Ensaios de Geografia
Essays of Geography | POSGEO-UFF
AO CITAR ESTE TRABALHO, UTILIZAR A SEGUINTE REFERÊNCIA:
MELATTI, Cláudia; TONINI, Ivaine Maria. Borbulhos cortantes na Geografia Escolar. Ensaios de Geografia. Niterói, vol. 12, 25, e122517,
2025.
Submissão em: 31/12/2024. Aceito em: 10/07/2025.
ISSN: 2316-8544
Este trabalho está licenciado com uma licença CreativeCommons
1
SEÇÃO ARTIGOS
Borbulhos cortantes na Geografia escolar
Sharp bubbles in school Geography
Borbujas cortantes em la Geografía escolar
DOI: https://doi.org/10.22409/eg.v12i25.65989
Cláudia Melatti
1
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS),
Rio Grande do Sul, Brasil
e-mail: melatticlaudia@gmail.com
Ivaine Maria Tonini
2
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS),
Rio Grande do Sul, Brasil
e-mail: ivaine@terra.com.br
Resumo
Este estudo tem a intenção de refletir como as políticas neoliberais permeiam o espaço educacional por meio de
práticas que sujeitam e dominam os territórios vividos pelos estudantes. O objetivo deste trabalho é propor um
exercício de pensamento que protagonize uma Geografia capaz de contribuir para a apropriação de territórios
vividos pelos estudantes a ponto de transformá-los em lutas sociais. O caminho trilhado para essa intencionalidade
foi traçado em solo teórico dos estudos pós-estruturalistas em educação, os quais não seguem procedimentos
lineares e rígidos, eles se mantêm abertos para que os próprios caminhos da pesquisa possam desenhar trajetórias
apresentadas durante o processo investigativo sobre experiências escolares. A discussão está dividida em dois
eixos: primeiro é sobre a escola como território para ensinar Geografia e o segundo aborda os impactos das recentes
políticas educacionais no ensino da Geografia. Embora distintos, ambos os eixos convergem para posicionar a
Geografia como a ciência capaz de expandir novos horizontes e construir conhecimentos que impulsionem a
transformação social.
Palavras-chave
Geografia; Ensino; Políticas Educacionais; Neoliberalismo.
1
Professora da Rede Pública do Paraná e doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Geografia, Linha de
Pesquisa Ensino em Geografia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
2
Professora do Programa de Pós-Graduação em Geografia, Linha de Ensino em Geografia na UFRGS.
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AO CITAR ESTE TRABALHO, UTILIZAR A SEGUINTE REFERÊNCIA:
MELATTI, Cláudia; TONINI, Ivaine Maria. Borbulhos cortantes na Geografia Escolar. Ensaios de Geografia. Niterói, vol. 12, 25, e122517,
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Abstract
This study aims to reflect on how neoliberal policies permeate the educational space through practices that subject
and dominate territories lived by students. The objective of this work is to propose a thought exercise that features
a Geography capable of contributing to the appropriation of territories lived by students to the point of transforming
them into social struggles. The path taken towards this intentionality was based on the theoretical post-structuralist
studies in education, which do not follow linear and rigid procedures to be followed, but is opened to allow research
paths to design trajectories presented during the investigative process on school experiences. The discussion is
divided into two axes: the first one is about the school as a territory for teaching Geography; the second one
addresses the impacts of recent educational policies on the teaching of Geography. Although distinct, both aspects
converge to set Geography as the science capable of expanding new horizons and constructing knowledge that
promotes social transformation.
Keywords
Geography; Teaching; Educational Policies; Neoliberalism.
Resumen
Este estudio tiene la intención de reflexionar sobre como las políticas neoliberales impregnan el espacio educativo
a través de prácticas que subordinan y dominan los territorios vividos por los estudiantes. Proponemos un ejercicio
de pensamiento que sitúe a la Geografía como protagonista, capaz de contribuir a la apropiación de los territorios
vividos por los estudiantes hasta el punto de transformar los en luchas sociales. El camino recorrido hacia esta
intencionalidad se trazó em el terreno teórico de los estudios post estructuralistas em educación, los cuales no
siguen procedimientos lineales y rígidos, sino que permanecen abiertos para que los propios caminos de
investigación puedan diseñar trayectorias que se presenten durante el proceso investigativo sobre las experiencias
escolares. La discusión se divide en dos ejes: El primero trata sobre la escuela como territorio para la enseñanza
de La Geografía y el segundo aborda os impactos de las recientes políticas educativas em la enseñanza de la
Geografía. Aunque distintos, ambos aspectos convergen en posicionar a la Geografía como la ciencia capaz de
ampliar nuevos horizontes y construir conocimientos que impulsen la transformación social.
Palabras clave
Geografía; Docencia; Políticas Educativas; Neoliberalismo.
De onde partimos
No dia a dia constantemente nos deparamos com situações de toda a ordem impensadas
nas décadas anteriores. São transformações sentidas em diversos setores, sejam eles
econômicos, ambientais ou culturais, enfrentando o que Couldry (2020) denomina de crises
cruzadas, isto é, um conjunto de crises que se entrecruzam e afetam a todos. Podemos citar
como exemplo as crises climáticas, étnicas, religiosas e territoriais, que repercutem em
migrações forçadas e guerras infindáveis. Diante desta constatação, a expressão “borbulhos
cortantes” no título deste artigo é proposital, em razão de entendermos que aquilo que nos afeta
não está separado do pensamento da vida (Albuquerque Júnior, 2019). Assim, os cortes
temáticos trazidos neste artigo são os que nos interessam e que nos tocam enquanto professoras
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para serem escritos como reflexões, a partir dos longos anos de experiências em sala de aula,
de modo que borbulhem pensamentos direcionados à práticas escolares com significados mais
efetivos para formação dos estudantes.
Por entre crises cruzadas permeia a crise educacional que, agravada pelas políticas
neoliberais, provoca um descompasso na busca e construção de uma sociedade mais justa e
igualitária. Esse modelo de educação segrega cada vez mais o estudante da escola pública,
negligencia seu modo de vida, seu cotidiano, além de não reconhecer as próprias dificuldades
com que populações menos favorecidas enfrentam para permanecer na escola e ter direito a
uma educação de qualidade.
Por isso, este texto se propõe a tencionar o modo como as políticas neoliberais
atravessam o espaço educacional por meio de práticas que sujeitam e dominam os territórios
vividos pelos estudantes. Diante disso, o foco central do texto é estabelecer reflexões
entrecruzadas com as políticas neoliberais e as práticas escolares, com objetivos específicos de
abordar atividades pedagógicas capazes de estabelecer conexões com os territórios dos
estudantes e compreender como as políticas neoliberais impactam a sala de aula.
Buscamos perceber como a Geografia, através de um pensamento transgressor, pode
contribuir para a apropriação dos territórios vividos, por meio de práticas que capturam os
acontecimentos presentes em uma aula tornando possível deter o cotidiano vivido pelos
estudantes e transformá-los em lutas sociais.
A discussão trazida para este texto possui dois eixos: o primeiro trata a escola como
território para ensinar Geografia; o segundo versa sobre os impactos das recentes políticas
educacionais no ensino da Geografia. O ponto que os aproxima é a busca da compreensão sobre
as forças atuantes que delimitam os territórios estudantis para protagonizar a Geografia como
uma das linhas de deslocamento, a fim de atingir outras miradas que conduzem a novos
horizontes, mais humanos e passíveis de transformação social. Assim, como espaço constituído
de múltiplas trajetórias, a Geografia também é diversa, capaz de analisar os eventos que se
atravessam por este espaço nunca fechado, produto das relações sociais, com resultados não
previstos, elementos potenciais do acaso (Massey, 2008).
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Para tanto, o trajeto percorrido está ancorado nas metodologias pós-estruturalistas em
educação, as quais permitem estabelecer exercícios analíticos num ziguezaguear com os
achados (Paraíso, 2012). Isto é, o caminhar se faz no encontro dos dados, não existe uma rigidez
metodológica inicial. Para a autora, “aceitamos trabalhar com o que sentimos, vemos, tocamos,
manuseamos e escutamos em nosso fazer investigativo” (Paraíso, 2012, p. 42), ou seja, a
pesquisa é aberta e aceita diferentes traçados.
Borbulho 1 - Pensar a escola como território de formação social do sujeito estudante
É oportuno destacar que a escola ainda é o local de possíveis transformações sociais. É
nela que crianças, adolescentes, jovens e adultos buscam conhecimento e interação. Os
estudantes almejam, a partir de sua passagem pela escola, um futuro promissor e, mesmo que o
espaço escolar não seja o mais desejável, frequentá-lo já gera possibilidades de esperançar.
Presenciamos ao longo dos anos no Brasil o incremento dos discursos políticos em prol
de uma educação de qualidade, principalmente em períodos eleitorais, nos quais os olhos se
voltam para a escola e o slogan de que a educação é capaz de transformar a sociedade é
difundido pelas diferentes mídias. Desse modo, preocupações com o futuro da educação
pública no país, entretanto, as ações para promover a autonomia dos estudantes transcorrem em
demasiada lentidão.
Como um reflexo deste contexto, em um espaço muitas vezes pouco acolhedor, as
escolas públicas brasileiras seguem suas trajetórias subordinadas pela lógica neoliberal. Muitas
delas se encontram com ambientes reduzidos, transformando bibliotecas em laboratórios de
informática e planejamento docente em plataformas digitais.
Larossa (2017) tece uma crítica em relação à redução dos espaços de leitura nas escolas.
Para o autor, a biblioteca tem cada vez mais diminuido seu espaço exclusivo para leitura, o que
acarreta à um distanciamento do estudante em relação à esse universo. A readaptação da
biblioteca com aparelhos digitais como computadores e tablets é necessária, observando que é
importante que um ambiente e uma mídia não se sobreponha ao outro.
Muitas escolas enfrentam a falta de infraestrutura e escassez de materiais, seja de
manutenção ou didático, o que compromete o ensino-aprendizagem dos estudantes. Diante
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dessas condições, como é possível promover mudanças significativas nas suas vidas a ponto de
ainda mantê-los acesos em sua esperança? Como fazer do ensinar e do aprender algo que
agregue sentido para suas existências?
Talvez um dos caminhos possíveis seja aproximar a escola do cotidiano vivido pelos
estudantes e isso a Geografia é capaz de realizar com maestria, que é a ciência que estuda o
espaço geográfico e as relações ali existentes. Para Milton Santos (1978), o espaço geográfico
é o resultado da história e suas relações sociais, do passado e do presente, e que se apresenta de
forma desigual, por meio do campo de forças que nele atuam. Entender as forças que agem
nesse espaço pode contribuir para que novas relações de produção e reprodução espaciais sejam
possíveis, sendo estas alinhadas à coletividade e fundadas no respeito às realidades desses
estudantes.
Ao trazer a realidade cotidiana dos estudantes e suas relações sociais para o interior das
salas de aula é possível que a Geografia Escolar esbarre em suas bases epistemológicas, pois a
Geografia muitas vezes se encontra ancorada em uma prática positivista, nomeada de Geografia
Tradicional. Souza (2011) sustenta que este modelo de ensino-aprendizagem se limita à
memorização dos elementos que compõem as paisagens e as relações entre o homem e a
natureza, ignorando os saberes presentes no meio escolar, que são bastante significativos para
os estudantes.
É comum ainda, em sala de aula, o uso de práticas que pouco contribuem para a
formação de sujeitos sociais, como, por exemplo, o ensino-aprendizagem direcionado para
memorização de conceitos e exercícios em forma de testes, ambos constituídos de jogos com
perguntas e respostas, que pouco colaboram para a compreensão da realidade. Esse uso se afina
com as exposições de Kaercher (2014), que os tem como técnicas modernas usadas como
vernizes, enfeites e cores para a mesma prática. Acrescenta-se ainda o hábito da leitura rasa dos
livros didáticos, os quais podem ser uma potente ferramenta de análise. Se mapas, fotografias,
textos e gráficos fossem tratados com tensionamentos e reflexividades, a leitura de mundo seria
outra. Kaercher (2014) reforça a importância dessas outras formas textuais presentes nos livros
didáticos, pois promovem um exercício imprescindível para a Geografia: a educação do olhar,
isto é, educar o olhar no sentido não apenas de ler o que está posto, mas a partir disso tensionar
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o que está inscrito, para borbulhar outros pensamentos através do olhar (Oliveira Jr. 2009;
Desidério, 2017; Melatti e Tonini, 2023).
Exercícios repetitivos e testes automáticos dificilmente contribuem para expandir o
pensamento, incentivar a criatividade e a autonomia, muito menos para conectar os estudantes
às suas próprias experiências. Por isso, há de se pensar em outras abordagens da Geografia que
façam mais sentido para o entendimento do espaço que os rodeia.
Para Souza (2011), atualmente a Geografia Humanista tem ganhado força entre os
geógrafos brasileiros, por ter suas bases na fenomenologia e no existencialismo, o que
possibilita outras maneiras de interpretar a realidade, uma vez que o modelo humanístico
considera o estudante como sujeito, e são as suas vivências definidoras dos conteúdos a serem
ensinados e aprendidos em sala de aula.
Dessa forma, ensinar Geografia carece compreender os territórios em que esses
estudantes estão inseridos, para que eles próprios possam atuar nesses locais, de modo a
promover mudanças desejáveis. Por isso se torna interessante a perspicácia do professor durante
uma aula ao capturar o que acontece ali naquele espaço, reconhece a sala de aula tal como é,
um ambiente dinâmico e vivo. Assim, a partir de um breve acontecimento em que haja algum
envolvimento dos estudantes, capaz de tocá-los e de fazê-los sentir-se parte do contexto, o
professor captura a atenção para o tema proposto.
Dessa maneira, quando o conteúdo a ser tratado na aula é estartado por um
acontecimento gerado pelos estudantes provoca um estímulo que se desdobra em sensações
físicas e emocionais, as quais identificamos como emoção. No vídeo O que é uma aula?,
Deleuze (2015, 0min55s) comenta: “uma aula é tanto emoção quanto inteligência. Sem emoção
não nada, não interesse algum. Não é uma questão de entender e ouvir tudo, mas de
acordar em tempo de captar o que lhe convém pessoalmente”. Nessa lógica, uma simples
bolinha de papel jogada no cesto do lixo pode ser o início de uma conversa. O professor sabe
que um comentário despretensioso pode se desdobrar em um leque de possibilidades. Questões
como “você é atleta?”, “gosta de esportes?”, “é comum as pessoas jogarem o lixo em espaços
adequados?”, “aqui no bairro muito lixo?”, “que tipo de lixo?”, “muito material
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descartável?”, estimulam respostas que podem repercutir em opiniões diversas e diálogos em
sala de aula.
É possível observar que quando situados em um ambiente mais acolhedor, as interações
são nutridas por um acontecimento. Por isso, Deleuze (2015) enfatiza que é importante ter um
público variado em sala de aula, permitindo sentir o deslocamento dos centros de interesse e
estes, ao pularem de um lugar para outro, formam um tecido esplêndido, uma espécie de textura
em uma aula. Múltiplas opiniões estimulam a aula, fazem a aridez de um conteúdo programático
se aproximar do ambiente vivido pelos estudantes. O papel amassado em formato de bola e
lançado ao cesto de lixo pode se desdobrar em diversos temas geográficos: crise climática,
consumismo, desmatamento, questões agrárias, desenvolvimento industrial, entre tantos outros
assuntos.
As possibilidades de atravessamento de uma aula podem partir de temas transversais
como cidadania, ética e ambiente, por exemplo, além de atividades multidisciplinares que
promovam a interação entre os professores dos vários componentes curriculares. Temas
transversais fazem parte dos documentos normativos da educação básica, com a elaboração dos
Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) (1998) e se mantêm na Base Nacional Comum
Curricular (BNCC) (2018).
Exemplo pode ser trazido pelo encontro com a Arte, como uma das ciências que conduz
ao movimento de ensinar e aprender Geografia por outros meios. É nela que se encontra a
música, tão íntima e companheira desses sujeitos muitas vezes esquecidos nos porões da escola.
Para Soares e Tonini (2021), a música no ensino de Geografia pode produzir experiências que
atravessam o estudante, possibilitando que a escola seja um espaço de aprendizagem onde a
expressividade de si permite a elaboração de mundos mais significativos. Os estudantes,
destacam as autoras, ao terem acesso às tecnologias digitais, se deparam com uma infinidade
de letras e ritmos que compactuam com suas realidades. São diversos gêneros musicais que
versam sobre várias temáticas geográficas e contribuem para a compreensão do espaço
geográfico.
Relacionar a música à Geografia pode fazer os estudantes perceberem os espaços em
que estão inseridos e possibilitar o entendimento de que são sujeitos capazes de se reconhecer
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e de se compreender nesses espaços. Ensinar e aprender Geografia através da música aproxima
o estudante da escola, porque é uma Geografia que valoriza a experiência e os estimula a atuar
nesse campo de disputas que se estabelece no espaço geográfico, instigando-os para que possam
refletir e se apropriar dos territórios até então dominados, seja seu país, cidade, bairro ou escola.
Ao trazer os recursos didáticos mapas, música, fotografias entre outros mesmo como
repetição, realiza-se a tentativa de fraturar a clássica divisão entre o novo e o antigo, para outros
modos de operar com eles. Nesta forma de abordar os recursos existe um espaço profundo, é
ali que explode a criação. É um ato transgressivo que causa ruptura dos códigos hegemônicos
de utilização, por meio do qual os recursos didáticos saem da ordem estabelecida para serem
usados de outros modos. Como considera Albuquerque Jr. (2019), trata-se de uma repetição
diferencial: as ideias (recursos) colocadas em novas situações tornam-se outras.
Se pensarmos a escola como território de formação social do sujeito estudante, a sala de
aula precisa mobilizar o pensamento cortante para ter sensibilidade com a diversidade que a
envolve, desde os corpos que a habitam tal como o que acontece no mundo, pois o estudante
também se torna um sujeito do resultado daquilo que é arrastado para sala de aula.
Borbulho 2 Transformações recentes na educação brasileira: qual é o lugar e o papel do
ensino de geografia?
Disputas de território fazem parte do cotidiano da maioria dos estudantes das escolas
públicas do país, principalmente para os que vivem nas periferias das grandes cidades. Assim,
é pertinente pensar o conceito de território considerando a visão de Haesbaert (2004), segundo
a qual a origem latina da palavra territorium apresenta duas dimensões relevantes no tempo: a
material, referindo-se a terra, lugar, espaço físico; a simbólica, que alude a terror, medo. Pode-
se considerar então o território como espaço de poder dominado ou apropriado, dependendo
das relações ali existentes.
São diversos os territórios em que os estudantes transitam, entre eles o espaço escolar.
A escola é um território de disputas de poder, que permanece muito mais dominado que
apropriado pelos que a fazem existir, ou seja, os estudantes, professores, merendeiras e toda a
comunidade escolar. Por outro lado, talvez os atores do ambiente escolar não se sintam
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pertencentes a este território, por isso Girotto (2018) sugere que pensar a escola como um
território é enxergar a potência que nela reside, por meio dos encontros, sonhos, partilha, ideias
e conflitos. Para ele, essa potência que é o território escolar se materializou com as ocupações
realizadas pelos estudantes nos anos de 2015 e 2016
3
, momento em que se intensificou uma
consciência crítica presente entre eles, ao vivenciarem com mais clareza o poder da
dominação e a opressão a que vinham sendo submetidos, mobilizando-se para lutar pelo
território que lhes pertence por direito a escola.
No período em que ocorreram tais ocupações, o tempo-espaço foi preenchido com
palestras, debates, filmes, teatros, esportes e diversões. Os estudantes se dividiram em grupos
para organizar as tarefas que iam desde a limpeza das salas de aula até a elaboração das
refeições. Assim, conseguiram em um curto espaço de tempo algo que em anos não foi possível,
tornaram-se autônomos, solidários e pertencentes ao seu território.
As ocupações das escolas mostraram como o território escolar pode sair de uma situação
de dominação para a apropriação do espaço e, sendo o território um campo de disputas, é
importante situar as forças que atuam nesse embate.
No contexto, uma das formas de dominação atuantes no território escolar perpassa a
lógica neoliberal, que emprega como formas de controle o currículo padronizado, as
plataformas digitais, as avaliações externas e tantos outros instrumentos normativos, sendo que
a Base Nacional Comum Curricular BNCC, documento vigente nas escolas do país, se
amálgama às diretrizes estabelecidas nas esferas estaduais e municipais, enquadrando o
planejamento docente por meio das plataformas digitais.
Para pensar o currículo padronizado e nele o planejamento docente, remetemos ao caso
do estado do Paraná, em que o governo, por meio da Secretaria Estadual de Educação SEED,
acomoda numa mesma plataforma digital o planejamento anual, composto por conteúdos
elegidos para cada aula, disponibiliza as competências e habilidades estabelecidas na BNCC, o
desenvolvimento da aula com materiais didáticos e, também, exercícios a serem desenvolvidos
para os estudantes. Desse modo, com um simples clique na tela o sistema apresenta as
3
Para mais aprofundamento a respeito das Ocupações das Escolas, ver: ROCHA, D. L. Ocupação das escolas em
2015 e 2016: uma breve análise da forma e do conteúdo da ação dos estudantes. Revista Sociologia Plurais, v.6,
n.1, p. 61-86, jan. 2020.
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informações da aula, como os objetivos, os conteúdos e a aula a ser “transmitida”. Em tese,
todos os estudantes recebem a mesma aula em determinado dia/mês/trimestre.
O Registro de Classe Online (RCO), “é um sistema disponível para os professores da
Rede de Ensino do Paraná com planos de aula específicos para as disciplinas e séries, sugestões
pedagógicas e encaminhamentos metodológicos. Pelo RCO os professores podem fazer
também o registro on-line de freqüência” (SEED-PR, 2025). Assim, o planejamento em formato
digital é acessado pelo professor, que não apenas se submete aos conteúdos elencados pelo
Estado, mas tem comprometido o planejamento dos objetivos e estratégias de estudo de suas
aulas.
Tem-se assim que o professor se torna um mero instrutor, um executor de tarefas, como
define Girotto (2016), alienando-se do processo de ensino-aprendizagem, o que é bastante
preocupante, que as escolas, assim como as salas de aulas, são constituídas de uma ampla
diversidade cultural. Dessa maneira, o ensinar e o aprender se distanciam da criação e se
alinham à lógica neoliberal, tornando-se engessados e inflexíveis.
Nesse contexto é fácil compreender como as políticas neoliberais penetram os
microespaços, entre eles o setor educacional a escola, atuando em benefício próprio e
negligenciando os saberes ali existentes. O Estado se torna um facilitador ao possibilitar que as
políticas públicas educacionais tenham o setor privado como colaborador, ampliando a
cooperação público-privada de modo que a ação neoliberal por meio dessa relação utiliza-se,
segundo Ball (2020), de empresas multinacionais do setor educacional e da filantropia para
penetrar com o capital nesse ambiente atualmente lucrativo.
Um exemplo citado por Ball em seu livro A Educação Global S/A (2020), é sobre como
o capital privado tem atuado nas áreas pobres da Índia e ofertado educação com preços
reduzidos. Escolas privadas para pobres são abertas com auxílio de microempréstimos e de
grandes corporações que, juntamente com o Estado, atuam em forma de redes, articulando essa
relação entre público-privado.
Assim, Ball (2020) ainda ressalta a educação assistida para pobres como uma realidade
no país, consistindo em um único professor, que tem sua aula gravada e disseminada para várias
escolas e estudantes pobres. Além do mais, as empresas vinculadas ao setor educacional
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possuem um aparato de serviços na área da tecnologia da informação empregados nos
estabelecimentos escolares. Desse modo, de se questionar se estaria o Brasil seguindo essa
mesma lógica de educação implantada na Índia.
Os países ditos menos desenvolvidos, segundo Ball (2020), são os mais suscetíveis aos
ditames das políticas educacionais neoliberais e o Brasil se insere nessa configuração. Com o
aval do Estado, as empresas privadas no setor educacional começam a atuar nas escolas públicas
brasileiras, com seus inúmeros softwares, materiais didáticos e tantos outros insumos (Figura
1) que vão sendo aplicados rotineiramente nas escolas do país, além de supostamente prestar
assessoria ao Estado para desempenhar um ensino “eficiente”. Exemplo pontual é a
implementação da gestão da escola pública por esferas privadas, como é o caso do estado do
Paraná
4
, em que a escola pública inicia seu processo de gerenciamento pela iniciativa privada.
Figura 1 Plataformas Educacionais
Fonte: Secretaria Estadual de Educação do Paraná - SEED, 2025.
Essas transformações na educação brasileira são reflexo da conjuntura mundial e das
práticas do neoliberalismo facilitadas com a Pandemia da Covid-19 e pela Reforma do Ensino
Médio que, ao adentrar o tecido das escolas, afetam não somente a maneira de ensinar e
apreender, como também as relações humanas ali existentes. Agregado às políticas públicas
nacionais vem um pacote de posturas que, segundo Girotto (2018), promovem um estado de
4
Para uma análise mais detalhada, ver: FONSECA, M. G. O. da; RUPPEL, J. de F. I.; LIMA, M. F. A privatização
da Educação paranaense: Projeto Parceiro da Escola. J. Pol. Educ-s, Curitiba, v. 17, e93643, 2023.
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MELATTI, Cláudia; TONINI, Ivaine Maria. Borbulhos cortantes na Geografia Escolar. Ensaios de Geografia. Niterói, vol. 12, 25, e122517,
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Submissão em: 31/12/2024. Aceito em: 10/07/2025.
ISSN: 2316-8544
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vigilância nas escolas, seja por meio das avaliações externas, plataformas digitais, currículo
padronizado, precarização do trabalho docente, entre outros tantos dispositivos utilizados pelo
poder público, em parceria com os grupos empresariais no setor da educação, que engessam
sujeitos e saberes.
Afirma ainda Girotto (2018) que mudar apenas o currículo ou inserir metodologias
novas, tornando as escolas cada vez mais tecnicistas, não vai resolver os problemas atuais nas
escolas públicas, muito menos padronizar o currículo, como prática na implantação da Base
Nacional Comum Curricular (BNCC).
A estrutura física do espaço escolar deveria ser transformada para abrigar esse novo
modelo de escola. O usual discurso difundido é a ideia de escola que acompanha as
transformações da sociedade, maquiando por meio dessas tecnologias digitais uma realidade
dura no país a precariedade de suas instalações.
As escolas públicas, salvo algumas exceções, estão degradadas. São ventiladores
danificados, lâmpadas queimadas, carteiras quebradas, salas superlotadas, trabalho docente
precarizado, em contraposição aos “modernos” softwares. As salas de aula se apresentam sem
estrutura, mas possuem um aparelho de TV para “transmitir”
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o conteúdo elaborado pelo Estado
e que, ao mesmo tempo, aliena professores e estudantes no processo de construção do
conhecimento. Como esse tipo de ensino-aprendizagem pode contribuir para a formação de
sujeitos sociais? Como professores e estudantes podem tencionar essa estrutura construída fora
da escola e injetada no interior das salas de aulas?
Esse modelo de educação segrega cada vez mais o estudante da escola pública,
negligencia seu modo de vida, seu cotidiano e as relações que se estabelecem na comunidade
onde estão inseridos, além de não reconhecer as próprias dificuldades enfrentadas pelas
populações menos favorecidas para permanecer na escola e ter direito a uma educação de
qualidade. Tal sujeição encontra seu ponto de atrito no embate realizado por meio da atuação
dos professores que reconhecem o valor da escola pública gratuita e de qualidade e, diante desse
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As aspas em transmitir tem sentido de estranhamento por ser uma ação mecânica, sem interações, como o uso
da televisão para as aulas elaboradas pela SEED-PR. Ressaltamos a importância de uma aula estar para além do
repasse de conteúdo.
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entendimento, estimulam que as vozes dos estudantes sejam ouvidas, a fim de trazer as suas
realidades para o interior das salas de aula.
Vozes estudantis podem ser ouvidas se elas apresentarem fundamentos consistentes em
suas abordagens, por isso, o trabalho dos professores em sala de aula tem um papel construtivo
na formação do exercício de cidadania. As rodas de conversa com os estudantes, com os colegas
professores e demais funcionários podem ser estratégias de cooperação, na tentativa de
melhorar as condições físicas das escolas.
A Associação de Pais e Mestres, o Grêmio Estudantil, os Sindicatos e o Conselho
Escolar são organismos hábeis para reivindicar melhorias no ambiente escolar à secretaria de
educação, de vez que se faz urgente propor soluções aos problemas estruturais das escolas
como, por exemplo, a instalação de um simples bebedouro no pátio escolar, por reivindicações
de um grupo de estudantes do ensino médio, que trouxe benefício para todos os que convivem
na escola.
Os momentos oportunizados na formação continuada de professores poderiam ser
aproveitados também para reflexão e tomada de decisões diante da precariedade estrutural das
escolas. Entretanto, o assunto tão inerente ao cotidiano escolar é silenciado, os encontros se
voltam para o rankeamento das escolas ancorado pelas avaliações externas e a inserção de novas
práticas pedagógicas, entre elas, o treinamento de plataformas digitais e metodologias ativas.
Talvez o caminho para fraturar o roteiro estabelecido nas formações continuadas
perpasse pelo tensionamento das necessidades da escola, colocando o poder em disputa. Para
Foucault (1988), o poder se exerce em meio a relações desiguais e móveis e está em toda parte
e em todos os lugares. As resistências emergem nessas relações pautadas pelo campo de forças
e são elas que podem apresentar um horizonte que também contemple o cotidiano das escolas
nos encontros de formação docente. Sugerir leituras, assim como documentários que exibem as
transformações nos espaços escolares pode ampliar a discussão e possibilitar quiçá uma ação
que mobilize a consolidação de uma escola com espaços apropriados para a produção do
conhecimento. Além do mais, os textos ofertados aos professores nas formações continuadas
muitas vezes estão distantes da realidade vivida em sala de aula. Muitos teóricos no campo da
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Geografia produzem uma escrita que se aproxima da realidade escolar, mas essas não chegam
até as mãos docentes.
Uma educação que despreza o conhecimento construído nos espaços escolares diversos,
precariza o trabalho docente, joga para as margens a possibilidade da autonomia e emancipação
dos estudantes. Assim, torna-se importante questionar: qual é o lugar e o papel do ensino da
Geografia neste cenário?
Compete à Geografia, como ciência que tem o espaço geográfico como objeto de estudo,
assim construído e reconstruído pela ação humana, compreender como as relações de força ali
operam, diante de uma premissa de que é possível a ela atuar na formação de sujeitos que se
compreendem no espaço em que vivem. Assim, podeão transformar suas realidades, mesmo
quando se trata de uma educação que funciona pela lógica da eficiência, das políticas
neoliberais e que despreza a capacidade de estudantes e professores de construir conhecimento.
Talvez se faça necessário criar fissuras, fraturar o currículo e permear os microespaços
que atravessam o cotidiano desses estudantes para conhecer o seu entorno e tornar possível
compreender como operam as relações de poder existentes naquele ambiente. Se nas ocupações
os estudantes se sentiram pertencentes ao território escolar, um modo de retomar essa conexão
está em oportunizar as ações realizadas naquele momento, ou seja, atividades que contemplem
jogos, filmes, esportes, música, palestras, debates que se aproximam dos interesses dos
estudantes e da comunidade, podem fazer da Geografia uma ciência de maior relevância no
processo de ensino-aprendizagem.
Os estudantes, ao compreenderem, por exemplo, as causas do odor vindo do córrego
que atravessa o bairro onde vivem, talvez consigam ter entendimento de como operam as
relações de poder existentes naquele ambiente. Tal compreensão conflui com o pensamento de
Martins (2007) que compreende a Geografia como o estudo da realidade. Sem um estudo
fundado na realidade torna-se complexo entender a Geografia. Logo, a abordagem geográfica
começa a partir da cognição sobre o contexto no qual esses estudantes estão inseridos no
ambiente escolar.
A Geografia é uma das ciências oportunizadoras de outras miradas, que se confluem
com os espaços vividos pelos estudantes, possibilitando-lhes o vislumbre de outros horizontes,
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sendo que o ensino de Geografia pode possibilitar outras maneiras de fazer educação, porque
reconhece a produção da ciência também na horizontalidade, isto é, no “chão da escola”. É nas
“coisinhas do chão”, como expressa Giordani (2019), que o ensino de Geografia tem o papel
de desacomodar sujeitos, trazer significado para as suas existências e de promover mudanças
em uma sociedade opressora, que nega direitos e desrespeita as diferenças. Nessa mesma lógica,
Kaercher (2014) considera que “cabe ao professor jogar luz em cantos pouco iluminados,
estimulando o aluno a ver o que até então estava obnubilado, passar pano naqueles recantos
empoeirados pelas certezas, dogmatismos e tabus” (p. 131).
Diante da complexidade atual das escolas públicas no país, onde os embates atuam por
meio de relações de forças desiguais, cujo sistema opera por meio do controle e da vigilância,
suprimindo espaços criativos como as bibliotecas, padronizando currículos, é preciso resistir,
pois a possibilidade da existência se funda na resistência. Por isso, fazer com que os estudantes
se sintam pertencentes ao território escolar e aptos a combater as forças que o dominam, de
modo a se apropriar e (re)territorializar o espaço que lhes pertence por direito, é garantir suas
existências. Cabe aos estudantes e à comunidade escolar como um todo apropriar-se da escola
para fazer dela um ambiente menos competitivo e mais solidário.
O conhecimento precisa ser construído para e com todos os membros da escola. Ela urge
cumprir a sua função de formar sujeitos autônomos e emancipados, aptos a agir em defesa de
uma sociedade mais justa e igualitária!
A luta pela educação que transforma vidas é uma afirmativa válida e deve persistir,
apesar das forças atuantes na escola colaborarem para a crença na impossibilidade de
esperançar. É significativo lembrar o brilho existente em cada ser que compõe o tecido escolar
e fazer dele potência, capaz de enfrentar as forças que oprimem.
Talvez seja necessário remeter aos movimentos dos vaga-lumes que, mesmo quando a
luz dos holofotes tenta ofuscar seu brilho, seguem piscando (Didi-Huberman, 2009) e seus
lampejos são capazes de iluminar a mais profunda escuridão e trazer a luz do conhecimento
para aqueles que se sentem oprimidos, desvalidos de direito e esperança. Seguimos resistindo
e ocupando nosso lugar por direito a escola!
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Da chegada sem encerrar
As ações que operam nas escolas públicas do país caminham em dissonância com a
efetivação de uma educação pública e de qualidade. As políticas neoliberais atuantes nesses
ambientes regulam os currículos por meio de uma padronização do ensino-aprendizagem,
comprometendo a formação de uma sociedade diversa, sendo perceptível a sua influência ao
ver o ambiente escolar sendo transformado e alinhado por instrumentos dessa lógica neoliberal.
A transformação do espaço escolar para ajustar as regulações dos currículos oficiais,
entre eles, as normativas da BNCC e a Reforma do Ensino Médio, transformam e subtraem os
espaços destinados à leitura e outros ambientes antes pertinentes ao convívio social.
A diversidade existente nas salas de aulas das escolas públicas do país se encontra
estremecida e aglutinada por meio de um ensino pasteurizado. Diante desta situação, como
promover um ensino-aprendizagem com algum significado para a realidade dos estudantes que
frequentam essas escolas?
Uma das possibilidades para atomizar esse ensino homogeneizado é trazer para as salas
de aula a realidade vivida pelos estudantes, proporcionando-lhes compreender os territórios por
eles transitados, despertando-lhes a potência de sua apropriação. Nesse sentido, a Geografia é
uma ciência auxiliar no entendimento alusivo aos territórios, inclusive quando trata do ambiente
mais afinado com o seu cotidiano, o território escolar.
Mobilizar os estudantes na construção de um conhecimento que faça sentido para suas
realidades requer um esforço descomunal do professor. As péssimas condições de trabalho, as
duplas e triplas jornadas, os pífios salários, as exigências cada vez mais avolumadas de uma
docência eficiente traduzida em multitarefas constituem um fenômeno que para Han (2015),
gera uma atenção ampla, mas rasa, ocasionando uma rápida mudança de foco entre diversas
atividades, subtraindo o aprofundamento contemplativo e a capacidade de criação. Além do
mais, as limitações ao ingresso em um curso de mestrado e doutorado compatíveis com licença
remunerada e/ou a obtenção de bolsa de estudos impedem o professor de vislumbrar novos
horizontes e ampliar seu conhecimento.
Imersos nesse espiral de precarização do trabalho os professores seguem suas jornadas
visando a contribuir para formação de sujeitos que se compreendem no espaço, isto é, nos
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territórios vividos. Talvez seja possível romper com essa lógica que transforma a escola em um
ambiente de negócios lucrativos e sequestra a capacidade dos estudantes de se esperançar. A
Geografia é a ciência que pode possibilitar o vislumbramento de novos horizontes e, talvez, a
consolidação do que já foi realizado com as ocupações das escolas.
Portanto, envidemos esforços para descortinar um horizonte menos opressivo e
caminhar por uma realidade em que justiça e igualdade se entrelacem para a transformação
social, para que a escola cumpra a sua função de formar sujeitos autônomos e autorais, capazes
de agir em defesa de uma sociedade mais justa e igualitária, na compreensão de que a sala de
aula não tem somente a preocupação de explicar o conteúdo, mas abrange como os conteúdos
tem também um uso produtivo para perturbar a ordem advinda do currículo normatizado, à
medida em que são colocados em novas situações, assumindo outros sentidos.
Todas as borbulhas trazidas neste texto tiveram a intenção de estabelecer pensamentos
contributivos para gerar paradas cortantes nas práticas escolares. São pensamentos que não
devem ser lidos como receitas pedagógicas, mas entendidos como reflexões possíveis de serem
realizadas.
Referências
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