Ensaios de Geografia
Essays of Geography | POSGEO-UFF
AO CITAR ESTE TRABALHO, UTILIZAR A SEGUINTE REFERÊNCIA:
TEIXEIRA, Paloma Barcelos. Historiografia dos cemitérios de Vitória/ES como território urbano. Ensaios de Geografia. Niterói, vol. 12, nº
25, e122501, 2025.
Submissão em: 02/08/2024. Aceito em: 24/10/2024.
ISSN: 2316-8544
Este trabalho está licenciado com uma licença Creative Commons
1
SEÇÃO ARTIGOS
Historiografia dos cemitérios de Vitória/ES como território urbano
1
Historiography of the cemeteries of Vitória/ES as urban territory
Historiografía de los cementerios de Vitória/ES como territorio urbano
DOI: https://doi.org/10.22409/eg.v12i25.63941
Paloma Barcelos Teixeira
2
Universidade Federal do Espírito Santo (UFES),
Espírito Santo, Brasil
e-mail: paloma93barcelos@hotmail.com
Resumo
Neste artigo investigamos os cemitérios enquanto território urbano, considerando duas perspectivas: como
territórios e como elementos de expressão cultural. A temática cemiterial, embora pouco explorada, possui um
potencial significativo para estudos acadêmicos. Nosso objetivo é, através da narrativa das construções dos
cemitérios de Vitória, relacionar as transformações sociais da segunda metade do século XIX às mudanças
territoriais no espaço público da cidade. Para isso, apresentamos os resultados de uma pesquisa exploratória
realizada por meio da plataforma da Biblioteca Nacional Digital Brasil, que disponibilizou a Hemeroteca Digital
Brasileira. Utilizamos fontes primárias, documentos e materialidades para investigar as trajetórias e a acepção
territorial dos cemitérios, bem como as transformações do espaço cemiterial. Observamos que a trajetória dos
cemitérios de Vitória revela significativas mudanças socioculturais e urbanísticas que refletem as dinâmicas sociais
e políticas da época. Concluímos que os cemitérios são indicadores importantes das transformações urbanas e
sociais, que contribuem para a compreensão histórica e cultural da cidade.
Palavras-chave
Cemitérios; Cidade; História; Território.
1
Este artigo é uma versão atualizada do resumo expandido intitulado “O Cemitério como espaço territorial urbano:
historiografia do caso de Vitória (ES)”, apresentado no 16º Seminário de História da Cidade e do Urbanismo (30
anos, atualização crítica). Esta atualização se faz necessária devido a novas descobertas que surgiram após a
conclusão da pesquisa de mestrado realizada no Programa de Pós-graduação em Geografia da Universidade
Federal do Espírito Santo proporcionando uma revisão e aprofundamento dos dados previamente analisados.
2
Mestra e doutoranda em Geografia na Universidade Federal do Espírito Santo, com foco na historiografia dos
cemitérios de Vitória/ES e em toponímia urbana. Membro associada da Associação Brasileira de Estudos
Cemiteriais (ABEC).
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TEIXEIRA, Paloma Barcelos. Historiografia dos cemitérios de Vitória/ES como território urbano. Ensaios de Geografia. Niterói, vol. 12, nº
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Abstract
In this article we investigate cemeteries as urban territories, considering two perspectives: as territories and as
elements of cultural expression. Cemetery studies, though rarely explored, hold significant potential for academic
research. Our objective is to relate the social transformations of the second half of the 19th century to territorial
changes in the city's public space through the narrative of the construction of cemeteries in Vitória. To achieve
this, we present the results of an exploratory research carried out through the platform of the Brazilian National
Digital Library, which provided access to the Brazilian Digital Newspaper Library. We used primary sources,
documents, and materialities to investigate the trajectories and territorial significance of cemeteries, as well as the
transformations in cemetery spaces. We observed that the trajectory of the cemeteries in Vitória reveals significant
sociocultural and urbanistic changes that reflect the social and political dynamics of the time. We conclude that
cemeteries are important indicators of urban and social transformations, contributing to the historical and cultural
understanding of the city.
Keywords
Cemeteries; City; History; Territory.
Resumen
En este artículo investigamos los cementerios como territorios urbanos, considerando dos perspectivas: como
territorios y como elementos de expresión cultural. La temática cemeterial, aunque poco explorada, tiene un
potencial significativo para los estudios académicos. Nuestro objetivo es, a través de la narrativa de las
construcciones de los cementerios de Vitória, relacionar las transformaciones sociales de la segunda mitad del
siglo XIX con los cambios territoriales en el espacio público de la ciudad. Para ello, presentamos los resultados de
una investigación exploratoria realizada a través de la plataforma de la Biblioteca Nacional Digital Brasil, que
proporcionó acceso a la Hemeroteca Digital Brasileña. Utilizamos fuentes primarias, documentos y materialidades
para investigar las trayectorias y la acepción territorial de los cementerios, así como las transformaciones del
espacio cemeterial. Observamos que la trayectoria de los cementerios de Vitória revela cambios socioculturales y
urbanísticos significativos que reflejan las dinámicas sociales y políticas de la época. Concluimos que los
cementerios son indicadores importantes de las transformaciones urbanas y sociales, que contribuyen a la
comprensión histórica y cultural de la ciudad.
Palabras clave
Cementerios; Ciudad; Historia; Territorio.
Introdução
Os cemitérios são espaços de rituais fúnebres que comportam arte mortuária, cultura,
signos e memória. Estão inscritos no tecido urbano e passaram por um processo de
secularização. Compreendemos também que a palavra cemitério está necessariamente
associada à ideia de morte, contudo, o termo evoca, na memória individual de cada um de nós,
contextos variados: para alguns, tristeza e despedida; para outros, arte e narrativas; para outros
ainda, um negócio lucrativo.
Em todos os casos, os cemitérios são os equipamentos sociais de depósito e guarda dos
corpos mortos, principais sedes dos ritos fúnebres e locais oficiais de expressão do luto.
Partindo dessa premissa, definimos o cemitério como um elemento urbano que resolve uma
questão civilizatória: o destino dos corpos humanos após a morte (Teixeira, 2022).
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Enquanto espaços sagrados que refletem a vida cotidiana, os cemitérios traduzem o
reflexo dos vivos em seus túmulos, por meio de representações individuais ou familiares, de
diversas formas. Organizados como pequenas cidades, com uma lógica de planejamento
cuidadoso, esses locais movimentam negócios e revelam estratificações sociais, evidenciadas
pelas ruas que separam os túmulos. A história dos cemitérios reflete a implantação de uma
ordem cultural desenvolvida por grupos sociais em sua inter-relação com a finitude da
existência humana (Petruski, 2007).
A relação entre cidade e cemitério está diretamente associada à relação da sociedade
com a morte. Nesse sentido, acreditamos que o cemitério, tal como se verifica hoje, é um
território repleto de cultura material e imaterial, onde por meio da arquitetura, escultura, arte
mortuária, dos materiais para produção das sepulturas, dos signos e significados é possível
compreender a memória e a identidade da sociedade na qual estão inseridos espacialmente
(Borges, 2002; Almeida, 2016). Assim, conforme Sloane (2018), percebe-se que os cemitérios
podem ser compreendidos como territórios de memória aptos a estudos acadêmicos que
revelam muito além do que é visível a um olhar despretensioso.
Nesse sentido, a Geografia tem desempenhado um papel importante na análise dos
cemitérios ao utilizar diversas subáreas sociais, culturais e físicas para entender como a
morte impacta o espaço urbano e a organização territorial. No Brasil, os estudos cemiteriais
começaram a ganhar força nas últimas décadas, acompanhando os debates internacionais sobre
a relação entre cemitérios e o desenvolvimento urbano.
Um dos primeiros estudos geográficos da temática foi o de Uyvão Antonio Pegaia, em
1967, em que o autor analisou a distribuição das necrópoles em São Paulo. Pegaia observou um
desequilíbrio entre o crescimento populacional e a capacidade dos cemitérios, e destacou a
necessidade de novas abordagens no planejamento urbano. Ele também evidenciou como os
rituais relacionados à morte moldam a paisagem urbana e o desenvolvimento das cidades
(Pegaia, 1967).
Nesse mesmo sentido, o geógrafo Eduardo Rezende escreveu O Céu Aberto na Terra
em 2004, no qual investigou a expansão urbana e sua relação com os cemitérios em São Paulo.
No mesmo ano, idealizada por Rezende e alguns historiadores, foi fundada a Associação
Brasileira de Estudos Cemiteriais (ABEC), o que impulsionou ainda mais esse campo de
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estudos. A associação promove encontros e publicações que tratam os cemitérios como espaços
multifacetados, e atualmente conta com pesquisadores associados de várias áreas, desde
arquitetos, geógrafos, historiadores a antropólogos e engenheiros, o que demonstra a amplitude
dos estudos cemiteriais.
Nos anos seguintes, a pesquisa geográfica sobre cemitérios no Brasil se diversificou,
incluindo análises ambientais e de planejamento territorial. Estudos como os de Petsch,
Monteiro e Bueno (2011) examinaram os impactos de cemitérios em bacias hidrográficas,
enquanto outros, como Leli et al. (2012), enfatizaram a importância das normas do Conselho
Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) para minimizar os impactos ambientais dos
cemitérios.
A contaminação de lençóis freáticos por necrochorume também se tornou foco de
preocupação, com pesquisas analisando casos específicos, como os de Bacigalupo (2018) e
Rocha et al. (2017), que estudaram os impactos em cemitérios no Rio de Janeiro e Alagoas,
respectivamente. Essas investigações geográficas frequentemente se concentraram em estudos
de caso, como visto em Pereira (2018) e Nascimento (2019), que analisaram a contaminação
do solo em diferentes regiões do Brasil.
Outro foco das pesquisas geográficas recentes tem sido o cemitério como espaço
potencialmente turístico. Estudos vinculados à Geografia Humana identificaram cemitérios
como territórios sagrados e espaços de educação não formal, promovendo roteiros turísticos
baseados em personalidades e narrativas culturais (Figueiredo, 2017). A pandemia de COVID-
19 também trouxe, recentemente, os cemitérios para o centro das discussões geográficas devido
à falta de sepulturas e à necessidade de novas áreas para enterros (Teixeira; Freire, 2020,
Nascimento, 2020).
Essas investigações geográficas evidenciam que os cemitérios são espaços dinâmicos,
influenciados por fatores sociais, culturais e ambientais. No entanto, antes dessas abordagens
contemporâneas, os cemitérios estavam profundamente enraizados em práticas religiosas e
econômicas tradicionais já que, nas cidades, o sepultamento dos corpos no interior das igrejas
ou em terrenos contíguos a elas era característica da matriz cultural católica, que considerava
sinal de prestígio espiritual a definição do local do descanso eterno próximo de suas referências
e de seus signos de proteção. Percebia-se uma divisão territorial de matriz econômica na medida
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em que o sepultamento no interior das igrejas estava reservado às famílias mais importantes, e
aquele realizado nos terrenos contíguos, aos “outros” (Ariès, 1990).
Em grande parte do mundo, a partir da primeira metade do século XIX, com o
surgimento do higienismo e dos fundamentos do sanitarismo, o modelo tradicional que
estabelecia uma relação espacial entre os cemitérios e as igrejas foi alterado. As preocupações
sanitárias deslocaram, de forma gradual, o local dos sepultamentos para as periferias dos
complexos urbanos. A medicina apropriou-se do fenômeno da morte, avançando sobre o espaço
da religião.
Em diversos lugares, esse fenômeno ocorreu quando foi necessário lidar com epidemias
que produziram grande número de mortes. Foi o que aconteceu na cidade de Vitória/ES, onde
os sepultamentos sistemáticos em cemitérios públicos tiveram início nos primeiros anos do
século XX, após as administrações públicas municipais de Vitória terem elegido a região do
bairro de Santo Antônio, distante do centro da capital, para sediar alguns dos seus principais e
primeiros cemitérios.
Atualmente, Vitória, capital do Espírito Santo, é o centro da Região Metropolitana da
Grande Vitória. Localizada em uma ilha de 96,5 km², a cidade se destaca por sua geografia
singular, composta por morros, áreas costeiras e um complexo sistema hidrográfico, como pode
ser verificado na Figura 1. O Porto de Vitória desempenha um papel central na economia, sendo
estratégico para a exportação de minério e produtos agrícolas, enquanto o setor de serviços e o
comércio complementam o desenvolvimento econômico local. Com bons indicadores de
educação, saúde e renda per capita, a cidade enfrenta, contudo, desafios ambientais relacionados
à preservação de suas áreas costeiras e manguezais, fatores que impactam diretamente seu
planejamento urbano (Teixeira; Robaina, 2023).
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Figura 1 Mapa de localização de Vitória, Espírito Santo, Brasil
Fonte: Produzido por Teixeira e Grandi (2023).
Diante desse cenário, torna-se relevante entender de que forma os processos de
transformação da sociedade e dos seus rituais de morte implicaram transformações territoriais
no espaço físico das necrópoles da região analisada.
Metodologia
Este artigo propõe uma pesquisa com o objetivo de aprofundar conceitos preliminares
sobre a temática dos cemitérios, buscando explorar e possibilitar a compreensão dos cemitérios
da cidade de Vitória/ES no contexto urbano. Primeiramente, realizamos uma extensa pesquisa
por meio da plataforma da Biblioteca Nacional Digital Brasil, que disponibiliza a Hemeroteca
Digital Brasileira. Esse acervo reúne um conjunto organizado de periódicos da Fundação
Biblioteca Nacional, o que permite acesso a uma rica fonte de dados históricos.
A partir dessa plataforma, reunimos as fontes primárias dos Relatórios da Assembleia
Legislativa do Espírito Santo e de diversos jornais, incluindo o Correio da Victoria,
Typographia Capitaniense, O Estado do Espírito Santo, O Autonomista e o Diário da Manhã.
Esses periódicos, publicados na segunda metade do século XIX e nos primeiros anos do século
XX, foram fundamentais para a análise dos dados compilados e das citações textuais, que
adaptamos à língua portuguesa contemporânea.
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Além das fontes digitais, também consultamos documentos históricos no Arquivo
Municipal de Vitória (APMV) e no Arquivo Público do Espírito Santo (APEES). Essas
instituições forneceram documentos complementares que enriqueceram nossa pesquisa.
Com esses elementos, apresentaremos um panorama do fenômeno da secularização dos
cemitérios de Vitória/ES, destacando como a administração das necrópoles foi gradualmente
transferida das igrejas para a prefeitura municipal. Esse processo caracterizou a necrópole como
um equipamento público laico, em contraponto aos espaços sagrados e ao poder espiritual.
A Vitória oitocentista e o cenário cemiterial
Vitória é uma das mais antigas cidades do Brasil, fundada em 1551. Localizada em uma
ilha na costa sudeste do país, se desenvolveu como um importante porto e centro administrativo
ao longo do século XIX. Durante esse período, a cidade enfrentou diversos desafios
relacionados à urbanização, saúde pública e infraestrutura. Sua economia era impulsionada pelo
comércio, especialmente de café e outros produtos agrícolas, que transitavam pelo porto,
contribuindo para o crescimento e complexificação da estrutura urbana. No entanto, a cidade
também lidava com problemas típicos das áreas urbanas emergentes, como surtos de doenças,
incluindo a febre amarela, que impactaram a vida cotidiana e a organização espacial da cidade.
Foi nesse contexto que se discutiu a necessidade de modernizar os serviços públicos, incluindo
a criação de cemitérios afastados do centro urbano (Teixeira, 2022).
Em 23 de maio de 1851, Felipe José Pereira Leal, presidente da Província do Espírito
Santo, abriu a sessão ordinária da Assembleia Legislativa com um discurso que, posteriormente
reproduzido em um relatório pela Typographia Capitaniense, abordou, entre outros temas, a
“salubridade pública”. Nesse aspecto, o presidente da província abordou a questão da luta
contra a febre amarela, que em cinco meses havia ceifado mais de 200 vítimas. O presidente
lamentava que, apesar de terem sido tomadas várias medidas, faltava a criação de um cemitério,
afastado do centro da cidade, que acabasse com “o inveterado e prejudicial costume de fazerem-
se os enterramentos nas igrejas” (1851, p. 15).
Para Leal, o “estabelecimento de um cemitério, com divisões separadas para cada
confraria, [satisfaria] as necessidades dessa capital, onde, no termo médio, a mortalidade é
anualmente de menos de 200 indivíduos” (1851, p. 17) em tempos de normalidade. Sabemos
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que essa prática vinha sendo adotada em outras províncias e, observamos que a criação de
cemitérios distantes dos centros nem sempre estava relacionada à intenção de retirá-los da
autoridade da igreja, que continuava a administrá-los por meio de suas confrarias e irmandades.
Leal solicita à Assembleia que legisle sobre o tema:
legislai, senhores, nesse sentido, e deixai que o governo, por meios persuasivos, vença
os preconceitos do povo, fazendo-lhes conhecer os perigos que resultam das
inumações nos templos. Quando em cemitério próprio e sagrado, os mesmos ofícios
se podem celebrar pelo eterno descanso dos mortos (1851, p. 17).
Percebe-se que não se tratava propriamente de uma alteração dos costumes fúnebres
devido às urgentes demandas causadas pelas epidemias, mas sim de repensar o lugar geográfico
dos mortos na cidade. A gestão do cemitério extramuros não excluiria a responsabilidade das
irmandades, mas talvez apenas incluísse a parceria da administração pública. O cenário
construído no Espírito Santo não foi idêntico em outras partes do país (Rodrigues 1997; Reis,
1991; Rocha, 2013). Geralmente, a localização das necrópoles era apenas uma das contendas.
Por exemplo, no Rio de Janeiro e na Bahia, houve intensos debates sobre como e por quem
esses espaços deveriam ser gerenciados: se pela administração pública ou pela Igreja e suas
organizações. No entanto, essa questão não despertou grandes embates em território capixaba.
Conforme Reis (1991), a discussão sobre uma nova perspectiva para os sepultamentos
no Brasil começou com os médicos a partir de 1830, vinte anos antes de Pereira Leal. Para esses
médicos:
a decomposição de cadáveres produzia gases que poluíam o ar, contaminavam os
vivos, causavam doenças e epidemias. Os mortos representavam um sério problema
de saúde pública. Os velórios, os cortejos fúnebres e outros usos funerários seriam
focos de doença, mantidos pela resistência de uma mentalidade atrasada e
supersticiosa, que não combinava com as ideias civilizatórias da nação que se
formava. Uma organização civilizada do espaço urbano requeria que a morte fosse
higienizada, sobretudo que os mortos fossem expulsos de entre os vivos e segregados
em cemitérios extramuros (Reis, 1991, p. 247).
O Correio da Victoria era uma publicação periódica da cidade que circulava às quartas
e sábados de cada semana por meio da Typographia Capitaniense. Trazia atos públicos,
anúncios, correspondências e comunicados pagos. No sábado, 17 de junho de 1854, o Correio
informou que, no expediente do dia 05 de junho de 1854, foi nomeada uma comissão de três
membros “para examinar se o terreno dentro dos muros do convento de São Francisco desta
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cidade ou suas imediações têm as condições necessárias para um cemitério público, cumprindo
que se proceda a esta diligência com a possível brevidade” (1854a, p. 2). No sábado seguinte,
24 de junho de 1854, o jornal relatou o expediente do dia 16 de junho, quando o secretário de
governo ordenou ao primeiro secretário da Assembleia Legislativa Provincial, por
determinação do presidente da província, que instruísse a câmara municipal a indicar “um lugar
com as comodidades necessárias para a edificação de um cemitério público” (1854b, p. 1).
Essa urgência foi devida às pressões dos sanitaristas e à discussão de um projeto de lei
que resultou na aprovação da Lei Provincial nº 9, de 1854, que determinava a construção de um
cemitério público na capital. Ficou estabelecido que a câmara municipal de Vitória deveria
construir uma ponte de madeira até a ilha do Príncipe, onde, teoricamente, seria erguido o novo
cemitério municipal. No sábado, 2 de julho de 1855, o Correio da Victoria noticiou o Relatório
da Secretaria de Governo da Província, apresentado no final de maio, informando que o
Governo Imperial havia comunicado ser impossível ceder a Ilha do Príncipe, pois apenas a
Assembleia Geral, e não a Provincial, tinha essa autoridade. O presidente da província solicitou
que a Assembleia local voltasse a deliberar, já que:
o estabelecimento de um cemitério fora desta cidade é uma necessidade indeclinável.
Pessoas competentes a quem tenho consultado sobre esse objeto, me dizem que
fronteiro à referida Ilha do Príncipe, um terreno tão apropriado como ela para o
cemitério. E, a ser isso assim, parece-me mais vantajosa a ideia de ser ele ali
estabelecido, porque, dispensando a ponte, haveria economia de tempo e dinheiro
(1855, p. 1).
O fato é que, anualmente, havia previsões de despesas provinciais para a construção do
cemitério público, mas nenhum projeto avançava. A urgência, motivada pelas pressões dos
sanitaristas, resultou na tramitação simultânea de vários projetos distintos. Em 30 de julho de
1854, a Lei Provincial nº 16 iniciou o processo de solicitação ao governo Imperial para o uso
da Ilha do Príncipe. Poucos dias antes, em 24 de julho de 1854, foi publicada a Lei Provincial
9, que fixava despesas e orçava as receitas provinciais para o ano financeiro seguinte.
Bonicenha (2004) e Derenzi (1965) informam que essa lei abriu um crédito de 4:000$000
(quatro contos de réis) para construção de um cemitério no Morro do Pinto. para o historiador
capixaba Basílio Daemon, a obra “foi com efeito começada, mas, como a maior parte das obras
desta província, nunca foi concluída, apesar de terem-se despendido com este cemitério não
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poucos contos de réis” (Daemon, 2010, p. 390). O Morro do Pinto, localizado muito distante
do centro de Vitória, não foi o único projeto que enfrentou dificuldades de execução:
Devido à falta de recursos do erário provincial, as obras iniciadas pelo impulso do
flagelo da cólera e da febre, ficaram inacabadas, sem cerca que protegesse os túmulos,
servindo o campo santo de pastagem para os animais (Bichara, 1984, p. 191).
A partir desse período entre 1854 e 1855, surgiram as primeiras propostas para
estabelecer um espaço para cemitérios na região do sítio Santo Antônio, especificamente no
Morro do Pinto, um arrabalde distante do centro da cidade e isolado por difícil acesso, onde era
mais fácil chegar navegando pela baía de Vitória do que por vias terrestres. Segundo Derenzi,
em 1965, esse antigo cemitério estava “abandonado e transformado em favela” (1965, p.
148).
O Morro do Pinto é a elevação natural situada exatamente em frente ao atual cemitério
de Santo Antônio, com sua face oposta voltada para a Baía de Vitória. Não restam vestígios
desse cemitério atualmente, apesar de que “Dr. Fernandes de Barros, em 1861, no seu relatório,
diz que tal cometimento havia absorvido 20:000$000! Para murá-lo foi preciso que S.M.D.
Pedro II concorresse com um conto de réis de suas economias particulares” (Derenzi, 1965, p.
148). No entanto, o presidente da província na época, José Fernandes da Costa Pereira Júnior,
relatou à Assembleia Legislativa Provincial em 1861 que Fernandes de Barros escolhera o local,
mas todo o dinheiro gasto até então havia sido em vão, pois o cemitério permanecia “aberto,
exposto ao pastar dos animais, como se não fosse um terreno santificado” (Pereira Júnior, 1861,
p. 37).
Com o fracasso do projeto da Ilha do Príncipe em 1855, o cemitério do Morro do Pinto
tornou-se a principal expressão das medidas emergenciais adotadas no Espírito Santo durante
a epidemia de febre amarela da década de 1850. No auge da epidemia no Brasil, esse cemitério,
ainda que precário e inacabado, foi o primeiro cemitério extramuros a funcionar em Vitória.
Criado em um momento de exceção, sua preocupação principal não era com a memória,
mas com o afastamento dos corpos. Preocupar-se com a morte e com os mortos é uma atividade
dos tempos de paz (Pitte, 2004) e, embora não houvesse uma guerra, o período de criação desta
necrópole não foi marcado por normalidade e paz. Alguns historiadores, devido à falta de
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referências disponíveis, omitem a existência desse cemitério. No entanto, diversas evidências
consolidam sua existência, mesmo que ele tenha permanecido inacabado (Teixeira, 2022).
Embora, ano após ano, houvesse previsões de despesas provinciais para a construção de
um cemitério público, nenhum projeto foi plenamente concluído. Durante o período de
formação do cemitério do Morro do Pinto e o fracasso do projeto da Ilha do Príncipe (entre
1854 e 1856), a administração pública examinou a área do Convento de São Francisco em busca
de soluções para a questão cemiterial. Esse exame resultou em alguns avanços, embora não
tenha resolvido o desejo de construir um cemitério fora dos limites da cidade, que o antigo
Convento estava localizado na parte alta do Centro.
A construção de um cemitério fora dos limites da cidade dependia de um bom acesso, e
o Morro do Pinto era distante demais, enquanto o Convento estava no Centro da cidade (embora
não dentro de uma igreja!). Convento e Morro do Pinto desenvolveram usos distintos e
adquiriram diferentes níveis de importância e expressão no cenário urbano da cidade ao longo
dos anos. Ambos seguiram adiante, enfrentando suas próprias dificuldades.
O Convento de São Francisco foi construído em 1591 para acolher noviços dedicados à
vida religiosa. Durante o período Colonial, o prédio abrigou até 25 noviços em 1765. A cozinha
do edifício foi uma das primeiras a receber água encanada, vinda do aqueduto que captava água
das matas da Fonte Grande. A construção incluía a Igreja principal, dedicada a São Francisco,
e uma capela da Ordem Terceira da Penitência.
Em 1856, após a cidade de Vitória ser afetada por outras epidemias além da febre
amarela (varíola e cólera), a cessão do convento foi a única medida que o poder público
conseguiu implementar para a construção de um cemitério público. Os terrenos do Convento
foram cedidos ao governo municipal para sepultamentos, deixando a construção abandonada e,
eventualmente, em ruínas, para que pudesse ser usada exclusivamente como cemitério público.
Desde então, os obituários nos jornais referiam-se ao “cemitério público desta cidade
ou simplesmente “do cemitério público”, sempre no singular, aludindo ao cemitério público
provincial do Convento de São Francisco. Não havia nenhum cemitério público dentro da
cidade, pois o cuidado com os mortos, segundo a tradição judaico-cristã ocidental, era
responsabilidade da Igreja. Esse cenário foi questionado pelas urgências das epidemias e pela
medicina social, que transferiam essa responsabilidade da Igreja para o Estado.
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TEIXEIRA, Paloma Barcelos. Historiografia dos cemitérios de Vitória/ES como território urbano. Ensaios de Geografia. Niterói, vol. 12, nº
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Os sepultamentos do Morro do Pinto, longe da cidade, não eram registrados nos jornais,
eram complicados, menos numerosos e geralmente envolviam cadáveres socialmente
anônimos. Muitos dos outros sepultamentos que ocorriam na cidade, quando não resultantes
das epidemias, continuavam sendo realizados em terrenos particulares pertencentes à igreja ou
de suas irmandades, coexistindo por algum tempo com a necrópole do Convento.
Em 1856, durante a transição de poder na presidência da província para José Maurício
Fernandes Pereira de Barros, o Barão de Itapemirim orgulhosamente afirmou que “a epidemia
de cholera morbus acha-se extinta nessa capital, continuando nas freguesias de Viana e
Cariacica com alguma intensidade” (1856a, p. 4-5). O Barão relatou que, em Vitória, 358
vítimas da cólera foram sepultadas, com um máximo de 18 falecidos por dia. Entre as medidas
relatadas, o Barão mencionou que proibiu:
o enterramento nas igrejas, à vista da representação que me dirigiu o Dr. Chefe de
Polícia. A princípio, sepultaram-se os corpos no cemitério da Santa Casa da
Misericórdia, mas, sendo julgado insuficiente, criou-se provisoriamente um outro em
terreno do Convento de São Francisco, que até hoje está servindo. A carência de um
cemitério geral é urgentíssima nesta capital e tenho toda a convicção de que V.
Excelência tomará em consideração esta necessidade (1856a, p. 6).
Contudo, José Maurício Fernandes Pereira de Barros, em relatório posterior publicado
no mesmo ano (1856b), expressou convicção de que os sepultamentos não deveriam mais
ocorrer dentro dos templos por questão de saúde pública, mas não houve mudança na prática.
Seus sucessores também não promoveram alterações.
A partir de 1856, o jornal Correio da Victoria frequentemente publicou ordens da
Secretaria do Governo, para que o administrador de rendas provinciais pagasse os salários dos
trabalhadores do “cemitério público de São Francisco”, o único existente. Em 30 de junho de
1856, o Correio divulgou à lei n. 10, de 16 de junho do mesmo ano, que revogava as normas
anteriores sobre o tema e determinava, em seu artigo único, que “o cemitério público dessa
capital será construído no lugar designado pelo presidente da Província” (Correio da Victoria,
1856, s.p.). No entanto, a aplicação dessa lei foi novamente superada pela realidade dos fatos,
e o cemitério de São Francisco continuou sendo o único.
Em 1864, quase dez anos depois, Eduardo Pindahiba de Mattos informou no seu
relatório que:
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Conquanto se tenha consumido perto de trinta contos de réis dos cofres provinciais
com o cemitério público desta cidade, ainda este não está concluído e, ao contrário,
muito resta a fazer-se. Situado na colina em que se acha o convento de São Francisco
e contíguo a este, parece-me apropriado o lugar e suficiente o terreno para ele
destinado, entretanto, o seu recinto não está de todo convenientemente defendido da
invasão dos animais. Pode-se dizer mesmo que não temos ainda cemitério público na
Capital e, sim, apenas um lugar que serve para enterramentos. Contrista ver-se
ofendida a memória dos mortos e expostos seus restos a serem pisados pelos brutos.
A capela que ali existe ainda está muito longe de prestar-se ao serviço a que é
destinada. As irmandades de São Benedito, de N. S. dos Remédios e do S. Sacramento
fundaram ali seus cemitérios. O desta última oferece um aspecto mais lisonjeiro,
achando-se todo cercado de grades de ferro e dividido o seu terreno em campas
cobertas com lápides de mármore. Quisera pedir-vos que votásseis alguma quantia
para adiantamento daquela obra, mas a deficiência da renda provincial me
impossibilita. A Santa Casa da Misericórdia também tem o seu cemitério particular
próximo ao respectivo hospital. Posto que pequeno e sem elegância, acha-se, todavia,
murado e convenientemente fechado, e assim, guardados com mais reverência os
restos dos que ali descansam. Nele se acham levantadas seis catacumbas (Mattos,
1864, p. 45-46).
Observa-se que, mesmo nos cemitérios denominados públicos, a presença das
irmandades da igreja é significativa. A designação de “público” geralmente indicava que o
governo participava dos gastos com salários e melhorias, quando estas existiam. No mesmo
relatório, Pindahiba de Mattos descreveu brevemente a situação dos cemitérios ditos públicos
em locais que hoje são outros municípios, como Serra, Viana, Cariacica, entre outros. Em todos
esses casos, as informações foram obtidas junto aos padres das regiões.
Em 2 de agosto de 1871, o jornal Correio da Victoria publicou a Resolução 127, do
Governo da Província, que estabeleceu um “Regulamento para os Cemitérios”, datado de 25 de
julho de 1871. Em resumo, o regulamento definiu que:
Ficam proibidas as inumações que não sejam em cemitérios públicos (quanto à cidade
de Vitória, no único, o cemitério público de São Francisco) ou nos privados
legalmente permitidos (quanto à cidade de Vitória, o da Santa Casa e os das
irmandades religiosas).
São considerados públicos os cemitérios cuja administração e custeio estiverem a
cargo das câmaras municipais.
São considerados privados os das ordens regulares, terceiras, confrarias, irmandades
e casas de caridade.
Nos municípios onde não houver cemitérios públicos, as câmaras, de acordo com as
autoridades eclesiásticas, escolherão lugar para estabelecê-los.
Todo cemitério será cercado por muros, grades ou madeiras em seus limites.
Ao lado dos cemitérios públicos haverá terreno separado, com entrada à parte, mas
também fechados, reservado ao enterramento de cadáveres de pessoas que não
professem a mesma religião do Estado.
Nos cemitérios públicos e privados não haverá separação alguma, além de ruas ou
espaços intermédios, tendo, cada um deles uma cruz no centro, em cuja base se leia a
denominação da corporação a que pertencem.
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é permitido o enterramento em igrejas dos seus religiosos, dos irmãos e filhos
destes.
Nos cemitérios serão sepultados cadáveres em: sepulturas, carneiros e catacumbas.
Carneiros e catacumbas serão de primeira e segunda ordem, custam 20 mil reis e 10
mil reis respectivamente; Sepulturas rasas serão de primeira, segunda e terceira
ordem, custando 6, 4 e 2 mil reis.
As sepulturas podem ser abertas apenas depois de três anos. Os carneiros e
catacumbas, depois de 4 anos. Exceção se fará aos enterramentos de cadáveres de
moléstias contagiosas ou epidêmicas, cujos túmulos não devem ser reabertos.
Monumentos e mausoléus são permitidos, mas sua área será definida pelo poder
público e não custará menos de 20 mil reis. Sua conservação fica a cargo dos que as
possuírem. Se ficarem em ruínas, serão demolidas e os ossos removidos para o ossário
comum.
Terão sepulturas grátis os pobres (mediante atestado dos padres das paróquias a que
pertenciam), os presos pobres, os cadáveres achados sem que haja quem lhes
sepultura.
São definidas as medidas das sepulturas e a distância entre elas, sendo possível
sepultar apenas um cadáver em cada uma, exceto em tempos de epidemia, quando
valas comuns serão regulamentadas.
São apresentadas várias medidas de manutenção da ordem nos ambientes cemiteriais,
definidos horários de visitações, proibidos pernoites, escalar muros, subir em árvores,
colher frutos, conduzir animais, violar sepulturas etc.
Em tudo o que for concernente à jurisdição do poder eclesiástico, será estritamente
observado o que se achar por ele determinado (Correio da Victoria, 1871, s.p.).
Seguindo essas diretrizes, o cemitério público de Vitória coexistiu com os de várias
irmandades e com o da Santa Casa de Misericórdia durante as décadas subsequentes. Os
obituários do jornal O Estado do Espírito Santo apresentam diversos exemplos de breves relatos
sobre a vida dos falecidos e a indicação de seus locais de descanso final, incluindo alguns
capixabas ilustres e outros que a passagem do tempo tornou anônimos: Cemitério da Irmandade
do Santíssimo Sacramento, Cemitério da Santa Casa, Cemitério da Confraria de N. S. da Boa
Morte, Cemitério de Nossa Senhora do Monte do Carmo (ordem do Carmo) etc.
Derenzi (1965, p. 148) menciona o famoso relatório solicitado pela presidência da
província ao sanitarista Manoel Goulart de Souza, apresentado em 1876, sobre o estado
sanitário da capital. Manoel Goulart de Souza era Inspetor de Saúde Pública e do Porto da
província, chefe do “serviço vacínico”, médico da Companhia de Aprendizes de Marinheiros,
professor de inglês e benfeitor conhecido em grande parte do Espírito Santo na segunda metade
do século XIX. Entre outras questões, o relatório abordava a situação dos cemitérios, como
relatam Piva e Siqueira (2005):
Retratando os cemitérios por ele visitados, assegurava que o da Misericórdia
continuava muito lotado e seria ainda mais inadequado por estar localizado no
Campinho, local de baixada e muito transitado por moradores da região. O de São
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Francisco também não estava em boas condições de higiene, embora apresentasse
uma situação melhor que o cemitério da Santa Casa. A necrópole franciscana,
contudo, estava situada em terreno extremamente argiloso e numa região que
proporcionava, em dias de ventos mais fortes, uma grande difusão de ares
malcheirosos pela cidade. Continuando sua exposição sobre os cemitérios de Vitória,
o médico comentou que o da Ordem da Penitência não passava de um monte de
buracos em paredes completamente expostas ao sol, onde frequentemente se
encontravam vestígios de cadáveres espalhados pelo chão. O campo-santo da Ordem
de Nossa Senhora do Carmo estava “abaixo de toda a crítica” diante de sua total
precariedade, segundo Dr. Manoel Goulart. Tanto o cemitério da Irmandade do
Carmo, quanto o cemitério da Misericórdia estavam situados na cidade baixa, em ruas
movimentadas, o que causava um grande problema para a população, que era obrigada
a conviver com os cemitérios centrais e todos os problemas que tal proximidade
causava a saúde pública e o cotidiano urbano. O cemitério da Irmandade do Rosário,
apresentava os mesmos problemas do cemitério São Francisco: muito pequeno para a
quantidade de sepulturas e condenado por estar ao lado da Igreja e da movimentação
de seus frequentadores. Por ser de terreno alagadiço, segundo o médico, de todos os
campos santos, esse era o pior e apresentava uma situação de terror porque os mortos
ficavam expostos. Por estar alagado, a água em contato com os restos mortais,
proporcionava o desaparecimento da forma humana em cinco ou seis meses, ficando
apenas os ossos, acarretando o infiltramento dessa matéria orgânica no solo. Tal
situação contaminava a terra e a água da região, gerando doenças na população vizinha
(Piva; Siqueira, 2005, p. 18-19)
Além dessas condições, os cemitérios de Vitória continuavam localizados dentro dos
limites urbanos, o que permaneceu sendo uma fonte constante de preocupação. Isso pode ser
verificado na planta da cidade de Vitória, datada de junho de 1873 localizada no acervo do
Arquivo Nacional. Destacamos nessa planta os cemitérios existentes na cidade na época e
verificamos a centralidade desses equipamentos urbanos no centro populacional. Vejamos a
Figura 2:
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Figura 2 Planta da cidade de Vitória, capital da Província do Espírito Santo, junho de 1873.
Fonte: Banco Digitalizado do Arquivo Nacional, com numerações dos cemitérios produzidos por Teixeira e
Robaina (2023).
Na Figura 2 podem ser observados a cidade de Vitória e seus respectivos cemitérios,
sendo eles: (1) cemitério da irmandade do Santíssimo Sacramento, (2) cemitério público junto
à Igreja e Convento de São Francisco, (3) cemitério da irmandade de São Benedito, (4)
cemitério da irmandade de São Benedito do Rosário, (5) cemitério da igreja Bom Jesus (igreja
do Carmo), (6) cemitério da igreja Nossa Senhora da Misericórdia, (7) cemitério da Igreja
Matriz de Vitória, (8) cemitério da Santa Casa de Misericórdia e (9) cemitério da igreja do
Rosário dos Homens Pretos. O Morro do Pinto e o sítio Santo Antônio, localizados à Oeste, não
estão representados no mapa, justamente por estarem fora do centro urbano.
Por volta de 1890, com novos surtos de febre amarela, os debates de política higienista
voltaram a se preocupar intensamente com a necessidade da desativação dessas necrópoles e
com a inauguração de uma nova, distante da cidade. Em 16 de janeiro de 1890, o jornal O
Estado do Espírito Santo publicou, na seção de cartas à redação, um texto sobre “saneamento
da capital”. Entre outros tópicos, o texto discutia a necessidade de remover os cemitérios da
cidade.
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Remover os cemitérios, tal como se pode conceber da locução, não será extinguir o
mal que eles fazem, será remover o mal. Para onde? É a questão que atualmente
preocupa o espírito de quantos sinceramente se condoem do nosso estado sanitário e
cuidam de melhorá-lo. Desde que é um mal, quanto mais para longe, melhor: dos
males, o menor. [...] Converia estabelecer o cemitério em Jucutuquara? Em
Maruhype? Em Santo Antônio? (O Estado do Espírito Santo, 1890, p. 2).
Diversas teorias surgiram, e as soluções mais inusitadas foram propostas nessa época.
Somente em 1894 o projeto de um cemitério público fora da cidade ganhou impulso a partir de
uma transformação territorial importante: a abertura de uma estrada de acesso (primeiro acesso
por terra) ao arrabalde de Santo Antônio, onde se localizava o sempre inacabado cemitério do
Morro do Pinto. Nos primeiros meses do ano de 1894, o jornal O Estado do Espírito Santo
reportava essas iniciativas concretas da municipalidade. Em 28 de março, o secretário do
governo municipal de Vitória, José Antônio Villas Boas, anunciou a concorrência pública para
a construção da estrada que ligaria a Vila Moscoso ao sítio Santo Antônio.
Com a construção da estrada, nos últimos anos do século XIX, o precário cemitério
ganhou usabilidade e começaram a ser publicados obituários e registros oficiais sobre ele, sob
a denominação de “cemitério de Santo Antônio”. Na sexta-feira, 8 de junho de 1894, foi
publicado o primeiro obituário no jornal O Estado do Espírito Santo. Embora essa não tenha
sido a primeira inumação, é uma das referências mais antigas do funcionamento desta
necrópole.
Faleceu ontem, de febre amarela, o jovem Antônio Ferreira, português, 23 anos de
idade, empregado dos Srs. Serrat & Smith. É o terceiro caso que se dá na casa desses
negociantes, sendo este o único fatal. Os outros doentes foram tratados pelos Srs.
Serrat em um alojamento distanciado do seu estabelecimento, mantendo-se sempre o
isolamento e procedendo-se a contínuas desinfecções. Acham-se já restabelecidos. O
cadáver de Ferreira foi logo conduzido para o Cemitério de Santo Antônio (O Estado
do Espírito Santo, 1894, p. 1).
Logo após esse fato, começaram a ser publicados registros de pagamento de salários
para pelo menos três funcionários do cemitério público de Santo Antônio, além de relatos sobre
acontecimentos pitorescos acontecidos nos primeiros tempos de funcionamento do local.
Em agosto de 1895, um jornal de oposição ao governo, conhecido como O Autonomista,
acusou a administração municipal de ter recusado o enterro a vítimas de varíola no Cemitério
de Santo Antônio. Embora não tenhamos acesso à matéria original, em 20 de agosto o jornal
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governista O Estado do Espírito Santo publicou a defesa da municipalidade feita pelo
administrador do cemitério:
o cadáver do varioloso Manoel Pedro da Silva, a que se refere o jornal O Autonomista,
foi sepultado neste cemitério em uma das covas que se costuma ter sempre abertas
para dar-se enterramento a pessoas falecidas no lazareto e enfermarias da cidade. É
verdade que, tendo sido depositado o cadáver em uma das sepulturas referidas pelas
pessoas que o conduziam e, havendo os respectivos coveiros advertido àquelas
pessoas que não podiam fazer sua audiência, pois a eles competia determinar o local
para se verificar o sepultamento, julgaram-se ofendidas as mesmas pessoas pela
advertência feita, declararam que o cemitério era público e que depositariam o cadáver
em qualquer cova aberta que achassem. A observação dos aludidos coveiros foi justa
em virtude da ordem do administrador efetivo desse cemitério, segundo tenho
conhecimento e ciência própria (O Autonomista, 1895, p. 2).
Em setembro de 1895:
o cadáver de um indivíduo que se supõe ser tripulante do vapor austríaco Baross,
vitimado pela febre amarela, foi ali sepultado sem a presença de encarregados do
cemitério e sem a exibição da guia do escrivão do registro civil. Constituindo esse fato
grave abuso, o Presidente do governo municipal oficiou o Dr. Chefe de Polícia para
abrir um inquérito para ser punido o infrator ou infratores das posturas municipais que
regem o caso. Uma outra circunstância digna de reparo: os tais coveiros misteriosos
deixaram o cadáver meio enterrado, pelo que foi preciso, na manhã seguinte, o
administrador do cemitério providenciar convenientemente (O Autonomista, 1895, p.
2).
Além dos sepultamentos mencionados nos jornais da época em 1894 e 1895, o Arquivo
Público do Estado do Espírito Santo (APEES) possui registros civis de óbitos de pessoas
enterradas no cemitério de Santo Antônio a partir de março de 1896. Da mesma forma, o
Arquivo Público do Município de Vitória preserva o livro de assentamento dos cadáveres
inumados no cemitério público de Santo Antônio, cuja escrituração começou em 31 de agosto
de 1895. Todos esses registros referem-se ao antigo cemitério do Morro do Pinto, que, nessa
época, tornou-se acessível por terra e deixou de ser destinado exclusivamente aos mortos das
epidemias.
Elementos do contexto da virada de século
A chegada dos primeiros missionários protestantes no Brasil não é o foco deste estudo.
Contudo essa história é bastante documentada e está situada entre o final do século XIX e o
início do século XX (Assis, 2019).
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No final do século XIX e início do XX, os primeiros batistas que viviam na Bahia
começaram a viajar e evangelizar no Espírito Santo. Após os primeiros capixabas se
converterem, “chegaram ao estado missionários da Junta para legitimar as primeiras Igrejas
batistas em solo espírito-santense” (Assis, 2019, p. 133). Foi nesse contexto que os missionários
estadunidenses Loren Marion Reno e Alice Marion Reno chegaram à capital do Espírito Santo,
em outubro de 1904. Esse novo elemento da virada de século marcou o início da construção de
uma legitimidade religiosa e educacional, fortalecendo a Igreja Batista e implementando um
sistema educativo distinto dos já existentes da cidade.
A estratégia adotada com a chegada dos missionários e o financiamento americano
incluía a fundação de escolas nas áreas onde as igrejas eram estabelecidas. Entretanto, a
presença da Igreja Católica representou um grande obstáculo para a missão batista nos
primeiros tempos. Elezeare Assis (2019, p. 141-142) menciona que “um dos enfrentamentos de
Reno, que tomamos como indicativo do fortalecimento da comunidade batista e, ao mesmo
tempo, enquanto indicativo do lugar de poder construído pelo casal Reno junto a essa
comunidade, foi a questão relativa ao enterro dos convertidos”.
Os protestantes estavam proibidos de usar os cemitérios religiosos católicos, restando
apenas o cemitério público. Segundo Reno (apud Assis 2019, p. 142), “é aqui usado para nada
além dos paupérrimos da classe mais baixa, para os casos de varíola e febre amarela, e para os
protestantes”. Loren Reno, ao escrever essas palavras em 1906, referia-se ao cemitério público
situado no Morro do Pinto.
Assis (2019, p. 142) relata que Reno considerava a questão da distinção “essencial para
o projeto batista ainda no ano de 1905 [e], como representante dos batistas do estado, Reno
solicitou ao Conselho Municipal de Vitória a concessão de um terreno para a construção de um
cemitério para os evangélicos”. Superar os obstáculos administrativos e políticos foi necessário,
e esses foram relatados à Junta Richmond, nos EUA, em 1906, por Loren Reno, quando ele
informou que, após muita insistência, o terreno havia sido cedido e construção da necrópole
batista estava garantida:
[...] a lei nos impede de usar terrenos comprados de indivíduos, então a única
alternativa para nós era conseguir que o governo nos desse o controle de um pequeno
terreno do governo. Os termos são que o terreno fosse inteiramente entregue nas mãos
da Igreja Batista para cercá-lo, planejá-lo e mantê-lo. Durante seis meses nós
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trabalhamos para assegurar isso, e os sacerdotes trabalharam para evitar isso. Duas
vezes nossa petição foi negada pelo Conselho Municipal por questões técnicas (Reno,
apud Assis, 2019, p. 142).
O terreno para instalação do Cemitério da Missão Batista foi designado no sítio Santo
Antônio, próximo ao cemitério do Morro do Pinto. A solicitação da área ocorreu em 1905, e os
primeiros obituários registrados nos jornais da época são de 1908. Pelo relatório de Loren Reno
à Junta de Richmond, deduz-se que a necrópole tenha sido inaugurada em 1906.
Faleceu no dia 6, sendo sepultado a 7 do corrente, no cemitério da Igreja Batista desta
Capital, a inocente Clara Uchôa, de 2 anos de idade, querida filha do nosso
companheiro político Sr. Ozorimbo Uchôa, a quem sentimentamos poro rude golpe
(Diário da Manhã, 09 fev. 1908, p. 1).
A necrópole batista, mais tarde conhecida como cemitério velho de Caratoíra, foi criada
para proteger os protestantes da segregação espacial que os misturava com os “paupérrimos da
classe mais baixa” e com “os casos de varíola e febre amarela”, como disse Loren Reno (1908,
p. 1). Nesse movimento de defesa, o cemitério batista acabou por criar uma forma de
segregação, diferenciando e afirmando os membros de uma nova comunidade. Com a criação
subsequente de um cemitério público mais universalista e secularizada, os responsáveis pelo
sepultamento de Reno, em 1935, não viram necessidade de enterrá-lo na necrópole que ele
havia fundado em 1906. Com o passar do tempo, o cemitério batista foi caindo em desuso e
acabou praticamente abandonado ao final da década de 1950. Vejamos como se deu a criação
do cemitério público de Santo Antônio, onde Reno foi sepultado e descansa até os dias de hoje.
A adaptação a um novo urbanismo e higienismo moderno
Mais de cem anos antes desses acontecimentos, na Europa do século XVIII que assistia
ao desenvolvimento de estruturas urbanas mais complexas, emergiu um cientificismo ligado à
administração estatal, conhecido como medicina social. Esse conhecimento surgiu como
resposta aos desafios das doenças durante os primeiros movimentos em direção à
industrialização. A medicina social reconhecia a importância de compreender o problema de
saúde para além de uma dimensão meramente individual, do corpo, mas levando em
consideração o contexto social.
Michel Foucault dedicou um capítulo do seu Microfísica do Poder (1996) ao surgimento
da medicina social. O autor descreve como ela estabeleceu padrões e normas que deveriam ser
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seguidas pela sociedade, levando a medicina a interferir diretamente na cidade e nos hábitos
dos indivíduos. A ciência médica passou a se integrar ao poder estatal, buscando resolver
problemas sanitários enfrentados pelo Estado.
Assim, emergiu um novo tipo de poder que medicalizou a cidade, influenciando também
os rituais funerários. Gradualmente fortalecido pelo cientificismo, houve mudanças nos locais
de sepultamentos na Europa e, consequentemente, revisões nos ritos associados à morte.
Foucault argumenta que a medicina se tornou um instrumento de controle bio-político,
capacitando o Estado a desenvolver políticas públicas fundamentadas em aspectos biológicos e
sociais, administrando um poder que se estendia desde as relações familiares até a organização
do espaço urbano. “O corpo é uma realidade bio-política. A medicina é uma estratégia bio-
política” (Foucault, 1996, p. 80).
O cientificismo no Brasil, embora tenha surgido tardiamente em relação à Europa, foi
profundamente influenciado por suas experiências. Na segunda metade do século XIX,
impulsionado pelo crescimento dos ideais republicanos e positivistas, o movimento visava
modernizar o Estado brasileiro através de iniciativas urbanas.
Os médicos brasileiros do século XIX, muitos deles filhos de latifundiários com
formação na Europa, integrantes de uma elite orientada pela noção de progresso, absorveram
significativa influência do cientificismo estrangeiro, enfatizando métodos e abordagens
racionais perante a sociedade. Assim como na França, que no século XVIII enfrentou os
miasmas, o Brasil via no combate às doenças parte essencial de seu projeto civilizatório.
Com vistas à criação de uma nova Vitória, seguindo os novos padrões urbanísticos, o
Presidente do Estado Jerônimo Monteiro, eleito em 1908, apresentou um relatório ao legislativo
estadual em maio de 1913, abordando os assuntos do estado durante o quadriênio de 1909 a
1912. Monteiro é reconhecido por inaugurar um novo território cemiterial em Santo Antônio,
localizado entre o antigo cemitério do Morro do Pinto e o cemitério protestante dos Batistas.
Dispondo de uma área extensa e apropriada ao destino, ele satisfaz plenamente as
exigências da higiene moderna. o entreguei concluído aos cuidados e à
administração da Prefeitura Municipal e, a 01 deste mês, começou a ser feito ali o
serviço de enterramentos, ficando proibida qualquer inumação nos antigos e pequenos
cemitérios, existentes no centro da capital, os quais foram fechados (Monteiro, 1913,
p. 132-133).
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O presidente do estado inaugurou a nova área cemiterial baseada em projetos anteriores,
logo após ter inaugurado, em 1911, o serviço de bondes elétricos, seguido, em 1912, pelo novo
serviço funerário, que incluía carros elétricos (Figura 3). Esta inovação permitiu que os enterros
fossem conduzidos por bonde: um carro transportava o caixão e outro os acompanhantes, desde
a Matriz de Vitória até a nova área designada para o cemitério público em Santo Antônio.
A cerimônia de bênção da inauguração do novo cemitério de Santo Antônio ocorreu
em de maio de 1912 (Figura 4), permanecendo presentes no conjunto os dois outros
cemitérios mais antigos que, gradualmente, entrariam em desuso: “cemitério velho”, “cemitério
novo” e “cemitério dos protestantes” (Figura 5).
Figura 3 Vagão funerário dos bondes elétricos implementados na cidade de Vitória
Fonte: Reprodução da Coleção Jerônimo Monteiro do Arquivo Público do Estado do Espírito Santo.
Figura 4 Cerimônia de inauguração do cemitério de Santo Antônio em 1º de maio de 1912.
Ao centro, vê-se o presidente do Estado Jerônimo Monteiro e seu irmão, o Bispo Dom Fernando de
Sousa Monteiro.
Fonte: Reprodução da Coleção Jerônimo Monteiro do Arquivo Público do Estado do Espírito Santo.
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Figura 5 Planta do Arrabalde de Santo Antônio datada de 1912, indicando as áreas dos
cemitérios existentes na época
Fonte: Arquivo Público do Estado do Espírito Santo (ref. A0403).
Com o passar do tempo, o funcionamento do antigo cemitério público do convento de
São Francisco foi gradualmente interrompido. O prefeito Octavio Índio do Brazil Peixoto, que
liderou a municipalidade entre 23 de maio de 1924 e 23 de maio 1928, decretou o encerramento
definitivo da necrópole localizada no alto do morro. Um monumento foi erguido no pátio da
edificação para abrigar ossos retirados dos antigos cemitérios de São Francisco, Boa Morte e
Sacramento.
Em seu relatório à Câmara Municipal de Vitória em 31 de dezembro de 1927, tratando
de vários melhoramentos urbanos e dificuldades enfrentadas em sua gestão, Octavio Índio
abordou o tema dos cemitérios:
para pôr fim às cenas de lamentável desrespeito à memória das pessoas sepultadas nos
antigos cemitérios existentes no morro de São Francisco [...] decretei, em 1925, a
remoção das ossadas, bem como dos mármores existentes sobre as sepulturas
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abandonadas ou destruídas, para o cemitério público ou para as necrópoles novas das
associações religiosas a que pertenciam [...] (1928, p. 4).
No mesmo relatório, Octávio Índio também menciona o projeto de criação do cemitério
mais novo de Vitória, que ainda hoje está em operação: o cemitério da Boa Vista, conhecido
como Cemitério de Maruípe. Este cemitério está situado atualmente em parte da Fazenda
Maruhype, que foi incorporada pelo poder público e parcelada a partir de 1897. Esta foi
planejada originalmente para acomodar várias instalações públicas importantes, como o
cemitério, o Quartel do antigo Esquadrão da Cavalaria do Espírito Santo (atual QGC da Polícia
Militar), o Hospital dos Tuberculosos do Espírito Santo (hoje Escola de Medicina da UFES) e
o Horto Municipal.
Octávio Índio vinha negociando com a presidência do Estado a localização do novo
cemitério desde pelo menos 1926. Embora nenhuma construção tenha ocorrido no local em
1950, os processos para a aquisição do terreno estavam em andamento, conforme documentos
administrativos da Prefeitura de Vitória encontrados no Cartório dos Feitos da Fazenda Pública,
no qual consta registrada a “Escritura Pública de desapropriação dos terrenos do antigo Sítio de
Maruhype”.
O processo de desapropriação começou em 1940, e em 1943 a escritura foi registrada
no Registro Geral de Imóveis da comarca de Vitória. No entanto, as obras para a instalação
definitiva do cemitério levaram alguns anos para se concretizarem, retomando o antigo projeto
de Octávio Índio. Apenas em 1958 a prefeitura começou a tomar ações concretas para a
instalação do cemitério, conforme indicado em seus ofícios arquivados.
Assim como a inauguração do cemitério do Morro do Pinto, a primeira necrópole de
Santo Antônio, há certa controvérsia histórica em relação ao cemitério de Maruípe (cemitério
Boa Vista). Baseado nos dados coletados em nossa pesquisa, acreditamos que a inauguração do
cemitério público de Maruípe ocorreu entre o segundo semestre de 1958 e o primeiro semestre
de 1959, período em que se completou a organização do espaço cemiterial na cidade de Vitória.
A necrópole assumiu um papel que o novo cemitério de Santo Antônio estava
gradualmente abandonando: o de cemitério público, sem perpetuidades, onde todos os defuntos
estão sujeitos às mesmas regras de memória e de esquecimento. Com desuso e desaparecimento
dos cemitérios do Morro do Pinto e do cemitério Batista, o conjunto cemiterial do bairro de
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Santo Antônio tornou-se um complexo que representava aqueles cemitérios que existiam
anteriormente dentro do tecido urbano.
Assim, na Figura 6 estão representados o cemitério da Irmandade do Santíssimo
Sacramento (SS), que era administrado pela Matriz de Vitória; o de Santo Antônio dos Pobres
(SAP), pertencente ao Convento São Francisco; o Cemitério da Irmandade da Boa Morte e
Assunção (SBM), da Igreja de São Gonçalo; e o da Irmandade de São Benedito do Rosário
(SBR), que era administrado pela Igreja de Nossa Senhora do Rosário. Esses passaram a ser
representados no complexo de Santo Antônio, juntamente com o cemitério público (CSA). Esse
complexo foi genericamente identificado como um único cemitério público, harmonizado com
os poderes eclesiásticos, até aquele momento.
A proposição era simples, cada agremiação religiosa manteria seu quinhão de terra
para a realização dos rituais sem agredir os intentos higienistas modernizadores que
avançavam sobre a capital em finais do Oitocentos. Era, mais uma vez, uma saída
conciliatória para a questão que se arrastava décadas. A partir dessa perspectiva,
as irmandades poderiam continuar gerenciando quem seria inumado em seus
respectivos territórios, bem como, possivelmente, manejariam os custos dessa
operação (Perini; Cunha, 2019, p. 391).
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Figura 6 Configuração atual da área ocupada por cemitérios no bairro de Santo Antônio
Fonte: Desenho projetado por Teixeira (2024) sobre planta urbana de relevo da Prefeitura Municipal de Vitória,
no banco de dados GeoWeb (2020).
Essa reorganização preservou a autonomia das irmandades religiosas em relação aos
seus territórios e facilitou a adaptação às novas normas higienistas implementadas na capital.
Dessa maneira, conseguiu-se uma solução conciliatória que atendeu tanto às necessidades
religiosas quanto às exigências sanitárias, o que resolveu uma questão que se arrastava
décadas, promovendo assim um novo ordenamento cemiterial no espaço urbano de Vitória.
Considerações finais
Frequentemente associamos o culto aos mortos, como o conhecemos hoje, às práticas
do cristianismo no mundo ocidental, que durante muito tempo exerceu uma forte influência
espiritual na gestão da morte. No entanto, Foucault apresenta uma visão diferente ao analisar o
surgimento da medicina social:
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Nada na teologia cristã levava a crer ser preciso respeitar o cadáver enquanto tal. O
Deus cristão é bastante Todo-Poderoso para poder ressuscitar os mortos mesmo
quando misturados em um ossuário. Em compensação, a individualização do cadáver,
do caixão e do túmulo aparece no final do século XVIII por razões não teológico-
religiosas de respeito ao cadáver, mas político-sanitárias de respeito aos vivos. Para
que os vivos estejam ao abrigo da influência nefasta dos mortos, é preciso que os
mortos sejam tão bem classificados quanto os vivos ou melhor, se possível. É assim
que aparece na periferia das cidades, no final do século XVIII, um verdadeiro exército
de mortos tão bem enfileirados quanto uma tropa que se passa em revista. Pois é
preciso esquadrinhar, analisar e reduzir esse perigo perpétuo que os mortos constituem
(1996, p. 89-90).
A reflexão de Foucault sobre a relação entre a teologia cristã e a gestão dos cadáveres
revela uma transformação na maneira como as sociedades ocidentais lidam com a morte. Para
o autor, o respeito ao cadáver não surge de preceitos teológico-religiosos, mas de preocupações
político-sanitárias. Essa mudança de perspectiva sublinha a emergência da medicina social no
final do século XVIII, que começa a tratar os mortos com a mesma ordem e classificação
destinada aos vivos, não para honrá-los espiritualmente, mas para proteger a saúde pública.
A metáfora do “exército de mortos” demonstra a necessidade de controlar e minimizar
os riscos que os corpos sem vida representavam para os vivos, evidenciando uma preocupação
crescente com a higiene nas cidades em expansão. Essa análise nos faz reconsiderar as práticas
funerárias ao mostrar como as questões de saúde pública influenciaram a gestão dos cemitérios,
bem como a maneira como as sociedades ocidentais passaram a organizar seus espaços de
memória e despedida.
Em Vitória, assim como em muitas regiões do país, foi possível observar um processo
gradual no qual a medicina começou a ocupar o espaço anteriormente dominado pela religião
no que diz respeito à morte. Esse fenômeno ocorreu em resposta ao crescimento urbano e ao
grande número de mortes causadas por epidemias. Apesar disso, a cultura de despedida dos
entes queridos continuou a ser fortemente influenciada pela tradição religiosa. A criação dos
cemitérios monumentais, situados fora dos centros urbanos, surgiu da necessidade de incorporar
aos túmulos elementos reminiscentes das igrejas, agora distantes. Este foi o alicerce da nova
arquitetura funerária, com seus próprios símbolos e arte.
Assim, através das fontes primárias dos periódicos da época e documentos dos arquivos
da cidade de Vitória, podemos observar como as transformações sociais geraram mudanças
territoriais correspondentes, moldando o espaço público da cidade.
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Vitória, Espírito Santo (1912-1989). ATRIO- Revista de Historia del Arte, Espanha, n. 29,
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TYPOGRAPHIA CAPITANIENSE, Vitória, 23 maio 1851.