DA DOMINAÇÃO IMPERIALISTA À RESPOSTA SOCIALISTA: UM PANORAMA DA RELAÇÃO CUBA – EUA1


FROM IMPERIALIST DOMINATION TO SOCIALIST RESPONSE: AN OVERVIEW OF THE CUBA-US RELATIONSHIP


PURL: http://purl.oclc.org/r.ml/v6n1/a5


Janderson Carlos Locatel de Souza2


Resumo: O presente artigo tem por pretensão realizar um panorama da relação entre Cuba e o EUA, procurando apontar suas transformações ao longo do século XX e início do XXI. Buscaremos observar a transição de uma relação de caráter neocolonial imperialista, dos EUA em relação à Cuba, para uma relação altamente conflituosa e de oposição de visões/perspectivas de mundo, inserido no contexto da Guerra Fria. Além disso, iremos investigar a que nível a Revolução Cubana alterou a relação entre os dois países e a que nível, por outro lado, a relação com os Estados Unidos influenciou o desenvolvimento do processo revolucionário cubano. Por fim, daremos atenção para as consequências da dissolução do bloco soviético para Cuba e a configuração da relação com os estadunidenses no fim do século XX e nas primeiras décadas do XXI.

Palavras-chave: Relação Cuba-EUA, conflito, neocolonialismo, imperialismo, Revolução Cubana.



Abstract: This article aims to provide an overview of the relationship between Cuba and the USA, seeking to point out its transformations throughout the twentieth and early twenty-first centuries. We are going to try to observe the transition from an imperialist neo-colonial relationship, of USA to Cuba, to a highly conflicting and opposing relationship of worldviews/perspectives, inserted in the Cold War context. In addition, we will investigate at what level the Cuban Revolution changed the relationship between the two countries and at what level, on the other hand, the relationship with the United States influenced the development of the Cuban revolutionary process. Finally, we will pay attention to the consequences of the dissolution of the Soviet bloc to Cuba and the configuration of the relationship with the Americans at the end of the twentieth century and the first decades of the 21st.

Keywords: Cuba-US relationship, conflict, neocolonialism, imperialism, Cuban Revolution


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1. Cuba e Estados Unidos da América (EUA): a fase do imperialismo neocolonial


Ao fim do século XIX, após a Guerra Civil, o EUA inicia um processo de grande expansão econômica e passa a ampliar sua influência pela América Latina. Inspirado pela Doutrina Monroe3 e guiado pelos interesses econômicos incipientes, o país começa a buscar ter uma inserção maior na economia de seus vizinhos, além de se atribuir o direito de intervir unilateralmente nos assuntos internos de muitos países latino-americanos sobre o pressuposto de estar garantindo a ordem interna e combatendo a influência dos europeus sobre o continente americano. Conforme afirma Abel Enrique Santamaría (2003), a penetração imperialista estadunidense na região instaurou uma estrutura socioeconômica dependente, em que aos países latino-americanos se atribuiu a condição de importador de mercadorias manufaturadas e de exportador de alimentos e matéria prima.

Esse processo de expansão econômica estadunidense também se manifestou em Cuba em fins do século XIX, o EUA vinha projetando uma gradual penetração na economia cubana, comprando terras e concentrando produções açucareiras e engenhos, além de estreitar relações com as elites do país. “Essa penetração começa abrindo uma brecha no pacto colonial exclusivo, [...] e torna-se um predomínio patente em 1880” (FERNANDES, 1979, p. 38). Por fins do século, a penetração econômica estadunidense em Cuba era tamanha que a anexação do país ao seu escopo de influência e dominação se tornou uma ambição política e econômica para os Estados Unidos, viabilizando a desejada modernização capitalista da produção açucareira cubana.

Os interesses estadunidenses pela ilha não se limitavam somente às questões econômicas, eram, igualmente, interesses estratégicos. Além da proximidade territorial de Cuba com o EUA, a posse da ilha poderia garantir a segurança das rotas do Golfo de México e possibilitar a defesa do canal interoceânico que os Estados Unidos pretendiam construir no Panamá (BANDEIRA, 1998).

Após um período de 30 anos de conflitos e duas guerras, em 1898 Cuba consegue conquistar a independência da Espanha. Contudo, o anseio da vanguarda do movimento de independência de construir um país autônomo e soberano acaba sendo frustrado pela ação do EUA, que altera o desfecho do processo de libertação.

O grupo que assumiu a liderança da luta por independência em 1895 buscava a completa independência do país, repudiando qualquer ideia de anexação ou submissão ao EUA. Entretanto, a crescente inserção econômica e os interesses acima citados fizeram com que o governo estadunidense intervisse na guerra de independência em um momento em que a vitória das forças de libertação estava próxima de se concretizar, sob o pretexto de que o afundamento do navio de guerra estadunidense Maine em praias cubanas se consistia em um ato de guerra da Espanha contra o país. Tendo vencido a guerra, o EUA exclui Cuba das negociações e decide que as tropas estadunidenses permaneceriam no território em conjunto com o Governador Provisório até a eleição de um novo presidente, que ocorre em 1902. Contudo, antes de deixar a ilha o governo estadunidense impõe à constituição cubana a “Emenda Platt”; lei que garantia ao EUA intervir em Cuba sempre que se mostrasse “necessário”, no sentido de “preservar a independência cubana” e “proteger a vida, a propriedade e a liberdade individual”. Além disso, essa lei dizia que Cuba deveria vender ou alugar terras aos Estados Unidos para a extração de carvão.

O sociólogo Florestan Fernandes (1979) escreve que a intervenção dos Estados Unidos no processo de independência buscou impedir a conquista da autonomia político-econômica plena de Cuba, mantendo quase intacta as estruturas coloniais prévias. Para esse processo de frustração da revolução nacional, o EUA contou com auxílio de boa parte da elite cubana, pois, para esse substrato da sociedade a permanência dessas estruturas se constituía em uma garantia de concentração de riqueza, prestígio social e de exercício de poder.

Os Estados Unidos, ao garantir a consolidação de estruturas sociais, econômicas e políticas muito próximas das coloniais, forjava uma nova relação com Cuba; uma relação neocolonial envolta por interesses imperialistas. Essa relação configurou no cenário político uma submissão quase completa às vontades e demandas estadunidenses, no cenário social a permanência das velhas elites coloniais em posição de dominação e no campo econômico uma economia altamente dependente do consumo estadunidense e centrada na produção de açúcar. Tal era a dependência econômica, que o EUA controlava após a independência 90% das minas, 50% das terras, 67% das exportações e 75% das importações (SADER, 1992). A proximidade territorial e o dinamismo econômico que o EUA impôs a Cuba transformou sua economia em uma feitoria agroindustrial moderna e em um Estado satélite dependente (FERNANDES, 1979).

Florestan Fernandes descreve, de maneira excelente, as características da forma de dominação que o EUA impõe sobre Cuba após a independência:


Esse novo colonialismo não passava pela dominação centralizada aos níveis econômico, cultural e político. Ele se fundava em controles indiretos, criados pelos mecanismos de mercado e do desenvolvimento capitalista ou pelos dinamismos da incorporação e da satelização. Desse ângulo, Cuba foi convertida em apêndice segmentar e especializado dos Estados Unidos. É certo que a economia arrastava e dirigia esse imenso processo de modernização, que ia da tecnologia à educação formal, à ideologia dominante e à organização do estado. Em todas as esferas prevaleciam controles indiretos e descentralizados, operados à distância: a órbita nativa funcionava como cadeia de transmissão e, com frequência, de execução. [...] O projeto político imanente a essa modalidade de colonialismo transcende às operações econômicas: ele é um projeto político global e funda-se na mais egoísta determinação de consolidar supra nacionalmente o poder imperial. O polo dominado não existe em si e para si; ele constitui uma função das necessidades, das vantagens e da grandeza do centro hegemônico. A pátria e a civilização não ficam em suas fronteiras, mas no coração do núcleo imperial (FERNANDES, 1979, p. 42-43).


Os Estados Unidos a partir de sua relação próxima com as elites cubanas conseguiram propiciar o suporte material, ideológico e político para estabelecer de forma estável sua dominação. Os esforços da classe dominante cubana em conjunto com o EUA pela manutenção da antiga estrutura colonial e pela contenção dos avanços revolucionários lhes garantiam benefícios mútuos, uma vez que permitiam o aprofundamento da situação neocolonial ao mesmo tempo que viabilizava a modernização capitalista, em uma relação extremamente dependente (FERNANDES, 1979).

O país chegou a escoar 92% de toda exportação de açúcar de Cuba. A partir de trusts o EUA concentrou grande parte da indústria açucareira cubana. O investimento estadunidense na economia cubana provocou profundas transformações na indústria açucareira, alterou a organização, a escala produtiva, o transporte, a comercialização, a exportação, os controles de mercado e a especulação financeira (FERNANDES, 1979). Esse cenário demonstra que a modernização, o desenvolvimento capitalista e o colonialismo caminhavam juntos no país.

Por meio da concentração da produção nos grandes latifúndios e do monopólio do refinamento pelas empresas estadunidense, sufocou-se qualquer possibilidade de desenvolvimento econômico independente em Cuba. O neocolonialismo moldou a economia do país enquanto produtora quase que exclusivamente de açúcar – a diversidade de culturas não estava entre os interesses estadunidenses – e totalmente dependente do mercado da “nova metrópole”, o EUA.

A situação neocolonial de Cuba frente ao EUA gerou grandes contradições no país. Ele apresentava, na década de 1950, indicadores econômicos equivalentes aos países latino-americanos mais desenvolvidos e, até mesmo, de alguns países com capitalismo mais avançado. Cuba, em concorrência com os outros países da América Latina, ocupava o sétimo lugar na importação de tratores, o primeiro em relação ao número de aparelhos televisores, o sexto em relação ao número de jornais publicados, o quarto em número de rádio e salas de cinemas, já no ranking mundial, Cuba ocupava o sexto lugar em relação à média de carros por habitantes. Por outro lado, apresentava indicadores sociais bastante ruins. O país apresentava apenas 65% de sua população trabalhando em condições formais, 14% possuíam subempregos e 16% da população estava desempregada, além disso, 24% da população cubana era analfabeta (AYERBE, 2004). Esses indicadores mostram o nível de desigualdade social e de concentração de renda que se fazia presente em Cuba naquele período.

O imperialismo neocolonial estadunidense conservou muitas das velhas estruturas coloniais e não permitiu que o propósito dos revolucionários de construir uma nação soberana e independente se concretizasse. Contudo, a frustração de uma verdadeira independência fez com que a luta pela libertação nacional fosse algo que tivesse permanecido vivo nos corações de muitos cubanos, algo que se fazia necessário de ser realizado através da superação do modelo neocolonial que havia se estruturado. “A desilusão com o desfecho será fator essencial na formação de uma singular consciência nacionalista, que passa a reivindicar uma terceira guerra emancipatória, desta vez contra os Estados Unidos” (AYERBE, 2004, p. 27).

As tensões sociais aumentaram com o passar dos anos. Corrupção, violência, desigualdade social, intervenções militares e ditaduras, levaram a uma crescente insatisfação popular. O desejo de uma real libertação nacional, que livraria Cuba da submissão em relação ao EUA, levou a muitos cubanos se organizarem e formarem grupos que buscavam a realização desse desejo.


2. A revolução cubana: transformação da relação e explosão dos conflitos

Em 1952 aconteceu mais um episódio de instauração de uma ditadura em Cuba, desta vez quem irá protagonizar a tomada do poder será Fulgêncio Batista, um oficial do exército que, ironicamente, havia ajudado a derrubar o último ditador em 1933, Geraldo Machado. Fulgêncio é, mais tarde, eleito presidente da República Cubana; seguindo a tradição política do país, seu governo é envolto por corrupção e subordinação ao EUA. Em meio a esse cenário, nas eleições de 1952 o setor opositor se fortalece e ganha uma crescente adesão da população, levantando a bandeira de moralização e soberania nacional. Vendo a possibilidade de vitória da oposição, Fulgêncio aplica um golpe e se mantém no poder. A partir desse momento, grupos de oposição formam-se no intuito de instaurar um processo revolucionário que iria derrubar Batista do poder, atender os interesses nacionais e conquistar a soberania.

Dentre esses grupos o que mais se destacará será o grupo de revolucionários, que mais tarde será chamado de “Movimento 26 de julho”4. Liderado pelo advogado Fidel Castro, esse grupo será a vanguarda do movimento revolucionário cubano. Foram anos de luta, com muitas baixas e alguns insucessos, como o assalto ao Moncada.

O grupo atuou basicamente a partir de guerrilhas rurais e conseguiu ter uma capacidade de mobilização popular muito grande, o que levou a uma crescente degradação do regime de Batista. Não tendo mais o apoio do EUA e base de sustentação popular, Fulgêncio Batista é derrubado em 1959, com a tomada de Havana pelos guerrilheiros liderados pelos irmãos Fidel e Raúl Castro, e o argentino Ernesto “Che” Guevara. Com a queda da ditadura de Fulgêncio, instala-se um governo que iria buscar atender as demandas da população, reduzir a desigualdade social no país e pôr fim à submissão e dependência do EUA.

Diferente de outras quedas de regimes autoritários em Cuba, dessa vez iria se dar início a um processo de impacto global, que abalaria a geopolítica mundial e iria se tornar um dos marcos divisores na história da América Latina. A Revolução Cubana projetou Cuba para o centro do cenário político mundial e transformou radicalmente a relação do país com os Estados Unidos.

Os estadunidenses se alertaram com os acontecimentos de Cuba e não demonstraram a menor simpatia por Fidel Castro. Contudo, eles esperavam que a permanência de Castro e dos revolucionários no poder seria apenas um pequeno intervalo de moralização da imagem de Cuba como um paraíso de corrupção, jogos, prostituição e outros excessos, que se mostrara presente no país, especialmente nos regimes ditatoriais. Terminado essa fase de moralização, se acreditava que seriam convocadas novas eleições e se voltaria à “normalidade”.

Entretanto, as intenções de Fidel e dos demais revolucionários não se limitavam apenas à moralização da política e da imagem de Cuba, eles tinham o objetivo de realizar transformações estruturais no país. Transformações essas que iam de encontro com os interesses empresariais e políticos estadunidenses, o que fez com que as divergências com o governo dos Estados Unidos se iniciassem.

O confronto de fato se inicia com o anúncio por parte do governo cubano que iria realizar uma reforma agrária no país; ação que compunha o programa de medidas iniciais da revolução, que visava melhorar a condição de vida do povo, com ações como aumentos salariais, direitos trabalhistas, diminuição dos aluguéis, etc. (AYERBE, 2004). A reforma agrária era a proposta mais radical do programa, se estabelecia que toda propriedade com extensão maior que 400 hectares seria expropriada e indenizada devidamente em um prazo limite de 20 anos; mantinham-se fora desse limite as pequenas e médias propriedades. Se procurava com essa lei eliminar os latifúndios, garantir emprego à massa de trabalhadores desempregados e iniciar um processo de diversificação da economia cubana. Entretanto, ela atingia diretamente os investidores e empresários estadunidenses que controlavam boa parte das terras e da produção açucareira em Cuba.


Em muitos aspectos, o conflito entre os Estados Unidos e a Revolução Cubana era inevitável. Com sua ênfase no nacionalismo e na justiça social redistributiva, a revolução desafiou mais de meio século de dominação norte-americana sobre a ilha, bem como o modelo econômico e política imposto por tal domínio (CHOMSKY, 2015, p. 83).

A resposta do EUA com relação à reforma agrária foi inicialmente de buscar negociar, a fim de que seus interesses não fossem prejudicados, contudo, ao perceber que o governo cubano se mantinha firme em relação a essa lei, a sua postura frente à Cuba converteu-se em oposição e conflito.

A partir de 1960 a política de repressão e oposição à Cuba começa a projetar-se. Ramón Sánchez-Parodi (2011) aponta cinco pontos que irão caracterizar a conduta do EUA para com Cuba ao longo de décadas, eles são: 1º Promoção e organização de ações subversivas no território cubano, que aliado às pressões econômicas, tinham por objetivo produzir um descontentamento na população e provocar protestos contra a revolução; 2º Incentivo de ações terroristas na forma de ataques paramilitares, que em conjunto com a atividade de propaganda e guerra psicológica provocaria instabilidade interna e desarticularia a atividade econômica e social; 3º Bloqueio econômico e comercial para dificultar ou impedir o desenvolvimento da economia cubana e contribuir para semear a descontentamento na população; 4º Isolamento político e diplomático para impedir que o exemplo cubano fosse seguido por outros países da América Latina e para dificultar o apoio ou solidariedade perante os ataques diretos das Forças Armadas dos Estados Unidos; 5º Criação de condições para se realizar um ataque direto das Forças Armadas na ilha, que tinha por objetivo pôr fim ao processo revolucionário cubano.

Ainda no governo de Eisenhower já seriam tomadas diversas medidas repressivas em relação a Cuba, como boicotes econômicos, sabotagens, propagandas políticas contrária ao governo revolucionário e a organização, treinamento e apoio logístico a grupos contrarrevolucionários. A maior parte dessas ações se realizou, inicialmente, em segredo.

Por sua vez, Cuba, no início dos anos 60, irá concretizar uma aproximação com a União Soviética. Os dois países firmam acordos comerciais e reatam relações diplomáticas que haviam sido suspendidas no governo de Fulgêncio Batista em 1952. Cuba passou a importar o petróleo soviético, enquanto uma solução para as pressões estadunidenses na venda de combustível para Cuba, e direcionou boa parte de sua safra de exportação para a União Soviética, tendo em vista o decadente número de exportações para os Estados Unidos. O governo estadunidense, em vista disso, suspendeu toda ajuda financeira a Cuba, reduziu em 95% a cota de importação de açúcar cubano e pressionou as refinarias do país em Cuba para que se negassem a refinar o petróleo soviético.

A resposta do governo cubano veio através da nacionalização das principais empresas estrangeiras e suas propriedades rurais, dentre as quais se incluíam as refinarias, os centros açucareiros, os serviços elétrico e telefônico estadunidenses; posteriormente são nacionalizadas as grandes propriedades nacionais. Essa ação fez com que a retaliação da CIA frente a Cuba se intensificasse, o governo estadunidense rompe as relações diplomáticas com a ilha. Destruir o governo cubano e assassinar Fidel Castro se tornou quase uma obsessão dos órgãos de inteligência e do governo.

Em paralelo às sabotagens, tentativas de assassinato, formação e apoio de grupos insurgentes, a CIA desenvolve um plano de invasão à Cuba, que é aprovado pelo presidente Eisenhower mas só é posto em prática no mandato posterior, com o presidente Kennedy. O plano consistia em uma operação que seria coordenada pelo Departamento de Estado, o da Defesa, a Junta de Estado Maior e o conjunto das Forças Armadas, e mobilizaria contingentes de contrarrevolucionários treinados e apoiados pelo governo. Tinham por objetivo desembarcar na Bahia de Cochinos - também conhecida como Baía dos Porcos -, adentrar pelo território cubano e promover a derrubada de Fidel Castro; juntos a eles estariam um grupo de aviadores que dariam apoio aéreo e promoveriam bombardeios para destruir a Força Aérea Cubana. A investida acaba sendo, contudo, malsucedida; o governo cubano já suspeitava que o EUA tomaria alguma ação direta a qualquer momento. Dessa forma, quando o grupo paramilitar insurgente começa a invasão na Praia de Girón, em abril de 1961, o exército cubano consegue se mobilizar rapidamente e em três dias derrotam os contrarrevolucionários.

A invasão da Baía dos Porcos teve grandes consequências, ela marcou a tomada de rumo que a revolução cubana seguiria dali para frente. Em um discurso após a vitória, considerada em Cuba como “la primera gran derrota del imperialismo yanqui en la América Latina”, Fidel Castro declara que o governo revolucionário assumiria um programa de governo de base marxista-leninista. Essa decisão foi de grande repercussão pelo globo, ela gerou um forte impacto na geopolítica mundial. Em meio ao contexto de Guerra Fria, os Estados Unidos, representante do “mundo capitalista”, havia permitido que um país socialista surgisse, quase que literalmente, embaixo dos seus olhos.

Esse cenário fez com que as hostilidades estadunidenses para com Cuba se intensificassem ainda mais. Em fevereiro de 1962, o EUA decreta bloqueio econômico do país, que proibiu a exportação de qualquer produto para Cuba e a importação de produtos de origem cubana ou importados através de Cuba; em março do mesmo ano essa proibição se estendeu para a importação de produtos de qualquer país que contenha mercadorias vendidos em Cuba. Essa medida coagia outros países, principalmente os que dependiam da economia estadunidense, a não comercializarem com Cuba. Em conjunto com o bloqueio econômico, o isolamento político e diplomático de Cuba se concretiza por meio da expulsão do país da OEA (Organização dos Estados Americanos), sobre o argumento que os princípios do comunismo eram incompatíveis com os do sistema internacional. O EUA apresenta também aos países latino-americanos a “Aliança para o Progresso”5, um programa que buscou fortalecer parcerias econômicas, oferecer investimentos e crédito para desenvolver as economias latino-americanas e também buscou combater os problemas sociais desses países. A real intenção, porém, desse programa era eliminar os elementos que poderiam levar a algum outro país seguir o exemplo cubano.

A radicalização da postura estadunidense leva a Cuba a radicalizar também o processo revolucionário e a construção do socialismo. É acelerada a política de nacionalização dos meios de produção, se realiza uma segunda reforma agrária que fez com que mais de 60% das terras se concentrassem nas mãos do Estado e transformou as cooperativas agrícolas em granjas do Estado, e se nacionalizou também os setores comerciais urbanos. Houve também a integração dos três grupos que contribuíram com a revolução: o Movimento 26 de Julho, o Diretório Revolucionário e o Partido Socialista Popular. Eles se fundiram para formar um partido único, o Partido Comunista Cubano, que assumiria a vanguarda do processo revolucionário. Além disso, Cuba direciona o grosso do seu comércio para os países do bloco soviético, tendo em vista que o bloqueio econômico dificultou muito o comércio com os países latino-americanos e os países europeus capitalistas, o que trouxe graves problema ao país.


Cuba viu-se obrigada a reorientar seu comércio para regiões distantes, encarecendo, consequentemente, suas exportações e importações: as primeiras se fazem menos competitivas e as segundas provocam fortes egressos no balanço de pagamentos em conceito de transporte de cargas (DOMINGUEZ; DUARTE, 1987, p. 162 apud AYERBE, 2004, p. 63).


As rápidas transformações e os impactos econômicos da revolução levaram a uma onda imigratória, em que os atingidos pelas nacionalizações, os insatisfeitos com os rumos seguidos pelo governo ou aqueles infelizes com as dificuldades que surgiram deixaram o país, em direção principalmente da Flórida, no EUA. O governo estadunidense passou a se utilizar da imigração enquanto outra forma de atacar o regime cubano. Ao estimular a saída do país e se mostrar disposto em refugiar os imigrantes, os Estados Unidos além de buscar enfraquecer a base popular de sustentação de Cuba também ampliava sua base de contrarrevolucionários. A questão das imigrações se tornaria um componente de conflito constante na relação entre os dois países.

O ponto mais alto do conflito entre Cuba e Estados Unidos se deu em outubro de 1962, episódio que foi nomeado de Crise dos Mísseis pelos cubanos, Crise de Outubro pelos estadunidenses e Crise do Caribe pelos soviéticos. Esse foi o evento da Guerra Fria que chegou mais próximo de se desencadear em uma guerra nuclear. A crise se inicia quando o EUA descobre que haviam foguetes nucleares instalados em Cuba, mediante isso, o governo estadunidense impõe um bloqueio naval ao redor país. Em resposta, o governo cubano se posicionou em estado de combate, o conflito parecia iminente. Em sua defesa, Cuba afirmou que as armas nucleares eram apenas um instrumento para se protegerem de uma possível invasão do EUA, que por sua vez, alegou que os foguetes cubanos desbalanceavam o equilíbrio de forças entre os campos opositores; os soviéticos, por outro lado, disseram que o ato de instalação de mísseis nucleares na Turquia e Itália já tinham alterado esse equilíbrio. Foram treze dias de negociações e muita tensão no mundo todo, o temor de uma guerra nuclear era alto, até que finalmente Kruschev, líder da URSS, e Kennedy, presidente do EUA, chegaram a um acordo. Os soviéticos se comprometeram em retirar as ogivas de Cuba, os estadunidenses, por sua vez, teriam que abandonar publicamente seus planos de invadir Cuba e também teriam que remover os mísseis da Turquia, o que foi feito secretamente.

Apesar da resolução do conflito, Fidel e o governo cubano não ficaram satisfeitos, pois, Cuba foi novamente deixada de fora de uma negociação que se referia diretamente ao país. Os cubanos sentiram que sua soberania estava submissa ao poder das grandes potências (CHOMSKY, 2015).

Podemos ver que em apenas três anos a relação entre os dois países se definiu por pressões econômicas e políticas, espionagem, sabotagem, incentivo de insurreições, conflitos militares, expropriações, etc. Após a crise dos mísseis, os Estados Unidos entenderam que qualquer tentativa de intervenção direta em Cuba poderia significar o início de nova guerra mundial (MEUCCI, 2013). Dessa forma, a relação entre os dois países até o fim da Guerra Fria foi marcada por acentuações e atenuações do conflito. O período de 1963 a 1977, que compôs os mandatos de Lyndon Johnson, Richard Nixon e Gerald Ford, foi marcado por ações indiretas por parte do EUA, como por exemplo, violações do espaço aéreo cubano, financiamento de grupos contrarrevolucionários, divulgação de propagandas contra o governo de Cuba, pressões para o cumprimento do bloqueio econômico, tentativas de assassinato, ataques terroristas, etc. No período do governo Carter (1977-1981) houve uma diminuição das hostilidades, possibilitando uma abertura maior a negociações e diálogo. Contudo, o governo seguinte iria tomar a rota contrária, Ronald Reagan assumiria uma postura de fortalecimento da oposição e repressão à Cuba. Sua política externa tinha por pretensão pôr fim ao governo revolucionário cubano, conter os avanços do ideário comunista e a atuação da União Soviética. Essa política veio a ser um dos fatores que contribuíram para o enfraquecimento da URSS e do bloco socialista, e para o encaminhamento do fim da Guerra Fria (MEUCCI, 2013).


3. O pós-Guerra Fria: dificuldades e mudanças

As ações estadunidenses, de forma especial, o bloqueio econômico imposto, fizeram com que Cuba tivesse de tomar decisões que não haviam sido planejados anteriormente para o desenvolvimento da revolução. O país viu-se obrigado a reorientar profundamente suas relações econômicas e políticas no cenário mundial, ao vincular seu comércio majoritariamente ao bloco socialista ele consegue garantir um canal de escoamento de sua produção, principalmente o açúcar, e acesso a recursos fundamentais, como petróleo e produtos industrializados.

A sua reformulação econômica a partir de meados da década de 1970, com sua integração ao Conselho de Ajuda Mútua (Came) lhe trouxe vários benefícios econômicos e sociais, porém também resultou em problemas. Ao integrar-se a divisão internacional do trabalho do bloco socialista, Cuba novamente se vê detendo uma economia centrada no setor agroindustrial e dependente da exportação do açúcar, tendo critérios de produtividade e competitividade inferiores à dos países capitalista mais avançados, considerando-se seu limitado nível de desenvolvimento industrial e tecnológico (AYERBE, 2004).

Com o fim da Guerra Fria e a dissolução do bloco soviético, Cuba se viu em sérios problemas. A perda de seu principal aliado econômico, em adição à ampliação do bloqueio comercial estadunidense, desencadeou uma grave depressão econômica no país, tendo fortes impactos sociais. Precarizou-se, significativamente, a vida dos cidadãos da ilha, o que levou a uma intensificação dos fluxos imigratórios para o EUA e a eclosão de uma grande manifestação popular contra o governo de Fidel Castro. Em vista disso, o governo cubano teve que reorientar suas ações e reorganizar sua configuração econômica, dando uma abertura à ação da iniciativa privada e à entrada de capital estrangeiro no país.


Cuba optou por tentar resguardar sua soberania nacional e os valores revolucionários de manutenção de uma igualdade social respaldada por garantias nas áreas de educação e saúde para todos ao tentar conciliar internamente duas formas de organização: planejamento estatal associado às reformas econômicas que se aproximam do modo de produção capitalista. (LATTANZI, 2018, p. 6)


Essas políticas de abertura econômica produziram efeitos contraditórios, apesar de ter beneficiado o processo de recuperação da economia cubana, elas contribuíram para a ampliação da desigualdade social e concentração de renda no país, o que ia de encontro aos ideais socialistas do sistema. Isso nos permite visualizar que as medidas tomadas por Cuba no pós-Guerra Fria foram ações pragmáticas.

A relação de Cuba como o EUA no pós-Guerra Fria foi caracterizada pelos esforços de sufocamento do governo de Fidel por meio da ampliação do embargo e da elaboração de novas sanções econômicas e políticas. Entretanto, no início dos anos 2000, os Estados Unidos começaram a reavaliar sua estratégia de derrubar o regime socialista cubano por meio do estrangulamento econômico. A partir de uma resolução no Congresso é autorizado a venda de alimentos para Cuba, essa permissão foi importante para a solução do problema de abastecimento de produtos alimentícios no país. Houveram bastante chances de se normalizar a relação entre os dois países, no entanto, a postura de isolamento e oposição do governo estadunidense frente a Cuba se mantiveram. Ela se justificou, dessa vez, não pela ameaça comunista, mas pela ausência de democracia no regime cubano (MEUCCI, 2013).

Com Barack Obama na presidência dos Estados Unidos e a eleição de Raúl Castro à chefe do Estado Cubano, puderam ser realizados avanços na direção da reaproximação entre os dois países. Entretanto, com a morte de Fidel Castro e a chegada de Donald Trump à presidência do EUA, apresentando uma postura dura e conservadora em relação à política externa, fica nebuloso o futuro da relação dos dois países e fica incerto qual atitude Cuba tomará frente a conjuntura dos tempos atuais. Continuará resistindo na defesa e na construção do socialismo ou se adequará ao modelo hegemônico capitalista?


4. Considerações finais

Foi possível observar por esse artigo que a relação de Cuba com o EUA começa a delinear-se mais intimamente ainda no período colonial cubano. Ao intervir no processo de independência da ilha, os Estados Unidos conseguem frustrar as expectativas da construção de uma nação soberana e autônoma, e instaura uma relação neocolonial de dependência e subserviência econômica e política.

Nesse contexto, a Revolução Cubana surgiu enquanto uma luta de caráter democrático e nacionalista que buscou libertar Cuba das amarras históricas da dominação imperialista e da submissão aos interesses estadunidenses, visando construir um desenvolvimento autônomo e livre. A diferença entre os interesses do governo revolucionário e os interesses do governo e dos investidores do EUA levou ao início dos conflitos. Em resposta aos ataques estadunidenses, Cuba anuncia que a revolução iria ser guiada pelos princípios socialistas e passa a se associar ao bloco soviético. A transformação de Cuba em um país socialista significou uma ameaça e uma oposição direta à hegemonia estadunidense sobre o continente americano, isso fez com que os conflitos explodissem, várias ações de retaliação e repressão foram tomadas pelo Estados Unidos com o objetivo de destruir o governo de Fidel Castro e a ameaça do comunismo na América.

A relação de Cuba com a URSS e o bloco socialista não foi configurada enquanto uma relação de subserviência, mas sim de apoio econômico e político mútuo. Contudo, desenvolveu-se uma relação de dependência econômica de Cuba para com a URSS, efeito do bloqueio comercial exercido pelo EUA desde os primeiros anos da revolução.

Essa dependência gerou uma grave crise econômica e humanitária em Cuba com a dissolução da União Soviética e o fim da Guerra Fria. Isso levou o governo a reorientar sua economia, dando abertura a introdução de formas capitalistas de produção e acumulação, contudo sem se abrir mão da orientação socialista. O EUA, por seu lado, fortaleceu o bloqueio econômico com o objetivo de desestruturar o regime cubano.

As tentativas mais efetivas de normalizar a relação dos dois países só vieram a ser feitas com a saída de Fidel Castro do comando do governo. Contudo, a reaproximação efetiva de Cuba com o EUA ainda é incerta, pois, a lógica da política externa estadunidense para a América Latina é a de imposição de sua hegemonia, Cuba, no entanto, ainda se mantém resistente à lógica imperialista do EUA.

Portanto, a partir do presente trabalho foi possível constar que a história da relação entre Cuba e EUA floresceu ainda no século XIX, desenvolveu-se e transformou-se radicalmente ao longo XX e ainda tem repercussão no século XXI. A sua transformação radical veio no sentido de ela modificar-se de uma relação imperialista neocolonial para uma relação de conflito político-ideológico, inserida no contexto da Guerra Fria. As formas como se deram essa relação tiveram impactos diretos nos rumos seguidos pela revolução cubana e no desenvolvimento do país. O processo revolucionário em Cuba foi marcado por dificuldades e contradições, se fizeram presentes crises econômicas, problemas de abastecimento de alimentos e outros itens de necessidade primária, redução das liberdades individuais e políticas, baixo desenvolvimento das forças produtivas, etc. Entretanto, apesar desses elementos, o país conseguiu atingir ao longo do tempo índices socioeconômicos comparáveis, em alguns aspectos, aos países capitalistas centrais, entre eles: baixíssima taxa de analfabetismo, reduzidos níveis de mortalidade infantil, indicadores nulos de desemprego, além de os índices de qualidade e acesso a saúde, educação e segurança pública terem alcançado níveis invejáveis. Essas questões, aliadas ao fato de Cuba ter resistido por mais de 40 anos a oposição e ataques, diretos e indiretos, da maior potência econômica e militar do planeta, levam a muitos setores e membros da esquerda latino-americana e mundial a considerarem Cuba um símbolo de resistência ao imperialismo estadunidense e ao capitalismo.


5. Referências Bibliográficas


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1Artigo recebido em: 31 de outubro de 2019. Aceito em: 26 de novembro de 2019

2Graduando em História (Licenciatura) pela Universidade Federal Fluminense (UFF), campus Campos dos Goytacazes, RJ, Brasil. Autor correspondente. e-mail: janderson18locatel@gmail.com

3A Doutrina Monroe consistiu-se em um conjunto de ações e preceitos diplomáticos, fundada no Governo de James Monroe, que tinha por objetivo combater a influência e controle dos países europeus sobre a América, ela buscava construir a “América para os americanos”. Porém, ao invés de promover a independência e autonomia dos países americanos, essa doutrina fundamentou o desenvolvimento do imperialismo do EUA sobre a América Latina, em que ele se constituiu enquanto potência hegemônica no continente americano, passando a estabelecer relações de dependência econômica e subordinação política.

4Esse nome se refere a data que o grupo realizou um ataque, malsucedido, ao quartel de Moncada, que tinha por objetivo conseguir armas e equipamentos para reforçar a resistência ao regime de Fulgêncio.

5Cf. PEREIRA, Henrique Alonso da A. R (2015). Os Estados Unidos e a Aliança para o Progresso na América Latina.