https://periodicos.uff.br/hoplos/issue/feed Hoplos - Revista de Estudos Estratégicos e Relações Internacionais 2025-07-03T12:46:07+00:00 Comitê Editorial revistahoplos@gmail.com Open Journal Systems <p><strong><em>Hoplos - Revista e Estudos Estratégicos e Relações Internacionais</em></strong> é o periódico discente do Programa de Pós-Graduação em Estudos Estratégicos da Defesa e da Segurança (<a href="https://ppgest.uff.br/revista-hoplos/" target="_blank" rel="noopener">PPGEST</a>) vinculada ao Instituto de Estudos Estratégicos (<a href="https://inest.uff.br/revista-hoplos/" target="_blank" rel="noopener">INEST</a>) da Universidade Federal Fluminense (UFF). Tem periodicidade semestral e se constitui em um espaço plural de análise e discussão sobre temas que permeiam os Estudos Estratégicos, as Relações Internacionais e a Ciência Política. O periódico alcançou o <a href="https://sucupira-legado.capes.gov.br/sucupira/public/consultas/coleta/veiculoPublicacaoQualis/listaConsultaGeralPeriodicos.jsf" target="_blank" rel="noopener"><strong>qualis</strong> <strong>B3</strong></a> (Ciência Política e Relações Internacionais) na última avaliação da Capes, referente ao período 2017 - 2020 (<strong>ISSN</strong>: <strong>2595</strong>-<strong>699x</strong>).</p> <p><strong>As opiniões expressas nos artigos são de responsabilidade dos seus respectivos autores.</strong></p> https://periodicos.uff.br/hoplos/article/view/66145 HEZBOLLAH, A GUERRA E A GUERRILHA: 2025-01-27T16:46:01+00:00 Karime Cheaito karimecheaito@id.uff.br <p>O Hezbollah, grupo armado e partido político libanês, desperta a atenção internacional pelo seu papel sui generis como um ator não estatal armado que está presente e atuante no Estado e na<br />sociedade libanesa. Considerado por alguns como uma organização terrorista e por outros como um ator político legítimo, o Hezbollah se destaca desde a década de 1980 por sua atuação armada contra Israel. A partir disso, emergiu o questionamento: as contribuições de teóricos da guerra, como Clausewitz e Mao Tsé-Tung, podem ajudar a compreender a ação armada do Hezbollah? Esse ensaio tem como<br />objetivo analisar e refletir sobre o braço armado do Hezbollah à luz destes dois estrategistas, visando identificar a atualidade e os limites de suas abordagens. Para realizar a investigação, utilizou-se fontes primárias e secundárias, analisadas a partir de uma abordagem histórica e descritiva. Fundamentou-se em fontes sobre a guerra Hezbollah-Israel de 2006, sendo as informações e dados coletados analisados a partir das categorias teóricas-conceituais presentes nos textos originais de Da Guerra, de Clausewitz, e nos Escritos Militares Selecionados de Mao Tsé-Tung. Concluiu-se que a atuação armada do Hezbollah é possível<br />de ser analisada a partir das contribuições desses autores clássicos,<br />principalmente quando utilizados de modo articulado.</p> 2025-07-03T00:00:00+00:00 Copyright (c) 2025 Karime Cheaito https://periodicos.uff.br/hoplos/article/view/66103 A TRINDADE CLAUSEWITZIANA E OS DESAFIOS DO SAHEL: 2025-02-09T16:06:15+00:00 Fabiana Fernandes Firmo fernandesfirmofabiana@gmail.com <p>O Sahel, uma região marcada por intensa instabilidade,<br />enfrenta uma dinâmica de conflitos que desafia as abordagens<br />tradicionais sobre guerra. Este artigo aplica a teoria de Carl von<br />Clausewitz, com ênfase na Trindade entre governo, forças armadas e<br />população, para analisar a persistência dos conflitos no Sahel,<br />caracterizados por insurgências, terrorismo, fragilidade do Estado e a<br />crescente intervenção internacional. A interação entre atores locais,<br />regionais e globais revela a complexidade da guerra contemporânea,<br />onde interesses econômicos, geopolíticos e de segurança se entrelaçam<br />de maneira profunda. A partir da perspectiva clausewitziana,<br />argumenta-se que a falta de uma integração eficaz entre as dimensões<br />política, militar e social agrava a crise na região. O estudo também<br />investiga o papel das intervenções externas, como as operações<br />francesas e as missões da ONU, e como essas se alinham ou divergem<br />dos princípios estabelecidos por Clausewitz. O objetivo deste artigo não<br />é apenas compreender os conflitos no Sahel à luz da teoria clássica, mas<br />também avaliar sua relevância para os estudos estratégicos<br />contemporâneos.</p> 2025-07-03T00:00:00+00:00 Copyright (c) 2025 Fabiana Fernandes Firmo https://periodicos.uff.br/hoplos/article/view/66660 DA GUERRA (REVOLUCIONÁRIA): 2025-02-27T19:43:58+00:00 Guilherme Theodoro Gusson gt.gusson@unesp.br <p>O objetivo deste artigo é compreender os princípios que fundamentam a guerra revolucionária, analisando como as ideias de Clausewitz influenciaram as concepções políticas, estratégicas e táticas da revolução. Seguindo a lógica clausewitziana da guerra como continuação da política, analisar-se-á a guerra revolucionária como a manifestação violenta das relações políticas entre a classe dominante e a subalterna, enquadrando-a, portanto, como uma intersecção entre teoria da guerra e a teoria da luta de classes. Ademais, argumenta-se que a guerra revolucionária se aproxima do conceito de guerra absoluta em razão de seu objetivo de aniquilação total do inimigo de classe. Por fim, utiliza-se o Movimento Naxalita na Índia como estudo de caso para demonstrar de forma empírica as ideias aqui desenvolvidas. A escolha deste caso se justifica pela longevidade da insurgência, suas grandes proporções e pela ampla negligência da literatura especializada em sua análise, além da relevância do conflito para a compreensão das dinâmicas revolucionárias contemporâneas.</p> 2025-07-03T00:00:00+00:00 Copyright (c) 2025 Guilherme Theodoro Gusson https://periodicos.uff.br/hoplos/article/view/66700 ESTADO-NAÇÃO E HOMOGENEIZAÇÃO DE POVOS: 2025-03-01T22:08:26+00:00 Liz Yumi Barreto Tamezava lizyumi.tamezava@gmail.com <p>Após centenas de anos de colonização portuguesa, Angola se tornou independente em 1975. Entretanto, o Acordo de Alvor (1975) integrou as forças armadas dos três movimentos rivais de libertação do país — a Frente Nacional de Libertação de Angola (FNLA), o Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA) e a União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA) — no que veio a se tornar o Exército Nacional Angolano. Diante deste contexto, o objetivo da pesquisa é analisar criticamente o conceito de Estado-nação e sua aplicação na formação do exército angolano, evidenciando a incongruência dessa correlação: sua natureza utópica com base em preceitos de homogeneização de povos originários de um mesmo território. Utilizando-se de uma metodologia qualitativa, com uma abordagem hipotético-dedutiva, parte-se da hipótese de que a tal correlação instigou ainda mais conflitos e inimizades entre esses<br />grupos. Para fundamentar a análise, recorre-se a autores clássicos para as relações internacionais, que abordam e discutem diferentes conceitos de guerra e estratégia, Nicolau Maquiavel (2019) e Carl Von Clausewitz (s.d.), além de autores contemporâneos que contribuem para a reflexão, como Ernest Gellner (1983), Carlos Marighella (2003), John Paul Lederach (1997) e José Murilo de Carvalho (1990).</p> 2025-07-03T00:00:00+00:00 Copyright (c) 2025 Liz Yumi Barreto Tamezava https://periodicos.uff.br/hoplos/article/view/66746 CLAUSEWITZ NEGLIGENCIOU A TECNOLOGIA? 2025-03-27T14:09:44+00:00 Náira Gondar Marchesi nairagm@id.uff.br <p>Clausewitz esqueceu a Tecnologia? Este artigo investiga a teoria da guerra de Carl von Clausewitz e sua relação com os conflitos contemporâneos. Busca-se atualizar os Estudos Estratégicos estabelecendo um diálogo entre teoria clássica e as dinâmicas do século XXI, reforçando a centralidade da política como motor dos conflitos, mesmo em contextos de alta complexidade tecnológica. Recorrendo à história da guerra moderna – desde a formação de exércitos de massa no século XVII aos embates cibernéticos do século XXI – debate-se se a teoria clássica, formulada no contexto pós-Napoleônico, permanece válida para explicar fenômenos como a guerra híbrida, a ciberguerra e os conflitos assimétricos. Apoiando-<br />se na proposta de Michael Handel (1989) de incluir a tecnologia como quarto pilar da trindade clausewitziana, questiona-se se a natureza da guerra sofreu transformações radicais ou se adaptou às inovações tecnológicas sem perder sua essência política. Para isso, examinam-se críticas de autores como Mary Kaldor (2013) e Martin van Creveld (1991), que defendem a obsolescência de Clausewitz ante a ascensão de atores não estatais e a desterritorialização dos conflitos. Conclui-se que, embora a tecnologia<br />tenha reconfigurado táticas e instrumentos bélicos, a trindade (povo,<br />governo, forças armadas) mantém sua validade como eixo explicativo, desde que reinterpretada à luz dos novos desafios estratégicos.</p> 2025-07-03T00:00:00+00:00 Copyright (c) 2025 Náira Gondar Marchesi https://periodicos.uff.br/hoplos/article/view/66800 WALTZ ONLINE WITH NUKES: 2025-05-27T13:50:02+00:00 Paulo Bittencourt paulovbittencourt@gmail.com <p>The thought of Kenneth Waltz has been the focus of attention in International Relations theory in the last four decades at least. Recently, Waltz’s thought has been revisited in a number of ways.<br />This paper aims at revisiting his work understanding his definition of threat, and who/what is the subject and the object of a threat in the international system. I turn to applying such a discussion to two realms of contemporary interest: that of nuclear weapons, about which Waltz discussed very lengthy; and to that of cybersecurity, which Waltz wrote nothing about. Understanding how force is used in each of these realms, I propose a reflection on the concept of “strategic” and how it can be derived from Waltz’s theoretical thought.</p> 2025-07-03T00:00:00+00:00 Copyright (c) 2025 Paulo Bittencourt https://periodicos.uff.br/hoplos/article/view/66354 OS AFETOS E AS GUERRAS: 2025-01-30T22:34:42+00:00 Afonso Brito Bandeira ab.bandeira@unesp.br <p>Com base nas obras Guerras e Capital, de Alliez e<br />Lazzarato (2021), El Arsenal Barroco, de Kaldor (1986) e Teoria do<br />Drone, de Chamayou (2015), neste artigo aborda-se a relação entre<br />capital, afetos e a estética tecnológica das armas. Argumenta-se que o<br />capital é um produtor de afetos pró-guerra e, por meio desses elementos,<br />faz os militares engajarem a necessidades capitalistas de fomento a<br />conflitos bélicos. Isso se dá pelo apego afetivo militar à ilusão de que o<br />maior desenvolvimento tecnológico dos sistemas de armas é sinônimo<br />de eficiência tecnológica no enfrentamento de guerras cada vez mais<br />caóticas. Em um primeiro momento, trata-se sobre o capital de modo<br />conjugado ao debate sobre o que são os afetos e a questão da estética.<br />Em seguida, pretende-se avançar para uma discussão sobre a persuasão<br />tecnológica sobre os militares por meio de complexos sistemas de<br />armas como os drones. Por fim, apresenta-se um breve estudo de caso<br />sobre o USS Abraham Lincoln, um dos principais porta-aviões da<br />marinha dos EUA em atuação. Com recentes atualizações tecnológicas<br />em sua estrutura, essa embarcação de guerra se apresenta como um<br />sistema de armas cuja estética o torna fonte de dinâmicas afetivas em<br />operações militares.</p> 2025-07-03T00:00:00+00:00 Copyright (c) 2025 Afonso Brito Bandeira https://periodicos.uff.br/hoplos/article/view/66524 ‘O ARSENAL BARROCO’: 2025-02-10T15:24:35+00:00 Nicole Grell Macias Dalmiglio nicole.grell@unesp.br Daniel Rei Coronato daniel_coronato@hotmail.com <p>Este artigo investiga como a mudança tecnológica impacta as funções sociais e hierárquicas das forças armadas, tendo como ponto de partida a análise de Florestan Fernandes sobre a guerra na sociedade Tupinambá. Fernandes demonstra que o conflito bélico, mais do que uma prática militar, desempenha um papel estruturante na organização social e política, estabelecendo laços de coesão e reafirmando identidades coletivas. A partir dessa perspectiva, o artigo dialoga com Mary Kaldor, que analisa o armamento moderno como um sistema que transcende sua função técnica, influenciando relações de poder e redefinindo o próprio conceito de guerra. Complementarmente, Piero Leirner aborda a guerra híbrida e os desafios impostos pelas novas<br />tecnologias militares às estruturas hierárquicas tradicionais. Metodologicamente, a pesquisa adota uma abordagem comparativa para demonstrar que, apesar das diferenças contextuais, o armamento não apenas reflete transformações sociais e políticas, mas também condiciona a organização do poder dentro dos exércitos. Conclui-se que as transformações das tecnologias bélicas gera novas dinâmicas de controle e comando, desafiando a rigidez hierárquica e exigindo adaptações nos modelos organizacionais das forças armadas.</p> 2025-07-03T00:00:00+00:00 Copyright (c) 2025 Nicole Grell Macias Dalmiglio, Daniel Rei Coronato https://periodicos.uff.br/hoplos/article/view/65708 A GUERRA NO SÉCULO XXI: 2025-02-16T20:46:26+00:00 Lais Cavallin Rodrigues cavallinlais@gmail.com <p>A identidade do terrorista foi construída como o "Outro" pelos Estados Unidos após os ataques de 11 de setembro de 2001, servindo como justificativa para intervenções militares e medidas de segurança na Guerra ao Terror. Com base em referências teóricas de autores como Grégoire Chamayou, Sun Tzu, Byung-Chul Han e Achille Mbembe, este artigo investiga como o uso de drones, vigilância e desinformação atuam como mecanismo de desumanização do inimigo e discute as implicações éticas e políticas dessas práticas de segurança. A pesquisa analisa a retórica empregada pelos Estados Unidos para desumanizar o "terrorista", explorando o uso de tecnologias de vigilância e guerra remota na condução da Guerra ao Terror. O artigo examina as repercussões da construção da identidade do "Outro" na política interna estadunidense e na percepção pública, evidenciando como esse processo fundamenta-se em técnicas que tornam a vida do inimigo descartável, legitimando o uso de práticas e tecnologias de violência.</p> 2025-07-03T00:00:00+00:00 Copyright (c) 2025 Lais Cavallin Rodrigues https://periodicos.uff.br/hoplos/article/view/68435 Editorial 2025-07-01T00:18:28+00:00 Equipe Editorial da Hoplos revistahoplos@gmail.com <p><strong>EDITORIAL</strong></p> <p><span style="font-weight: 400;">É inquestionável para os Estudos Estratégicos a maneira impactante com que a tecnologia e suas, cada vez mais, aceleradas transformações têm redefinido os conflitos militares do nosso tempo. As duas grandes guerras mundiais que marcaram o século XX são, sob diversas análises, uma clara demonstração de como a capacidade científica desenvolvida pelos seres humanos foi decisiva para possibilitar a destruição da vida humana de maneiras mais eficientes e em proporções, ainda, maiores até chegar ao paroxismo da bomba atômica, capaz de destruir toda a vida neste planeta. Como consequência, seguindo as novas possibilidades abertas pela ciência aplicada (tecnologia), a maneira de se fazer a guerra foi mudando desde a sua organização básica em blocos concentrados e lineares de infantaria, na época das guerras napoleônicas, até a estruturação em frentes múltiplas, crescentemente irregulares, atuando junto a uma infantaria dispersa em pequenos grupos especializados apoiados pelo poder aéreo, carros de combate e o fogo concentrado da artilharia pesada, conforme vimos no final do século XX.</span></p> <p><span style="font-weight: 400;">Entretanto, foi somente na década de 2000, com a popularização dos computadores pessoais e da internet transformando, completamente, a maneira como a sociedade e mundo se organizavam em todos os níveis das esferas sociais, que o fenômeno da guerra efetivamente migrou de um modelo mais rígido, clausewitziano, baseado em estratégias convencionais diretamente apoiadas no poder bélico estatal e em batalhas campais, para um modelo de flexibilidade crescente, apoiado no que passou a se chamar de "guerra híbrida", ou seja, um teatro de operações amplo, abrangendo simultaneamente todos os domínios de ação, onde a tecnologia permitiu tanto aos atores estatais quanto aos menos poderosos, não estatais, uma efetividade em ataques diversificados até então desconhecida. Como exemplo, basta lembrar que a insurgência terrorista, outrora associada a ações de efeito localizado e limitado, em 11 de setembro de 2001, rasgou uma profunda ferida na cidade que é o coração do país mais poderoso do mundo em termos econômicos e militares, deflagrando imediatamente a reação de âmbito global chamada de "guerra ao terror" que, sequencialmente, levou à invasão do Afeganistão naquele mesmo ano e do Iraque em 2003.</span></p> <p><span style="font-weight: 400;">O início do século XXI demarcou o momento em que a atuação das redes terroristas, simultaneamente em meio virtual e real, e dos aviões de ataque remotamente controlados, chamados </span><em><span style="font-weight: 400;">drones</span></em><span style="font-weight: 400;">, mudaram sobremaneira a maneira de se fazer e pensar as guerras. E com o uso cada vez mais intenso da tecnologia digital para fins militares, as redes de computadores acabaram por se tornar um domínio próprio visando a realização de operações específicas de inteligência (espionagem e monitoração), apoio a campanhas terrestres (invasão russa da Geórgia em 2008) e até a destruição direta de alvos inimigos (o Stuxnet e as centrífugas iranianas). Também, a ampla adoção da navegação militar por sistemas de satélites (GPS), consolidada durante a Guerra do Golfo em 1990-91, aumentou enormemente a precisão dos equipamentos militares, tanto para os veículos, navios e aviões quanto para as bombas e mísseis, inaugurando, desta forma, a era dos "ataques cirúrgicos" onde pilotos confortavelmente situados a centenas, às vezes milhares de quilômetros do teatro de operações, são capazes de atingir alvos com a dimensão de uma única pessoa no meio de uma cidade grande situada em qualquer lugar do planeta. Uma categoria de ataque que se tornou comum com a conjugação de </span><em><span style="font-weight: 400;">drones</span></em><span style="font-weight: 400;"> e mísseis teleguiados para assassinar líderes militares e de facções terroristas no Afeganistão, Iraque e em todo o Oriente Médio.</span></p> <p><span style="font-weight: 400;">Embora a essência da guerra, conforme afirma Clausewitz em sua obra seminal, tenha se mantido a mesma (a obtenção de objetivos políticos), os meios, atores e teatros de operação diversificaram-se bastante, continuando a se transformar intensamente nestes últimos anos com a acelerada adoção de recursos de avançados de microprocessamento e inteligência artificial nos armamentos. Isso pode ser notado no recente ataque ucraniano sobre as bases militares no interior da Rússia, quando foram destruídos dezenas de aviões bombardeiros de altíssimo valor tático, além de econômico. A partir do emprego de um grande número de pequenos drones caseiros adaptados, avaliados em poucas centenas de dólares cada, foram abatidos estes alvos de elevado valor comercial para a indústria de Defesa.</span></p> <p><span style="font-weight: 400;">As características das guerras atuais, agregando elementos de guerra convencional (tropas, tanques, caças, bombardeiros...) com táticas irregulares (guerrilha, sabotagem, terrorismo, insurgências, assassinatos...), a participação de atores não estatais (por exemplo: o grupo Wagner na Ucrânia e os Houtis, Hamas e Hezbollah no Oriente Médio...), combates urbanos de alta intensidade (conforme tem acontecido na Síria, Gaza, Iraque, Irã...), </span><em><span style="font-weight: 400;">drones</span></em><span style="font-weight: 400;"> (de diversos tipos e capacidades), ataques cibernéticos (do mais variados tipos que vão desde a monitoração remota até o comprometimento de infraestruturas) junto ao uso cada vez mais amplo de desinformação difusa e de alto impacto nas redes sociais da internet, trouxeram complexidade e interdisciplinaridade inéditas aos estudos dos conflitos. Em consequência, os textos selecionados para este dossiê temático, da décima sexta edição da Revista Hoplos, são dedicados a pensar a guerra e seus meios nos contextos mais relevantes para a realidade hodierna.</span></p> <p><span style="font-weight: 400;">Outrossim, numa associação teórica incomum, mas consistente e efetiva, o artigo "Hezbollah, a guerra e a guerrilha: reflexões a partir de Clausewitz e Mao Tsé-Tung" busca entender a atuação do braço armado do Hezbollah a partir do pensamento destes dois grandes estrategistas para identificar a atualidade e os limites de suas abordagens perante o caráter irregular das guerras mais recentes. Ainda, buscando explorar as convergências e divergências entre a guerra atual e o sempre presente pensamento clausewitziano, duas pesquisas desta edição analisam conflitos de alta relevância teórica e política no contexto em que vivemos.</span></p> <p><span style="font-weight: 400;">O artigo "A Trindade Clausewitziana e os Desafios do Sahel" utiliza a teoria consagrada do general prussiano para lançar luz sobre a beligerância específica da região do Sahel na África subsaariana, considerando o entrelaçamento de interesses econômicos, geopolíticos e de segurança com a instabilidade política constante e a fragilidade das instituições locais. Já o trabalho "Da Guerra (Revolucionária): a influência de Clausewitz nas estratégias e táticas da revolução" procura compreender o movimento Naxalita na Índia e os princípios que orientam a guerra revolucionária a partir da influência das ideias de Clausewitz sobre suas estratégias e táticas. A percepção de que a guerra revolucionária se aproxima do conceito de "guerra absoluta" é um dos grandes </span><em><span style="font-weight: 400;">insights</span></em><span style="font-weight: 400;"> desta pesquisa.</span></p> <p><span style="font-weight: 400;">Ademais, desenvolvendo sobre a complexidade das relações culturais e étnicas que envolvem os conflitos associados aos processos históricos de colonização territorial, o artigo "Estado-Nação e Homogeneização de povos" busca analisar, criticamente, o conceito de Estado-nação e sua relação com a formação do exército angolano, evidenciando a incongruência desta realidade: sua natureza utópica com base em preceitos de homogeneização dos povos originários de um mesmo território.</span></p> <p><span style="font-weight: 400;">Em prosseguimento, retornando a análise das relações mais diretas entre tecnologia e a guerra contemporânea, os trabalhos "Clausewitz negligenciou a tecnologia?" e "Waltz online with nukes" se aprofundam na questão de como as transformações tecnológicas criaram não apenas novas maneiras de se fazer a guerra, mas, efetivamente, criaram novos modelos de guerra que demandam estudos cada vez mais específicos. Além destes, no artigo “Os afetos e as guerras: uma contribuição sobre o apego de militares à estética tecnológica das armas a partir de Alliez e Lazzarato, Kaldor e Chamayou”, o autor aborda a persuasão tecnológica sobre os militares a partir de novos sistemas de armas, como os drones, além das dinâmicas afetivas geradas em operações militares, como a partir do porta-aviões USS Abraham Lincoln, da marinha dos Estados Unidos da América, diante das suas atualizações tecnológicas.</span></p> <p><span style="font-weight: 400;">&nbsp;Já o artigo "'O Arsenal Barroco': armamento e guerra na perspectiva de Florestan Fernandes" nos surpreende ao fazer uma análise da maneira com que a mudança tecnológica impacta as funções sociais e hierárquicas das forças armadas a partir de um ponto de vista inusitado: o trabalho de Florestan Fernandes sobre a guerra na sociedade tupinambá. A percepção de que o conflito bélico, mais do que uma prática militar, desempenha um papel estruturante na organização social e política, estabelecendo laços de coesão e reafirmando identidades coletivas, é utilizada como ponto de partida para tentar compreender a guerra híbrida e os desafios impostos pelas novas tecnologias às estruturas hierárquicas tradicionais.&nbsp;</span></p> <p><span style="font-weight: 400;">Enfim, explorando um aspecto de grande importância para os estudos de guerra psicológica aplicados ao mundo digital, o artigo "A Guerra no Século XXI: a construção da identidade do terrorista como o 'outro' na guerra ao terror" vai ao âmago de uma das questões mais presentes nestes nossos dias: a manipulação de opinião através de redes sociais. A autora busca entender a desumanização do terrorista, um dos principais elementos do imaginário associado à "guerra ao terror" como uma maneira de o Estado legitimar o uso de práticas e tecnologias de violência, constituindo, assim, um exercício de necropolítica, segundo a visão de Achille Mbembe.</span></p> <p><span style="font-weight: 400;">Portanto, é com grande satisfação que agradecemos aos nossos autores e autoras, Afonso Brito Bandeira, Daniel Rei Coronato, Fabiana Fernandes Firmo, Guilherme Theodoro Gusson, Lais Cavallin Rodrigues, Liz Yumi Barreto Tamezava, Karime Ahmad Borraschi Cheaito, Náira Gondar Marchesi, Nicole Grell Macias Dalmiglio, e Paulo Bittencourt,</span> <span style="font-weight: 400;">pelo interesse e disposição em compartilhar as suas pesquisas e publicar os seus artigos na Hoplos. Dedicamos e oferecemos aos nossos leitores esta seleção de trabalhos do Dossiê Temático “Pensar e Fazer a Guerra: a Contemporaneidade dos Clássicos”, que visa estimular reflexões qualificadas sobre o tema, fomentando novos questionamentos para profícuos debates acadêmicos.</span></p> <p><span style="font-weight: 400;">Desejamos a todos uma ótima leitura!</span></p> <p><span style="font-weight: 400;">O Comitê Editorial.</span></p> 2025-07-03T00:00:00+00:00 Copyright (c) 2025 Equipe Editorial da Hoplos https://periodicos.uff.br/hoplos/article/view/68461 Apresentação 2025-07-03T12:39:15+00:00 Professor Doutor Luís Manuel Brás Bernardino lh.eduardo.gorga@gmail.com <p>&nbsp;</p> <p><strong>APRESENTAÇÃO</strong></p> <p>&nbsp;</p> <p><strong>A Guerra Clássica…e as “Novas” Guerras</strong></p> <p><span style="font-weight: 400;">"</span><em><span style="font-weight: 400;">A guerra é o fracasso organizado da política e o sucesso desorganizado da agressividade humana</span></em><span style="font-weight: 400;">."&nbsp;</span></p> <p><span style="font-weight: 400;">Gaston Bouthoul</span></p> <p><span style="font-weight: 400;">Especialistas consideram que a guerra é um dos fenómenos mais complexo e intrigante da sociedade. Entre estes especialistas, Gaston Bouthoul</span><span style="font-weight: 400;"> (1896-1980) elevou mesmo a Guerra à condição de “Ciência” e deu corpo a um conjunto hermético de definições e conceitos que conhecemos por “Polemologia”, ou seja, o estudo científico, analítico e sistemático da Guerra. A obra de Gaston Bouthoul, inicialmente alicerçada numa vertente mais social e sociológica voltou a ganhar especial atenção e relevo nas últimas décadas, nomeadamente com o surgimento das novas formas e conceitos de guerra - híbridas, cibernéticas e informacionais; que o autor já antecipava de certa forma como fenómenos muito mais complexos e relevantes, e que transitaram para uma esfera global, sendo por esse motivo objeto e instrumento de análise das Relações Internacionais e dos Estudos Estratégicos.</span></p> <p><span style="font-weight: 400;">Neste contexto, encontramos na literatura moderna todo um corpo de normativos conceptuais e doutrinários, que vão também no âmbito dos estudos da Ciência Política, das Relações Internacionais, da Geopolítica e da Geoestratégia, indo ainda desde a Economia (Economia de Guerra), passando pela Sociologia (Sociologia Militar), para não falar nos múltiplos vetores das técnicas e das tecnologias (de Defesa). A guerra é, por esse motivo, um elemento perene na relação entre atores do Sistema Político Internacional, e um instrumento de coação, negociação, pressão, e de afirmação do Poder na sua forma mais militarista, como defendia Colin S. Grey</span><span style="font-weight: 400;"> (1943-2020).</span></p> <p><span style="font-weight: 400;">A guerra como fenómeno social resulta eminentemente de um desacordo substancial, de uma competição feroz ou da tentativa de salvaguarda da condição, do </span><em><span style="font-weight: 400;">status quo</span></em><span style="font-weight: 400;"> e dos privilégios obtidos…são eminentemente actos racionais, sociais, dinâmicos e reflexivos, que envolvem elevados recursos e que mobilizam substanciais meios humanos, materiais e financeiros.&nbsp;</span></p> <p><span style="font-weight: 400;">A guerra pode também ser entendida como a continuação da política por outros meios, como refere Carl von Clausewitz, sendo ampliada na condição de último rácio na defesa da pátria, dos ideais, valores e da soberania. São também por essa via entendidos como instrumentos geopolíticos e geoestratégicos dos Estados e das Organizações, ou de atores que não se enquadrando no normativo criado pelas Escolas de Guerra, sendo comumente apelidados de híbridos ou transnacionais. Por esse motivo, as guerras ideológicas, religiosas, intestinais ou “de sangue” são razão e consequência da vontade do Ser Humano na sua lógica mais profunda, e afirma-se na convicção moral e na defesa dos valores, das crenças e dos seus interesses perenes, pois segundo a visão de Clausewitz a guerra é apresentada como “…</span><em><span style="font-weight: 400;">um ato de violência para compelir o oponente a fazer a nossa vontade…</span></em><span style="font-weight: 400;">”, e estas são as guerras que confluem e colocam em presença, cada vez mais, um choque de civilizações na verdadeira assunção do pensamento de Samuel P. Huntington</span><span style="font-weight: 400;"> (1927-2008).</span></p> <p><span style="font-weight: 400;">Por este motivo, este paradigma implica, em larga medida, que a guerra seja entendida, não apenas como um fenómeno social, mas como um conjunto de fenómenos intrassociais e intersociais, e que importa, cada vez mais, estudar, analisar, debater e especialmente no atual contexto global onde a guerra está presente e condiciona as nossas vidas, fazermos uma reflexão académica sobre a Guerra Clássica e as “novas” Guerras.</span></p> <p><span style="font-weight: 400;">Assim, procurando cumprir este desiderato, este número especial da Revista Hoplos possibilita-nos, por meio de um conjunto heterogéneo, multidisciplinar e consolidado, de doze artigos científicos sobre a problemática em questão, a possibilidade de deambularmos em torno de reflexões académicas, ora mais numa vertente histórica e de Relações Internacionais, ora mais filosóficas e sociológicas ou em áreas das tecnologias de defesa e das técnicas militares, onde a temática da guerra é central.&nbsp;</span></p> <p><span style="font-weight: 400;">Para início de reflexão importa saber se as temáticas das guerras consubstanciam no âmbito científico uma matéria relevante e no contexto académico um assunto pertinente? E se será relevante alinhar o passado com o futuro e descortinar se foi a guerra que evoluiu ou foi o seu conceito mais polemológico que se alterou? Ou ainda se em termos científicos a guerra ajuda-nos a perceber e a descortinar novas ameaças, novos desafios e a prever o futuro em termos de análise estratégica? Vejamos então o conceito da Guerra na sua dimensão mais evolucionista e paradigmática, e procuremos alinhar alguns conceitos e ideias para que os leitores possam apreciar e contextualizar melhor o tema da 16ª Edição da Revista Hoplos, que têm entre mãos, e que dedicamos a “</span><strong>Pensar e Fazer a Guerra: A Contemporaneidade dos Clássicos</strong><span style="font-weight: 400;">”.&nbsp;</span></p> <p>&nbsp;</p> <p><span style="font-weight: 400;">*</span></p> <p><span style="font-weight: 400;">*&nbsp; &nbsp; &nbsp; *</span></p> <p>&nbsp;</p> <p><span style="font-weight: 400;">Se analisarmos a guerra tradicional e as novas formas de conflito e pretendermos fazer um olhar sobre as guerras do século XXI verificamos que a</span> <span style="font-weight: 400;">guerra sempre acompanhou a história da humanidade e a história das sociedades, moldando fronteiras, sociedades e principalmente mentalidades, convicções e dogmas. No entanto, a sua natureza e dinâmica têm passado por transformações significativas nas últimas décadas. Enquanto os conflitos armados clássicos eram caracterizados pelo confronto direto entre Estados com forças regulares, os conflitos contemporâneos apresentam-nos novos atores, inovadoras estratégias e tecnologias emergentes, configurando o que muitos autores denominam de “Novas Guerras”. Esta edição especial da Revista Hoplos pretende discutir a transição das guerras tradicionais para as novas formas de conflito - híbrido, cibernético, informacional e cultural - procurando compreender as suas implicações para a geopolítica, geoestratégia, a soberania e a segurança global, e principalmente, descortinar se existe um nexo entre as “novas” guerras e a guerra clássica.</span></p> <p><span style="font-weight: 400;">Até ao século XX, as guerras eram predominantemente travadas entre Estados-nação, e tinham como protagonistas grandes exércitos regulares e uniformizados (normalmente ao serviço desse Estado com vínculos profissionalizados) que desenvolviam o combate em extensos campos de batalha físicos e de acessível percepção táctica, estando alinhados por objetivos políticos ou territoriais definidos, e normalmente empregando regras de engajamento explícitas (em parte influenciadas pelo Direito Internacional Humanitário). Estas guerras constituíam uma doutrina no aspeto militar que derivavam do pensamento estratégico de Sun-Tzu, Clausewitz, Liddell Hart (e outros) e que são ainda estudados nas Escolas e Academias Militares um pouco por todo o mundo.</span></p> <p><span style="font-weight: 400;">Os exemplos mais clássicos constituem, entre outras, as Guerras Napoleónicas (1799-1815), a Iª e a IIª Guerra Mundial, e os múltiplos conflitos regionais com impacto global como a Guerra do Vietname (1955-1975) e, mais recentemente, a Guerra Irão-Iraque (1980-1988). Esses conflitos, ainda que brutais e desconexos, seguiam uma lógica interestatal relativamente clara e estavam articulados segundo as características que abordamos no parágrafo anterior…eram as designadas “Guerras Clássicas”.</span></p> <p><span style="font-weight: 400;">Por outro lado, desde o final da Guerra Fria, observamos uma mudança profunda na natureza dos conflitos e na conflitualidade. As guerras tornaram-se menos frequentes entre Estados (interestatais) e mais comuns em contextos internos (intraestatais), gerando conflitos (e não necessariamente guerras) assimétricos e mais prolongados. Conflitos que envolvem novos atores, novas capacidades e novas táticas e técnicas de combate. Mary Kaldor</span><span style="font-weight: 400;"> (1946) foi uma das primeiras especialistas a cunhar o termo “novas guerras” para descrever a presença de atores não estatais, como milícias, grupos terroristas e empresas militares privadas. Estes estavam associados à fragmentação da autoridade soberana dentro dos Estados e à utilização de tecnologias emergentes, como satélites, drones e ferramentas de vigilância digital, transportando a conflitualidade e as guerras para a dimensão do espaço e do ciberespaço.</span></p> <p><span style="font-weight: 400;">Neste contexto, surgiu o conceito de “guerra híbrida” que se refere essencialmente à integração de múltiplas formas de conflito num único teatro operacional que passou a ter cinco dimensões (mar, terra, ar, espaço e ciberespaço). Estes conflitos combinam conflito convencional (militar direto), guerra irregular (uso de táticas de guerrilha e sabotagem), os ciberataques e as campanhas de desinformação (guerra da informação). Aborda ainda uma maior interferência política e económica sobre a guerra, tendo os líderes militares passado a “responsabilidade” das decisões militares para o nível estratégico-político, passando a guerra a ser planeada, coordenada e executada a partir do nível politico-estratégico e não do estratégico-operacional. Um exemplo notório é o conflito na Ucrânia iniciado em 2014 com a ocupação da Crimeia, onde a Rússia foi acusada de usar forças regulares sem identificação, designados por “</span><em><span style="font-weight: 400;">little green men</span></em><span style="font-weight: 400;">”, além de fomentar campanhas de desinformação nas redes sociais e ciberataques contra infraestruturas críticas ucranianas que permitiram moldar e operacionalizar a campanha ofensiva soviética sobre a Ucrânia iniciada em 24 de fevereiro de 2022.</span></p> <p><span style="font-weight: 400;">Mas quais são as dimensões e as características estruturais das “Novas Guerras”?</span></p> <p>&nbsp;</p> <p><span style="font-weight: 400;">*</span></p> <p><span style="font-weight: 400;">*&nbsp; &nbsp; &nbsp; *</span></p> <p>&nbsp;</p> <p><span style="font-weight: 400;">As “novas guerras” caracterizam-se pelo elevado emprego de meios operacionais nas novas dimensões espaço e ciberespaço e noutra medida também o uso diferenciado das tradicionais dimensões: mar, terra e ar. Um exemplo é a guerra cibernética onde a digitalização da guerra, também com recurso à inteligência artificial, permitiu a emergência do ciberespaço como campo de batalha. Neste novo cenário, os alvos não são apenas militares, mas também civis, tais como bancos, hospitais, redes elétricas e plataformas de comunicação, e as fronteiras do conflito são indecifráveis. A guerra cibernética caracteriza-se assim por uma maior dificuldade em atribuir autoria dos acontecimentos e em identificar quem é o inimigo ou qual é o teor da ameaça. Por outro lado, assiste-se ao emprego de meios, tecnologias e equipamentos de baixo custo e de fácil aquisição, estando ao alcance de grupos pequenos e atores menos relevantes e, ainda porque o tempo de resposta é quase nulo e os efeitos podem ser massivos.</span></p> <p><span style="font-weight: 400;">Neste domínio, e mais na vertente do ar, as novas guerras caracterizam-se pela introdução no campo de batalha de meios tecnologicamente evoluídos, relativamente baratos e de fácil operação, que não só alteraram as técnicas, táticas e procedimentos operacionais, como alteraram e condicionaram o uso do campo de batalha…estamos a referirmo-nos ao uso massivo de drones e às múltiplas missões que lhe estão atribuídas, podendo ser uma arma de reconhecimento e segurança, ou atuar em operações ofensivas onde o poder destrutivo e letal é muito significativo.</span></p> <p><span style="font-weight: 400;">Outra vertente das novas guerras prende-se com a designada guerra informacional (guerra da informação) onde a disputa por&nbsp; determinadas narrativas e perceções tornou-se central nas guerras contemporâneas, essencialmente nas operações de moldagem e na comunicação estratégica (STRATCOM). Neste contexto, governos e grupos armados usam as redes sociais para espalhar propaganda e fazer passar uma narrativa que se constitui relevante na vertente da opinião publica e dos grupos de pressão e decisão. Por outro lado, procura retirar legitimidade aos adversários, desacreditando-o no seu propósito por via da desinformação e da criação de boatos ou noticias falsas (</span><em><span style="font-weight: 400;">fake news</span></em><span style="font-weight: 400;">). E numa vertente mais político-estratégica procura influenciar eleições e decisões políticas ou levar à mobilização ou desmobilização das populações. Esta guerra não se faz com equipamento militar convencional, mas sim com recurso à persuasão, o que substitui a coerção física e a guerra na vertente mais belicista.</span></p> <p><span style="font-weight: 400;">Mais recentemente, tem surgido o inovador conceito de “guerra cultural”, associada a valores e símbolos que paralelamente aos conflitos armados conduz a disputas culturais (por identidade ou territorialidade) que atuam focados no plano simbólico, religioso e identitário. A chamada “guerra cultural” envolve confrontos em torno de identidade nacional e dos direitos civis e políticas de inclusão, a temática de género e a sexualidade e muito em voga as narrativas históricas (e revisionistas) que conduzem ao reacender de conflitos e ao extremar de conflitos latentes ou congelados. Esta forma de guerra manifesta-se na interação social e na repressão social, tendo muitas vezes presente os direitos das minorias, da religião e o direito a existir, e sustenta-se muitas vezes no embate entre uma globalização crescente e a defesa da soberania.</span></p> <p>&nbsp;</p> <p><span style="font-weight: 400;">*</span></p> <p><span style="font-weight: 400;">*&nbsp; &nbsp; &nbsp; *</span></p> <p>&nbsp;</p> <p><span style="font-weight: 400;">As novas guerras desafiam os marcos legais e éticos tradicionais e consubstanciam uma mudança que é vetorial na globalização e que afeta as Organizações, Estados e a sociedade em geral. Esta dinâmica aposta num bi-multilateralismo efetivo de cooperação estratégica para operar nas novas guerras, pois para problemas complexos são exigidas soluções integradas, e as novas guerras são problemas muito complexos que envolvem múltiplos atores exigindo soluções integradas.</span></p> <p><span style="font-weight: 400;">Assistimos, neste paradigma quase que a uma “desumanização da guerra”, pois com o uso crescente de drones e inteligência artificial, o distanciamento entre o executor e o alvo aumentou e o risco é a efetiva desumanização do ato de matar, transformando a guerra numa simulação computacional - o que levanta questões morais profundas sobre o teor das novas guerras e a semelhança (ou não) com episódios da guerra clássica.&nbsp;</span></p> <p><span style="font-weight: 400;">Pensamos que as próximas décadas deverão consolidar e ampliar essas tendências e as novas guerras vão trazer mais desafios, maior complexidade ao fenómeno que deixou de ser perfeitamente compreendido pela polemologia. Destes novos paradigmas que caraterizam as guerras modernas, salienta-se o uso massivo de armas autónomas letais, ao uso de inteligência artificial estratégica, sendo capaz de planear, induzir e prever cenários de guerra. E ainda a conflitualidade pelo controle de dados (acesso à informação nos </span><em><span style="font-weight: 400;">data centers</span></em><span style="font-weight: 400;"> e aos cabos submarinos) e a inteligência geoespacial. Por outro lado, as novas “guerras climáticas”, provocadas por escassez de recursos e deslocamentos populacionais que originam fluxo massivo de refugiados ou deslocados e que associa a guerra à perda de segurança humana nas suas múltiplas dimensões serão uma realidade crescente no futuro.</span></p> <p><span style="font-weight: 400;">A guerra contemporânea é um fenómeno complexo, multifacetado e em constante mutação. Ao ultrapassar os limites do confronto físico, ela perpassa o mundo digital, simbólico e psicológico - o que exige novos instrumentos teóricos e práticos para sua compreensão e gestão. Se no passado a guerra clássica era declarada com trombetas e tratada com tratados, atualmente a guerra insinua-se silenciosamente nos nossos dados, nos nossos </span><em><span style="font-weight: 400;">feeds </span></em><span style="font-weight: 400;">e nas nossas crenças, ideologias e religiões. Entendê-la, comparando-a com a guerra clássica é talvez o primeiro passo para procurar evitá-las.</span></p> <p><span style="font-weight: 400;">Boa Leitura…</span></p> <p><strong>Luís Bernardino</strong><span style="font-weight: 400;"> é mestre em Estratégia e doutor em Relações Internacionais pela Universidade de Lisboa. Coronel na Reserva do Exército Português e Professor convidado no Instituto Universitário Militar (IUM). Atualmente, é Professor Auxiliar no Departamento de Relações Internacionais da Universidade Autónoma de Lisboa (UAL) e Investigador Integrado no Centro de Estudos Internacionais (CEI-ISCTE) e no OBSERVARE.</span></p> 2025-07-03T00:00:00+00:00 Copyright (c) 2025 Professor Doutor Luís Manuel Brás Bernardino