
Ensaios de Geografia
Essays of Geography | POSGEO-UFF
AO CITAR ESTE TRABALHO, UTILIZAR A SEGUINTE REFERÊNCIA:
NASCIMENTO, Gabriel da Cruz. O espaço coisificado: (d)escrevendo a Colônia tropical. Ensaios de Geografia. Niterói, vol. 12, nº 25,
e122521, 2025.
Submissão em: 13/01/2025. Aceito em: 16/07/2025.
ISSN: 2316-8544
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América Caribenha, o advento do gang system marcaria a consolidação de uma tecnologia
social de gerenciamento da população escrava
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. Esse modelo de organização, produção e
controle na plantation centro-americana alimentava também os modelos de representação da
terra cultivada, sua abstração e divisão lógica. Jacques-François Dutrône (1801), autor que se
ocupou da produção açucareira caribenha, chegaria a confeccionar uma tabela para otimizar o
controle da produtividade e manejar o adoecimento da população escravizada, ao passo em que
seriam também observados índices pluviométricos do arado, a quantidade plantada de partidos
de cana, seus cortes e as substâncias empregadas no trato da terra. No que compreendemos hoje
como o Brasil, as primeiras teorias da administração desenvolveram-se a partir da doutrina
cristã-jesuítica de conversão das populações indígenas locais ou africanas, sistema que evoluiu
na segunda metade do século XVIII para o que veio a ser a Carta de Lisboa — inventário das
condições econômicas e físico-naturais do atual estado da Bahia.
Interessa-me, nesse exercício, a concatenação entre o jogo de nomeação — a construção
do sentido — necessariamente alavancada pelo evento colonial e o projeto político estruturado
por seus pilares, a saber, a liberdade e a autodeterminação.
A terra e as populações indígenas
(locais ou em diáspora) foram, num exercício de logística e gerenciamento, individualizados,
fragmentados e desmaterializados, submetidos permanentemente aos paradigmas das teorias da
administração e ao léxico estatístico. Nesse movimento, o espaço deveria, cada vez mais, ser
apreendido nas formas abstratas da representação moderna e da violenta arquitetura jurídica e
econômica que elas sustentam, num movimento em que se confundem a abstração e a coisa-
mesma, ou, para usar os termos da pensadora brasileira Denise Ferreira da Silva (2019), na
aproximação entre a abstração e a matéria bruta
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. A escrita colonial, ao produzir-se, deveria
dissimular sua própria história, fazer com que se fundissem mundo e logos. É essa escrita que
permite que o espaço seja realizado enquanto categoria moderna e mutilado (determinado) em
suas formatações jurídicas (propriedade privada) e econômicas (forma-mercadoria).
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Collins. Practical rules for the management and medical treatment of Negro slaves in the sugar colonies.
Vernor and Hood; London, England, 1803.
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O termo “bruto” foi apresentado em Silva, Denise Ferreira da. Em estado bruto. ARS (São Paulo), [S. l.], v. 17,
n. 36, p. 45-56, 2019. Já na apresentação do texto, a autora explica que o termo se trata de um direcionamento ao
exercício de des-pensar o mundo, isto é, libertar a matéria do sentido embutido nela pelos pilares
ontoepistemológicos modernos e sua reprodução.