INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL, GESTÃO EMPRESARIAL E O FUTURO DO TRABALHO NO BRASIL*


ARTIFICIAL INTELLIGENCE, BUSINESS MANAGEMENT AND THE FUTURE OF WORK IN BRAZIL


PURL: http://purl.oclc.org/r.ml/v6n2/a1


Gabriel Melo


Resumo. A Inteligência Artificial avança no mundo inteiro e incorre em diversas mudanças na relação entre pessoas, serviços, máquinas e indústrias. O Brasil vive um momento de transição quando comparado a países mais desenvolvidos, possibilitando estudá-los antes de ocorrerem ou enquanto ocorrem. Assim, se faz necessária uma reflexão sobre os avanços dessas tecnologias no mercado de trabalho brasileiro, quais são seus impactos nas empresas e profissões. Contextualizando-as no cenário nacional, o artigo traz recomendações de como as empresas e trabalhadores podem melhor se adaptar. E conclui evidenciando a importância da construção de políticas públicas como a renda básica universal. Para tanto, utilizou-se como metodologia a pesquisa bibliográfica, analisando diferentes materiais disponíveis na literatura além de dados fornecidos pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) e Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (FIRJAN).

Palavras-chave: Inteligência artificial. Quarta revolução industrial. Renda básica universal.


Abstract. Artificial Intelligence advances worldwide and incurs several changes in the relationship between people, services, machines and industries. Brazil is going through a moment of transition when compared to more developed countries, making it possible to study them before they occur or while they occur. Thus, it is necessary to reflect on the advances of these technologies in the Brazilian labor market, what are their impacts on companies and professions. Contextualizing them on the national scene, the article provides recommendations on how companies and workers can adapt better. Furthermore, it concludes by highlighting the importance of building public policies such as universal basic income. For that, bibliographic research was used as methodology, analyzing different materials available in the literature in addition to data provided by the National Confederation of Industry (CNI) and the Federation of Industries of the State of Rio de Janeiro (FIRJAN).

Keywords: Artificial intelligence. Fourth industrial revolution. Universal basic income.


  1. Introdução

Com os avanços da Inteligência Artificial (IA) e tecnologias pertencentes, condicionando o que é chamada de Quarta Revolução Industrial ou Industria 4.0, diversas questões são levantadas. Dentre elas as principais são: O que acontecerá com mercado de trabalho quando a IA substituir humanos na maioria das tarefas cognitivas? Qual será o impacto dessa nova classe massiva de humanos economicamente inúteis? Quando ocorrerão essas mudanças e como elas afetarão os gestores e suas organizações?

Este artigo tem como objetivo entender como tais elementos nos levam à Industria 4.0 e as mudanças que ocorrem no mercado de trabalho nacional, isto é, empresas e profissões. Assim, o artigo avalia como gestores de organizações podem lidar melhor com os impactos dessas mudanças. Investiga também as possíveis consequências sociais dessa nova relação entre empregadores e trabalhadores, bem como o potencial aumento do desemprego e as mudanças econômicas que resultam disso. Finaliza analisando como políticas públicas podem colaborar para reduzir os danos dessas rupturas, levantando a hipótese da Renda Básica Universal como alternativa.


  1. Inteligência artificial e a indústria 4.0

Em 1943, foi realizado o primeiro trabalho interpretado como IA, realizado por Warren McCulloch e Walter Pitts. Baseando-se em três fontes: uma análise formal da lógica proposicional criada por Russell e Whitehead; o conhecimento da fisiologia básica e da função dos neurônios no cérebro; e a teoria da computação de Turing. Os pesquisadores apresentaram um modelo composto de neurônios artificiais, onde cada neurônio poderia estar “ligado” ou “desligado”, podendo alternar seu estado a partir de estímulos recebidos de outros neurônios conectados. Mostrando que qualquer função de computador poderia ser calculada usando uma rede de neurônios e os conectivos lógicos. Após isso, em 1949, McCulloch e Pitts sugeriram que tais redes de neurônios artificiais quando definidas adequadamente eram capazes de aprender padrões (RUSSEL; NORVIG, 2013).

No mesmo ano, o psicólogo Donald Hebb (1949) apresentou uma regra, conhecida como teoria hebbiana, onde descreve um mecanismo de aumento da intensidade de conexão entre neurônios. Sua teoria continua influente até hoje. Já em 1950, os alunos de Harvard, Marvin Minsky e Dean Edmonds, construíram o SNARC. O primeiro computador de rede neural, que era constituído por 3000 válvulas eletrônicas e um equipamento de piloto automático retirado de um avião bombardeiro B-24, que juntos simulavam uma rede de 40 neurônios (RUSSEL; NORVIG, 2013). Ao longo do tempo surgiram diversos trabalhos que poderiam ser definidos como IA, mas entre eles houve um destaque maior para as obras de Alan Turing. Que é conhecido hoje com o “pai da computação”. Desde 1947 ele já ministrava palestras na Sociedade Matemática de Londres sobre o tema. Turing (1950) elaborou o artigo “Computing machinery and intelligence”, onde apresentou o teste de Turing, a aprendizagem de máquina, a aprendizagem por reforço e os algoritmos genéticos. Trabalho que tornou o britânico reconhecido como o pioneiro da IA (RUSSEL; NORVIG, 2013).

Apesar de certos sucessos nos primeiros anos da IA, eles eram limitados pelos computadores e os recursos de programação da época ainda primitivos. Os computadores eram vistos como equipamentos capazes de realizar operações aritméticas e apenas isso. De maneira geral a classe intelectual discordava dos pesquisadores da IA e desconfiava de que as máquinas poderiam realizar qualquer tarefa minimamente inteligente. Hoje sabemos que estavam enganados.

Após uma introdução sobre o surgimento da IA, o Quadro 1 reúne oito definições de IA ao longo da história, feitas por meio de abordagens diferentes:


Quadro 1 - Algumas definições de inteligência artificial, organizadas em quatro categorias

Pensando como um humano

Pensando racionalmente

O novo e interessante esforço para fazer os computadores pensarem (...) máquinas com mentes, no sentido total e literal.” (HAUGELAND, 1985)
“[Automatização de] atividades que associamos ao pensamento humano, atividades como a tomada de decisões, a resolução de problemas, o aprendizado...” (BELLMAN, 1978)

O estudo das faculdades mentais pelo uso de modelos computacionais.” (CHARNIAK; MCDERMOTT, 1985)
“O estudo das computações que tornam possível perceber, raciocinar e agir.” (WINSTON, 1992)

Agindo como seres humanos

Agindo racionalmente

A arte de criar máquinas que executam funções que exigem inteligência quando executadas por pessoas.” (KURZWEIL, 1990)
“O estudo de como os computadores podem fazer tarefas que hoje são melhor desempenhadas pelas pessoas.” (RICH; KNIGHT, 1991)

Inteligência Computacional é o estudo do projeto de agentes inteligentes.” (POOLE et al., 1998)
“AI... está relacionada a um desempenho inteligente de
artefatos.” (NILSSON, 1998)

Fonte: Russel e Norvig (2013).


Em linhas gerais, as que estão na parte superior da Quadro 1 se relacionam a processos de pensamento e raciocínio, enquanto as definições da parte inferior se referem ao comportamento. As definições do lado esquerdo medem o sucesso em termos de fidelidade ao desempenho humano, enquanto as definições do lado direito medem o sucesso comparando-o a um conceito ideal de inteligência, chamado de racionalidade. Em outras palavras, podemos dizer que a IA é a capacidade das máquinas de usar algoritmos para aprender com os dados e usar este aprendizado para tomar decisões como um ser humano.

Vários fatores alimentaram a revolução da IA. O mais importante deles é o amadurecimento do Machine Learning, suportado em parte pelos recursos de computação em nuvem e coleta de dados baseada na Web, amplamente difundida.

Há várias definições para machine learning ou aprendizado de máquina (AM) na literatura. Mitchell (1997) a define como: “a capacidade de melhorar o desempenho na realização de alguma tarefa por meio da experiência.” Faceli et al. (2011), diz que os “computadores são programados para aprender com a experiência passada. Para tal, empregam um princípio de inferência denominado indução, no qual se obtém conclusões genéricas a partir de um conjunto de exemplos.”

Dois pioneiros da área, Tom Mitchell e Michael I. Jordan, observaram que a maior parte do progresso recente do aprendizado de máquina envolve um mapeamento a partir de um conjunto de inputs para um conjunto de outputs. Na Figura 1 podemos ver alguns exemplos.


Figura 1 - Exemplos de inputs, outputs e aplicação em machine learning

Fonte: Brynjolfsson e McAfee (2017).


Outro exemplo simples de como os algoritmos podem ser usados para aprender com os dados padrões e o conhecimento adquirido pode ser usado para tomada de decisões, são os filtros de spam de e-mail que usam aprendizado de máquina para detectar quais e-mails são spam e, em seguida, separa-los de e-mails legítimos.

Em “The second machine age”, Brynjolfsson e McAfee (2014) afirmam que os computadores estão tão hábeis que é praticamente impossível prever suas novas utilidades em alguns poucos anos no futuro. A IA está em nosso entorno, em carros que pilotam sozinhos, drones, assistentes virtuais e softwares de tradução. Isso está transformando nossas vidas. A IA fez progressos impressionantes, impulsionada pelo aumento exponencial da capacidade de processamento e pela disponibilidade de grandes quantidades de dados, desde softwares usados para descobrir novos medicamentos até algoritmos que preveem nossos interesses culturais. Muitos desses algoritmos aprendem a partir das “migalhas” de dados que deixamos no mundo digital. Isso resulta em novos tipos de “aprendizagem automática” e detecção automatizada que possibilitam robôs “inteligentes” e computadores a se autoprogramar e encontrar as melhores soluções a partir de princípios iniciais.

Dados são o novo petróleo”. Frase utilizada por Clive Humby (2006) para evidenciar os quão valiosos são os dados para as pessoas, negócios e sociedades. Mostra que as pessoas, empresas e países que souberem manusear de maneira correta os dados obterão sucesso. Assim como o petróleo, é necessário refiná-los, logo, é correto afirmar que a maior riqueza não está nos dados em si, mas na capacidade de manipulá-los de forma analítica. No entanto, diferentemente do petróleo onde a maior dificuldade é localizar reservas subterrâneas de matéria prima, os dados estão dispostos e sendo coletados a todo momento, de diversas formas. Outra diferença é que o petróleo é um recurso finito e escasso, os dados não, muito menos suas possibilidades. Esse grande volume de dados é chamado de Big Data.

Big data rompe com o método tradicional para procurar por causalidade. Trabalhar com big data implica buscar padrões e correlações que podem não nos dizer por que algo está acontecendo, mas sim nos alertar que isso está acontecendo (MAYER-SCHÖNBERGER; CUKIER, 2014). Nesse sentido, novos indicadores podem ser desenvolvidos para obter correlações em tempo real e estabelecer um sistema de alerta antecipado mais abrangente que possa monitorar o acúmulo de riscos específicos de cada país, bem como os riscos sistêmicos no ambiente real, externo e fiscal e setores financeiros (KITCHIN 2015). Pesquisas na web do Google e postagens no Facebook já são usadas para prever a liquidez do mercado de ações (AROURI et al., 2014) e para construir índices de sentimento que preveem a atividade do mercado de ações (KARABULUT, 2013). Geralmente, big data é definido como 3Vs: volume, variedade e velocidade dos dados gerados, armazenados, processados e analisados pelas organizações (RUSSOM, 2011; ZIKOPOULOS; EATON, 2011).

No entanto, Taurion (2012), acrescenta que é possível definir big data como 5 V’s, por meio da seguinte fórmula: volume + variedade + velocidade + veracidade + valor = Big Data. A veracidade diz respeito a certeza de que estes dados fazem sentido e são autênticos. E finalmente, valor, uma vez que a organização que implementa projetos que fazem uso de big data visa retorno positivo sobre estes investimentos. Como podemos ver na Figura 2


Figura 2 - Os cinco Vs do big data

Fonte: Adaptado de Taurion (2012).


Por isso se fazem necessárias mecanismos que possibilitem manipular e estudar esses bilhões de dados. Entender mais sobre esses conceitos, suas origens, permite tentar prever suas condições futuras e, assim, planejar melhores tomadas de decisões.

A IA é um desses poderosos mecanismos. No entanto, a automação dos processos de identificação e análise de dados não se restringe a isso. A IA pressupõe um processo de machine learning constante que, como já conceituado, é quando a máquina é dotada da capacidade de aprendizado. O machine learning, ou aprendizado de máquina, utiliza algoritmos para fazer uma leitura em grandes quantidades de dados e buscar padrões. Esses algoritmos, quando utilizados de maneira constante em porções de informação cada vez maiores, conseguem trabalhar com análises muito mais rapidamente do que uma pessoa conseguiria manualmente.

Conceituados a IA e suas tecnologias, buscaremos entender como ela tem se aplicado. É impossível explicar essa relação sem fazer menção à chamada de quarta revolução industrial ou indústria 4.0.

A palavra “revolução” indica mudança súbita e definitiva. Na história, as revoluções ocorrem quando novas tecnologias e novas formas de perceber o mundo irrompem em alterações profundas nas estruturas sociais e nos sistemas econômicos. Conforme exposto na Figura 3.


Figura 3 - As quatro revoluções industriais

Fonte: FIRJAN (2016).


Ciente das várias definições e argumentos acadêmicos utilizados para descrever as três primeiras revoluções industriais, Schwab (2016) acredita que hoje estamos no início de uma quarta revolução industrial. Ela teve início na virada do século XX e baseia-se na revolução digital. É caracterizada por uma internet mais ubíqua e móvel, por sensores menores e mais poderosos que se tornaram mais baratos e pela IA e aprendizagem automática (ou aprendizado de máquina). A quarta revolução industrial, no entanto, não diz respeito apenas a sistemas e máquinas inteligentes e conectadas. Seu escopo é muito mais amplo. Ondas de novas descobertas ocorrem simultaneamente em áreas que vão desde o sequenciamento genético até a nanotecnologia, das energias renováveis à computação quântica. O que torna a quarta revolução industrial fundamentalmente diferente das anteriores é a fusão dessas tecnologias e a interação entre os domínios físicos, digitais e biológicos (SCHWAB, 2016).

Nessa revolução, as tecnologias emergentes e as inovações generalizadas são difundidas muito mais rápida e amplamente do que nas anteriores, as quais continuam a desdobrar-se em algumas partes do mundo. Porém, a segunda revolução industrial precisa ainda ser plenamente vivida por 10,9% da população mundial, pois aproximadamente 840 milhões de pessoas ainda não têm acesso à eletricidade é o que demonstra o relatório do Banco Mundial “The energy progress report 2019”. Isso também se aplica a terceira revolução industrial, é o que atesta o relatório da Organização das Nações Unidas (ONU) “The state of broadband 2018”, onde estima que metade da população mundial, 4 bilhões de pessoas, vive em países em desenvolvimento sem acesso à internet. O tear mecanizado (a marca da primeira revolução industrial) levou quase 120 anos para se espalhar fora da Europa. Em contraste, a internet espalhou-se pelo globo em menos de uma década (Idem 2016).

Friedman (2007) afirma que tendemos a pensar no comércio e na economia globais como mecanismos movidos pelo FMI, pelo G-8, pelo Banco Mundial, pela OMC, pelos tratados comerciais forjados por ministros. Não estou dizendo que esses órgãos governamentais sejam irrelevantes — e não são —, mas a tendência é que percam sua importância. No futuro, a globalização será cada vez mais conduzida por indivíduos que compreenderão o mundo plano. O autor acredita que o mundo é plano no sentido em que os campos de competição entre os países desenvolvidos e os países em via de desenvolvimento estão a ficar nivelados. Então estes indivíduos vão adaptar-se com rapidez aos seus processos e tecnologias e se colocarão em movimento sem necessidade de qualquer tratado ou recomendação do FMI; serão de todas as cores do arco-íris e virão dos quatro cantos da Terra.

A economia global, daqui por diante, será moldada menos pelas tediosas deliberações dos ministros da economia que pela explosão espontânea de energia dos zippies. Friedman (2007) descreve os zippies como uma "enorme massa de jovens indianos que são a primeira geração desde que a Índia se afastou do socialismo e mergulhou de cabeça no comércio global e na revolução da informação ao se transformar em um centro de serviço do mundo." Os americanos foram hippies§ nos anos 60 e, graças à revolução da alta tecnologia, muitos tornaram-se yuppies** nos anos 80, agora temos os zippies.

Visto que a quarta revolução industrial é responsável por difundir o uso de tecnologias como a IA, seguiremos mostrando suas aplicações, mudanças e impactos.

As mudanças que a Quarta Revolução Industrial nos impõe, diferem das anteriores que ocorriam apenas dentro das fábricas e indústrias. Nas revoluções anteriores, que eram uma conjunção do uso de novas tecnologias e políticas governamentais de diversos países, a indústria influenciava o comportamento da sociedade e formava tendências. Hoje, a sociedade dita as tendências, criando novos mercados e obrigando indústrias antes consolidadas a se reinventar. Como exemplo poderíamos citar diversos novos mercados que surgiram recentemente, mas o maior deles talvez seja o mercado de streaming††, que praticamente extinguiu um mercado anterior de vídeo locadoras.

Uma pesquisa global da Deloitte Touche Tohmatsu ‡‡, entrevistou 1.600 executivos em 19 países, dos quais 102 eram brasileiros. Perguntados sobre suas expectativas aos impactos da Quarta Revolução Industrial nos negócios, 39% dos entrevistados no Brasil afirmaram que o uso das tecnologias promove um diferencial competitivo, enquanto 42% acham que elas são capazes de gerar uma grande transformação na cadeia de operações. A pesquisa aponta ainda que 87% desses gestores acreditam que a nova indústria tecnológica deve oferecer vantagens ao mercado empresarial e à sociedade com mais estabilidade econômica e igualdade social. Outra grande mudança advinda da Quarta Revolução Industrial está relacionada à mão de obra. 75 milhões de empregos poderão ser substituídos por mudanças na divisão do trabalho, aponta o relatório The Future of Jobs Report 2018 divulgado pelo Fórum Econômico Mundial. Esse cenário se deve a dois fatores: declínio em grande escala em algumas funções, à medida que as tarefas nessas funções se tornam automatizadas ou redundantes; e crescimento em larga escala de novos produtos e serviços - e novas tarefas associadas e empregos - gerados pela adoção de novas tecnologias e outros desenvolvimentos socioeconômicos, como a ascensão da classe média nas economias emergentes e mudanças demográficas. Segundo o documento, até 2022, de acordo com as intenções de investimento das empresas entrevistadas para o relatório, 85% das companhias terão expandido a adoção de novas tecnologias para análise de dados. Além disso, as empresas têm interesse em aumentar o uso de Internet das Coisas e computação em nuvem. machine learning e realidade aumentada e virtual também receberão investimentos consideráveis.

Sendo assim, a IA deve ser vista como parte da infraestrutura do país, pois é capaz de tornar mais eficientes e competitivas todas as atividades produtivas. É preciso deixar de vê-la somente como um setor isolado da economia. Não podemos deixar de mencionar a segurança nacional: países que não dominam IA estão fadados a ser ultrapassados no sistema geopolítico. Portanto é fundamental o Brasil despertar para tal necessidade, pois já se encontra em atraso. Hoje vários países do mundo já têm planos nacionais para tratar a IA. Dois deles são destaques: China e Estados Unidos. Não é coincidência que sejam as duas maiores potências econômicas do mundo atual. Outros incluem Canadá, França, Reino Unido, Singapura e assim por diante.

Analisando as disrupções que vem sendo causadas, o artigo busca entender como essas mudanças impactarão nas relações de trabalho, isto é, empresas e profissionais.


  1. Gestão empresarial 4.0

A International Data Corporation (IDC) prevê que, até 2022, mais de 50% do Produto Interno Bruto (PIB) da América Latina virá da economia digital. Segundo a IDC Latín America, 54% das empresas recentemente pesquisadas disseram que aumentarão os gastos com tecnologia da informação (TI), e apenas 17% planejam gastar menos do que em 2018. Os analistas da IDC preveem que, durante 2019, o setor de TI crescerá a uma taxa de 8,2% em dólares constantes e os gastos com os pilares da Terceira Plataforma (mobilidade, nuvem, big data e mídias sociais) captarão aproximadamente metade do orçamento e crescerão em média 5%. Dentre suas previsões, a IDC também cita a integração de tecnologias e soluções de IA em todos os aspectos das empresas; e uma expansão massiva da utilização direta de uma infraestrutura de TI especializada e de aplicativos e serviços com foco vertical. Conforme demonstrado nas Figuras 4 e 5.


Figura 4 - Dispêndios mundiais com sistemas de inteligência artificial/cognitivos, 2015 a 2020, em bilhões de dólares.

Fonte: IDC (2017).

Nota: Inclui hardware, software e serviços


Figura 5 - Tamanho do mercado de big data com base em valores de venda, 2011 a 2027 (em bilhões de dólares

Fonte: Holst (2018).


com a projeção de crescimento dos investimentos em inteligência artificial e mercado de big data, os modelos de negócio das empresas e suas cadeias de valor estão evoluindo para modelos integrados, conectados, inteligentes e convertendo-se em serviços. São integrados e conectados porque os diferentes elos das cadeias de valor e das atividades intraempresas ficarão tão próximos que suas fronteiras tendem a se desfazer. São inteligentes porque informações econômicas e técnicas serão captadas e processadas on-line, de modo que, por meio de algoritmos de inteligência artificial, decisões de ações e reações a fenômenos produtivos poderão ser delegadas a equipamentos e sistemas digitais. Modelos dessa natureza permitem que as empresas forneçam bens e serviços intrinsecamente complementares, ou que, ao invés de vender, ofereçam o uso de bens sob a forma de serviços. 

Sob crescente pressão competitiva as empresas precisam se transformar e adotar novos modelos de negócio. Em consequência, as estruturas de mercado tornam-se mais vulneráveis à entrada de novos concorrentes, mais flexíveis em face de diferentes formatos empresariais e mais permeáveis a mudanças de liderança. Na medida em que as indústrias e a economia global se deslocam cada vez mais em direção ao mundo digital, a prioridade número um dos CXOs§§ deve ser a preparação de suas organizações para se reinventarem. E, à medida que a confiança das empresas na tecnologia aumenta, os CXOs devem avaliar cuidadosamente seus provedores de TI, selecionando aqueles que também estão se reinventando para a economia digital. No entanto, Albano (2001 p.10), contesta que:


Não basta disponibilizar novos recursos tecnológicos e de sistemas. As pessoas, os grupos e os diversos níveis gerenciais que compõem a força de trabalho da organização devem estar plenamente comprometidos com os resultados almejados, familiarizados com o processo de mudança proposto e motivados para a assimilação e o uso efetivo da nova tecnologia. Gerenciar mudanças, a partir da introdução de novas tecnologias, exige das organizações uma habilidade muitas vezes difícil de ser encontrada.


Por outro lado, Schwab (2016 p.21) afirma que “A questão para todas as indústrias e empresas, sem exceção, não é mais ‘haverá ruptura em minha empresa?’, mas ‘quando ocorrerá a ruptura, quando irá demorar e como ela afetará a mim e a minha organização?’”

Mas então como empresas devem se estruturar para conceber tais mudanças? No artigo “Building the ai-powered organization”, analistas da Mckinsey*** apontam alguns passos que auxiliam as empresas a conseguir sucesso na implementação de IA. Com base no artigo fora criada a Figura 6.


Figura 6 - Estrutura organizacional IA

Fonte: Adaptado de Fountaine, McCarthy e Saleh (2019)


Fountaine, McCarthy e Saleh (2019) destacam três elementos importantes: trabalho colaborativo, feito com equipes multidisciplinares; implantação de cultura data-driven†††; estabelecer uma estrutura organizacional ágil e flexível. Um outro elemento importante: transparência. Como a IA tende a se relacionar com substituição de humanos por máquinas, a empresa deve ter uma política transparente em relação ao futuro, quando a IA estiver sendo usada intensivamente. Além das mudanças na estrutura organizacional, um estudo feito por Frey e Osborne (2013), investigaram a probabilidade de diferentes profissões serem suplantadas por algoritmos de computador nas próximas duas décadas. Desenvolvendo uma metodologia para classificar as ocupações de acordo com suas suscetibilidades à informatização

Na Figura 7 podemos ver como se dá a relação dessas tarefas e a probabilidade de informatização:


Figura 7 - Um esboço de como a probabilidade de informatização pode variar em função de variáveis de gargalo.

Fonte: Adaptado de Frey e Osborne, 2013.


A inteligência emocional e as habilidades humanas – apesar de todo o contexto tecnológico – são competências desejadas e que estão se tornando essenciais na vida profissional. Essas são algumas das tendências identificadas no estudo “Futuro do trabalho”. A pesquisa é uma parceria entre a rede social profissional LinkedIn e a Worth Global Style Network (WGSN), empresa de análises e previsão de tendências. O levantamento cruzou análises de comportamentos e tendências com dados de mercado, para trazer respostas confiáveis para o presente sobre o futuro do setor que é a base da economia. Ele procurou também mostrar como as habilidades humanas e tecnológicas podem andar juntas e serem complementares no mercado profissional. Dentre as descobertas desse estudo, a maior delas é, no mínimo, curiosa, é que esta Quarta Revolução Industrial tem revelado a importância das competências humanas para a gestão e a transformação do mercado de trabalho. “Cultivar a criatividade, desenvolver inteligência emocional e construir empatia são as habilidades que os robôs ainda não podem substituir” (SOUZA, 2018). É o que aponta a pesquisa do LinkedIn e WGSN, o trabalho identificou 10 competências mais recorrentes. São elas: criatividade, colaboração, transparência, comunidade, compartilhamento, mindfulness, inteligência emocional, capacidade de experimentação, empatia e espírito empreendedor.

O futuro obriga os profissionais a aprimorarem e desenvolverem competências humanas dentro de tecnologia e serviços. Por tanto, as organizações, através de seus gestores e profissionais, devem se inclinar a esse movimento para conseguir se adaptar. As empresas mais bem-sucedidas terão gestores preparados e que são capazes de ouvir, observar, incentivar, compartilhar e engajar a transformação real de suas organizações bem como seus processos. Afinal, com grande volume de dados e informações sobre a produção das equipes, os gestores poderão obter uma série de ganhos. A partir dessa interação ativa é possível entender melhor quais são as inovações tecnológicas que poderão realmente melhorar as atividades dos trabalhadores e como a utilização desses recursos de TI trarão benefícios de sustentabilidade e rentabilidade às unidades da organização.

A Confederação Nacional das Indústrias (CNI) (2018) em seu relatório “Construindo o futuro da indústria brasileira” afirma que:


Com relação à capacitação de recursos humanos, ressalta-se que o sistema de formação profissional brasileiro público e privado e, especialmente, o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI), constituem agentes estratégicos para promover a evolução do perfil de qualificação dos trabalhadores brasileiros (CNI, 2018 p.21).


Coloca ainda que é necessário avançar na direção de:

Com a velocidade com que os processos produtivos vêm se transformando devido as tecnologias digitais, adaptações se fazem necessárias, não apenas das empresas e seus executivos, mas, principalmente dos trabalhadores. O que reforça a necessidade de uma qualificação adequada. Os trabalhadores precisam ter uma preparação multidisciplinar e de aprendizagem continua. O ensino técnico e aplicado prestado pelo SENAI permite que os estudantes se preparem para o que será exigido deles num universo de trabalho cada vez mais conectado, sendo assim um importante sistema para inovação do país. O investimento em educação é imprescindível para o aumento da competitividade do país, a retomada do crescimento econômico e a criação de melhores oportunidades de emprego.


  1. Futuro do trabalho no brasil

Antes de qualquer discussão quanto às questões trabalhistas, se faz necessária a menção ao conceito de Trabalho Decente da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Esse conceito foi apresentado pela primeira vez na Conferência Internacional do Trabalho (CIT), realizada em Genebra, em junho de 1999 (OIT 2015) e afirma que:


O trabalho decente é o ponto de convergência de quatro objetivos estratégicos: a promoção dos direitos fundamentais no trabalho, o emprego, a proteção social e o diálogo social. Isso deve orientar as decisões da Organização e definir sua tarefa internacional nos próximos anos (OIT, 1999 p.17).


assim, o conceito de trabalho decente não visa apenas garantir a geração de postos de trabalho como também superar o trabalho precarizado que não gera renda suficiente para que trabalhadores e suas famílias não vivam em situação de pobreza. Além de propor medidas contra atividades insalubres, inseguras e degradantes que, portanto, trazem exclusão social e contribuem para a desigualdade social. Garante ainda que o trabalho decente deva estar associado a proteção social e aos direitos do trabalho como de representação, associação sindical e negociação coletiva.

Em 2003, o então Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva e o Diretor-Geral da OIT, Juan Somavia, assinaram um memorando de entendimento que visava estabelecer um programa de cooperação técnica para a estruturação de uma agenda nacional de trabalho decente no brasil (OIT 2015). Assim, tornando como prioridade a promoção do trabalho decente nas políticas nacionais. A partir de então o Brasil passou a ser visto como exemplo de bons resultados, já ao final do ano de 2005, haviam sido gerados no Brasil pouco mais de 3,5 milhões de empregos formais segundo informe da OIT (2006). No entanto, a partir de 2015 a conjuntura do país mudou, trazendo um cenário complexo com dificuldades em diversos aspectos. Os governos e demais atores que trouxeram conquistas em relação ao trabalho, perderam forças dando lugar a forças opositoras, que paralelo a onda global de avanços tecnológicos de IA, colocam em risco os avanços dos últimos anos. A exemplo disso podemos citar as forças sindicais que outrora foram atores primordiais na conquista de direitos, hoje são alvos de ataques políticos e estão enfraquecidos. Sobre isso, Harari (2015 p.283) reflete que “milhões de taxistas, motoristas de ônibus e caminhoneiros têm significativa influência econômica e política, cada uma dessas classes dominando uma pequena parcela de mercado de transportes.” Isto é, quando os algoritmos são implementados, aderem aos interesses dos donos da corporação, dissolvendo a capacidade de mobilização política da classe e individualizando o trabalhador, dificultando assim a luta por interesses e direitos próprios da classe. Ainda segundo Harari (2015 p.283):


Como os algoritmos estão tirando os humanos do mercado de trabalho, a riqueza e o poder poderão se concentrar nas mãos da minúscula elite que é proprietária desses algoritmos todo-poderosos, criando uma desigualdade social e política jamais vista.


Ou seja, apesar de todo progresso tecnológico, as desigualdades se ampliam, uma vez que detentores de capital possuem os algoritmos que cada vez mais moldam como, onde e qual será a remuneração dos trabalhadores. E isso é sentido na atual conjuntura do Brasil, é o que confirma a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) Contínua de 2018. Onde demonstra que em 2012 o percentual de empregados no setor privado com carteira assinada era 38,4%, já em 2017 esse número cai para 36,3%. No mesmo período o percentual de trabalhadores por conta própria cresce de 22,8% para 25,3%. Consequente a isto, tínhamos em 2012 o percentual de 16,2% de trabalhadores associados a algum sindicato e em 2017 esse número cai para 14,4%.

Sem vínculos estáveis com o empregador, as atividades flexíveis mudam o modo no qual o trabalhador recebe seu pagamento, sem férias remuneradas e demais direitos. Em uma lógica da gratificação instantânea. Sem horários e locais de trabalho fixos e pouca estabilidade sobre os rendimentos financeiros, o trabalhador fica em uma situação de vulnerabilidade e risco de endividamento.

Acentuando o cenário, o sociólogo brasileiro Braga (2012 p.146) aponta que “Os trabalhadores foram subsumidos a um regime de acumulação mundializado organizado em torno da dominância dos mercados financeiros”, mostrando assim a outra faceta da relação, onde investidores e acionistas se beneficiam dessa precarização do trabalho aumentando suas margens de lucro. Corroborando assim ao advento do neoliberalismo‡‡‡ no Brasil que transformou as relações trabalhistas, assegurando uma correlação de forças favorável aos detentores do capital financeiro em detrimento aos trabalhadores. Crescendo sob o discurso da superação da crise econômica e geração de empregos, as bandeiras neoliberais com novos atores de velhas políticas, sinalizam para uma nova agenda em torno das crises e seus efeitos sobre o trabalho e trabalhadores. Tratam-se das crises do desemprego, do Direito do Trabalho, da Previdência, da desigualdade. A incerteza provocada pelas várias reformas em curso, isto é, a trabalhista, a previdenciária e a regulamentação da terceirização implicarão em estudos sobre os seus efeitos para os trabalhadores do setor público e privado.

Standing (2013) reforça essa impressão em nível global, para ele a revolução tecnológica traz uma facilidade de alocação de empregos e produção onde o custo da mão de obra é menor. O que agrava a distribuição de renda e privilegia os detentores do capital que lucram com o endividamento da população. Standing (2013 p.263) afirma que “Esse lado da globalização deveria dar origem a uma situação de benefício mútuo, mas somente se alguns dos dividendos fossem distribuídos para os cidadãos e “habitantes” do país investidor.”

Apesar de Standing (2013) considerar as novas exigências de flexibilidade como injustas em benefício dos detentores de capital financeiro, e que elas significam que milhões de pessoas devem viver em contínua instabilidade social e econômica, o britânico consegue enxergar uma compatibilidade entre o que esse conjunto de trabalhadores e os empregadores querem. Standing (2013 p.235) acredita que o jovem em especial, “não vê com bons olhos a garantia de vínculo empregatício trabalhista da era pré-globalização.”.

Por isso, Standing (2013 p.235) defende que “para que seus membros tenham algum controle sobre suas perspectivas de vida e a sensação de que os choques e os riscos podem ser gerenciados. Isso só pode ser alcançado se a segurança de renda for garantida.” Nesse cenário se fazem necessárias políticas públicas para amortização deste impacto. Que em sua definição são “a soma das atividades dos governos, que agem diretamente ou através de delegação, e que influenciam a vida dos cidadãos” (PETERS, 1986 p.100). No entanto, não somente políticas públicas, as ações podem ser governamentais, mas também podem partir das empresas, reorganizando assim o mercado de trabalho. Não existe um consenso de solução para esta realidade. Apesar disso, Guy Standing defende programas de transferência de renda como um atenuador a precarização do trabalho. Standing (2013 p.256) afirma que:


Em princípio, as transferências de renda libertam; dão segurança econômica com a qual é possível fazer escolhas sobre como viver e desenvolver as capacidades de cada um. A pobreza consiste na falta de liberdade, bem como em não ter o suficiente para comer, nem o suficiente para vestir e um lugar inadequado para viver.


De outro prisma, Ruy Braga (2017) questiona os efeitos da aplicação de uma política de renda básica. Afirmando que na realidade brasileira, um investimento público desse porte pode impactar negativamente em políticas públicas já estabelecidas relacionadas à saúde, habitação, transporte e educação. Na visão dele, a aplicação da renda básica só seria viável se a política estiver atrelada a redução da conta da taxa de juros. Braga (2017 p.61) diz que:


No momento em que a crise política aprofunda-se e a economia não dá sinais consistentes de reação, necessitamos imaginar um modelo alternativo de desenvolvimento. Um novo caminho que aposte na proteção do trabalhador, na ampliação dos direitos sociais, na retomada do investimento público, na distribuição de renda, na diminuição das desigualdades e na preservação ambiental. Para tanto, é necessário que as forças políticas progressistas desafiem a financeirização e o rentismo que se alimentam de uma das mais altas taxas de juros praticadas no planeta.


O historiador e escritor holandês, Bregman (2016), ao defender a Renda Básica acredita que os sistemas de seguridade social e proteção de emprego ainda são projetados para poucos privilegiados que tem emprego fixo, ignorando a nova realidade. Bregman (2016 p.40) afirma que “A política pública baseia-se no equívoco de que podemos confiar que a economia gerará empregos suficientes.” Bregman (2016) acredita que o momento nunca foi tão apropriado para a implantação de uma Renda Básica Universal devido a flexibilidade dos postos de trabalho, a robotização e a maneira como a globalização está deteriorando os salários da classe média. Mas alerta de que esse sonho não pode ser implementado sem planejamento. Bregman (2016 p.40) diz que “A utopia sempre começa em uma dimensão modesta, com experimentos que mudam o mundo muito lentamente.”

No Brasil, o mais próximo de medidas benéficas nesse sentido é a renda básica de cidadania, proposta pelo, até então senador, Eduardo Suplicy. a renda básica de cidadania (RBC) é uma renda suficiente para que uma pessoa possa prover as suas necessidades vitais, como as de alimentação, saúde, educação e outras, que será paga pelo governo a toda e qualquer pessoa residente no país, inclusive às estrangeiras residentes há cinco anos ou mais no Brasil, não importa sua origem, raça, sexo, idade, condição civil ou mesmo socioeconômica. Pelo voto consensual de todos os partidos, o Congresso Nacional aprovou, e o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou, em 8 de janeiro de 2004, a Lei 10.835/2004, que instituirá, por etapas, a critério do Poder Executivo, a RBC, iniciando-se pelos mais necessitados, portanto, como o faz o Programa Bolsa Família, que pode ser visto como um passo na direção da renda básica de cidadania. Eduardo Suplicy sempre ao ser questionado sobre seu projeto de lei, temia pela estigmatização dos beneficiados, no sentido de o benefício ser visto como esmola e não como um direito. O maior questionamento dos opositores a ideia é de que a RBC fosse um incentivo ao ócio, para isso Suplicy (2003 p.242) responde que:


A Constituição Brasileira, assim como a da maioria das nações, reconhece o direito à propriedade privada. Isso implica que reconheçamos como legítimo que os proprietários do capital recebam aluguéis, juros e lucros. A Carta Magna, no entanto, não obriga que essas pessoas trabalhem. Mas em geral elas trabalham, bem como suas crianças vão à escola.


Assim, se rentistas e oligarcas podem receber uma renda sem trabalhar, ricos e pobres também podem receber uma renda mesmo que modesta que os traria liberdade e maior poder de barganha nas escolhas de suas atividades econômicas, diminuindo o grau de exploração dos trabalhadores. Apesar de necessárias, tais medidas não têm sido implementadas como deveriam. E ao menos no Brasil a tendência é que não ocorra num futuro próximo devido a direção oposta em que o Poder Executivo atual lida com a questão. Adotando o discurso neoliberal de que devem haver menos direitos trabalhistas pois havendo mais direitos, não sobrariam empregos.


  1. Conclusões

Como fora evidenciado no artigo, os avanços da IA estão compondo um novo cenário para indústria, mudando as relações de trabalho e os rumos econômicos, tornando-se parte essencial da economia de qualquer país que deseje se desenvolver. Assim, as empresas e profissionais devem estar preparados para conceber a IA. O artigo traz estudos sobre como as organizações devem se estruturar para lidar com a tecnologia. Alertando que elas devem incentivar um trabalho mais colaborativo, feito com equipes multidisciplinares, implantar uma cultura orientada por dados e não mais por intuição ou experiências pessoais, estabelecer uma estrutura organizacional ágil e flexível, além de prezar pela transparência nos processos. Na perspectiva dos profissionais, com a tendência a informatização e substituição de trabalhadores por máquinas, devem ter uma preparação multidisciplinar, continua e com tecnologia aplicada em todos os níveis da sua educação. Além de estimular habilidades criativas, a inteligência emocional, capacidade colaborativa e empatia, em suma habilidades que não podem ser desempenhadas por uma IA.

Dada a perda de postos de trabalho em relação ao avanço da IA, é preciso deixar de ver a tecnologia como solução para todos os nossos problemas, negando a questão política que há em torno dela. Deve-se questionar quem financia as pesquisas sobre IA e consequentemente quem são os donos dessas corporações criadoras dos algoritmos que se apropriam das forças de trabalho. A partir disso implementar políticas públicas, como a Renda Básica apresentada no artigo, que seria, junto a criação de impostos aplicados a grandes corporações que utilizam IA, uma solução para evitar que a economia entre em um colapso por superprodução. Uma vez que as produções aumentam ao serem executadas por IA cada vez mais sofisticada e os trabalhadores perdem seu poder de aquisição ao precarizar o valor de sua força de trabalho. Por mais que a IA possa ser vista como aliada, ela somente será se for construída a partir desse antagonismo de classes. Mantendo sempre um olhar críticos sobre seus avanços. O contrário disso será a criação de uma massa de pessoas economicamente excluídas bem como um grave aumento das desigualdades sociais.


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** Artigo recebido em: 26 de abril de 2020. Aceito em: 5 de setembro de 2020

Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Administração da Universidade Federal Fluminense, Niterói, RJ, Brasil. Autor correspondente. e-mail: gcmelo@id.uff.br

Nome pelo qual a rede mundial de computadores internet se tornou conhecida a partir de 1991, quando se popularizou devido à criação de uma interface gráfica que facilitou o acesso e estendeu seu alcance ao público em geral.

§O movimento hippie foi um comportamento coletivo de contracultura dos anos 1960

**Yuppies é uma expressão inglesa que significa "young urban professional", ou seja, Jovem Profissional Urbano. É um termo usado para se referir a jovens profissionais entre os 20 e os 40 anos de idade, geralmente de situação financeira intermediária entre a classe média e a classe alta.

†† A tecnologia streaming é uma forma de transmissão instantânea de dados de áudio e vídeo através de redes. Por meio do serviço, é possível assistir a filmes ou escutar música sem a necessidade de fazer download, o que torna mais rápido o acesso aos conteúdos online.

‡‡A Deloitte Touche Tohmatsu é líder em serviços de Auditoria, Consultoria, Assessoria Financeira, Risk Advisory, Consultoria Tributária e serviços relacionados.

§§ Chief Experience Officer: é um executivo responsável pela experiência geral dos produtos e serviços de uma organização.

*** McKinsey & Company é uma empresa de consultoria empresarial americana. É reconhecida como a líder mundial no mercado de consultoria empresarial.

††† O adjetivo orientado por dados significa que o progresso em uma atividade é compelido por dados, e não por intuição ou por experiência pessoal.


‡‡‡É um conjunto de ideias políticas e econômicas capitalistas que defende a não participação do estado na economia, onde deve haver total liberdade de comércio, para garantir o crescimento econômico e o desenvolvimento social de um país.

Rev. Mundo Livre, Campos dos Goytacazes, v. 6, n.2, p. 160–183, jul./dez. 2020

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