FÁBRICA E ESCOLA: A CORRELAÇÃO ENTRE A FORMAÇÃO DE EDUCANDOS E UMA NOVA MASSA TRABALHADORA PARA O CAPITAL NA ERA DA INFORMAÇÃO*


FACTORY AND SCHOOL: CORRELATION BETWEEN LEARNER TRAINING AND A NEW WORKING CLASS MASS FOR THE CAPITAL IN THE INFORMATION ERA


PURL: http://purl.oclc.org/r.ml/v6n1/a4


Evandro Ribeiro Lomba*



Resumo

Nesse trabalho, visamos analisar as modificações existentes dentro da esfera educacional e do labor e tentar compreender o manancial de precarizações que afetam a formação de diversos educandos. É nessa conjuntura que a educação “flexível” de caráter privado ganha espaço para treinar esse contingente de futuros trabalhadores para postos de empregos incertos, numa contradição inerente ao sistema do capital, que vislumbra, no engendramento das “tecnologias da informação”, modificar profundamente o sentido da vida escolar com sua formação de “competências”, mas que ainda permeia singularidades entre a fábrica e a escola.

Palavras chave: educação digital, políticas educacionais; metamorfose do trabalho.


Abstract

In this paper, we analyze the changes included in the educational and work areas, and try to understand the management of precariousness that affect the formation of several students. It is at this juncture that “flexible” private education gains space to train this contingent of new workers for uncertain jobs, in a contradiction inherent to the capital system, which envisions, in a engendering “information technologies”, to modificate a sense of school life as its formation of "competences", but which still permeates singularities between a factory and school.

Keywords: digital education; educational policies; work metamorphosis.




1. Introdução

No mundo contemporâneo, vivencia-se grandes mutações decorrentes da crise estrutural do capital que, a partir dos anos de 1970, começa a demonstrar sinais de esgotamento de um padrão de acumulação de capital de binômio taylorista/fordista e da forma cíclica das crises. Segundo Mészáros (2010, p.75), este período histórico tem marcas de um entrave universal, isto é, não se limitando a um ramo da indústria, do comércio ou da especulação financeira, na verdade, está em toda esfera do capital; nota-se o impacto em escala global, pois este efeito da crise estrutural afeta toda a economia capitalista; possui uma durabilidade prolongada no tempo e a classe dominante visa a “administração da crise”, buscando conviver com este “distúrbio” de uma forma que favoreça seus interesses particulares. Logo, obtemos a inserção de uma nova morfologia do trabalho derivada das tentativas de amenizar esta catástrofe por parte da classe dominante, iniciando assim um novo sistema de produção dito como enxuto, flexível e altamente tecnológico que também se encontra atrelado ao sistema financeiro. É nessa conjuntura que podemos observar uma grande alteração nas formas de empregos, pois a inserção de um maquinário mais autônomo e complexo modifica as bases da produção, do conhecimento e da operação. Assim, vemos um movimento do capital em busca de uma nova formação dos trabalhadores para realização de um tipo de labor ainda mais reificado, coisificado e estranhado nessa “Era da Informação”*.

Em outra perspectiva, temos o ambiente educacional; este, também, que está sobre a lógica das relações de mercado e sofre com as alterações econômicas e estruturais da produção no sistema capitalista, passa por uma fase de mutações/adequações. A ampliação da mercantilização, fruto do processo de modificação das feições do capital, intensifica a lógica empresarial para a educação e, com isso, inicia-se um processo em larga escala de comercialização educacional, trazendo no bojo desse acontecimento, um arcabouço de precarizações do ensino e da estrutura escolar, afetando tanto a esfera privada como a pública, que se encontram também atreladas às relações de mercado.

Nota-se que o Estado neoliberal prioriza a intervenção para “administração da crise” e favorecimento do empresariado, cortando investimento em políticas sociais, como a educação, para favorecimento do enriquecimento da grande burguesia. Assim, observa-se que a esfera pública é dita como ineficaz para formar trabalhadores e trabalhadoras capacitados na ocupação de cargos muitas vezes inexistentes, tendo em vista um processo de desemprego estrutural no contexto brasileiro nas empresas da “Era da Informação”.

Para os educandos, resta a subordinação de um novo método de educação que de forma nebulosa permeia com suas bases tradicionais devido a seu direcionamento para o mercado de trabalho, com rasa formação cultural que visa guiar sempre ao consumismo e a individualização do ser, assim como uma flexibilidade das crescentes relações digitais de educação que estão sobre uma hierarquia próxima aos sistemas de metas e/ou de projetos que trabalham com horários maleáveis, mas com determinações a serem cumpridas com prazos curtos. Vê-se, portanto, que autonomia é meramente ilusória, pois as condições materiais impostas mesclam o controle conservador do conhecimento com o uso das inovações tecnológicas.

Esta relação é adversa no sentido da formação, visto que limita o pensamento crítico, a consciência de coletividade e a composição de um pensamento de emancipação do ser social, apenas estimulando e propiciando uma vida escolar centrada na acumulação de saberes fragmentados, cuja relação educador/educando é verticalizada e no limite inexistente devido à leitura apenas de materiais disponibilizados nas plataformas virtuais dos cursos, em razão de um processo de reificação do educando ao caráter “flexível” da educação empresarial. Segundo Arroyo (2014, p.33-34)


[...] a mercantilização da educação e o submetimento da ciência, das instituições do conhecimento à lógica da reprodução do capital e a redução das pedagogias à capacitação para a empregabilidade. Currículos e pedagogias para domínios de competências, avaliações de resultados tornaram as instituições educacionais, os currículos e as pedagogias mais rígidos, mais conservadores, consequentemente territórios de disputas políticas, mais acirradas porque mais fechadas aos coletivos populares, aos trabalhadores.


Observa-se que é um processo objetivado para a estruturação de uma nova classe trabalhadora submissa, em que o conhecimento não é sistematizado para compreensão do processo histórico e político. Busca-se ao longo da pesquisa compreender esse processo de uma maneira geral, que afeta tanto a esfera privada como também a pública, conforme as indicações de Mészáros (2008, p.43-44). Esta educação é de interesse exclusivo de uma parcela detentora dos meios de produção e suas ferramentas, que utiliza desse mecanismo para sua reprodução ideológica, além de condicionar os educandos às mais variadas formas de opressão e alienação, e uma não garantia real de acesso ao mercado de trabalho formal. O trabalhador não tem apenas de lutar pelos meios de vida físicos, ele tem de lutar para aquisição de trabalho, isto é, pela possibilidade, pelos meios de poder efetivar sua atividade” (MARX, 2010, p.25)


2. O sistema taylorista/fordista e a precarização da educação especializada

É necessário compreender o processo histórico, em que a grande indústria se instala de fato e observar como um método técnico/administrativo condiciona a esfera do labor e da educação em prol dos interesses de uma determinada classe. Assim, obtemos a administração dita como “científica” de Frederick Taylor (1856 - 1915), que proporciona uma visão especializada e vista como “utilitária” para a produção, em que é necessário que os trabalhadores tenham uma conduta disciplinar para desempenhar suas funções nas fábricas*. Para o capital, é necessário treinar e “domesticar” a força de trabalho de homens e mulheres para apenas uma tarefa de forma rápida e contínua. Progressivamente, ela se transforma num sistema que divide a produção de carruagens em suas diversas operações especializadas”. E completa Marx: “Cada operação se cristaliza em função exclusiva de um trabalhador e a sua totalidade é executada pela união desses trabalhadores parciais;” (MARX,1975, p.387)

Já o trabalho abstrato deve ser da gerência administrativa que irá controlar e fiscalizar os demais funcionários. Observa-se, nesse momento, uma grande intervenção na divisão social do trabalho e do conhecimento.


Para Taylor, a “guerra” entre capital e trabalho se reduz a um problema gerencial, para cuja solução bastaria dividir “equitativamente” as atividades intelectuais e manuais entre gerencia e trabalhadores/as operacionais (ainda que ambos fossem assalariados/as). Divisão que reservaria à gerência as atividades intelectuais e ao operariado as estritamente manuais, promovendo, assim maior cooperação entre estes níveis e eliminação da “cera” no trabalho, isto é: o baixo rendimento proposital dos/as próprios/as trabalhadores/as (ANTUNES; PINTO, 2017, p.18-19).


A educação para esse sistema deve ser “uma qualificação de tipo parcelar, fragmentada e que só poderia ser construída tendo por base ciências também especializadas” (ANTUNES; PINTO, 2017 p.78), isto somente para que o trabalho seja objetivamente submisso à lógica do capital. Assim, vemos uma transformação nas relações trabalhistas em paralelo com esse sistema educacional, tendo em vista que agora “naturalmente, as instituições de educação tiveram de ser adaptadas no decorrer do tempo, de acordo com as determinações reprodutivas em mutação do sistema do capital.” (MÉSZÁROS, 2008, p.42)

O sistema fordista, não obstante, continuou e “aprimorou” as técnicas de Taylor tendo ainda mais uma gradativa especialização do trabalho através da linha de montagem tão conhecida pela engenharia produtiva. “Tratou-se, portanto, no taylorismo-fordismo, de uma qualificação com base em uma especialização limitadora e profundamente empobrecedora, tanto do conhecimento teórico, quanto das atividades práticas de trabalho.” (ANTUNES; PINTO, 2017, p.78). Teoria e prática foram divididas, assim como trabalho manual e trabalho intelectual são os feitos no interior dos processos produtivos.

É nessa continuidade que chegamos a uma precarização da educação nesse contexto da produção capitalista de binômio taylorista/fordistas, pois a escola especializada dita como “profissionalizante” apenas prioriza o Fazer e não o conhecimento dotado de sentido para formação das massas, ou seja, a classe trabalhadora esclarecida, consciente e ativa na sociedade politicamente, sendo a prática laborativa, o conhecimento teórico e a luta política fazendo parte de uma mesma formação, muito pelo contrário. Há a fragmentação que visiona apenas o currículo de interesse ligado à produção e reprodução do capital e posteriormente a exploração da força de trabalho. “O ‘aprender a pensar’ em Ford, nesse caso só tem um sentido: promover a obediência” (ANTUNES; PINTO, 2017. p.80)

Marx, em o Capital (volume 1), sinaliza, em uma passagem, a relação do trabalho no sistema do capital dentro da grande indústria, propicia um conhecimento de interesse da classe dominante. Ou seja, fazer e fazer cada vez melhor, intensificando as formas de extração de mais-valia e isto sendo uma condição dada, imutável e sem alteração para sua desconstrução.

A repetição contínua da mesma ação limitada e a concentração nela da atenção do trabalhador ensinam-no, conforme indica a experiência, a atingir o efeito útil desejado com um mínimo de esforços. Havendo sempre diversas gerações de trabalhadores que vivem simultaneamente e cooperam nas mesmas manufaturas, os artifícios técnicos assim adquiridos firmam-se, acumulam-se, e se transmitem. (MARX, 1975, p. 390)


Marx vai mostrar que o trabalho é um princípio educativo, visto que a “atenção do trabalhador ensinam-no, conforme indica a experiência”, entretanto esses aspectos são apropriados para servir o sistema do capital, em síntese: “A educação taylorista-fordista é, pois, uma educação puramente formal, parcelar e hierarquizada e perpetuadora da nefasta divisão social do trabalho entre trabalho intelectual e trabalho manual” (ANTUNES; PINTO, 2017, p.81). Dessa divisão, dentro das escolas “profissionalizantes” idealizadas por Ford para formar trabalhadores especializados e submissos à lógica do capital, obtemos uma escola verticalizada e desumanizada nas relações sociais, a qual o educando é formado para alienação, para internalização de uma cultura estranhada e para submissão à ordem vigente.

As próprias reflexões e criações do educando são totalmente deixadas às margens do ensino, a não ser quando é de interesse em solucionar as problemáticas do sistema. Autonomia e participação no processo de construção do saber não são práticas pedagógicas em vista na arquitetura desse tipo de educação. O que é ensinado e incentivado de forma mais intensa é a educação que insere a competitividade, a fragmentação de coletividade, a ganância por dinheiro, o individualismo, a distorção da história, entre outros aspectos.


3. As consequências da educação de binômio taylorista/fordista na vida dos educandos e professores.

A luta pela humanização, pelo trabalho livre, pela desalienação, pela afirmação dos homens como pessoas, como “seres para si”, não teria significação. Esta somente é possível porque a desumanização, mesmo que um fato concreto na história, não é porém, destino dado, mas resultado de uma “ordem” injusta que gera a violência dos opressores e está, o ser menos! (FREIRE, 1987, p. 16)


Observa-se que o processo de estranhamento é uma condição dada pela ordem do sistema do capital, uma condição inerente, tendo em vista que para a realização do seu maior objetivo, ou seja, o lucro, é necessário a criação de métodos administrativos para extração do máximo da mais-valia sobre a força de trabalho assalariada. Todavia, o resultado desse processo é uma fragmentação da relação de sentido do homem com seu trabalho, das formas mais conscientes de relação homem e natureza, além do homem com o próprio homem.

Se o mundo do trabalho se encontra dentro dessas condições, a educação embarca rumo à mesma direção devido a dinâmica do capital estar em toda a relação social, visto que é a modo de produção dominante. E, assim, deparamo-nos com projetos políticos/ideológicos, apresentados como “reformas” ou até mesmo “modernizações” do campo educacional, para a adequação do contingente de filhos e filhas da classe trabalhadora para um tipo de escola que irá “preparar” para a inserção ao mercado de trabalho.

Assim, o que segundo Paulo Freire (1987, p.39) chama de “Educação Bancária” em que o aluno é visto como um vaso e que o conhecimento deve ser depositado sobre ele sem nenhuma forma de relacionamento dialético e construção participativa do mesmo, é o tipo de educação que é estruturada. No bojo desses acontecimentos, podemos apontar desastrosas consequências em que os interesses imperialistas do capitalismo acabam acarretando sobre o processo educacional.

Portanto, torna-se indispensável expor o trecho de Tragtenberg contido no livro de Ricardo Antunes.

Na medida em que o capital detém o conhecimento, ele funda uma distribuição diferencial de saber que legitima a existente na esfera do poder. Constituindo-se em qualificações genéricas, a força de trabalho pode ser formada fora do processo produtivo: na escola. [...] No interior do sistema social as instituições educacionais e seus sacerdotes, os professores, desenvolvem um trabalho contínuo e sutil para a conservação de estrutura de poder e, em geral, da desigualdade social existente. Duas são as principais funções conservadoras atribuídas à escola e aos professores: a exclusão do sistema de ensino dos alunos das classes sociais inferiores e a que definimos como socialização à subordinação, isto é, a transmissão ao jovem de valores compatíveis com o seu futuro papel de subordinado. (TRAGTENBERG apud ANTUNES 2017, p.85)


Reafirmando a crítica de Paulo Freire, ou seja: “A narração de que o educador é o sujeito conduz os educandos à memorização mecânica do conteúdo narrado.” (1987, p.33). É nessa prática pedagógica de interesse de formação incompleta de trabalhadores que constitui a educação, principalmente no caso brasileiro, em que a memorização, prática de exercícios de forma repetitiva e inquestionável, a verticalização da relação educador-educando “eu mando, você obedece”, além da leitura e da produção textual são totalmente desconectadas e acríticas.

Além disso, observa-se que as vivências reais dos alunos não são expostas dentro do contexto da aprendizagem. Cria-se apenas condições dadas que visam somente o preceito de “estudar para passar”, não existindo um sentido para conscientização e a construção de um pensamento para Além do Capital, uma vida dotada de saberes (técnicos e teóricos), fora do metabolismo social do capital, conforme sinaliza István Mészáros (2008, p.25). O pensamento tradicional, ou seja, voltado para formação para o mercado de trabalho e para internalização da ideologia dominante contribui para formação de um ser social alienado, estranhado e reificado para as formas de trabalho degradantes que se metamorfoseiam ao longo da história do capitalismo.

Nota-se o quanto não é obstante a relação dialética entre a fábrica e a escola. Ou seja, tudo que é ensinado na escola (e fala-se aqui de forma geral, escola com sua estrutura total) é bem semelhante a estrutura de uma fábrica. Como exemplo, podemos citar: horário de chegada, pausa para almoço, permissão para ir ao banheiro, grau de rotatividade de professores/funcionários e toda hierarquia contida nas duas instituições.

Com referência à educação, a costumeira defesa de uma escola subordinada e subserviente ao complexo econômico, de um processo formativo que eduque especificamente para a produção mercadológica, agora tecnificada, acaba se encaixando perfeitamente às pretensões dos atrasados empresários brasileiros e de seus pares estrangeiros. (SANTOS, 2017, p.127)


O aluno é inserido nesse tipo de sistema educacional, o qual vigora em nosso país e teve sua maior intensificação a partir dos anos 1960, principalmente após o golpe civil, militar e empresarial de 1964, possuindo um tipo de projeto educacional técnico/tecnicista que não valoriza o conhecimento, este fruto de sua própria construção do saber. Entretanto, nota-se que é um projeto adequado para as necessidades do imperialismo que a classe dominante retórica brasileira visava. Isto é o produto da educação profissionalizante que distancia o aluno da conscientização. Assim, a educação paulatinamente torna-se:

Um determinado nível de adestramento geral, básico, funcional à produção capitalista, quer a nível de uma educação elementar em ‘doses homeopáticas’, quer em sistemas escolares particulares do tipo Senai, Senac, Senar, etc; e uma produtividade resultante da desqualificação do trabalho escolar. (FRIGOTTO, 2010, p. 79-80)


É no cerne dessa educação de binômio taylorista/fordista que fragmenta e desumaniza o educando e o afasta de uma experiência de aprendizado que lhe proporcione um sentido e uma satisfação para sua vida, que crie consciência através de uma prática não alienante e uma relação amorosa e fraterna com o próximo, com o meio ambiente, além de prospectar uma vida dotada de experiências libertadoras, tendo tempo para o ócio, para produção artística e literária (entre outras formas) que o torne mais consciente e emancipada das amarras imposta pela lógica da educação bancária.

A imposição de uma educação de interesse da classe dominante quebra o laço humanístico do ser social. Apenas envolve para valores empresariais e a um nexo mercantilista que aprisiona a sociedade em mundo preenchido pela ganância e conveniência particular que propicia assim uma existência individualizada, sem a plena confiança ao próximo. Observa-se que, nesse sentido, mercantilizar as relações educacionais é moldar homens e mulheres para reprodução do capital. Esse tipo de educação não tem no seu cerne o amor no sentido Freiriano.

O amor é ao mesmo tempo o fundamento do diálogo e o próprio diálogo. Este deve necessariamente unir sujeitos responsáveis e não pode existir numa relação de dominação. A dominação revela um amor patológico: sadismo no dominador, masoquismo no dominado. Porque o amor é um ato de valor, não de medo, ele é compromisso para com os homens. (FREIRE, 1980, p.83)


A escola de binômio taylorista/fordista é a escola acrítica, não-histórica, que direciona a degradação da educação para implementação de um modelo que propõe o “utilitário” apenas fazer, sem qualquer questionamento. O ensino é voltado para que o aluno aprenda a ser mais produtivo, com menor tempo possível e sempre competindo com o outro. Esta lógica está tanto no ensino “profissionalizante” como nas escolas convencionais.


4. A Crise Estrutural do Capital: fatores para precarização da esfera do trabalho e da educação

O capitalismo em sua fase atual encontra-se em sua mais profunda crise tendo seu início na década de 1970. Logo, foi necessária uma série de modificações nas estruturas políticas, econômicas, produtivas e sociais para uma tentativa de reversão desse quadro crítico que se estabeleceu e teve novamente um nefasto pico de aprofundamento no ano 2008, que se alastrou por todo o mercado financeiro afetando as esferas produtivas, tendo em vista que o novo caráter do capital, depois dos anos 1980, está acoplado a estrutura da bolsa de valores.

Nota-se que, nos períodos pós-segunda guerra, o Estado obteve um papel de intervir na economia indo de encontro aos preceitos do liberalismo econômico para administrar a crise do capitalismo dos finais nos anos de 1920. O período ficou conhecido como keynesiano-fordista, em que as conquistas sociais foram mais benéficas à classe trabalhadora, como acesso à educação pública, saúde e aumento de salários, por exemplo. A política de Bem Estar-Social buscou uma conciliação de classes.


Pode-se dizer que, junto com o processo de trabalho taylorista/fordista, erigiu-se, particularmente durante o pós-guerra, um sistema de “compromisso” e de “regulação” que, limitado a uma parcela dos países capitalistas avançados, ofereceu a ilusão de que o sistema de metabolismo social do capital pudesse ser efetiva, duradoura e definitivamente controlado, regulado e fundado num compromisso entre capital e trabalho mediado pelo Estado. (ANTUNES, 2009, p.40)


Entretanto, observa-se diversos fatores que se desdobravam em um processo de rigidez desse modelo, cujo Estado e a estrutura produtiva indicaram para um desande de sua hegemonia tanto política como econômica, desembrulhando em um manancial de complicações do sistema capitalista.

Cabe agora, através de uma leitura de Ricardo Antunes (2009, p. 31-32) e István Mészáros (2010, P.69-70), salientar aspectos dessa crise estrutural do capital e dos fatores que evidenciam o esgotamento das políticas keynesianas e posteriormente destrinchar suas consequências sobre a esfera do trabalho e da educação. Indicaremos quatro elementos fundamentais para compreensão histórico-social desse período:

  1. Queda da taxa de lucro, dada, dentro de outros elementos causais, pelo aumento do preço da força de trabalho, conquistado durante o período pós-45 e pela intensificação das lutas sociais dos anos de 1960, que objetivavam o controle social da produção. A conjugação desses elementos levou a uma redução dos níveis de produtividade do capital, acentuando a tendência decrescente da taxa de lucro;

  2. O esgotamento do padrão de acumulação taylorista/fordista de produção (que em verdade era a expressão mais fenomênica da crise estrutural do capital), dado pela incapacidade de responder à retração do consumo que se acentuava. Na verdade, tratava-se de uma retração em resposta ao desemprego estrutural que então se iniciava;

  3. A crise do Welfare State ou do “Estado do bem-estar social” e dos seus mecanismos de funcionamento, acarretando a crise fiscal do Estado capitalista e a necessidade de retração dos gastos públicos e sua transferência para o capital privado;

  4. Incremento acentuado das privatizações, tendência generalizada às desregulamentações e à flexibilização do processo produtivo, dos mercados e da força de trabalho, entre tantos outros elementos contingentes que exprimiam esse novo quadro crítico.

É no bojo desses acontecimentos que há uma profunda modificação na economia e nas relações sociais, principalmente no que tange a esfera do trabalho e da educação. Pois, o capital a partir dos anos 1970 acopla-se a estrutura financeira para engendrar um processo que David Harvey (2008) denomina de “acumulação flexível”, isso como tentativa para superação dessa crise e/ou administrar seus efeitos, ou seja, na busca de retardar os entraves da acumulação de lucro e, consequentemente, da expansão do capital. Nesta lógica, nota-se a mercantilização, ou seja, a geração de mais-valor de setores que eram visto como “improdutivos” como o caso da educação.

Por seguinte, observa-se que a ideologia neoliberal, que agora permeia a economia e também a política, contribui fortemente para a burguesia pensar um processo de “modernização” da indústria, sendo feita a estruturação da empresa enxuta, flexível e altamente tecnológica, que, neste momento, com um maquinário mais autônomo e com a elaboração de métodos técnicos e administrativos que mistificam as bases da gestão de binômio taylorista/fordista para o enaltecimento do modelo Toyotista que desencadeia em uma significativa reestruturação da esfera produtiva e de uma ampliação da divisão do trabalho.

Todo esse movimento tem uma relação material-histórica, visto que:

Em outras palavras, houve uma diminuição da classe operária industrial tradicional. Mas, paralelamente, efetivou-se uma expressão do trabalho assalariado, a partir da enorme ampliação do assalariamento do setor de serviços; verificou-se uma significativa heterogeneização do trabalho, expressa também através da crescente incorporação do contingente feminino no mundo operário; vivencia-se também uma subproletariazação intensificada, presente na expansão do trabalho parcial, temporário, precário, subcontratado, “terceirizado”, que marca a sociedade dual no capitalismo avançado, da qual os gastarbeiters na Alemanha e o lavoro nero na Itália são exemplos do enorme contingente de trabalho imigrante que se dirige para o chamado Primeiro Mundo, em busca do que ainda permanece do Welfare State, invertendo o fluxo migratório de décadas anteriores, que era do centro para a periferia. (ANTUNES 2015, p.61)


É no cerne dessa complexidade que o trabalho modifica-se na sua morfologia, tornando-se cada vez mais mistificado pelas influências geradas pela administração empresarial, pois, agora, o uso de ferramentas mais tecnológicas, da internet e a operação de computadores cada vez mais complexos alteram profundamente as atividades.

Novos processos de trabalho emergem, onde o cronômetro e a produção em série e de massa são “substituídos” pela flexibilidade da produção, pela “especialização flexível”, por novos padrões de busca de produtividade, por novas formas de adequação da produção à lógica do mercado. (ANTUNES, 2015, p.34)


Essa organização empresarial que agora instala seus parques industriais nas periferias do mundo, em geral através da globalização, traz em seu bojo desregulamentações das legislações trabalhistas dos países (ou não permitem a construção delas ou criam aos moldes dos interesses da classe dominantes), ampliam as jornadas de trabalho, intensificam as atividades de homens e mulheres e consequentemente, proporcionam uma enxurrada de tendências aos adoecimentos da classe trabalhadora que, por exemplo, podemos citar os estresses, síndromes do pânico, LER (Lesão por esforço repetitivo) e até mesmo os suicídios. Ou seja, observa-se uma brutal precarização estrutural do trabalho em vasta escala, na chamada “Era da Informação”. Além da tendência ao desemprego estrutural gerado nos países do centro capitalista, por conta da migração das indústrias para os países da “periferia” do sistema.

Mostra-se, agora, com as modificações na economia que a esfera do serviço se amplia demasiadamente e a informatização engendra nesse setor, proporciona os trabalhos de caráter part-time, terceirizados e precários da área do telemarketing, a título de exemplo. Cujo trabalho de Simone Wolff presente no livro Infoproletários (2009) tem uma profunda e qualitativa análise para desvendar o complexo efeito dessa nova morfologia do trabalho que se instala no Brasil, a partir dos anos 90 e que ganha um significativo espaço.

Essa é a grande novidade trazida pela tecnologia digital: a possibilidade de se manipular e transformar informações tal como outrora se fazia com matérias-primas de dimensão material, o que permite ao capitalismo de hoje transformar e explorar mercadorias não só no plano material, mas também no imaterial. Esse novo tipo de exploração caracteriza um processo de mercadorização da informação, que implica em sua reificação expressa na forma de dados. Estes nada mais são do que o resultado do tratamento e organização de uma miríade de informações com vistas a deixar insculpidas, no resultado final, apenas aqueles voltados para finalidades mercantis. É assim que a inovação – seja de processos, produtos e serviços, ou em publicidade – se tornou a principal estratégia competitiva das grandes empresas no atual contexto econômico. (WOLFF, 2009, p. 90)


É na essência dessa lógica da “flexibilidade”, da empresa enxuta e do Toyotismo, que há uma necessidade de formação e desconstrução de um fundamento político/ideológico do trabalho e da produtividade aos moldes da produção de binômio taylorista/fordista, pois agora com os avanços tecnológicos, concentrados pelo capital, carece de uma nova força de trabalho que maneja essas tecnologias da informação, entretanto com as bases do antigo sistema de gestão do trabalho mantido e mistificado. É desse ponto de partida que os impactos da crise estrutural do sistema capitalista modificam a esfera da educação.

Torna-se muito atual as palavras de Aníbal Ponce:

Não é necessário dizer que a educação imposta pelos nobres se encarrega de difundir e reforçar esse privilégio. Uma vez constituídas as classes sociais, passa a ser um dogma pedagógico a conservação, e quanto mais a educação conserva o status quo, mais ela é julgada adequada. Já nem tudo o que a educação inculca nos educandos tem por finalidade o bem comum, a não ser na medida em que “esse bem comum” pode ser uma premissa necessária para manter a e reforçar as classes dominantes. Para estas, a riqueza e o saber; para as outras, o trabalho e a ignorância. (PONCE, 1998, p. 28)


Assim, pondera as teorias organizacionais da moderna gestão de pessoas que priorizam o “capital humano” para exercer atividades com suas competências: conhecimentos, habilidades, atitudes e julgamento; como a literatura administrativa apresenta os caminhos para esse colaborador (para usar o linguajar burguês). É necessário serem empreendedores de si, além de trabalharem com dedicação e proatividade. E carecem incessantemente de uma capacitação aos moldes das exigências do mercado de trabalho, ou seja, sempre algo muito abstrato.

Fica então indispensável a citação de Gaudêncio Frigotto para analisar essa realidade invertida que a economia neoliberal - “teoria do desenvolvimento” - e a educação de caráter empresarial - “teoria da educação” − tenta internalizar sobre a classe trabalhadora e seus filhos.

Quanto ao primeiro sentido – teoria do desenvolvimento – concebe a educação como produtora de capacidade de trabalho, potenciadora de trabalho e, por extensão, potenciadora da renda, um capital (social e individual), um fator de desenvolvimento econômico e social. Quanto ao segundo sentido, ligado ao primeiro – teoria da educação – a ação pedagógica, a prática educativa escolar reduz-se a uma questão técnica, a uma tecnologia educacional cuja função precípua é ajustar requisitos educacionais a pré-requisitos de uma ocupação no mercado de trabalho de uma dada sociedade. Trata-se da perspectiva instrumentalista e funcional da educação. (FRIGOTTO, 2010, p.26)


Em seguida, Frigotto complementa: “A teoria do capital humano representa a forma pela qual a visão burguesa reduz a prática educacional a um “fator de produção”, a uma questão técnica.” (FRIGOTTO, 2010, p.29).

A escola da Era da Informação, idealizada pela classe dominante, permanece com a lógica para subordinar as massas a sua prerrogativa, em que toda a prática pedagógica é voltada para o enaltecimento da individualização, meritocracia, hard work, proatividade, entre outros caráteres que a organização enxuta, flexível e de alta tecnologia emana e tenta mistificar a extração do máximo da mais-valia, além de jogar todas as contradições inerentes ao sistema do capital sobre aqueles que vivem da venda da força de trabalho. Vê-se, no discurso do empresariado, que somente a pessoa que se esforça e busca uma melhor educação pode sobreviver aos efeitos da crise, possa ser empreendedor de si e conseguir melhores colocações no mercado, onde a “crise é local de oportunidade”.

Na atual conjuntura, vemos que o capital mercantiliza a esfera educacional em larga escala, apropriando-se dos conhecimentos e modelando uma forma de saber, a qual é de interesse exclusivo de uma parcela que detém os meios e ferramentas de produção. A oligopolização dos mercados, uma característica de nosso atual quadro econômico, propicia a criação de grupos financeiros interessados na concentração, acumulação e reprodução do capital, cujos discursos educacionais (empresariais) com slogans como: “Todos pela Educação”, “Somos Éticos”, “Educar para Vencer”, propagam a nebulosa ideia de uma educação flexível, a custos acessíveis e qualifica para uma maior facilidade de entrada no mercado de trabalho (formal). Notamos em nossa investigação que isto é uma forma pela qual o capital cria distorções da realidade, através de mecanismo como o marketing e a propaganda para melhor vender suas mercadorias, alcançando o máximo de clientes em um curto espaço de tempo e proporcionando assim um aumento substancial de lucratividade.


5. Retração do mercado de trabalho a falácia da empregabilidade

Produz-se, então, a crença de que o progresso técnico não só gera novos empregos, mas exige uma qualificação cada vez mais apurada. De outra parte, enfatiza-se a crença de que a aquisição de capital humano, via escolarização e aceso aos graus mais elevados de ensino, se constitui em garantia de ascensão a um trabalho qualificado e, consequentemente, a níveis de renda cada vez mais elevados. (FRIGOTTO, 2010, P.38)


Encontra-se um manancial de complexidades, a qual a crise econômica insere nebulosas falas sobre a realidade para a manutenção de uma parcela em hegemonia no poder. Sobre a classe trabalhadora, observamos uma heterogeneização, cujo labor de caráter precário, intermitente, com baixo salário e com profundos traços de alienação tornam-se bastante evidentes.

Ricardo Antunes (2018, P.76) aponta quatro elementos que caracterizam o cenário atual do que ele vem chamando em suas pesquisas de uma nova morfologia do trabalho.

  1. A erosão do trabalho contratado e regulamentado, dominante no século XX, e sua substituição pelas diversas formas de trabalho atípico, precário e “voluntariado”;

  2. A criação das “falsas” cooperativas, visando dilapidar ainda mais as condições de remuneração dos trabalhadores, solapando os seus direitos e aumentando os níveis de exploração da sua força de trabalho;

  3. O “empreendedorismo”, que cada vez mais se configura como forma o oculta de trabalho assalariado, fazendo proliferar as distintas formas de flexibilização salarial, de horário, funcional ou organizativa;

  4. A degradação ainda mais intensa do trabalho imigrante em escala global.

Nota-se que obtemos modificações da esfera do labor, em que o capital, com seus discursos como do capital humano, tenta validar uma realidade ao seu interesse, tendo em vista esse processo em escala global de retração dos empregos formais, com suas mínimas seguridades legislativas e plenas condições para a classe trabalhadora e seus filhos(as). Para engendrar a lógica de uma educação salvadora que irá melhorar todas as condições adversas de nossa atualidade, e por demais, cabe o indivíduo buscar sua própria qualificação, pois se não, irá tornar-se ultrapassado e sem emprego, segundo a lógica do sistema capitalista em tempos hodiernos.

  1. A flexibilidade inflexível

Nesse ponto, com uma vasta ampliação do uso das tecnologias digitais nos meios educacionais, vemos que o método pedagógico de estudo é remodelado, ou seja, modifica-se alguns aspectos das chamadas “competências básicas” que educando deve ter e assim enaltecendo uma capacitação que através do uso demasiado da tecnologia, da internet e da troca de informações com tutores irá trazer um destaque maior em seu currículo (igual ou superior aos cursos presenciais) e que isso facilitará a inserção dos mesmos ao mercado de trabalho, pois estará com mais “capacidade” do que os outros.

Essa flexibilidade é um discurso que se distancia da realidade que interessa a uma educação libertadora e com pensamento crítico, visto que apenas busca uma subordinação das novas gerações de educando na operação desse maquinário informacional, adquirindo certo conhecimento parcelar e ainda fragmentado dos currículos reformulados para o mercado. Pois, aparenta que o objetivo/método utilizado se assemelha a uma certificação de caráter ISO (Internacional Organization for Standardization), tão semelhante as utilizadas das empresas de telemarketing para padronização e conservação de um status de Qualidade Total para esse tipo de educação virtual, visto que os alunos precisam cumprir uma determinada carga horária de trabalhos, visitas ou não aos polos, execução de provas, entre outras atividades. Além disso, o educando está sendo monitorada pelos softwares que conseguem regular sua frequência de acessos na plataforma, nos fóruns de debate, quantos vídeos assistiu e se leu os e-mails. Vê-se que é uma forma muito mais arquitetada de controle da educação, de sua qualidade e de subordinação de uma massa de jovens a conteúdos que estão sistematizados para absorção de uma ideologia que visa sempre a manutenção da ordem vigente, assim como a reprodução inquestionável de suas problemáticas.

É no cerne desse acontecimento que a educação de caráter tecnológico (à distância ou com uso demasiado de tecnologias da informação) tira a importância da relação professor/aluno e propicia uma tendência nefasta ao desemprego em grande escala. E que não obstante, também, reifica os alunos a máquina, tendo como centralidade os conhecimentos embutidos na tela do computador e que as experiências vividas pelo educando, em suas relações com os meios sociais, são totalmente desconsideradas na prática pedagógica. Este movimento é característico das relações capitalista de produção que está calcada na fragmentação e na concorrência das classes. Observa-se que a classe trabalhadora não detém mais os meios de produção e suas ferramentas; já na educação a mesma classe não pode deter os meios de conhecimentos e nem formulá-los a partir de suas experiências. Uma clivagem que se torna mais complexa com as metamorfoses do capitalismo.

Logo, o que Paulo Freire expõe no livro Conscientização (1980, p.62) torna-se evidente dentro desses acontecimentos: “Ser silencioso não é não ter uma palavra autêntica, mas seguir as prescrições daqueles que fala e impõem sua voz”. Os chamados homens de negócios cada vez mais impõe suas vozes através das mídias sociais, através da “reforma curricular” que busca moldar alunos empreendedores, e também através da mídia convencional que aliena e silencia brutalmente as massas.

O aluno nessa estrutura ISO da educação está seguindo as prescrições da classe burguesa, pois deve seguir uma rotina flexível em estar conectado por uma determinada carga horária, cumprindo uma quantidade determinada de atividades e entregando uma série de trabalhos dentro de um prazo estipulado. Identifica-se que há uma padronização a ser seguida que de forma mistificada não é obstante da educação formal, presencial, cujo aluno exerce uma série de tarefas amarradas a um regimento direcionado pela hierarquia institucional, ou seja, do que o professor, coordenador e diretor mandam.

Agora, a máquina é quem faz essa intermediação, disparando um e-mail para todos os seus aparelhos que estão conectados a internet para alertar sobre seus afazeres. Isto é uma modernização da educação, mas que na verdade é um brutal controle individual, uma vez que agora não há uma pessoa fazendo essa tarefa, coisa que existe uma limitação estrutural. Entretanto, uma máquina e um conjunto de dados criados por trabalhadores ligados a tecnologia da informação, podem sim monitorar e educar a todo instante a informações que eles prescrevem. Isto conduz a uma formação dentro das necessidades do capital.

Portanto, a flexibilidade é inflexível. Mostrando aspectos contraditório, cujo discurso do marketing, da propaganda, da chamada pós-modernidade, da falsa esperança na inserção ao mercado formal de trabalho faz com que a produção educacional seja alterada profundamente, através das tecnologias da informação, visando somente taxas de lucratividades para superação da crise do sistema do capital, além de uma educação rasa e limitada a reproduzir a ordem vigente. Um tipo de educação que almeja formar somente um contingente de precarizados da Era Informação.

  1. A reificação do educando: o primeiro estágio de alienação através da educação empresarial

O conhecimento que vem sendo estruturado a partir das modificações existentes no cenário econômico e da produtividade molda o tipo de educação de caráter parcial, fragmentado, de interesse exclusivo para a criação da cultura do silêncio, ou seja, um modo de opressão, cujo objetivo é minimizar e subordinar o pensamento dos estudantes como se não houvesse uma alternativa a ordem vigente que definha por dentro, em sua crise estrutural. Esse novo projeto, que agora vem mostrando suas faces, conserva os interesses da classe dominante e dentro dessa lógica do capital humano, da Qualificação Total, do hard work, da meritocracia que envolve toda essa Pedagogia Empresarial.

Com o tópico flexibilidade inflexível apontado anteriormente, foi possível descrever alguns elementos que constituem o esqueleto da nova formação para o contraditório mercado de trabalho, cuja empresa enxuta, flexível e de alta tecnologia necessitava de uma força de trabalho qualificada e subordinada para estrutura do trabalho cooperativo, sobre metas e com proatividade, trabalho o qual, nessa Era da Informação, é completamente intensificado e precário. O capital, através de uma reformulação dos métodos existentes, de caráter taylorista/fordista, mistifica suas bases e as tornam ainda mais especializadas para extração do máximo da mais-valia, tendo em vista um cenário de crise estrutural do capital, que, para sua superação, é necessário gerar uma maior quantidade de trabalho não pago em lucro.

Nota-se que, com o uso demasiado da tecnologia, existe uma simplificação do acesso ao conhecimento, em que o educando pode educar-se, criando uma falsa ilusão de autonomia. Com o uso das plataformas e a internet, na visão dos burgueses que buscam a mercantilização da educação, o aluno poderá colher as informações necessárias para aprovação em algum exame de vestibular ou qualificar-se de forma rápida para o mercado, tendo em vista cursos profissionalizantes de curta carga horária. Entretanto, questionamos profundamente essa simplificação da vida educacional começando por um ponto crucial: Quem produz esses materiais que os alunos estão acessando via internet?

Não é uma pergunta com uma simples resposta, é necessária uma investigação metodológica mais profunda para compreender esse processo, mas que, a produção desses materiais parece um tanto quanto mistificada e nebulosa nessa Era da Informação, trazendo um primeiro estágio de alienação ao ser social.

Nesta investigação, em diálogo com a literatura existente e a tentativa de compreender as problemáticas da atual conjuntura da educação e do mercado de trabalho, parece que esta alienação é fruto de um processo, o qual o aluno altamente reificado à tela do computador e influenciado pelo discurso de qualificação total e sua busca pelo seu primeiro emprego, faz com que ele dialogue com uma educação não sistêmica, acrítica, e não-histórica, que não condiz com sua realidade, ou seja, dando caminhos para que esse educando veja a realidade do lado avesso, aos olhos daqueles que querem conservar os interesses da propriedade privada.


Esta efetivação do trabalho aparece ao estado nacional-econômico como desefetivação Entwirklichung, a objetivação como perda do objeto e servidão ao objeto, a apropriação como estranhamento Entfremdung, como alienação Entäusserung. [...] Sim, o trabalho mesmo se torna um objeto, do qual o trabalhador só pode ser apossar com os maiores esforços e com as mais extraordinárias interrupções. (MARX, 2010, p.80-81)


Logo, a educação de caráter empresarial (mas que também atinge gradativamente a educação pública) propicia um manancial de contradições que são inerentes ao sistema do capital. O aluno internalizado por essa lógica fica em sintonia com as experiências que o capital produz, ou seja, quanto mais ele está conectado parece que se desconectada da realidade, está sendo desumanizado, pois a alienação vai se tornando cada vez mais profunda e aguda.

O aluno fica em contato com conteúdo, os quais não o preparam criticamente para analisar problemas reais da sociedade em que vivemos. O que é de fato necessário (na visão dos intelectuais do retrocesso) é que o aluno pense para gerenciar e propor soluções para as problemáticas do capital. O tipo de material que ele está exposto não procede a um tipo de qualidade real, pois muitas vezes são cópias da cópia, ou seja, fraudes de internet expostas sem nenhuma revisão acadêmica com coerência teórica e metodológica. Ou melhor, dizendo: é apenas dado um receituário a ser seguido à risca sem menor questionamento por parte do aluno e por parte de instituições que aderem a essa lógica da educação empresarial.

É no cerne desse processo que há uma gradual transformação da figura do professor em uma mera coisa, um apêndice da máquina, algo sem sentido para a educação, dado que as tecnologias da informação são o centro das atenções na formação, no capitalismo contemporâneo, trazendo como discurso de sustentação as falácias da “pós-modernidade” e do “fim da história” somente para internalização ainda mais profunda de uma realidade capitalista. Pois a lógica do capital como Marx aponta é: “[...] apenas da sucção de trabalho vivo, e vive tanto mais quanto mais trabalho vivo suga.” (MARX, 2013, p.307)


6. Considerações Finais

Por fim, apresentamos nesse ensaio uma tentativa de apontar algumas modificações existentes tanto da estrutura escolar (principalmente da sua parte política/ideológica) como da esfera do labor.

Com a consolidação do sistema capitalista de produção, observa-se grandes modificações no mundo do trabalho, em que a Revolução Industrial trouxe um avanço da maquinaria para as manufaturas, além da formulação de métodos da gestão do trabalho que fragmentaram consideravelmente o labor de homens e mulheres na constituição das mercadorias, ou seja, há uma simplificação técnica e teórica de certas atividades.

A educação utilitária e profissionalizante foi acoplada à estrutura formal da escola para formação dos filhos da classe trabalhadora (muito diferente da formação dos nobres e burgueses, que devem estudar para serem homens de negócios, gerentes e políticos, não para fazer parte da turba que vive da venda da força de trabalho). Um tipo de educação parcelar, fragmentada, sem pensamento crítico. Sua função é apenas saber o básico e ser aplicável nas manufaturas para execução de atividades da melhor maneira, no menor tempo possível, como emana a lógica do labor nesse período histórico analisado.

Não obstante, a partir da década de 1970, observa-se uma crise estrutural do sistema do capital (como aponta István Mészáros e Ricardo Antunes). Obtemos uma modificação profunda na economia e nas indústrias (principalmente no ramo automotivo), que, para sua superação, lança seus parques produtivos para os países periféricos como a América Latina, Ásia e para o Leste Europeu buscando baixar seus custos de produção, tendo em vista uma quantidade de matérias primas e força de trabalho em vasta escala estruturando uma nova feição do imperialismo capitalista. Observamos que há uma ampliação da esfera de serviços, o qual o capital através desse meio visa novos mercados para superação de sua crise e aumento das suas taxas de lucros, mercantilizando novos seguimentos, assim engendrando sua lógica da concorrência e da precarização das classes que vivem do labor.

É no bojo dessas modificações causadas pela crise nos anos 70 e que, em 2008, também teve mais um pico de agravamento do quadro, que gradativamente obtemos a materialização da empresa de caráter enxuta, flexível e de alta tecnologia em alguns setores. Assim, a estrutura escolar de caráter público tornou-se (segundo os discursos apresentados pela classe dominante e que visavam mercantilização desse seguimento) ineficaz para a formação da classe trabalhadora para as alterações no mercado de trabalho. Nota-se que mutações existentes depois da instalação dos métodos administrativos flexíveis, em que o Toyotismo é um expoente, obtemos um quadro de redução do proletário fabril médio de binômio taylorista/fordista, para dar lugar ao colaborador proativo, multifuncional, precariado e propício a adversos adoecimentos da “Era da Informação”, para usar algumas denominações burguesas.

É necessária uma formação contínua, parcelar, porém de forma mistificada, nebulosa e oculta, pois com a introdução das “tecnologias da informação” na esfera educacional, fruto do avanço para a pós-modernidade, obtemos uma precarização estrutural da educação, tanto pública como privada, com raras exceções, em que observamos um quadro de tendências ao desemprego e coisificação da figura do professor, ou seja, o profissional que ensina, agora é uma mera ferramenta da máquina, não obstante do atual cenário que se encontra nas fábricas.

Sendo assim, achamos pertinente o levantamento de elementos os quais configuram as problemáticas de nossa atual conjuntura educacional em paralelo com o mundo do trabalho, cujo estado de alienação nos parece ainda mais intensificado e agudizado com o engendramento das tecnologias da informação, essas que se mostram muitíssimo inflexíveis em diversos pontos, e tentam através do discurso, da propaganda, das falsas teorias que venham aglutinar mais educandos. E que também mostrasse contraditória quando se expõe análises sobre a qualificação e o mercado de trabalho, tendo em vista que esse encontra-se em uma nefasta crise nos tempos atuais.

7. Referências bibliográficas:

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ANTUNES, Ricardo. O privilégio da servidão: o novo proletariado de serviços na era digital. 1. Ed. São Paulo, 2018.

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ARROYO, Miguel G. Outros sujeitos, outras pedagogias. 2. Ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2014.

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FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 17. Ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987

FRIGOTTO, Gaudêncio. A produtividade da escola improdutiva: um (re)exame das relações entre educação e estrutura econômico-social capitalista. 9. Ed. São Paulo: Cortez, 2010.

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MARX, Karl Manuscritos econômicos-filosóficos. Trad. Jesus Raniere. São Paulo: Boitempo, 2010.

MARX, Karl O capital: crítica da economia política, Livro I: o processo de produção do capital. São Paulo: Boitempo,2013

MÉSZÁROS, István. A educação para além do capital. 2. Ed. São Paulo: Boitempo, 2008.

MÉSZÁROS, István. Atualidade histórica da ofensiva socialista: uma alternativa radical ao sistema parlamentar. São Paulo:Boitempo, 2010.

MÉSZÁROS, István. A crise estrutural do capital. 2. Ed. São Paulo: Boitempo, 2011.

PONCE, Anibal. Educação e luta de classes. 16. Ed. São Paulo: Cortez, 1998.

SANTOS, Deribaldo. Educação e precarização profissionalizante: crítica à integração da escola com o mercado. São Paulo: Instituto Lukács, 2017.

WOLFF, Simone. O “trabalho informacional” e a reificação da informação sob os novos paradigmas organizacionais. In: ANTUNES, Ricardo; Braga, Ruy (Org). Infoproletários: degradação real do trabalho virtual. São Paulo: Boitempo,2009. P.89-112

* Artigo recebido em: 29 de outubro de 2019. Aceito em: 17 de abril de 2020

* Universidade Veiga de Almeida, [Cabo Frio], [RJ], Brasil. Graduando em administração pela Universidade Veiga de Almeida (UVA). Autor correspondente. e-mail: evandro_ribeiro01@hotmail.com

* A Era da Informação é muito citada por autores da administração empresarial como Peter Drucker e Idalberto Chiavienato, que partem do pressuposto que com o avanço das “tecnologias da informação” foi possível a consolidação da “globalização” da economia capitalista e com a introdução dos mesmos aparatos na industrial e em toda a vida social o capital deixa de ser o mais importante e o “conhecimento” é o que difere as pessoas e as classes sociais. Na visão dos autores o salto tecnológico permite a eliminação da alienação do trabalho e da exploração. Este é um discurso feito pela classe dominante para consolidar seus interesses particulares em continuar seu enriquecimento.

* Negando a relação Trabalho e Campo e suas formas educacionais existentes nas sociedades pré-industriais. Conferir Anibal Ponce – Educação e Luta de Classes (1998).

Em o Capital, volume 1, Marx utiliza-se do exemplo das fábricas de transporte da época, ou seja, carruagens para exemplificar como a divisão social do trabalho fragmentava o trabalho de homens e mulheres nas indústrias.

A inspiração dessa argumentação vem de um artigo do professor Ruy Braga em Infoproletários (2009). Ele faz uma análise sobre o processo de modificação existente nas organizações industriais da França em comparação com as crescentes Centrais de Teleatividades (CTAs) aqui no Brasil. Assim notamos que o método de intensificação do trabalho advém também de uma nova formação da classe trabalhadora, tendo em vista a inserção de uma nova geração de jovens operários, com formação diferente as dos pais, ou seja, não mais de caráter técnico-profissionalizantes. Agora evidencia-se a educação “polivalente”, “multifuncional”, ou seja, a Pedagogia Empresarial. Indicamos a leitura das páginas: 65 a 73.

O conceito de Precariado advém da leitura de Infoproletário (2009) entre outras obras dos professores Ruy Braga e Ricardo Antunes, cujo sentido do termo é mostrar que há um contingente de força de trabalho que vive sem direitos trabalhistas, com baixos salários, horários incertos, em condições precárias e sofrendo profundos traços de alienação em seus trabalhos.