Ensaios de Geografia
Essays of Geography | POSGEO-UFF
AO CITAR ESTE TRABALHO, UTILIZAR A SEGUINTE REFERÊNCIA:
BOTELHO, Laura de Oliveira; VILLAS BOAS, Guilherme Hissa; URZUA, Victor Andres Niklitschek. Os impactos da conservação da
natureza na segurança alimentar: um estudo de caso da APA Macaé de Cima (RJ). Ensaios de Geografia. Niterói, vol. 12, 25, e122507,
2025.
Submissão em: 05/12/2024. Aceito em: 06/03/2025.
ISSN: 2316-8544
Este trabalho está licenciado com uma licença Creative Commons
1
SEÇÃO ARTIGOS
Os impactos da conservação da natureza na segurança alimentar:
um estudo de caso da APA Macaé de Cima (RJ)
The impacts of nature conservation on food security:
a case study of the Macaé de Cima environmental protection area (RJ)
Los impactos de la conservación de la naturaleza en la seguridad alimentaria:
un estudio de caso del área de protección ambiental Macaé de Cima (RJ)
DOI: https://doi.org/10.22409/eg.v12i25.65633
Laura de Oliveira Botelho
1
Universidade Federal do Rio de
Janeiro (UFRJ),
Rio de Janeiro, Brasil
e-mail: laurab.geo20@gmail.com
Guilherme Hissa Villas Boas
2
Universidade Federal do Rio de
Janeiro (UFRJ),
Rio de Janeiro, Brasil
e-mail: guilherme.hissa@igeo.ufrj.br
Victor A. Niklitschek Urzua
3
Centro de Referência em Soberania e
Segurança Alimentar e Nutricional
(CERESAN), Rio de Janeiro, Brasil
e-mail: vn.urzua@gmail.com
Resumo
A criação de Áreas de Proteção Ambiental (APA) reflete um modelo de conservação ambiental que, embora
relevante para a proteção da biodiversidade, pode gerar conflitos com práticas agrícolas tradicionais e impactar a
segurança alimentar das comunidades locais. Este artigo investigou os impactos da implementação da APA Macaé
de Cima (RJ) sobre a produção agrícola e a segurança alimentar das famílias agricultoras. A pesquisa adotou uma
abordagem qualitativa, com revisão bibliográfica, análise de dados geoespaciais e entrevistas conduzidas com
agricultores familiares da região entre 2022 e 2023. Os resultados indicam que as restrições ambientais e o aumento
do turismo alteraram significativamente o uso da terra, substituindo práticas agrícolas tradicionais por culturas
menos diversificadas e dependentes de agroquímicos, enquanto a redução do autoconsumo gerou maior
dependência do mercado externo. Tais mudanças destacam a necessidade de políticas públicas que conciliem a
proteção ambiental com o bem-estar socioeconômico e alimentar das comunidades locais.
Palavras-chave
Unidade de Conservação; Agricultura Familiar; Alimentação.
1
Mestranda em Geografia pelo Programa de Pós-Graduação em Geografia da UFRJ (PPGG/UFRJ). Membro do
Laboratório de Pesquisa e Extensão em Meio Ambiente e Sociedade (LEMAS/UFRJ).
2
Doutor em Geografia. Professor do Departamento de Geografia e do Programa de Pós-Graduação em Geografia
da UFRJ (PPGG/UFRJ). Coordenador do Laboratório de Pesquisa e Extensão em Meio Ambiente e Sociedade
(LEMAS/UFRJ).
3
Geógrafo, Doutor em Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade. Professor de Geografia,
pesquisador associado ao CERESAN/UFRRJ, membro da Coordenação Executiva da Rede de Pesquisadores em
Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional Rede PenSSAN.
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BOTELHO, Laura de Oliveira; VILLAS BOAS, Guilherme Hissa; URZUA, Victor Andres Niklitschek. Os impactos da conservação da
natureza na segurança alimentar: um estudo de caso da APA Macaé de Cima (RJ). Ensaios de Geografia. Niterói, vol. 12, nº 25, e122507,
2025.
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Abstract
The creation of Environmental Protected Areas reflects a model of environmental conservation that, while relevant
for biodiversity protection, can generate conflicts with traditional agricultural practices and impact the food
security of local communities. This article investigated the impacts of implementing the Macaé de Cima
Environmental Protected Area (RJ) on agricultural production and the food security of farming families. The
research adopted a qualitative approach, including a literature review, geospatial data analysis, and interviews
conducted with local farmers between 2022 and 2023. The results indicate that environmental restrictions and
increased tourism significantly altered land use, replacing traditional agricultural practices with less diverse,
agrochemical-dependent crops, while the reduction in self-consumption led to greater reliance on external markets.
These changes underscore the need for public policies that reconcile environmental protection with the
socioeconomic and food well-being of local communities.
Keywords
Protected Area; Family Farming; Food.
Resumen
La creación de Áreas de Protección Ambiental refleja un modelo de conservación ambiental que, aunque relevante
para la protección de la biodiversidad, puede generar conflictos con prácticas agrícolas tradicionales e impactar la
seguridad alimentaria de las comunidades locales. Este artículo investigó los impactos de la implementación de la
Área de Protección Ambiental de Macaé de Cima (RJ) sobre la producción agrícola y la seguridad alimentaria de
las familias campesinas. La investigación adoptó un enfoque cualitativo, incluyendo una revisión bibliográfica,
análisis de datos geoespaciales y entrevistas realizadas con agricultores locales entre 2022 y 2023. Los resultados
indican que las restricciones ambientales y el aumento del turismo alteraron significativamente el uso del suelo,
reemplazando prácticas agrícolas tradicionales por cultivos menos diversos y dependientes de agroquímicos,
mientras que la reducción del autoconsumo generó una mayor dependencia del mercado externo. Estos cambios
resaltan la necesidad de políticas públicas que concilien la protección ambiental con el bienestar socioeconómico
y alimentario de las comunidades locales.
Palabras clave
Área Protegida; Agricultura Familiar; Alimentación.
Introdução
A criação de áreas protegidas é amplamente reconhecida como uma política pública
importante para a garantia do equilíbrio ambiental. Essa prática é usualmente utilizada por meio
de restrições ao acesso aos recursos naturais, da imposição de regras sobre o manejo, bem como
através da delimitação de territórios destinados à manutenção dos processos geobiofísicos e da
sociobiodiversidade (Santos, 2011; Haesbaert, 2019).
Para Bensusan (2006) e Diegues (2008), a origem moderna das áreas protegidas se dá a
partir de uma lógica judaico-cristã de “paraíso”, que se entende como espaços que supostamente
não possuem nenhuma interferência humana. Esse ideal, criado nos Estados Unidos tendo como
referência o Parque Nacional de Yellowstone, foi exportado para países como o Brasil, onde as
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estruturas socioeconômicas e culturais diferem das estadunidenses. A aplicação desse modelo,
em alguns casos, desconsidera o papel das populações que vivem e dependem dos recursos
naturais para sua sobrevivência (Medeiros, 2006; Diegues, 2008). Essas comunidades, muitas
vezes, vistas como ameaças à conservação, na verdade possuem um vasto conhecimento
ecológico tradicional, fruto de uma relação intergeracional com seu ambiente. Tal
conhecimento contribui com a conservação da biodiversidade e pode complementar as
abordagens científicas modernas, o que é importante para a gestão sustentável e conservação
das áreas protegidas (Andriolli et al., 2023).
A implementação das primeiras Áreas de Proteção Ambiental (APA) no Brasil, em
1981, marcou um avanço na proteção da natureza, sobretudo porque não haveria mais a
necessidade de desapropriação dos grupos sociais que habitavam o território. Esse modelo
seguiu a abordagem europeia de paisagem protegida, que se originou a partir da decisão das
próprias comunidades locais de conservar e desenvolver, simultaneamente, os territórios onde
habitavam (Viana; Ganen, 2005).
No entanto, foi apenas em 2000 que o país estabeleceu o Sistema Nacional de Unidades
de Conservação (SNUC), com a aprovação da Lei 9.985/2000. Esta legislação teve como
objetivo sistematizar a criação e gestão das unidades de conservação, dividindo-as em dois
grupos: de proteção integral e de uso sustentável. Incluídas no segundo grupo, as APAs são
responsáveis por promover simultaneamente dois direitos constitucionais: a função social da
propriedade privada e o meio ambiente ecologicamente equilibrado. Assim, essa categoria
busca conciliar a proteção da natureza, por meio de limitações nos usos dos recursos naturais,
com o manejo responsável (Brasil, 2000).
No entanto, essa mudança no acesso e manejo dos recursos naturais, com a criação das
APAs, para estar em conformidade com os zoneamentos e planejamento estabelecidos pelo
órgão gestor, pode representar uma ameaça para as práticas socioambientais até então utilizadas
e, consequentemente, a produção de alimentos das populações que residem nesses territórios
(Santos, 2015). Ademais, o controle do processo produtivo e a garantia da qualidade dos
alimentos são aspectos importantes a serem considerados na estratégia de reprodução social de
um grupo, bem como na preservação de sua identidade (Ploeg, 2006). Porém, alguns estudos
apontam que a produção de alimentos realizada pela agricultura familiar, especialmente aquela
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de base camponesa e agroecológica, não representa uma ameaça para a biodiversidade, sendo,
na verdade, fundamental para a sua produção em si (Filho et al., 2019; Estrada-Carmona et al.,
2022). Complementarmente, a produção de alimentos por famílias rurais é necessária para a
garantia da subsistência e renda, além de proporcionar uma base para atividades não agrícolas
(Maluf, 2002). Neste sentido, a conexão entre a conservação ambiental e a produção de
alimentos destaca a importância de políticas públicas que promovam práticas agrícolas
sustentáveis e incentivem a participação das comunidades locais na gestão e conservação dos
recursos naturais dentro das unidades de conservação de uso sustentável.
Destaca-se ainda a importância da agricultura tradicional e familiar não apenas para o
abastecimento alimentar do país, mas também como uma atividade essencial para o sustento
das próprias famílias que a praticam. A Lei 11.326, de 24 de julho de 2006, reconhece a
relevância desses agricultores na produção de alimentos básicos, no suporte às suas próprias
economias familiares e na promoção da Segurança Alimentar e Nutricional (SAN), que, por sua
vez, é definida pela Lei 11.346, de 2006, como o direito de todos ao acesso regular e
permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a
outras necessidades essenciais (Brasil, 2006). Essas legislações ressaltam a agricultura familiar
como um pilar para a promoção da SAN no Brasil, beneficiando tanto a população em geral
quanto os agricultores familiares em si.
Com este cenário em vista, o trabalho apresentado toma como questão provocadora
entender como as políticas de proteção ambiental podem interferir nas práticas de uso e manejo
da terra, impactando a produção agrícola e, consequentemente, a SAN da população que vive
em um território dedicado à proteção da biodiversidade. Para explorar essa temática, foi
realizado um estudo de caso na Área de Proteção Ambiental de Macaé de Cima (APAMC),
localizada na região serrana fluminense, que, desde a década de 1970, conta com a presença de
um turismo baseado na contemplação da natureza, o qual desempenha um papel importante no
fortalecimento dos ideais preservacionistas neste território. Serão explorados os impactos do
estabelecimento da unidade de conservação na vida dos agricultores familiares, considerando a
restrição e as limitações no manejo dos recursos naturais, bem como a influência do turismo na
dinâmica socioambiental. A partir disso, busca-se compreender como esses fatores podem
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afetar a produção de alimentos, os hábitos alimentares e, consequentemente, a SAN desse grupo
social.
Caracterização da área de estudo
A APAMC (Figura 1), criada pelo Decreto Estadual 29.213, de 14 de setembro de
2001, está localizada no estado do Rio de Janeiro, entre os municípios de Nova Friburgo e
Casimiro de Abreu, abrangendo uma área de 35.000 hectares e tendo como limites o alto curso
da bacia do rio Macaé. Situada na vertente oceânica da Serra do Mar, a região apresenta um
relevo montanhoso, com vales confinados e vertentes íngremes, conferindo à APA uma das
áreas mais frias e úmidas do estado (Villas Boas, 2022). A vegetação é densa e diversificada
(Figura 2), característica da floresta tropical úmida, com um dossel que varia entre 12 e 20
metros de altura e emergentes que alcançam até 40 metros de altura (Mendes et al., 2009).
Figura 1 Localização da APA Macaé de Cima
Fonte: Elaboração própria (2024).
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Figura 2 Fitofisionomia de cobertura florestal da APA Macaé de Cima
Fonte: Acervo dos autores (2024).
A história da região norte fluminense se destaca em relação ao restante do estado,
especialmente no que diz respeito à colonização. Essa distinção é atribuída, em grande parte, à
necessidade estratégica da Coroa Portuguesa de ocupar essa área, que servia como rota
alternativa para o contrabando de ouro proveniente de Minas Gerais, contornando estradas
sujeitas a impostos (Villas Boas e Mattos, 2021). Assim, a Coroa Portuguesa, em 1822,
financiou a migração de suíços e alemães para se estabelecerem na Fazenda do Morro
Queimado, que posteriormente viria a ser a sede do município de Nova Friburgo, promovendo
um modelo de colonização baseado na ocupação. No entanto, as dificuldades encontradas com
a densa floresta, o relevo acidentado e os solos rasos comprometiam a produção de alimentos,
levando os colonos a buscarem terras no entorno, sendo a bacia do rio Macaé uma das frentes
de expansão da colônia (Villas Boas, 2022).
O alto curso da bacia do Macaé se manteve relativamente isolado até a década de 1950,
quando, por iniciativa dos próprios moradores, foi aberta uma estrada que permitia a passagem
de veículos e conectava à rodovia que chegava à sede do município. Já na década de 1970, esta
área configurava-se como uma fronteira para o turismo na região serrana e atraiu a atenção dos
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hippies, em função da vasta cobertura florestal e do ritmo de vida lento, diferente dos grandes
centros urbanos (Villas Boas; Mattos, 2021). Posteriormente, cientistas do Instituto de Pesquisa
Jardim Botânico identificaram um alto endemismo florístico na região e, rapidamente, a notícia
de um “paraíso perdido” alcançou as camadas mais abastadas da capital fluminense, que
passaram a adquirir terrenos na região para construção de casas de veraneio. Esse grupo social
promoveu a discussão sobre a necessidade de criação de uma unidade de conservação na área,
visando proteger a natureza e preservar os aspectos estéticos da paisagem (Amador, 2022).
Como resultado da pressão política dos proprietários das casas de veraneio, duas unidades de
conservação foram criadas pelo poder público municipal, em 1990, mas nunca saíram do papel.
As pressões políticas continuaram até que, em 2001, o governo do Estado criou a Área de
Proteção Ambiental de Macaé de Cima (Villas Boas; Mattos, 2021).
Segundo Ferreira (2023), a criação da APAMC ocorreu sem a participação efetiva da
comunidade local, o que gerou desconfiança nas relações entre os agricultores familiares e o
poder público. Neste sentido, a área de estudo apresenta uma característica relevante para esta
pesquisa: a introdução de uma unidade de conservação de uso sustentável que promove o
turismo ecológico, pautado em ideais preservacionistas, em uma região onde a agricultura era
a matriz socioeconômica. Isso possibilitou a análise das mudanças no uso e manejo da terra e a
compreensão das consequências desse novo padrão de vida na produção agrícola e na SAN da
comunidade residente.
Metodologia
A condução desta pesquisa seguiu uma abordagem metodológica dividida em três fases,
buscando explorar as relações entre a conservação ambiental e as práticas agrícolas e
alimentares. A primeira etapa consistiu em uma revisão bibliográfica e preparação
metodológica, a segunda em trabalhos de campo, para levantamento de dados primários,
enquanto a terceira consistiu no tratamento dos dados obtidos.
No primeiro momento, foi realizado um levantamento bibliográfico de trabalhos
acadêmicos, como artigos, teses e dissertações, que abordassem os temas da conservação da
natureza, Segurança Alimentar e Nutricional e suas interfaces. Além disso, foram levantadas
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legislações e instrumentos legais pertinentes. Embora a revisão bibliográfica seja
tradicionalmente considerada a primeira etapa, foi uma atividade contínua que permeou todas
as fases subsequentes do estudo. Simultaneamente ao levantamento bibliográfico, foram
organizados dados geoespaciais para melhor compreender a dinâmica territorial da região
estudada. A confecção do mapa de localização e de uso e cobertura foi feita com o software
QGIS 3.38.0. Foram utilizados os dados espaciais fornecidos pelo Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE) para a malha municipal e estadual. o limite da APAMC foi
obtido por meio da base de dados geoespaciais do Instituto Estadual do Ambiente (INEA),
através da plataforma GEOINEA. Os dados sobre uso e cobertura do solo, por sua vez, foram
extraídos da plataforma MapBiomas, sendo utilizada a Coleção 8 para os anos de 1990 e 2001,
e a Coleção 9 para o ano de 2023.
Na segunda fase da pesquisa foram realizados três trabalhos de campo, em agosto de
2022, abril e julho de 2023. Os trabalhos de campo foram realizados ao longo de um período
de três a quatro dias, com o propósito de imersão na paisagem local e para a coleta de dados
primários com os agricultores familiares da região. A escolha do grupo social se deu devido à
experiência prática dessas pessoas no manejo da terra e à sua ligação com a produção e o
consumo de alimentos na área. Além disso, optou-se por trabalhar com agricultores mais velhos,
com idades entre 50 e 80 anos, devido à sua vivência e experiência tanto antes quanto depois
da implantação da APAMC, a fim de compreender as mudanças ocorridas na produção e na
alimentação na região.
A abordagem aos participantes da pesquisa foi conduzida com o objetivo de estabelecer
uma conexão com a comunidade de agricultores familiares na área de estudo. Inicialmente,
percorriam-se as estradas da região, próximas às roças, identificando agricultores familiares
que pudessem e concordassem em serem entrevistados. Cabe destacar que alguns agricultores
se recusaram a participar das entrevistas em razão de problemas atuais e pretéritos com o órgão
gestor da unidade de conservação. Uma vez identificado o potencial participante, a abordagem
começava com uma explicação sobre a pesquisa, seguida do pedido de colaboração para
responder a algumas perguntas e participar de uma conversa sobre os temas abordados. O
intuito era estabelecer um ambiente respeitoso e receptivo, promovendo a participação
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voluntária. Ao término da entrevista, pedia-se a indicação de outros agricultores familiares na
região que pudessem estar interessados em contribuir para o estudo.
Essa estratégia de indicações foi adotada visando à construção de uma rede de confiança
que facilitasse a abordagem dos entrevistados seguintes. Ao mencionar o nome do agricultor
familiar anteriormente entrevistado, buscava-se estabelecer um vínculo inicial, proporcionando
um ambiente mais confortável para a participação na pesquisa. Essa abordagem mostrou-se
eficaz e contribuiu para a obtenção de dados mais ricos e aprofundados sobre as experiências
dos agricultores familiares na região.
Ao final, foram realizadas 20 entrevistas com agricultores familiares, sendo 15 homens
e 5 mulheres. Essa disparidade reflete as dinâmicas sociais e culturais da região, onde os
homens eram mais facilmente encontrados trabalhando nas lavouras, enquanto as mulheres
tendiam a permanecer mais próximas às residências e nas tarefas domésticas. Como resultado,
as abordagens realizadas nas proximidades das lavouras, naturalmente, resultaram em um maior
número de entrevistas com homens. Além disso, os agricultores, ao serem abordados, tendiam
a indicar outros homens para participarem das entrevistas, sem mencionar mulheres como
potenciais participantes. Isso resultou em um viés na seleção dos entrevistados, limitando a
participação feminina na pesquisa. Muitas vezes, para envolvê-las, era necessário visitá-las em
suas residências, o que representava um obstáculo. Apesar desses desafios, a contribuição das
mulheres foi igualmente importante e enriquecedora, proporcionando novas perspectivas sobre
as práticas agrícolas e alimentares da região, considerando, sobretudo, o seu papel na
alimentação.
As entrevistas, por sua vez, seguiram um roteiro de perguntas pré-definidas, porém
flexíveis, permitindo que os entrevistados respondessem de maneira mais ampla e abordassem
livremente tópicos que quisessem acrescentar. Durante as abordagens, os agricultores foram
convidados a descrever suas práticas agrícolas e a relação dessas práticas com os elementos e
processos geobiofísicos da paisagem, tanto atuais quanto passados, assim como a adoção de
novas culturas em detrimento de outras. Com esses dados, foi conduzida uma reflexão sobre
como a alimentação foi modificada em função das exigências legais voltadas para a
conservação da natureza, além de se entender como a dinâmica agrícola foi afetada na região.
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Ainda durante as entrevistas, foi aplicada a Escala Brasileira de Insegurança Alimentar
(EBIA) que, segundo Segall-Corrêa (2007), se apresenta como uma ferramenta metodológica
capaz de mensurar a experiência da fome. Essa escala foi desenvolvida com base na valorização
política da erradicação da fome no Brasil, que ganhou força a partir do ano de 2002, no primeiro
mandato de Luiz Inácio Lula da Silva, notadamente com o Programa Fome Zero (PFZ) (Segall-
Corrêa et al., 2010). A elaboração da EBIA foi baseada na metodologia de pesquisa elaborada
nos Estados Unidos, conhecida como Household Food Security Survey Module (HFSSM),
elaborada entre o final da década de 1980 e o início da de 1990.
A estrutura atual da EBIA contém um total de quatorze perguntas para domicílios que
possuíam menores de 18 anos e oito perguntas para residências cujo moradores fossem
legalmente adultos. As perguntas foram construídas de modo a não possuir uma linguagem
técnica, podendo ser aplicada em diversos contextos sociais. Para respondê-las, os entrevistados
teriam que optar por “sim” ou “não”, de forma que a quantidade de respostas afirmativas
classificaria o domicílio em segurança alimentar ou em algum nível de insegurança alimentar
(Tabela 1). No contexto da EBIA, a segurança alimentar é classificada como a garantia do
acesso contínuo a alimentos em quantidade e qualidade suficientes para assegurar a saúde dos
indivíduos (Brasil, 2009). No que tange à insegurança alimentar, sua classificação é dividida
em três categorias: o primeiro nível, a insegurança alimentar leve, é baseado na incerteza sobre
a possibilidade de a família garantir a alimentação no futuro próximo; no nível seguinte, a
insegurança alimentar moderada, a preocupação volta-se para a qualidade dos alimentos
disponíveis; por fim, no grau mais alto, a insegurança alimentar grave é o resultado de uma
redução significativa na quantidade de alimentos consumidos pelos adultos, e, em casos mais
graves, pelas crianças (Radimer et al., 1992).
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Tabela 1 Referencial de Pontuação da EBIA para Avaliação de Segurança Alimentar
Nível de Segurança
Alimentar
Domicílios sem menores de
idade (8 perguntas)
Domicílios com menores de
idade (14 perguntas)
SA
0
IL
1-3
IM
4-5
IG
6-8
Legenda: SA: Segurança Alimentar; IL: Insegurança Alimentar Leve; IG: Insegurança Alimentar Grave.
Fonte: Brasil (2005)
Hoffman (2008) e Vilas Boas (2023) destacam que a Escala Brasileira de Insegurança
Alimentar (EBIA) possui um grau de subjetividade que merece atenção, pois sua aplicação
depende da interpretação e da autopercepção dos entrevistados. Isso significa que a
classificação de um domicílio em determinada condição de segurança ou insegurança alimentar
está diretamente relacionada à forma como os respondentes percebem e relatam sua própria
situação alimentar, o que pode ser influenciado por fatores como contexto social, experiências
individuais e até mesmo o nível de compreensão sobre as perguntas da escala. Dessa forma, a
subjetividade presente na EBIA reforça a necessidade de uma análise cuidadosa dos dados
obtidos, considerando tanto os relatos dos entrevistados quanto outros indicadores que possam
complementar a avaliação da insegurança alimentar.
A EBIA tem desempenhado um papel importante não apenas em pesquisas
governamentais, mas também em estudos acadêmicos de diversas áreas do conhecimento, como
nutrição, sociologia e economia. Sua vantagem reside na capacidade de ser aplicada e
comparada em diferentes contextos e escalas, o que permite análises da segurança alimentar e
suas implicações em diversas comunidades e espacialidades. Isso reforça sua posição como
uma importante ferramenta na compreensão das múltiplas causas associadas à insegurança
alimentar.
No entanto, a estrutura rígida e padronizada das perguntas da EBIA pode limitar a
obtenção de informações mais detalhadas sobre as particularidades dos domicílios, uma vez
que não permite aprofundamentos qualitativos sobre a realidade dos entrevistados. Além disso,
seu uso isolado como metodologia em pesquisas pode levar tanto à superestimação quanto à
subestimação da insegurança alimentar em determinadas populações, especialmente devido à
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AO CITAR ESTE TRABALHO, UTILIZAR A SEGUINTE REFERÊNCIA:
BOTELHO, Laura de Oliveira; VILLAS BOAS, Guilherme Hissa; URZUA, Victor Andres Niklitschek. Os impactos da conservação da
natureza na segurança alimentar: um estudo de caso da APA Macaé de Cima (RJ). Ensaios de Geografia. Niterói, vol. 12, nº 25, e122507,
2025.
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ausência de indicadores econômicos complementares que possam contextualizar melhor a
situação dos domicílios analisados. Dessa forma, para garantir uma avaliação mais precisa e
abrangente, a EBIA deve ser utilizada em conjunto com outras metodologias que permitam
captar aspectos econômicos, sociais e culturais que influenciam o acesso aos alimentos (Vilas
Boas, 2023; Jesus et al., 2024).
Para a análise dos dados coletados, foi utilizado o método de entrevista etnográfica
desenvolvido por Spradley (1979), que valoriza o registro das palavras exatas dos informantes,
preservando a autenticidade das narrativas. As respostas dos entrevistados, tanto do
questionário principal quanto da EBIA, foram registradas utilizando a técnica de escrita
simultânea em um caderno de campo. Durante as entrevistas, enquanto os agricultores
familiares compartilhavam suas experiências e percepções, anotações eram feitas com palavras-
chave que facilitavam o retorno posterior às falas mais relevantes. Assim, o caderno de campo
serviu como um repositório para documentar as falas dos entrevistados da maneira mais fiel
possível, garantindo a integridade das informações coletadas.
A fase final da pesquisa envolveu o tratamento dos dados obtidos durante o trabalho de
campo, correlacionando-os com as informações produzidas em gabinete. Considerando a
abordagem qualitativa do estudo, foram escolhidos métodos de análise de conteúdo e análise
temática para interpretar os dados. Essas abordagens são especialmente adequadas para estudos
qualitativos, pois permitem uma interpretação mais aprofundada das percepções, experiências
e significados atribuídos pelos participantes, contribuindo para uma compreensão mais rica e
detalhada dos fenômenos estudados. Tal técnica envolve a categorização sistemática das
unidades de significado presentes nos textos, facilitando uma interpretação estruturada dos
dados coletados. No contexto desta pesquisa, as transcrições das entrevistas foram examinadas
para identificar padrões, categorias e temas recorrentes que revelassem as percepções e
experiências dos agricultores familiares em relação às práticas agrícolas, à conservação
ambiental e à segurança alimentar na região. Dessa forma, a análise de conteúdo permitiu
organizar os dados em categorias, possibilitando uma interpretação das narrativas e destacando
elementos-chave.
Além da análise de conteúdo, foi empregada a análise temática, seguindo a abordagem
proposta por Braun e Clarke (2006). Essa técnica, por sua vez, envolve a identificação, análise
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e relato de padrões ou temas dentro dos dados, o que possibilitou uma exploração mais ampla,
indo além das categorias pré-estabelecidas e permitindo que novos temas emergissem
diretamente das falas dos entrevistados. Durante o processo de análise, foram identificados
temas principais e subtemas que refletiam diferentes dimensões do estudo, como a expansão do
turismo, o aumento no uso de agrotóxicos, a diminuição do plantio de determinadas culturas,
as dificuldades na criação de animais e a preocupação com a continuidade da atividade
agropecuária na região.
Para garantir a robustez e a confiabilidade da análise, foi seguido o procedimento de
triangulação dos dados, combinando diferentes fontes de informação (entrevistas, observações
de campo e documentos legais) e métodos analíticos (análise de conteúdo e análise temática),
conforme sugerido por Denzin (2017). Este procedimento fortaleceu a validade dos resultados,
permitindo uma compreensão mais holística das interações entre a conservação ambiental e a
SAN na APA Macaé de Cima.
Resultados
Mudanças no Uso e Cobertura da Terra
A implementação das unidades de conservação municipais e, posteriormente, da APA
resultou em uma mudança no uso e cobertura da terra na região. Conforme apontam Villas Boas
e Mattos (2021), a delimitação desses territórios é resultado da luta ambientalista de
organizações da sociedade civil capitaneada pelos próprios proprietários de casas de veraneio
e que, pelo uso atribuído aos seus terrenos, permitiu também que a floresta crescesse. Desde a
década de 1990 então, é possível perceber um crescimento da cobertura florestal e da área
urbana, com uma proporcional redução das áreas destinadas ao uso agrícola (Figura 3). Este
processo reflete o impacto direto das políticas ambientais, como o fortalecimento da
fiscalização ambiental nos primeiros anos de vigência da APA, que impôs restrições ao uso
agrícola da terra e criou profundos conflitos entre o órgão ambiental estadual e a comunidade
local (Villas Boas e Mattos, 2021).
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Figura 3 Mapa de uso e cobertura do solo da APA Macaé de Cima (1990, 2001 e 2023)
Fonte: Elaboração própria (2024).
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As entrevistas realizadas com agricultores familiares da APAMC revelaram que a
criação da unidade de conservação trouxe novas restrições ao uso da terra, o que desconsidera
seus saberes e impacta suas atividades produtivas. Muitos agricultores relataram que partes de
suas propriedades foram classificadas como “áreas de reserva” (denominação popular dada às
Áreas de Preservação Permanente APP), onde o cultivo de determinadas culturas e a criação
de bovinos foram proibidos. Além disso, as fiscalizações sanitárias e ambientais intensificaram-
se, muitas vezes baseadas em denúncias feitas por turistas e “os de fora”, que visitam a região
e desconhecem as práticas tradicionais e as dinâmicas dos agricultores familiares. Essas
denúncias muitas vezes resultaram em sanções e restrições ainda mais severas, ampliando a
pressão sobre os agricultores.
Outro fenômeno igualmente importante é a diminuição da disponibilidade de terras para
atividades agrícolas na APAMC como consequência de questões relacionadas à propriedade da
terra, particularmente associadas aos processos de herança e partilha de espólios (Teixeira,
2022). Historicamente, famílias que possuíam grandes extensões de terra na região viram suas
propriedades serem subdivididas ao longo das gerações, resultando em parcelas menores e
menos adequadas para a agricultura. Esse fracionamento das terras tem sido agravado pelo
desenvolvimento simultâneo do turismo, que incentivou a construção de casas de veraneio,
pousadas e outras infraestruturas de lazer. Tal tendência se intensificou durante a pandemia de
covid-19, quando a população urbana, principalmente aquela com maior capacidade financeira,
buscou refúgio em áreas rurais menos densamente povoadas (González-Leonardo, 2022).
Os agricultores entrevistados mencionaram que, devido a essas restrições, tiveram que
cessar o cultivo de culturas tradicionais como o inhame, a batata, o café e o feijão, além de
interromper a produção de leite e ovos, assim como a carne resultante do abate. Para suprir essa
perda, agora uma maior dependência do mercado local para adquirir esses alimentos, mas
devido à redução na receita resultante da diminuição das atividades agrícolas, esses itens
passaram a ser consumidos em menores quantidades. Este contexto reflete o impacto das
políticas de conservação na segurança alimentar e na subsistência
4
dos agricultores familiares,
4
Subsistência nesse contexto refere-se ao conjunto de atividades agrícolas e produtivas realizadas pelos
agricultores familiares com o objetivo principal de garantir sua sobrevivência e a de suas famílias, suprindo suas
necessidades alimentares e materiais a partir dos recursos que eles próprios produzem. Diferentemente do conceito
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que são afetados tanto pela rigidez na legislação quanto pelas pressões externas vindas de
visitantes que não têm conexão direta com a realidade local.
A redução das áreas disponíveis para a agricultura não afetou apenas a produção de
alimentos, mas também teve repercussões na dinâmica social e econômica da comunidade.
Estudos mostram que a implementação de unidades de conservação pode alterar a estrutura
econômica local, reduzindo a capacidade de produção agrícola e forçando a migração para o
setor de serviços, como o turismo, principalmente (Candiotto, 2011; Silva, 2021). Segundo os
relatos de agricultores da APAMC, a vida comunitária na região era mais intensa antes do
crescimento do turismo, quando os circuitos curtos de comercialização eram mais prevalentes.
No passado, esses circuitos curtos não apenas garantiam a segurança alimentar, ao assegurar o
fornecimento de alimentos frescos e locais, mas também fortaleciam os laços comunitários e
promoviam a coesão social. Com a diminuição das terras agrícolas e o aumento da dependência
do comércio varejista, especialmente incentivado pela expansão do turismo, a comunidade
agora enfrenta desafios para manter sua identidade social, que envolve processos ainda mais
amplos que a segurança alimentar e a sustentabilidade de suas práticas tradicionais.
Este cenário sugere uma tensão crescente entre as necessidades de conservação
ambiental e a segurança alimentar da comunidade local, especialmente para os pequenos
agricultores familiares, que enxergam a atividade agrícola como uma maneira de garantir sua
alimentação e sua renda (Assad e Almeida, 2004). Assim, a implementação da APA, embora
essencial para a conservação ambiental, levanta questões críticas sobre a sustentabilidade
socioeconômica dos agricultores familiares na região, exigindo políticas que conciliem melhor
a proteção ambiental com o bem-estar das comunidades locais.
de “autoconsumo”, que se refere ao consumo direto de parte da produção agrícola pelo próprio produtor e sua
família, a subsistência engloba uma dimensão mais ampla. Ela envolve a capacidade de manter um estilo de vida
autossustentável, com produção voltada tanto para o consumo familiar quanto, em alguns casos, para a troca ou
venda em pequena escala, possibilitando a aquisição de outros bens necessários para sua vida cotidiana. No
entanto, no contexto de restrições impostas pela criação de unidades de conservação, as atividades de subsistência
são limitadas, comprometendo a segurança alimentar e a autonomia econômica dos agricultores.
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A Mudança na Dinâmica Agrícola
A criação da APA e as ações fiscalizadoras, sobretudo na primeira década, resultaram
em diversas mudanças nas práticas agrícolas. A proibição do uso do fogo, estabelecida pela Lei
Estadual 2.049/1992, afetou a prática de coivara, utilizada tradicionalmente na região, o que
levou os agricultores a buscarem alternativas para manterem suas atividades e garantir a
subsistência de suas famílias. Uma dessas alternativas foi o aumento do uso de agrotóxicos e
outros insumos químicos, que são frequentemente referidos pelos agricultores como “veneno”
ou “remédio”, dependendo do contexto de sua utilização. Essa terminologia reflete a dupla
percepção dos agroquímicos: por um lado, os agricultores que comercializam sua produção os
veem como “remédio” devido à sua eficácia em aumentar a produtividade e combater pragas
que poderiam destruir a colheita. Por outro lado, quando se referem à produção para o consumo
doméstico, preferem utilizar a palavra “veneno”, tendo em vista os riscos que esses produtos
podem causar à saúde e ao meio ambiente.
Vale destacar que, além das pressões regulatórias impostas pela APA, os agricultores
reconhecem a demanda dos consumidores por produtos agrícolas esteticamente e visualmente
mais atraentes, o que os leva ao uso desses agroquímicos. A facilidade de aquisição e o custo-
benefício associado ao uso dos agrotóxicos tornaram essa prática comum entre os agricultores,
que precisam adaptar suas técnicas para atender tanto às exigências de produtividade quanto às
restrições ambientais impostas pela unidade de conservação. Apesar de o uso de agroquímicos
aumentar a produção no curto prazo, também levanta preocupações sobre os impactos
ambientais e a saúde de seus familiares, questões que precisam ser abordadas no contexto da
gestão sustentável de áreas de conservação.
Os agricultores afirmam que compram os insumos agroquímicos em uma loja localizada
na Central de Abastecimento S/A (CEASA) e que os produtos são prescritos por um engenheiro
agrônomo funcionário da própria loja. Eles apontam que têm conhecimento da necessidade de
orientação de um profissional que conheça sua propriedade, tanto nos aspectos geográficos
como produtivos, contudo utilizam os produtos a partir da experiência e do empirismo. Durante
a aplicação dos agrotóxicos, muitos deles não utilizam os Equipamentos de Proteção Individual
(EPIs) necessários, como luvas, máscaras e roupas protetoras. Isso os expõe diretamente a
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substâncias químicas perigosas, seja pela inalação dos vapores tóxicos ou pelo contato direto
com a pele, aumentando o risco de intoxicações agudas e crônicas.
Estudos apontam que a exposição prolongada e sem proteção adequada a agrotóxicos
pode causar diversas doenças, incluindo distúrbios neurológicos, como a doença de Parkinson,
problemas respiratórios, câncer e alterações endócrinas (Moreira et al., 2020). Além disso,
sintomas como tontura, náusea, dores de cabeça e fraqueza muscular são frequentemente
relatados entre trabalhadores rurais expostos a esses produtos (Cargnin et al., 2017). A falta do
uso correto dos EPI necessários para a aplicação de agrotóxicos também está associada a
maiores taxas de intoxicação ocupacional e à subnotificação de casos, dificultando um
diagnóstico preciso sobre o impacto dos agrotóxicos na saúde dos agricultores (Fiocruz, 2016).
Esses fatores reforçam a necessidade do uso adequado dos EPIs e de um maior suporte técnico
para os agricultores, visando minimizar os riscos à saúde decorrentes da aplicação inadequada
desses produtos.
Antes da criação da unidade de conservação, e sobretudo da ampliação da atividade
turística, as práticas agrícolas na região da APAMC eram baseadas na autossuficiência familiar,
com plantações diversificadas que atendiam tanto às necessidades alimentares das famílias
quanto à geração de um excedente para comercialização, usualmente na sede do município.
Esse excedente proporcionava renda e fortalecia os laços econômicos e sociais entre os
agricultores e os consumidores locais (Carneiro; Palm, 2022). Entretanto, as entrevistas
revelaram que, após a implementação da APAMC, houve um redirecionamento das práticas
agrícolas, que deixaram de ser focadas no autoconsumo para se concentrarem na produção para
o mercado. A produção destinada ao autoconsumo foi reduzida e os alimentos consumidos
passaram a vir principalmente do comércio local. A lógica que antes era centrada na produção
diversificada para o autoconsumo e para a troca na comunidade local cedeu lugar a uma
abordagem orientada ao mercado, na qual a escolha das culturas a serem plantadas passou a ser
influenciada pela rentabilidade.
Assim, os agricultores, atualmente, selecionam as culturas com base na relação entre o
trabalho necessário para a produção e o potencial de lucro gerado por este trabalho. O esforço
físico necessário para manter as plantações tornou-se também um critério decisivo,
considerando a idade avançada de muitos agricultores e os altos custos de terceirização da mão
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de obra. Isso tem levado à preferência por culturas que exigem menos esforço. Um exemplo
dessa escolha pode ser observado ao longo da área de estudo, onde extensas plantações de
bananeiras nas encostas da região foram notadas (Figura 4), anteriormente encontradas apenas
nos médio e baixo cursos da bacia do rio Macaé. Questionados sobre essa escolha, os
agricultores explicaram que o cultivo de bananas é particularmente vantajoso porque pode
produzir frutos por até 30 anos, sem a necessidade de replantio, oferecendo uma rentabilidade
estável e minimamente previsível ao longo do tempo. Além disso, o manejo da bananeira é
considerado mais simples e menos exigente fisicamente em comparação com outras culturas,
sendo, portanto, uma escolha estratégica para agricultores que buscam minimizar o esforço
investido.
Figura 4 Plantação de bananeiras na APA Macaé de Cima
Fonte: Acervo dos autores (2024).
Contudo, foi relatado que a comercialização das bananas passou a seguir uma nova
dinâmica, onde intermediadores surgem como importantes personagens. Um agricultor
comentou que as bananas que por eles produzidas são vendidas a uma empresa que as transporta
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para um de seus depósitos, por vezes fora do município e, em seguida, essas mesmas bananas
são trazidas de volta à APA para serem vendidas no mercado local. Esse circuito indireto, não
apenas das bananas, mas dos demais produtos agrícolas, aumentou a dependência dos
agricultores em relação ao mercado externo, e agora, ao invés de comercializarem diretamente
suas colheitas nos mercados locais, eles dependem da figura do intermediário, que centraliza a
distribuição e comercialização dos produtos. Esse processo não reduz o valor recebido
diretamente pelos agricultores, mas também cria um ciclo de dependência em relação à cadeia
intermediária.
Essa intermediação excessiva também resulta na redução do controle dos agricultores
sobre os preços e os lucros da sua produção, tornando-os dependentes das dinâmicas de
mercado e das decisões de agentes externos. Isso, por sua vez, afeta diretamente sua soberania
alimentar, comprometendo sua capacidade de decidir sobre a própria produção.
Os impactos da unidade de conservação na criação de animais
Embora a criação de animais nunca tenha sido a principal atividade econômica na
região, os agricultores relatam que, antes da criação da unidade de conservação, existiam currais
e pequenos abatedouros que operavam muito antes da implementação dos padrões sanitários e
ambientais atualmente vigentes. Por outro lado, alguns agricultores criavam apenas algumas
cabeças de gado, destinadas exclusivamente ao consumo próprio, sem qualquer intenção de
comercializar a produção. Inclusive eles questionam a escala dos impactos ambientais
negativos, alegados pelo órgão gestor, como o despejo inadequado de dejetos animais, o que
contaminava o solo e os cursos d'água (Amador, 2022; Rego e Ferreira, 2023).
As práticas tradicionais de manejo, que precederam as fiscalizações mais rigorosas,
foram associadas a possíveis danos ambientais, devido às instalações rudimentares. Com a
implementação da APA e o aumento das fiscalizações ambientais, os agricultores passaram a
enfrentar uma pressão crescente para adaptar suas práticas às novas exigências sanitárias de
produção. Contudo, muitos deles tiveram dificuldades em se ajustar aos padrões estabelecidos,
especialmente no que diz respeito à destinação correta dos resíduos, o que resultou no
fechamento de alguns abatedouros e currais.
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A introdução do decreto federal 9.013, de 2017, que regula a inspeção industrial e
sanitária de produtos de origem animal, trouxe normas ainda mais rigorosas para a criação,
abate e comercialização desses produtos. Embora o objetivo fosse garantir a segurança
alimentar e o controle ambiental, alguns agricultores familiares, sobretudo os de menor escala,
relataram dificuldades em se adequar a essas novas exigências. O desconhecimento sobre as
regulamentações e a falta de assistência técnica
5
para implementá-las resultaram em multas e
interdições, reduzindo a criação de bovinos, suínos e, consequentemente, a comercialização de
produtos derivados desses animais, como leite e queijo. A manutenção dessas atividades dentro
dos padrões exigidos tornou-se inviável para os poucos produtores. Essa situação também está
refletida na mudança de uso e cobertura da terra, que mostra uma diminuição progressiva nas
áreas dedicadas à agricultura e à pecuária.
Um episódio particularmente emblemático ocorreu durante uma das visitas de campo,
quando um agricultor, conhecido por sua criação de gado, se recusou a conceder entrevista.
Respeitando seu direito de recusa, os pesquisadores não insistiram na participação, seguindo as
premissas éticas da pesquisa. No entanto, em conversas posteriores com outros agricultores, foi
possível entender as razões por trás da desconfiança e apreensão demonstradas. Segundo relatos
de outro entrevistado, o agricultor havia sido multado em um valor significativamente superior
à sua capacidade financeira, em virtude do não cumprimento das normas ambientais e
sanitárias. Esse episódio gerou grande impacto emocional no agricultor, que temia que qualquer
exposição adicional pudesse atrair novas punições ou complicações com as autoridades.
Esse episódio ilustra a necessidade de uma abordagem mais colaborativa e educativa
por parte das autoridades. Em vez de focar unicamente na punição, uma atuação voltada para a
5
Diversos dispositivos legais mencionam a importância da assistência técnica e extensão rural (ATER): a Lei
11.326, de 2006, que institui a Política Nacional da Agricultura Familiar e Empreendimentos Familiares Rurais,
prevê como uma de suas diretrizes para o fortalecimento da agricultura familiar a prestação de ATER como um
dos pilares para a promoção do desenvolvimento sustentável no campo; A Lei nº 8.171, de 1991, que dispõe sobre
a Política Agrícola também ressalta a importância da ATER para o incremento da produção agropecuária; O
decreto 6.040, de 2007, que institui a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável de Povos e
Comunidades Tradicionais, estabelece a necessidade de ATER para promover o desenvolvimento sustentável; A
Lei 12.188, de 2010, que institui a Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural (PNATER) na
Agricultura Familiar e Reforma Agrária, regulamenta a prestação de ATER e reconhece sua importância para o
desenvolvimento sustentável de áreas rurais, a melhoria das condições de vida dos agricultores familiares e a
promoção da segurança alimentar.
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orientação e o treinamento dos agricultores poderia facilitar a conformidade com os
regulamentos. Tal medida não só reduziria as tensões entre produtores e fiscais, como também
garantiria que as práticas agrícolas e pecuárias se alinhassem aos padrões de segurança e
sustentabilidade, preservando o meio de vida dos agricultores e a segurança alimentar da
comunidade.
Além das dificuldades relacionadas à adequação às normas sanitárias, outro fator
igualmente relevante para a diminuição da criação de suínos e bovinos foi o trabalho intenso
que essa atividade exigia. Os entrevistados, então, relataram que a criação de animais não
compensava financeiramente, sobretudo diante da concorrência de grandes frigoríficos que
passaram a comercializar carne congelada na região através dos estabelecimentos comerciais
que surgiram junto com a facilidade de acesso e o turismo. Além disso, eles afirmaram que a
criação de animais demanda grande dedicação, inclusive aos finais de semana, limitando o
tempo disponível para outras atividades. Cuidar desses animais exigia atenção constante, o que
dificultava, por exemplo, viagens ou períodos de descanso, que o manejo era uma
responsabilidade diária. Diante disso, os entrevistados, de forma unânime, expressaram sua
preferência por adquirir carne em mercados e açougues. Embora essa opção seja mais prática,
ela também resultou em uma redução no consumo de carne e no aumento do consumo de ovos
enquanto uma alternativa mais acessível, especialmente devido ao alto custo das carnes, muitas
vezes incompatível com a realidade financeira de alguns agricultores, que são, na maioria das
vezes, aposentados.
Assim, a criação de animais na região passou por uma transformação perceptível após
a implementação da unidade de conservação. As exigências das normas ambientais e sanitárias,
aliadas às dificuldades de manejo, levaram muitos agricultores a reduzirem ou abandonarem a
atividade. Até mesmo aqueles que mantinham apenas uma ou duas vacas para consumo próprio
de leite acabaram desistindo da criação, devido aos custos e complexidades associados ao
cumprimento das novas regulamentações. Esse cenário resultou em mudanças nos hábitos
alimentares locais, com a carne se tornando menos presente e os ovos ganhando espaço como
fonte de proteína mais acessível e compatível com as novas condições econômicas e produtivas
enfrentadas pelos agricultores.
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Avaliação da SAN
A avaliação da SAN, utilizando a EBIA, revelou um cenário complexo entre os
agricultores familiares da APAMC. Dos 20 entrevistados, 18 foram classificados em estado de
segurança alimentar, com apenas dois demonstrando diferentes graus de insegurança: um em
nível leve, sinalizando preocupações ocasionais com o acesso a alimentos, e outro em nível
grave, indicando uma situação de fome persistente.
A pesquisa identificou dois casos de insegurança alimentar entre as entrevistadas. Das
cinco participantes do estudo, duas foram classificadas, de acordo com a EBIA, em alguma
situação de insegurança alimentar. O primeiro caso, classificado como insegurança alimentar
grave, referia-se a uma mãe solteira de um filho com necessidades especiais. Em seu relato, ela
destacou as dificuldades enfrentadas para garantir uma alimentação adequada, uma vez que não
tinha condições de trabalhar fora de casa nem de se dedicar integralmente à agricultura, que era
sua principal atividade econômica. Como alternativa, cultivava apenas alimentos de manejo
mais simples, como alface, couve e inhame. Sua renda, por sua vez, provinha exclusivamente
de um auxílio governamental destinado ao filho, o qual não era suficiente para suprir as
necessidades alimentares de ambos. Em função disso, frequentemente enfrentava momentos de
fome e precisava reduzir ou pular refeições para garantir que seu filho tivesse alimento
suficiente.
O segundo caso, classificado como insegurança alimentar leve pela EBIA, também
envolvia uma mãe. Embora não relatasse situações de fome extrema, expressava preocupação
constante com a disponibilidade de alimentos antes mesmo de adquiri-los, seja por meio da
agricultura ou da compra. Essa preocupação estava diretamente relacionada ao bem-estar de
sua família filhos e marido , levando-a, em diversas ocasiões, a reduzir ou até mesmo abdicar
de sua própria alimentação para que os demais tivessem acesso a uma quantidade maior de
comida.
Os relatos dessas duas mulheres corroboram achados de estudos anteriores sobre
segurança alimentar, que indicam uma maior vulnerabilidade das mulheres à insegurança
alimentar (Silva et al., 2022). Além disso, os dados apresentados estão em consonância com os
resultados do Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da
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natureza na segurança alimentar: um estudo de caso da APA Macaé de Cima (RJ). Ensaios de Geografia. Niterói, vol. 12, nº 25, e122507,
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covid-19 no Brasil, realizado em 2022 pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e
Segurança Alimentar e Nutricional (REDE PENSSAN, 2022). O levantamento evidenciou que,
quando as mulheres são as principais responsáveis pelo domicílio, há uma maior probabilidade
de enfrentarem insegurança alimentar, tornando ainda mais desafiador garantir a segurança
alimentar familiar. Durante a fase de análise dos dados, foi possível identificar um padrão nas
respostas dos entrevistados que mantinham uma situação mais estável de segurança alimentar.
Esse padrão permitiu a divisão dos participantes em dois grupos, com características
semelhantes entre si. O primeiro grupo era composto por aqueles que tinham a atividade
agrícola como principal ocupação, sendo essa a fonte total ou predominante de sua renda. Esses
indivíduos dependiam diretamente da produção agrícola para seu sustento, seja por meio da
comercialização dos produtos cultivados ou pelo consumo próprio, garantindo maior
previsibilidade em sua alimentação. No entanto, apesar de produzirem em maior quantidade,
sua plantação tendia a ser menos diversa, pois o foco estava na venda de produtos específicos,
geralmente aqueles com maior valor de mercado ou maior demanda comercial. Isso fazia com
que, apesar da estabilidade financeira proporcionada pela agricultura, esses entrevistados ainda
precisassem complementar sua alimentação por meio da compra de outros alimentos que não
cultivavam.
O segundo grupo, por sua vez, era formado por entrevistados que, apesar de praticarem
a agropecuária, não a realizavam com o objetivo principal de obter retorno financeiro. Para
esses indivíduos, a atividade estava mais associada a aspectos culturais e identitários, sendo
vista como uma forma de conexão com a terra e com práticas herdadas de gerações anteriores.
Além disso, a agropecuária também era encarada como um meio de complementar a
alimentação familiar, reduzindo a necessidade de aquisição de determinados alimentos no
mercado. Como a produção tinha o consumo próprio como principal finalidade, havia maior
diversidade de cultivos, permitindo uma dieta mais variada e equilibrada com base nos
alimentos que plantavam. Dessa forma, esse grupo possuía uma maior capacidade de suprir sua
alimentação com a própria produção em comparação ao primeiro grupo, que dependia mais da
compra de alimentos para diversificar sua dieta.
Embora houvesse essa distinção entre os grupos, ambos compartilhavam o fato de que
a maior parte dos alimentos consumidos era adquirida por meio de compras. Além disso, todos
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os entrevistados possuíam uma renda relativamente estável, o que lhes garantia maior segurança
na obtenção de alimentos. Considerando que a EBIA leva em conta não apenas o acesso direto
aos alimentos, mas também a estabilidade financeira dos entrevistados, todos foram
enquadrados na categoria de segurança alimentar. Esse achado reforça a importância de uma
renda contínua e previsível na garantia da segurança alimentar, independentemente do
envolvimento direto com a produção agrícola.
Apesar de os resultados parecerem positivos, eles contrastam com as percepções
captadas durante as entrevistas semiabertas, nas quais os agricultores se sentiram mais à vontade
para discutir suas realidades alimentares. Essa incompatibilidade entre os dados obtidos nas
entrevistas informais e as respostas na EBIA destaca um ponto crítico da metodologia do
levantamento oficial do governo brasileiro: a estrutura rígida e direta da EBIA. Especialmente
em perguntas que abordam o tema da fome e a questão financeira, a construção binária da EBIA
pode ter influenciado os entrevistados a darem respostas automáticas ou evasivas. Quando
questionados diretamente sobre “passar fome”, muitos agricultores responderam de maneira
rápida, afirmando que nunca haviam passado por tal situação, claramente motivados pelo
orgulho de serem produtores de alimentos. Essa resistência em admitir a fome pode estar ligada
à sua identidade como produtores, para quem a ideia de escassez alimentar fere o orgulho
associado ao seu papel social. Além disso, diversas perguntas da EBIA abordam aspectos
financeiros, o que pode ser um tema delicado para alguns agricultores, levando-os a respostas
menos detalhadas e mais contidas.
Nas entrevistas semiabertas, por outro lado, muitos agricultores relataram
espontaneamente que, em certos períodos, reduziram a quantidade de alimentos em suas casas,
mencionando dificuldades sazonais e econômicas. No entanto, essas falas não se refletiram nas
respostas da EBIA, onde afirmaram que nunca alteraram a quantidade de alimentos em seus
domicílios. A rigidez da estrutura da EBIA pareceu limitar a profundidade das respostas e não
captou nuances importantes relacionadas à insegurança alimentar percebida.
Adicionalmente, constatou-se uma preocupação recorrente com a qualidade dos
alimentos disponíveis, principalmente devido ao aumento no consumo de alimentos
ultraprocessados. Os agricultores mencionaram que, ao longo das últimas duas décadas, as
mudanças nas práticas agrícolas, como o uso mais intensivo de agrotóxicos e os impactos das
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restrições da unidade de conservação, reduziram a oferta de alimentos frescos e nutritivos. A
necessidade de substituir esses produtos por alimentos ultraprocessados, mais baratos e
duráveis, mas de menor valor nutritivo, foi uma queixa comum. Esse aumento de alimentos
ultraprocessados, combinado com as mudanças nas práticas agrícolas, reflete uma
transformação na dieta dos agricultores, que, embora estejam tecnicamente em situação de
segurança alimentar, enfrentam desafios relacionados à qualidade e ao acesso a alimentos
saudáveis.
Os agricultores frequentemente atribuíram essa mudança à implementação da APA, que
impôs restrições e alterou as dinâmicas de produção local. Além disso, a chegada de mercados
e supermercados à região intensificou o acesso a esses produtos processados, facilitando sua
popularização. No entanto, embora os agricultores tenham apontado a unidade de conservação
como a principal “culpada”, é importante considerar que essa transição para o consumo de
ultraprocessados não se limita à influência local da Área de Proteção Ambiental. Trata-se, na
verdade, de uma tendência mundial.
De acordo com McMichael (2014), essa transformação faz parte do regime alimentar
corporativo, caracterizado pela mercantilização da alimentação, a transformação da agricultura
em um setor voltado para commodities e a expansão de monoculturas. Esse modelo,
impulsionado pelo neoliberalismo, promove a concentração do mercado agroalimentar em
grandes corporações, facilitando a disseminação do consumo de alimentos ultraprocessados em
escala global. A industrialização da alimentação, a comodidade desses produtos e a imposição
de padrões alimentares por redes varejistas transnacionais consolidam esse processo.
Assim, apesar das mudanças promovidas pela unidade de conservação, é necessário
realizar uma análise mais abrangente que considere não apenas fatores locais, como o turismo,
mas também a influência desse regime alimentar corporativo, que reconfigura hábitos
alimentares ao redor do mundo (Alkon, 2014; Louzada et al., 2023). Dessa forma, a análise da
SAN na região, embora apresente indicadores formais de segurança alimentar, levanta questões
sobre a qualidade nutricional e o verdadeiro estado de bem-estar alimentar das famílias
entrevistadas.
Conclusão
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Diante dos dados levantados, fica evidente que a implementação da unidade de
conservação trouxe mudanças para a prática agrícola e a segurança alimentar na área de estudo.
As restrições ambientais, especialmente a proibição de práticas tradicionais como a agricultura
de corte e queima, forçaram os agricultores a adotarem alternativas, como o uso de
agroquímicos. Essa adaptação, embora necessária para garantir a permanência na terra e no
território, contradiz os objetivos de conservação ambiental, criando um paradoxo entre a
proteção do meio ambiente e as práticas agrícolas adotadas.
Por outro lado, o desenvolvimento do turismo na região se destacou como uma
oportunidade para diversificar a renda e aumentar a oferta de alimentos, contribuindo
positivamente para a segurança alimentar. Contudo, esse benefício econômico foi
acompanhado pela introdução e a facilidade de acesso a alimentos ultraprocessados, o que gerou
novas preocupações quanto à qualidade nutricional dos alimentos consumidos.
Os resultados das entrevistas e da aplicação da EBIA mostraram que a segurança
alimentar dos agricultores familiares vai além da simples disponibilidade de alimentos. A
qualidade, a sustentabilidade e a diversidade dos alimentos emergiram como questões centrais,
refletindo a necessidade de abordagens mais amplas e integradas para avaliar a SAN. A
discrepância observada entre as respostas mais espontâneas nas entrevistas e as respostas mais
rígidas na EBIA revela também que fatores emocionais e culturais, como o orgulho de serem
produtores de alimentos e o desconforto em admitir dificuldades financeiras, influenciam as
percepções de insegurança alimentar.
Conclui-se, portanto, que a relação entre conservação ambiental, práticas agrícolas e
segurança alimentar é intrinsecamente complexa. O desafio para os agricultores e as autoridades
é encontrar um equilíbrio que atenda às demandas nutricionais, ambientais e socioeconômicas,
promovendo uma gestão sustentável das áreas protegidas sem comprometer o circuito interno
de produção-consumo e a saúde da comunidade. A pesquisa realizada oferece uma importante
base para futuras investigações, mostrando que uma abordagem integrada, que equilibre
conservação e desenvolvimento socioeconômico, é essencial para garantir a segurança
alimentar e a sustentabilidade dessas comunidades.
Referências
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