, ou seja, quando o espaço é importante para a constrão da própria
narrativa.
A paisagem no filme parte da subjetividade de seus produtores, apontando os aspectos
políticos e culturais que dialogarão com o referencial imagético do espectador não
esquecendo os sujeitos locais, figurantes e habitantes do espaço filmado. Desse modo, para a
Geografia, a paisagem cinematográfica teria um sentido de mediação, de relação entre o
observador e o espaço.
12
No original: De este modo, la capacidad para visualizar e identificar paisajes es inherente a la persona y difiere
según sus circunstancias personales (edad, nivel cultural, conocimiento geográfico, experiencias previas, etc.).
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A paisagem cinematográfica pode ser considerada como um conjunto de argumentos
(sobretudo visuais, porém com apelo a outros sentidos) com enorme poder de
transmitir uma impressão acerca do espaço representado, somando-se ao roteiro, trilha
sonora,caracterização de personagens, direção de fotografia, edição, etc. (Maia Filho,
2013, p. 90).
A paisagem visualizada nos filmes é uma construção interpretativa, uma seleção de
características do espaço, uma interposição entre as experiências individuais e coletivas, ao
mesmo tempo materiais e simbólicas, sedimentadas por sua historicidade. A importância da
representação midiática é abordada como elemento crucial na elaboração de uma
geograficidade.
Como lembra Cosgrove (2002), a Geografia concerne ao mundo físico, que pode ser
visto, mas a visão é mais DO que um processo óptico, envolvendo experiências no mundo
através da imaginação e expressões em imagem. Portanto, o espaço midiatizado influencia na
percepção do espaço vivido dos grupos sociais, de forma que a fotografia e cinema
revolucionaram a transmissão de paisagens.
Considerações Finais
Na Geografia, o entendimento acerca do uso da imagem é crescente e ganha força com
a renovação cultural na ciência. Torna-se cada vez mais evidente a grande possibilidade de
diálogo existente entre a Geografia e as demais representações imagéticas.
As publicações de geógrafos interessados no cinema ilustram e apresentam diferentes
formas de trabalhar com este meio, o que abre uma variedade de possibilidades para se estudar
a temática. Dessa forma, diferentes formas de se trabalhar com o documento fílmico abrem o
leque de oportunidade tanto para a pesquisa quanto para a prática educativa em Geografia. As
narrativas fílmicas contribuem para as experiências e percepções socioterritoriais de um
determinado espaço, integrando um esquema explicativo ou interpretativo do espaço
geográfico.
Cabe salientar que, apesar das distintas formas de analisar filmes, a categoria paisagem
se destaca na mediação entre os dois campos, pois seria a maneira mais imediata de chegar às
primeiras perguntas inquiridas por um olhar geográfico. A produção audiovisual pode ser um
meio de estudo da captação e expressão da “atmosfera” histórico-geográfica e social de uma
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região ou território. Conceito caro à Geografia, a paisagem deve ganhar novos sentidos e
aplicações no estudo de imagens produzidas em um universo ficcional.
Através dos elementos técnicos de produção, destacadamente a fotografia, edição e
montagem, o cinema pode cortar, juntar, somar, esconder e destacar determinadas porções do
espaço, ou seja, o cinema cria sua própria espacialidade. A fotografia saturada de um cenário
fílmico, por exemplo, pode ser usada para ressaltar a aridez de uma paisagem, como no filme
Cinema, aspirinas e urubus
13
(2005). A paisagem construída no filme depende de muitos
elementos técnicos, e apresenta o modo de ver dos produtores ao representar uma determinada
porção do espaço.
Apesar de pouco usual, é importante que os geógrafos que desejam estudar o cinema se
debrucem em leituras oriundas da área da comunicação. Isso permite compreender melhor as
linguagens que compõem um documento fílmico. Além disso, os geógrafos podem passar a
produzir seus próprios conteúdos audiovisuais. Trata-se de um amplo campo de estudo com
diversas possibilidades interpretativas sobre o espaço e a sociedade. Portanto, o diálogo entre
Geografia e cinema abre caminhos para interpretações inovadoras sobre a espacialidade,
permitindo aos geógrafos ampliar seus métodos de pesquisa e ensino.
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