EDMUND BURKE E JOSEPH DE MAISTRE NO PRELÚDIO DO CONSERVADORISMO MODERNO: UMA PERSPECTIVA EM OPOSIÇÃO AO REVOLUCIONARISMO FRANCÊS SETECENTISTA1



EDMUND BURKE AND JOSEPH DE MAISTRE IN THE PRELUDE TO MODERN CONSERVATISM: A PERSPECTIVE ON FRENCH REVOLUTIONISM EIGHTEENTH CENTURY


PURL: http://purl.oclc.org/r.ml/v6n1/a7


Lucas Barbosa Gomes2


Resumo

Este artigo pretende investigar os ideários de Edmund Burke e Joseph de Maistre dentro do pensamento do conservadorismo moderno e seus fundamentos enquanto tentativa teórica de preservação das instituições e tradições vigentes. Ambos pensadores elaboram suas teses utilizando dos acontecimentos da Revolução Francesa (1789-1799). Sustentando, dessa forma, a criticidade efetuada a favor da ordem outrora estabelecida na Europa por meio de duas correntes de pensamento: o ceticismo pirrônico de Edmund Burke e o providencialismo de Joseph de Maistre, como ambas se complementam e se diferenciam em suas mentalidades. O objetivo do artigo consiste em reconstruir a estrutura originária do conservadorismo setecentista como uma das ideologias manifestadas no período moderno como uma reação à Revolução Francesa, uma crítica ao Estado utópico.

Palavras-chave: Edmund Burke, Joseph de Maistre, conservadorismo.


Abstract

This article aims to investigate the ideologies of Edmund Burke and Joseph de Maistre within the thought of modern conservatism and its foundations as a theoretical attempt to preserve the institutions and traditions in force. Both thinkers elaborate their theses using the events of the French Revolution (1789-1799). In this way, they support the criticism made in favor of the order once established in Europe through two currents of thought: the pyronic skepticism of Edmund Burke and the providentialism of Joseph de Maistre, how both complement and differentiate themselves in their mentalities. The aim of the article is to reconstruct the original structure of 18th-century conservatism as one of the ideologies manifested in the modern period as a reaction to the French Revolution, a criticism of the utopian state.

Keywords: Edmund Burke, Joseph de Maistre, conservatism.



  1. Introdução: o despertar do conservadorismo


A realidade europeia, dentro de um processo de desenvolvimento desde o século XV3 e XVI, retomou as premissas outrora estabelecidas nas sociedades greco-romanas. Com o ressurgimento gradativo de ideários jurídicas, filosóficos e políticos em que durante toda a modernidade, concomitantemente com o estabelecimento de Estados nacionais, sob uma única figura monárquica4, se desenvolveram paralelamente. Essa análise, foi perceptível com o estabelecimento da dinastia de origem capetiana: os Bouboun, na França, por Henrique IV em 1589 e a progressão do absolutismo em oposição a renascença cultural. Neste aspecto, a França teve um papel fundamental na perpetuação das instituições tradicionais nacionais sob a legitimação de um poder político unilateral que buscará sua inspiração no Direito Divino promulgado pelo papado romano desde o alto medievo:


Há muito que havia em França um culto pelo rei, o único monarca europeu que se podia vangloriar de ter sido ungido com óleos vindos diretamente dos céus, o herdeiro de Carlos Magno, a esperança dos doentes. [...] A França era a terra santa, onde floresciam a piedade, a justiça e o saber. Como antigamente os israelitas, os franceses constituíam um povo eleito, merecedor e objeto do favor divino (STRAYER, 1986, p.60 apud QUADROS, 2015, p. 169).


O poder, neste sentido, estava além de aspirações humanas, os reis a partir da coroação de Carlos Magno, em 800 d.C, pelo Papa Leão III, teriam que ser ungidos para que assim, a legitimidade possa ser garantida para si e para seu povo (QUADROS, 2015, p. 169). Assim, essa relação intima entre o Estado e o poder providencial se manteve ao longo dos séculos e arquitetou todas as relações de soberania entre a aristocracia, vigentes na Europa, e a Igreja Católica Apostólica Romana,


[...] O próprio Carlos Magno tinha poucas dúvidas sobre o melhor modo de consegui-lo [o poder]. A vontade de Deus determinava que os homens demonstrassem obediência para com seus senhores terrenos e, acima de tudo, para com seu rei ungido. Poucos francos estavam dispostos a contestar isso. O ressentimento pela supremacia de Carlos Magno, embora nunca tenha desaparecido inteiramente entre os maiores senhores francos, era fortemente amenizado pelo interesse pessoal (HOLLAND, 2014, p. 55-56).

Tendo em nota que, dentro desse aspecto, a coerência entre o político e o teológico5 era de extrema importância para que as estruturas básicas nas nascentes instituições fossem mantidas coesas. Contudo, no “verão de 1789” (QUADROS, 2015, p. 169) toda essa tradicionalíssima ordem europeia seria contestada de uma maneira radical, com a primeira revolução francesa de 1789.

A tríade revolucionária “Liberté, Égalité, Fraternité6 (QUADROS, 2015, p.169) entraria em rota de colisão permanente com essa ordem milenar, influenciando a ruptura completa com os direitos de nascimento feudais e o arranjo político entre o primeiro e segundo estados: a aristocracia e o clero. A queda da Bastilha, na capital francesa, interrompeu essa continuidade tão necessária para a manutenção da ordem (QUADROS, 2015, p. 170). Foi uma ruptura além do material, representava a divergência com a realidade desigual e as estruturas vigentes, um descompasso entre as necessidades da população e a ganância de uma aristocracia em crise no século XVIII.

Mas, essa ruptura de poder não estava de acordo com seu lema, não trouxe as tão aguardadas e suprimidas liberdades, igualdades ou fraternidades, a revolução jacobina tornou-se a filha dileta daquele iluminismo que Immanuel Kant (1724-1804) classificou, não sem indisfarçado entusiasmo, como “a saída do homem da sua menoridade” (KANT, 1989, p.11 apud QUADROS, 2015, p.169).

A radicalização da revolução traria frutos amargos7. Pensadores como Jean Jacques Rousseau (1712-1778) em sua obra “Du Contrat Social ou Principes du droit politique”, publicada em 1762 difundiu uma noção que o poder seria ascendente e vertical, ou seja, oriundo do povo em prol do bem comum. Contudo a Convenção Nacional a partir de setembro de 1792 intensificou esse processo, tornando autoritária e imposta os valores democráticos e republicanos.

Esses valores foram destorcidos para que a revolução tivesse uma base filosófica, da nascente República francesa transformaria sua população em uma máquina de guerra contra qualquer ameaça em oposição a revolução, promoveria regicídios e decapitações em massa, o terror seria instaurado pelo jacobinismo e pelo medo: um real regime oclocrático. Referente a teoria de Políbio (203-120 a.C) da história onde a corrupção e a tirania são formadas por um agregado de três formas de governos (POLÍBIO, 1985, p. 326-327) opostos ao governo republicano misto romano, sendo a autocracia, a oligarquia e a oclocracia os governos movidos pelas paixões e sem equilíbrio, onde essa tríade representa a decadência do ciclo em oposição as três formas de governo ideias, “com efeito, a quem fixar a atenção no poder dos cônsules a constituição romana parecerá totalmente monárquica; a quem fixá-la [sic] no Senado ela é mais parecerá aristocrática, e a quem a fixar no poder do povo ela parecerá claramente democrática” (POLÍBIO, 1985, p. 333).

Dentro dessa realidade em que a França agressivamente estaria promovendo na última década do século XVIII, uma reação nasceria: o conservadorismo8, “não se pretende com isso dizer que a ideologia conservadora nega a possibilidade de melhoria das condições terrenas, isso seria, no mínimo, historicamente obtuso. Porque a crítica conservadora não poderá ser confundida com uma crítica antirracional” (COUTINHO, 2014, p. 34-35). Essa perspectiva, estava além de uma mera aspiração ao reacionarismo ou a manutenção de um antigo regime déspota, seria o prelúdio de um oponente à altura do racionalismo revolucionário, uma filosofia política que terá como base algo que nem uma revolução poderia proporcionar: a tradição, “para além de ser uma virtude em si mesma, revela também o tipo de ideologia que o conservadorismo será: uma ideologia quem, ao contrário das rivais, tenderá apenas a emergir quando os fundamentos da sociedade são ameaçados” (COUTINHO, 2014, p.27).

Dentro desse panorama caótico, a década de 1790 proporcionou duas figuras elementares para o estabelecimento dos pilares para essa visão contrarrevolucionária e, consequentemente, conservacionista (COUTINHO, 2014 p.21-22) “um homem de disposição conservadora, porém, tenderá a valorizar primeiro esses confortos do presente. Não porque eles sejam superiores a uma alternativa hipotética, mas, precisamente, porque eles não são uma alternativa hipotética. São reais, tangíveis” (COUTINHO, 2014 p.21-22).

Edmund Burke (1729-1797) e Joseph de Maistre (1753-1821)9, analisam, em suas obras, a corrosiva realidade que a revolução traria para um panorama político maior na Europa. Desordenaria o natural10 e promoveria o caos; o natural, ou a naturalidade, decorrente de uma perspectiva de conservação aos moldes políticos existentes, presente tanto nas obras de Edmund Burke quando de Joseph de Maistre (COUTINHO, 2014, p. 34-36). Difere completamente da noção de Estado de Natureza, o estado de natureza, para Burke, foi um estado ou condição de anarquia desumano ao qual o homem não deve optar por retornar. “[Burke] afirmou que as instituições humanas, longe de impor restrições artificiais sobre o homem como muitos escritores iluministas declararam, libertou-o da anarquia do estado de natureza e permitiu uma liberdade ordeira para desenvolver suas faculdades” (O'GORMAN, 2004, p. 134 apud QUADROS, 2015, p. 176).

A revolução era desconecta com a realidade e com as necessidades vigentes, uma ruptura completa com o passado, traria consequências irreparáveis. A previsão estava translucida para ambos: a sociedade francesa iria sucumbir a uma crise mais profunda que crises políticas ou econômicas. A tradição estava em ultimato,11


[...] sublinha o artificialismo racionalista dos philosophes que imaginavam poder criar e destruir governos com a força da vontade e da razão. Segundo Burke, os revolucionários desconheciam os princípios básicos de funcionamento dos verdadeiros corpos políticos. Os Estados são sempre criações coletivas e históricas, não podendo ser controlados por homens cuja vida breve não é capaz de acumular a experiência e sabedoria necessárias (ARAÚJO, 2004, p.3 apud QUADROS, 2016, p.172).


O apreço pela conservação do que foi dado pelas gerações passadas está, evidentemente presente, no pensamento político de ambos pensadores, na defesa prévia no direito do passado governar o presente, negando, pois, qualquer justificativa plausível que a revolução pudesse cunhar. Eis os homens de disposição conservadora, para usar a eloquente formação de Michael Oakeshott no clássico ensaio “On being Conservative” (Sobre Ser Conservador) de 1956. Antes de ser ideologia ou doutrina, a intenção do autor é apresentar o conservadorismo como uma disposição, uma forma de ser e agir que levará o conservador a “usar e desfrutar aquilo que está disponível, em vez de desejar ou procurar outra coisa” (OAKESHOTT, 1956, p. 168-196).

Como supracitado, tanto Edmund Burke quanto Joseph de Maistre, estando ambos nos meios políticos e no debate sobre as instituições, respectivamente do Reino Unido e do Reino de Piemont-Sardenha, utilizaram suas obras como uma reação aos acontecimentos sendo uma oposição evidente ao panorama político defasado francês. Os mecanismos de uma revolução não são claros o suficiente para serem coerentes o bastante para implementar uma forma de governo autossuficiente e ideal, ou ainda, perfeito (HUME, 2000, p.250 apud QUADROS, 2015, p. 172). Nesse sentido, David Hume (1711-1776) sustenta que “não se pode conceber como essas qualidades triviais da fantasia, conduzidas por essas falsas suposições, possam alguma vez levar a qualquer sistema sólido e racional” (HUME, 2000, p.250 apud QUADROS, 2015, p. 172) justamente porque o raciocínio dos propagadores das utopias “não tem conexão possível com a existência” (HUME, 2000, p.250 apud QUADROS, 2015, p. 172) estando de acordo com o pensamento contrarrevolucionário francês, havia uma base teórica, mas não prática que teria um sustento a longo prazo.


  1. O ceticismo12 político de Edmund Burke


Talvez, seja rendável elaborar uma sucinta descrição sobre Edmund Burke para compreender de uma forma mais esclarecedora sua trajetória até a formulação de sua renomada obra, “Reflexões sobre a revolução na França”, de 179013. Burke nascido em 1729, em Dublin, capital da Irlanda (é fundamental notar que a Irlanda era um Estado nacional independente entre os anos de 1542 até 1800, com o Ato da União, a Irlanda faria parte do Reino da Grã-Bretanha e Irlanda até 1922), membro de uma tradicional família ascendente da burguesia irlandesa, deve sua educação basilar na renomada instituição Trinity College. Em 1761 iniciou sua carreira dentro da advocacia jurídica irlandesa como primeiro-secretário particular do governador da Irlanda, Willian Gerard Hamilton. Em 1765 é convocado para o secretariado do partido britânico whig, de cunho liberal e reformista, no mesmo ano eleito para a Câmara dos comuns no parlamento britânico (ANUNCIAÇÃO, 2016, p. 364).

O que é central e motiva uma recuperação da principal obra de Burke é sua concepção e a compreensão epistemológico de revolução, “que é distinta daquela consagrada pelas várias correntes progressistas existentes no período pré e pós-1789” (ANUNCIAÇÃO, 2016, p. 363). A revolução, nesse sentido, não significa a transformação radical e súbita de uma sociedade, “para o irlandês radicado na Inglaterra, esse tipo insurrecional de revolução é tomado, de maneira unilateral, como momento de decadência e degradação, no qual a ordem estabelecida é destruída e as tradições, rebaixadas” (ANUNCIAÇÃO, 2016, p. 363).

A sutileza que Edmund Burke14 inclui em seu discurso é algo a ser considerado, em seu primeiro livro, publicado em 1757, “Uma Investigação Filosófica sobre a Origem das Nossas ideias do Sublime e do Belo, a política entra em comunhão com a filosofia que irá convergir com sua principal obra, as “Reflexões sobre a revolução na França” de 1790. Edmund Burke, interpreta que o poder depende de uma macroestrutura além do material, além da imposição15. A dualidade entre o sublime16 que, de uma forma descritiva, seria tudo aquilo que está além do conhecimento, além do real, uma edificação que depende de um caráter não normativo e o Belo17.

Nesse aspecto, a nobreza cumpre esse caráter de impor seu poder e sua legitimidade utilizando de artifício de superioridade não pela força propriamente dito, mas, sim, do subliminar, do simbólico (SAES, 2008, p. 17). Com isso o sublime e o belo convergem em um panorama único de complementos e coesões,


[...] do túmulo da monarquia assassinada na França surgiu uma vasta, espectro enorme e sem forma, em uma aparência muito mais terrível do que qualquer coisa já ainda dominou a imaginação e sujeitou a coragem do homem. Ir até o fim, sem perigo ou, sem remorso, com desprezo. Todas as máximas comuns e todas as formas comuns, esse fantasma medonho controlava aqueles que não acreditavam que era possível que pudesse existir, exceto nos princípios, que foram persuadidos necessário para seus próprios modos comuns de ação. (HOLLAND, 2014, p. 58).


A consuetudinariedade da estrutura social, ou a sua tradição também está presente na base do discurso De Maistre, na defesa da irracionalidade como sustentáculo da vida social e política; “partindo da ideia de que tudo o que é construído pela razão e pela crítica pode ser por elas derrubado, o autor sugere que somente o mistério impenetrável pode dominar os homens” (SAES, 2008, p. 17). Assim sendo, “para serem governados, os homens devem ser lembrados constantemente do mistério que envolve a sua condição” (SAES, 2008, p. 17).

A coerência em que a sociedade se formulou, nesse sentido, permite que, com o manuseio das tradições18, os Estados, ou formas, sejam mantidos e assim todas as relações sociais sejam, dessa forma, preservadas. As divisões sociais estruturadas têm um sentido prévio, em que não mais o sublime tem a função de governar, sendo substituído pelo belo. Burke deixa claro sua perspectiva com uma retórica conservadora “a presunção intelectual, é a moral do revolucionário, o que o torne apto e pôr em questão a ordem estabelecida na sociedade, no Estado e na Igreja” (BURKE, 1984, p. 27). A legitimidade de um governo não dependia de uma mudança drástica ou mudanças deselegantes,


[...] Nosso sistema político é colocado em uma correspondência justa e simetria com o ordem do mundo, e com o modo de existência decretado a um corpo permanente composto de partes transitórias; em que, pela disposição de um estupendo sabedoria, moldando juntos a grande incorporação misteriosa do ser humano raça, o todo, ao mesmo tempo, nunca é velho, ou de meia-idade, ou jovem, mas em um condição de constância imutável, se move através do tenor variado de decadência perpétua, queda, renovação e progressão (BURKE, 2014, p. 120).

Então, é de considerar que Burke, em sua trajetória política compreende todo o funcionamento e a coerência dos mecanismos políticos. “Os acontecimentos de 1789 foram, na sua visão, um atentado ao mais elevado patamar civilizacional que a humanidade já havia alcançado: as instituições e tradições do antigo regime” (ANUNCIAÇÃO, 2016, p. 365). Destacando “a diferença entre a Revolução Gloriosa (1688) na Inglaterra e a Revolução Francesa (1789) é significativa” (ANUNCIAÇÃO, 2016, p. 365),


[...] aqueles que tentam nivelar nunca igualam. Em todas as sociedades, consistindo em várias categorias de cidadãos, é preciso que alguma delas predomine. Os niveladores, portanto, somente alteram e pervertem a ordem natural das coisas, sobrecarregando o edifício social ao suspender o que a solidez da estrutura requer seja posto no chão (BURKE, 2014, p.70 apud ANUNCIAÇÃO, 2016, p. 364). [...] Leis viradas de cabeça para baixo; tribunais subvertidos; indústria sem vigor; comércio agonizante; impostos sonegados e, ainda assim, o povo empobrecido; uma Igreja saqueada sem o que o Estado obtivesse alívio com isso; anarquia civil e militar transformada em constituição do reino; tudo que era humano e divino sacrificado [...] eram necessários todos esses horrores [...] roubos, violações, assassinatos, massacres, incêndios por toda a extensão de sua terra devastada (BURKE, 2014, p.60-61 apud ANUNCIAÇÃO, 2016, p. 365).


Foi essa particular sensibilidade em relação às circunstâncias que legou ao pensamento conservador a sua recorrente maleabilidade ao longo de seu desenvolvimento como uma filosofia política moderna. Burke vislumbrou na Revolução Francesa o seu caráter perfectibilista e destrutivo, ou melhor dito, destrutivo porquê perfectibilista. Mas esse foi o mesmo Burke para quem a Revolução Gloriosa de 1688, na Inglaterra, fora uma convulsão momentânea e necessária para corrigir uma deficiência momentânea, o despotismo régio de Jaime II, afastado do trono pelos partidários de William de Orange, futuro William II (COUTINHO, 2014, p. 45-46).

A Revolução Gloriosa, para Burke, não fora propriamente uma revolução efetuada, mas evitada: o afastamento do monarca operou-se, não para destruir a Constituição estabelecida, mas, precisamente para evitar essa destruição. É possível, dentro desse panorama, traçar um percurso mais distante, um dos motivos pelos quais a Inglaterra foi poupada às convulsões revolucionárias que se verificaram do outro lado do Canal da Mancha encontra-se, precisamente, nessa recusa de certa rigidez programática pela observação humilde das necessidades reais de uma comunidade real. Cada situação, cada circunstância, requer uma resposta particular, não necessariamente uma revolução (COUTINHO, 2014, p. 45-46).

Esse particularismo empírico, dentro de certas ressalvas, na perspectiva de Edmund Burke, resgata para dentro de sua filosofia política conceitos de cunho de Nicolau Maquiavel (1469-1527). Preocupasse com a “verità effettuale, ou seja, a verdade efetiva do mundo. Por utilizar-se dessa metodologia, alguns críticos já o compararam com Galileu Galilei, que também se utilizou de semelhante metodologia nas ciências físicas” (FREITAS JÚNIOR, 2007, p. 208). E nesse panorama, “Maquiavel [e Burke], partindo da busca da verità effettuale, descobre os fatores transitórios e circunstanciais que existem nas diversas ordens estatais” (FREITAS JÚNIOR, 2007, p. 208). Assim sendo, buscar como são despostos os recursos reais dentro da política, e como a manutenção dessa política deve ser feita sem pressupostos morais extremos e idealizados. O Estado no plano real empírico, não mais o ideal, seja por referência os espelhos de príncipes19 decorrentes do tardo-medievo ou os ideais extremo-racionalistas da revolução francesa, ambos idealizadas e criticadas, em momentos diferentes.

Com isso, dentro desse Estado real, “esta expressão, além disso, pode ser usada também em sentido técnico, para indicar a doutrina de Maquiavel ou, mais genericamente, a tradição de pensamento baseada no conceito de Razão de Estado” (BOBBIO 1995, p. 738 apud FREITAS JÚNIOR, 2007, p.206) com questões materiais reais, um dos pontos chave de sua obra é a compreensão da dialética entre o povo e os governantes, e como um se opõe ao outro de acordo com seus interesses e paixões, formando por excelência o conflito político e a necessidade desse conflito20 e como Burke interpreta a Revolução como a cisão desse conflito social em prol de um ideal abstrato que personifica a Revolução Francesa, um erro grave que Maquiavel denunciou21 no passado e que Burke retomaria como um alerta no presente.

Por assim dizer, Edmund Burke utiliza de uma transcrição da face cético empírica da política maquiaveliana22 como uma realidade mais profunda que uma idealização política rasa, uma inovadora forma de não somente encarar os assuntos públicos, mas também a mentalidade do Homem como um ser que busca recursos para sua própria sobrevivência, uma conservação intrínseca ao ser, assim como Maquiavel, introduz uma superação dos modelos ideais e utiliza os aparatos reais da política como recursos para o debate dessa política (FREITAS JÚNIOR, 2007, p. 206). Converge assim, uma filosofia pragmática com um ceticismo político, uma forma de encarar as correlações de forças sob um horizonte de eventos, seja de Florença, analisada por Maquiavel ou da França revolucionária, analisada do Burke.

Quando Burke escreveu as “Reflexões sobre a revolução na França”, finalizada em novembro de 1790, a realidade era outra que estaria por vir, a Assembleia Nacional ainda estava em vigência e em setembro de 1791 a constituição que tinha como premissa uma monarquia parlamentar estava sendo promulgada, no entanto, assim como previu Burke os aparatos de naturalização estavam sendo progressivamente retorcidos pelas ideias republicanas: a tirania seria uma realidade na França nas próximas décadas.

Em setembro do ano seguinte a Assembleia Nacional é substituída pela Convenção Nacional, com a aprovação de uma segunda constituição, dessa vez com uma elaboração republicana, tendo um caráter radicalizador pelo ideal jacobino; o Terror Vermelho imposto pela retórica do líder revolucionário Robert Pierre (1763-1823), após o assassinato de Jean-Paul Marat (1743-1793), inquestionavelmente daria razão aos argumentos de Burke (QUADROS, 2015, p. 172). O conservadorismo de Burke é fundamentado no ceticismo. “Da consciência das limitações inerentes à natureza humana nasce a desconfiança diante de doutrinas seculares subitamente “reveladas”: sendo imperfeito, o Homem não pode pretender formatar um sistema político perfeito” (QUADROS, 2015, p. 172). Tal conclusão é constante no pensamento de Burke e de muitos dos teóricos do conservadorismo que o sucederam. O veredito conservador para as explicações revolucionárias é invariavelmente cético: trata-se de presunções e utopias, de natureza falsa e perigosa. “A crítica filosófica às utopias que fizeram nascer a modernidade política é inaugurada pela filosofia de David Hume (1711-1776), que buscou mensurar seus alicerces epistemológicos menos visíveis”. (QUADROS, 2015, p. 172).

Segundo Samuel Huntington (1929-2008), o conservadorismo além de ser uma virtude em si mesma, e uma ideologia que, ao contrário das rivais, tenderá a emergir somente quando o funcionamento da sociedade é ameaçado, portanto uma natureza reativa, um incomodo a ser combatido. Esse aspecto fica claro dentro das obras de cunho político de Burke, a ordem estabelecida tem uma complexidade que indeterminava da vontade dos homens, a tradição determinava a realidade, não era algo a ser questionado (QUADROS, 2015, p. 175).

Posteriormente, a crescente recaída dos jacobinos dentro da Convenção Nacional abriu espaço para uma tirania mais bem estruturada: o Diretório girondino, com a aprovação de uma terceira constituição (de caráter censitário) em agosto de 1785, estaria inaugurado o Terror Branco. Uma perseguição sistemática e menos pública, uma censura prévia. Esse breve resumo, demonstra que a legitimidade e a coerência da República francesa, nesse primeiro momento, era inexistente. Mecanismos diversos foram utilizados para que um pseudo-coesão fosse demostrada dentro de uma política falida para Burke, a governança precisa acatar o fato de que a sociedade ser imperfeita. “Logo, idealismos devem ceder lugar às práticas longamente testadas pela experiência ofertada pelos antepassados e revoluções fundadas em “revelações” descoladas da realidade exigem ceticismo prudente” (QUADROS, 2015, p. 172) e, era isso que Burke havia ditado anos antes desses acontecimentos nas suas Reflexões, para uma situação de mudança repentina, em que a possibilidade de perda é maior, tomar consciência do real problema é imensurável,


Para o pai do conservadorismo político moderno, doutrinadores que alardeiam o uso da razão como fonte de legitimação das suas propostas seriam, contraditoriamente, absorvidos por uma crença mística nas suas próprias (pseudo) verdades, tornando-se presunçosos e hostis à crítica. A fim de combater as construções axiológicas que sustentam o status quo, os filósofos revolucionários forjariam um sistema de princípios ainda mais arbitrário. O racionalismo transformar-se-ia em abstracionismo, em teologia secular [...] ao conservador, portanto, impõe-se a postura de desconfiança/ceticismo (QUADROS, 2015, p. 173).


O conservadorismo, se justifica como uma ideologia posicional com apreço ao ceticismo [na matriz defendida por Burke], assumirá desde logo a importância das circunstâncias como base de qualquer atuação política consequente e prudente. São as circunstâncias que rodeiam o agente a informar o tipo de ação a seguir. Dentro da política, não caberá ao estadista aplicar sobre a sociedade um programa elaborado em abstrato, por mais perfeito ou intelectualmente substancial que ele seja, de um estadista espera-se, em primeiro lugar, que ele conheça as circunstâncias nas quais se inscreve a possibilidade da ação política (COUTINHO, 2014, p. 44-45). Desde logo, e uma vez mais retoma Edmund Burke, porque “nada de universal pode ser racionalmente afirmado sobre qualquer assunto moral ou político” (BURKE, 1982, p. 128).

Uma disposição política conservadora, no entanto, não recusa apenas as ambições utópicas (e futuras) dos revolucionários. Ela permite, igualmente, distinguir o conservador de uma caricatura habitual: o reacionário. Nas palavras de Anthony Quinton, o revolucionário não será mais do que um “reacionário do avesso: alguém interessado em efetuar um corte semelhante com o “riso do presente”, de forma a precipitar a sociedade, não para uma “felicidade utópica” futura, mas para uma felicidade utópica passada” (COUTINHO, 2014, p. 24-25).

Introduziu-se, neste aspecto, na política como uma forma de deter os abusos do racionalismo, fundamenta seu pensamento na inevitabilidade da prudência empírica e no ceticismo, a reforma deve vir de uma situação concreta; Burke é reverso a revoluções de caráter utópico e abstracionistas, defensor tanto de revolução Gloriosa, pelo estabelecimento da ordem de 1688 e a Revolução Americana de 1776, uma revolução, segundo o mesmo, de caráter conservadora da constituição vigente, uma consequência dos abusos da metrópole inglesa sob suas colônias, uma reação plausível (ANUNCIAÇÃO, 2016, p. 373). Assim sendo, a revolução, em última necessidade deve vir de uma circunstância convenente não de um mero desejo abstrato. A convergência harmônica entre a teoria e a prática forma a tradição.23

Segundo Samuel Huntington, em 1957, em sua publicação “Conservatism as an Ideology”, um influente ensaio publicado nos Estados Unidos, “ Não existe uma distinção válida entre mudar para trás e mudar para frente. Mudança é mudança; a história não se retrai nem se repete; e toda mudança se afasta de status quo” (COUTINHO, 2014, p. 23) e assim, “a medida que o tempo passa, o ideal do reacionário distancia-se cada vez mais de qualquer sociedade real eu tenha existido no passado” (COUTINHO, 2014, p. 23). O passado é romantizado e modulado e, “no fim, o reacionário acaba por defender o regresso a uma Idade de Ouro idealizada que nunca de fato existiu” (COUTINHO, 2014, p. 23).



  1. O providencialismo24 político de Joseph De Maistre


A formação do reino de Sardo-piemontês25 é essencial para a compreensão do complexo pensamento de Joseph De Maistre dentro de um panorama político. Com uma imperativa indagação em sua mais renomada obra, escrita em 1796 e publicada em 1797 as “Considerações sobre a França” é evidente o profundo incomodo que Maistre sofreu, perante a revolução francesa.

Nascido em Chambéry, na província de Savoia em 1753, sendo um francófono não francês, de cidadania piemontesa, desde sua juventude foi introduzido no meio político do reino e suas relações e mudanças ao longo do século XVIII, por meio de seu pai, também político piemontês. A questão de sua cidadania e o apreço pelo Estado de origem eram um dos pontos principais de suas indagações (NANNI, 2012, p. 117). A dinastia de Savoia oriunda de vertentes franco-borgonhesas, governava o ducado de Savoia desde 1003, o Estado estava diretamente em comunhão com a sua Casa real (termo casa empregado comumente referente a famílias de origem nobre ou que conquistaram os status de nobreza por meio de relações matrimonias ou concessões de títulos nobiliárquicos), o Estado necessitava da legitimidade26 de usa dinastia,


[...] O avanço rumo ao absolutismo centralizado foi decisivamente concluído por Vittorio Amadeo II, no início do século XVIII. Uma habilidosa mudança de lados na Guerra da Sucessão Espanhola, da França para a Áustria, garantiu aos duques da Savoia, através do Tratado de Utrecht (1713), o condado de Montserrat e a ilha da Sardenha, e o reconhecimento europeu de sua elevação de ducado para monarquia, que passou a se chamar reino do Piemonte-Sardenha. Sinuoso na guerra, Vittorio Amadeo usou a paz que se seguiu para instalar uma severa administração copiada à de Colbert, onde não faltavam sequer um Conselho. Ele então desenfeudou amplas faixas de terras da nobreza com o recurso a um novo registro cadastral, aumentando desse modo as receitas fiscais, já que os domínios alodiais estavam sujeitos a impostos; construiu um amplo aparelho diplomático e militar ao qual se integrou a aristocracia, extinguiu as imunidades do clero e subordinou a Igreja (ANDERSON, 1974, p. 171-172).


Sendo um reino que desde o começo do século XVIII estava passando por profundas reformas de base e uma ascendente burguesia talassocrática e manufatureira oriunda da ilha de Sardenha permitiria uma administração mais centralizadora sob regência da aristocracia, com um estratégico funcionalismo entre ambos, a burguesia comercial possuía certas imunidades e a monarquia burocratizava diversos outros setores, reunindo uma estrutura de funcionalismo e acumulo de capital entre essas suas ordens sociais (ANDERSON, 1974, p. 171-172).

Neste aspecto, levando-se em conta o conceito de a “grande revolução de 1789-1848” por Eric J. Hobsbawm, vale dizer, da revolução dupla: na economia, triunfo da indústria capitalista; na política, ascensão da classe média e triunfo do conceito burguês do direito à liberdade. Aplicado à situação histórica da península itálica posterior à existência de Joseph de Maistre, este conceito permite destacar ainda mais a excepcionalidade política piemontesa (cuja estrutura social aristocrática, decisiva para a unificação, não sem concessões, à ascensão das classes médias, sobretudo após 1848) no interior da península, cujo papel no processo de unificação italiana só pode ser comparável, o que não significa dizer que foi idêntico, ao que a Prússia desempenhou no processo de unificação da Alemanha (HOBSBAWM, 1981, p. 17-23).

Dentro desse modelo, o absolutismo estava sendo empregado dentro do reino sardo-piemontês. Joseph, assim como seu pai, François-Xavier (NANNI, 2012, p. 116), foram juristas que, de forma estrutural, entre as décadas de 1730 e 1740, formularam o absolutismo no plano teórico do providencialismo político. Joseph desde o começo de sua carreira como político estava entre os funcionários mais abnegados na execução desta política centralizadora piemontesa no senado provincial. Contudo, esse estranhamento é disperso assim que analisamos a trajetória familiar dos senadores. “Sem nunca ter possuído um feudo, os rendimentos da família de Maistre provinham em sua maior parte (cerca de 60%) dos salários de seus cargos, e não das exações sobre os camponeses em seus domínios (que representava pelo menos 2/3 dos ganhos dos feudatários) ” (NANNI, 2012, p. 116).

Por outro lado, detinham o signo distintivo da nobreza, qual seja, o privilégio ou isenção de tributos, mormente a talha real; com efeito, por sua origem e meio social, Maistre era burguês e nobre a um só tempo: “membro do senado local e, portanto, pertencente à nobreza de toga saboiana, a nobilitação de sua família foi a coroação de um longo esforço de ascensão social de uma casa de comerciantes de tecidos da província de Nice”. (NANNI, 2012, p. 116)

Ao analisarmos os manuscritos de Maistre, é visível a sua defesa não necessariamente ao absolutismo como uma forma estável de governo, “especialistas como Jean Nicolas e Stuart Woolf sublinharam o fato de que a monarquia savoiarda, à diferença da francesa onde, na definição de Boris Porchnev” (NANNI, 2012, p. 115), a burguesia fazia um jogo de oposição com a monarquia, “lograva amortecer os conflitos entre as diferentes ordens ao acomodá-las em seu grande regaço burocrático, num processo que culminava na formação de uma ética comum (“funcionalismo”) entre os membros daquela elite” (NANNI, 2012, p. 115). Porém, um regime natural provido de uma providência ordenadora ao qual o Estado em dadas circunstancias se deu como ideal,

[...] no lugar das Luzes, da Ordem, da Tranquilidade que reinam em nossos dias, é preciso imaginar os distúrbios, a anarquia, as devastações da Idade Média; é preciso lembrar da feroz independência dos nobres, a influência ilimitada do clero, a nulidade do povo e a ignorância de uns e de outros. (MAISTRE 1784 apud NANNI, 2012, p. 116).


Demonstrando que Joseph de Maistre anteriormente aos acontecimentos na França revolucionária possuía uma postura coesa com a forma de Estado monárquico em um aspecto natural e estruturalista da ordem, uma ordem de outrora estabelecida dela estrutura providencialista monárquica (QUADROS, 2015, p. 169). Referente a teoria contratual de Thomas Hobbes (1588-1679);

Está anexada à soberania a autoridade judicial, quer dizer, o direito de ouvir e julgar todas as controvérsias que possam surgir com respeito às leis, tanto civis como naturais, ou com respeito aos fatos. Porque sem a decisão das controvérsias não pode haver proteção de um súdito contra os danos de um outro (HOBBES, 2003, p. 154).


Com a invasão das tropas francesas revolucionárias sobre as províncias francófilas como de Savoia e de Nice ao reino Sardo-Piemontes em setembro de 1792 sob alegação de estarem captando fugitivos e traidores da revolução, em 18 de novembro de 1792, a Convenção Nacional promulgou um decreto que unia Savoia à França, passando-se a chamar Departamento de Mont-Blanc (NANNI, 2012, p. 117), a maior parte dos cidadãos savoianos que, a exemplo de Maistre, preferiram conservar sua lealdade dinástica, emigraram para a capital do reino (Turim). A revolta de Maistre sob as atrocidades que a Convenção Nacional francesa estava promovendo contra o seu reino, era crescente (NANNI, 2012, p. 117).

Com a fragilidade que a república francesa expôs o reino piemontês que sofreria retardos em sua soberania nacional até o final na Era napoleônica (com o Congresso de Viena em 1814, Piemonte recuperou sua autonomia territorial no continente. Inclusive, um dos embaixadores que negociou a recuperação de Piemonte foi o próprio de Maistre, convicto na recuperação do direito de seus soberanos, relatos mais claros durante as conferencias entre as políticas diplomáticas e documentos escritos durante o Congresso), (NANNI, 2012, p. 122) “após a solapadora vitória de Napoleão frente aos austríacos na batalha de Marengo (1800) ” (NANNI, 2012, p. 122) e a nova invasão francesa sobre a península itálica e a Piemonte em dezembro de 1800, o soberano da Casa da Savoia teve de se refugiar na ilha da Sardenha. Maistre indaga que o direito da monarquia era além de um mero direito político ou jurídico, era um Direito Divino de poder, a Providência (MENEZES, 2006, p. 53-54).

Joseph de Maistre retoma em sua obra as teorias providencialistas do Estado, uma típica visão de um teórico do Estado a favor de uma monarquia com premissas divinas, principalmente tendo como base de argumentação Bossuet (1627-1704), com o ressurgimento da concepção de Providência ligada aos destinos históricos “caracterizou, em parte, o século XVII, e pode ser exemplificado a partir da obra de Jacques-Bénigne Bossuet. É necessário, inicialmente, precisar alguns aspectos acerca da interferência de Deus no curso dos acontecimentos humanos” (MENEZES, 2006, p. 53-54). Dessa forma, o que a linguagem comum chama Providência, os teólogos nomeiam governo divino, uma face do governo utópico republicano francês que é criticada por Maistre, mas, o mesmo, defende uma outra espécie de utopismo ligado a mentalidade do medievo (QUADROS, 2015, p. 169).

Eles reservam o primeiro termo para designar o eterno e divino programa, enquanto o segundo representa sua execução histórica por Deus (MENEZES, 2006, p. 53-54). “Para Bossuet, Deus em nada se assemelha aos trabalhadores terrenos. Estes, por muito penarem em seus empreendimentos, satisfazem-se com a execução que os desincumba de sua faina e lhes facilite o sucesso” (MENEZES, 2006, p.53-54). O providencialismo não deixa de ser um governo utópico, ou até mesmo, no caso de Joseph de Maistre, um governo romantizado de acordo com a política que o próprio edificou no reino piemontês. A grande problemática na obra De Maistre é sua contradição por anular uma utopia ou forma de governo republicano e defender outra utopia só que idealizada na forma de uma monarquia providencial, logo sendo divergente da filosofia política de Edmund Burke (MENEZES, 2006, p. 53-54).

Outra peculiaridade nas obras de Maistre, referente a essa temática, é na relativa defesa ao jacobinismo radical durante a Convenção Nacional francesa, uma forma simbólica e prática de demonstrar a fragilidade no monopólio de poder que a república, sendo, um governo de aparências detinha e, dessa forma, impor o terror pela força,

[...] O rei nunca teve aliados, e o fato de que a coalizão atentava contra a integridade da França, constitui algo tão evidente que não representa nenhuma imprudência enunciá-lo. Ora, como resistir à coalizão? Por via de qual meio sobrenatural quebrar o esforço da Europa conjurada? Somente o gênio infernal de Robes Pierre podia realizar esse prodígio [...] Todas as vidas, as riquezas, os poderes estiveram nas mãos do poder revolucionário; e esse monstro de força, ébrio de sangue e sucesso, fenômeno espantoso, jamais visto e que nunca mais se verá, foi ao mesmo tempo um castigo horrível imposto aos franceses, e o único modo de salvar a França (MAISTRE, 1797, p. 18 apud NANNI. 2012, p. 121).


Sua obra, nesse aspecto, articula um “equilíbrio ao pensamento do contrarrevolucionário europeu com o do patriota piemontês, sentimentos que caminharão quase sempre paralelos na futura carreira diplomática de Maistre (1803-1817) ” (NANNI, 2012, p. 129) na tentativa de articular, como supracitado, a retomada do reino. Ou seja, “para Maistre, o amor pela pátria era consubstancial ao amor, ou melhor, respeito pelo soberano; de modo que a Savoia era uma pátria menor (metaforicamente) inserida na grande pátria, o reino do Piemonte-Sardenha” (NANNI, 2012, p. 120).

O pensamento conservador de Maistre27, neste aspecto de retomar a tão valiosa tradição28 e ordem paralelamente entra em um acordo com o de Burke29 e um paralelo ainda mais convergente com as obras de Jacques Bénigne Bossuet (1627-1704), considerado um dos mais notáveis historiadores providencialistas do século XVII até mesmo pelos futuros críticos iluministas que estavam em desacordo com seus argumentos de interpretar a história. Na sua obra, em que despontam os sermões e as orações fúnebres, mas também o “Discurso sobre a História Universal” de 1681, a soberania da Providência na condução dos acontecimentos históricos aparece afirmada com máxima clareza; ou seja, mesmo De Maistre defendendo um conservadorismo também é adepto a perspectiva reacionária providencial característica de Bossuet, uma perspectiva romantizada e idealizada do que seria o passado (MENEZES, 2006, p. 9-10).

Tendo exercido funções religiosas importantes na corte de Luís XIV, inclusive a de mentor do príncipe, Bossuet reinterpreta a história da humanidade com expressas intenções políticas, tornando evidente o “governo divino” (MENEZES, 2006, p. 9-10). Fato retomado por Joseph de Maistre para que o governo tenha uma manutenção não somente material baseada na força ou no terror como o jacobinismo se mostrará ser, mas, a dominação simbólica, algo além da materialidade. (MIRANDA, 2013, p. 345)

O pensamento de Maistre, mesmo se encaixando no nascer do conservadorismo como um pensamento político do século XVIII é um pensamento incongruente com o empirismo de Burke; é perceptível a existência de um viés religioso, reacionário e nacionalista que não é presente nos escritos de Burke. Esse fenômeno particular que surgiria dentro do conservadorismo de matriz utópica (fundada pelo mesmo), seria, de algum modo, uma premissa para a fascismo que surgia, assim como a filosofia política De Maistre, na Itália em momentos de crise (ROMÃO, 2012, p. 5-6). Sendo, dentro de um panorama de análise mais abrangente, Joseph de Maistre, também pode ser encarado não só como um dos primeiros teóricos políticos do conservadorismo como Burke, mas, também, adepto ao pensamento proto-fascista30 que seria germinado nos séculos seguintes tendo como base as premissas que Maistre forjaria em fundir o nacionalismo exacerbado a um discurso utópico reacionário de sua nação (ROMÃO, 2012, p. 5-6).

Também fica evidente que um movimento em oposição de outras correntes de pensamento surge no período, marcado principalmente por Voltaire (1694-1778) onde explana um contra-argumento a essa perspectiva providencialista e, de certa forma, também utópica ao defender um período outrora estabelecido romantizado e reacional:

Ao trabalhar suas obras de caráter histórico, o filósofo iluminista rompeu com uma corrente tradicional de historiografia que determinava a Divina Providência como motor causal da história. Desta forma, Voltaire se contrapôs aos métodos utilizados por Bossuet e Rollin, cujos textos historiográficos sofreram influência direta da religião e estão impregnados de alusões aos Evangelhos e metáforas místicas (...) Ao contrário de Bossuet e Rollin, Voltaire nunca utilizou a Providência como uma estaca que fincamos onde mais nos é conveniente, ou seja, segundo o philosophe, Deus não intervém sobre a ação do homem que, através da liberdade, pode ou não o aceitar como o Criador. No entanto, num dado momento, o Deus voltairiano difere, inclusive, do Deus apresentado por Newton, pois: “Se comparado ao Deus de Newton, o Deus do philosophe é muito frio e muito distante dos homens. (...) Voltaire fala do Deus de Newton, mas quase não menciona seu domínio, no final das contas, o Deus de Voltaire é o velho deus frio e distante dos filósofos, criador, mas distante de sua obra e do seu andamento (MIRANDA, 2013, p. 345).



  1. Considerações finais: um prosseguir posterior ao ceticismo e ao providencialismo


Dentro de uma única ideologia, correntes variadas, em um período relativamente curto de tempo no final desse turbulento século XVIII europeu, se formaram. Essa gênese que viria com Edmund Burke absorvendo o ceticismo pirrônico com o empirismo anglo-saxão não formaria um bloco uniforme pela própria condição do pensamento conservador não ser uniforme. Herdeiros dessa tradição continuariam esse processo de estruturação dessa filosofia política, seja por William Wordsworth (1770-1850), Samuel Coleridge (1772-1834), Thomas Carlyle (1795-1881) (COUTINHO, 2014, p.15) ou até mesmo por James Mackintosh (1765-1832), mesmo sendo adepto ao conservadorismo de Burke, o critica31. O conservadorismo desde sua origem, seria formado por conservadorismos, “o conservadorismo não existe. Existem conservadorismos, no plural, porque plurais foram as diferentes expressões da ideologia no tempo e no espaço”. (COUTINHO, 2014, p. 9).

O conservadorismo estava teoricamente além de qualquer outra ideologia, é a única que não necessariamente carecia de uma base teórica a posteriori formulada, tem suas raízes na tradição, contudo, o aprimoramento dessa ideologia foi necessário, tanto nas bases providências por de Maistre ou empíricas por Burke (COUTINHO, 2014).

Na condição de fundadores32 do conservadorismo, como forma de oposição as premissas revolucionarias, não poupam censuras à ideia dos “direitos do homem”, cara aos jus naturalistas, fundamentalmente, a Rousseau” (NANNI, 2012, p.127). Particularizam o direito dos direitos hereditário. Os direitos do homem constituem uma justificativa para a difusão perigosa de conceitos antinaturais e abstrações infundadas, como igualdade, democracia, direitos inalienáveis e assim por diante (NANNI, 2012, p.127).

Segundo ele [Burke], trata-se de um “imenso arsenal de armas ofensivas, os direitos do homem” (BURKE, 2014, p. 134 apud ANUNCIAÇÃO, 2016, p. 372). Seus defensores, sob a pena de Burke, são descritos como membros de “clubes compostos de uma mescla monstruosa de todas as condições sociais, línguas e nações” (BURKE, 2014, p. 87 apud ANUNCIAÇÃO. 2016, p. 372). A revolução, por definição, é a busca de uma utopia inalcançável que ignora a imperfeição da sociedade em planejar sua organização enquanto governo, “E, conceptualmente, porque reacionários e revolucionários parecem atribuir às suas particulares utopias as mesmas feições exteriores: um mundo harmonioso, estático e onde os homens, porque dotados de uma natureza fixa e inalterável, desejam necessariamente as mesmas coisas” (COUTINHO, 2014, p. 25-26).

O conservadorismo tende a recusar premissas que envolvem modelos de organização utópicos ou idealizados, a ação em oposição ao revolucionarismo ou o reacionarismo está pautada no presente, “por entender o potencial de violência e desumanidade que a política utópica transporta, irá também reagir33 defensivamente a tais apelos e reagir é a palavra crucial para entender o conservadorismo como ideologia” (COUTINHO, 2014, p. 26). Ambos analisam a História não como um objetivo de sua reatividade, mas como um medidor de suas ações no presente e, a necessidade intransponível dessa história passada (COUTINHO, 2014, p.23), “o conservadorismo é uma ideologia posicional, na medida que procura enfrentar uma necessidade histórica específica. Consequentemente quando essa necessidade desaparece, a filosofia34 conservadora submerge” (COUTINHO, 2014, p. 28-29). Essa perspectiva de o conservadorismo ser oposto a utopia somente pode-se conceituado de acordo com a perspectiva burkeana; de Maistre, como supracitado, ainda é de acordo com uma teoria providencial idealista da política (ROMÃO, 2012, p. 3-8).

Na longa narrativa dedicada a queda da Bastilha, como ponto primeiro dessa revolução, Burke claramente associa o “crime”, o “terror” e o “horror” (ANUNCIAÇÃO, 2016, p. 372), junto com a grande sequência de crimes cruéis que aparenta denunciar, às ideias centrais do revolucionarismo francês (BURKE, 1982, p. 128-139). Dentro dessas perspectivas de pensamento, do racionalismo emergiria o irracionalismo e a utopia: uma falsa interpretação do mundo que propõe a construção de uma realidade impossível (QUADROS, 2015, p. 174), algo inalcançável que o único resultado possível seria o terror. Assim sendo, “o conservadorismo poderá ser assim apresentado como uma ideologia de emergência, e no duplo sentido da expressão: porque emerge em face de uma ameaça específica de caráter radical; e porque o faz quando essa ameaça põe em risco os fundamentos institucionais da sociedade” (COUTINHO, 2014, p.29-31); aceitando o princípio de análise proposto por Samuel P. Huntington onde “o conservadorismo será antes uma ideologia posicional e reativa: é perante uma ameaça concreta aos fundamentos institucionais da sociedade que a ideologia conservadora desperta, reage e se define” (COUTINHO, 2014, p. 29-31).


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1 Artigo recebido em: 24 de dezembro de 2019. Aceito em: 30 de março de 2020

2 Universidade Federal Fluminense (UFF), Campos dos Goytacazes, RJ, Brasil. Licenciando em História pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Autor correspondente. E-mail: lb.castilho10@gmail.com

3 “[...] na segunda metade do século XV, a qual coincide com o fim da ‘era de ouro’ do Renascimento italiano, quando as ricas cidades do centro e do norte da península italiana foram incapazes de sustentar suas liberdades frente aos novos e poderosos inimigos, as monarquias absolutistas estrangeiras (mormente França e Espanha). Mais ou menos no mesmo período em que as repúblicas perdiam suas liberdades (como Florença) e/ou eram obrigadas a se retrair numa política oligárquica conservadora para sobreviver (Gênova, Luca e Veneza), o ducado da Sabóia tornava-se uma exceção entre as monarquias europeias, as quais ainda enfrentavam suas nobrezas recalcitrantes no processo de centralização” (NANNI, 2012, p. 114).

4 Referente as teorias de justificativa da configuração de um poder soberano, um panorama contratual de jurisprudência, fator observável na obra “Leviatã” de Thomas Hobbes, o capítulo XIX, “Das diversas espécies de república por instituição e sucessão do poder soberano” Hobbes rompe com a teoria polibiana dos três governos ideias, democracia, aristocracia e a monarquia onde, somente a monarquia tem a capacidade de manter a ordem e evitar o estado de guerra de todos contra todos, “porque nenhum rei pode ser rico ou glorioso, ou pode ter segurança, se acaso os seus súditos forem pobres, ou desprezíveis, ou demasiado fracos, por carência ou dissensão, para manter uma guerra contra os seus inimigos. Por outro lado, numa democracia ou numa aristocracia a prosperidade pública concorre menos para a fortuna pessoal de alguém que seja corrupto ou ambicioso do que, muitas vezes, uma decisão pérfida, uma ação traiçoeira ou uma guerra civil” (HOBBES, 2003, p. 161).

5 “Sobre a história do conceito de “direito natural’’ na cultura política francesa do século XVIII, da Ilustração até o momento em que o mesmo se torna hegemônico como argumento político, vale dizer, nos quadros de radicalização e dissensão republicana durante o julgamento de Luís XVI” (NANNI, 2012, p. 117).

6É interessante observar que esse lema revolucionário foi comumente utilizado a partir da segunda república francesa entre 1848 e 1852. O lema da primeira república como um todo era: “Liberté, Égalité, Fraternité ou mort” demonstrando o caráter unilateral revolucionário. Essa perspectiva elaborada por J. L. Talmon (1988) “cunhou o termo “democracia totalitária” para ilustrar o espírito do governo revolucionário francês, em distribuir a violência durante o período denominado como “Terror” (QUADROS, 2016, p. 179).

7 Denuncia a Oclocracia: “Até certo ponto Burke tinha razão em temer que os reflexos oriundos da Revolução Francesa, particularmente no que diz respeito a revolta das massas parisienses, atingissem a Europa, sobretudo o seu próprio pais. Seu talento político foi capaz de perceber a distinção ao fundamental existente entre uma revolução política ou um movimento de independência (igualmente político) como a inglesa e o americano, e urna revolução social de grandes proporções como a francesa. Pesou a diferen9a entre elas mais do que apego as limitações ao "poder arbitrário” (MAGALHAES, 1996, p. 83).

8 Em “The Politics of Imperfection”, Anthony Quinton identificou nas páginas inaugurais o primeiro princípio estrutural do conservadorismo, a imperfeição humana, analisando em seguida as duas correntes que terão emergido dessa mesma fonte (QUINTON, 1978, p.16-23). Uma primeira corrente vinculada ainda ao tardo medievo, de cariz religioso e utópica do conservadorismo próximo ao reacionarismo, que se limita a reafirmar a imperfeição do homem depois da Queda, referente a gêneses da Bíblia (defendida por Joseph de Maitre); e uma segunda corrente, que prefere ressaltar a imperfeição intelectual que marca indelevelmente a nossa espécie (defendida por Edmund Burke), uma imperfeição real não religiosa; ambas correntes serão desenvolvidas ao longo da discussão dos autores.

9 “Diferença entre dois tipos de pensamento antirrevolucionário [...] partindo de dois exemplos tutelares de Burke e Joseph de Maistre, designa o primeiro como espírito moderado e o segundo como reação intolerante [...] se o espírito moderado se aplicar com mais propriedade à segunda parte das Reflexões e, sobretudo, aos textos finais de Burke: o irlandês podia ser, aos olhos dos seus inimigos jacobinos, a encarnação mais próxima do diabo” (COUTINHO, 2014, p. 11). Políticos teóricos do século XIX, respectivamente no Reino Unido e no Reino de Piemonte-Sardenha; ambos serem apresentados em suas partes respectivos deste texto.

10 O natural, ou a naturalidade, decorrente de uma perspectiva de conservação ao existente, presente tanto nas obras de Edmund Burke quando de Joseph de Maistre (Ibidem, p.34-36). Difere completamente da noção de Estado de Natureza, O ‘estado de natureza’, para Burke, foi um estado de anarquia desumano ao qual o homem não deve optar por retornar. Ele afirmou que as instituições humanas, longe de impor restrições artificiais sobre o homem – como muitos escritores iluministas declararam –, libertou-o da anarquia do estado de natureza e permitiu uma liberdade ordeira para desenvolver suas faculdades (O'GORMAN, 2004, p. 134 apud QUADROS, 2015, p. 176).

11 “A questão já foi respondida, e brilhantemente respondida, por Benjamin Disraeli. Reconhecendo que a mudança é inevitável em qualquer sociedade composta por seres vivos. Disraeli afirma que ela não deve proceder de doutrinas gerais ou princípios abstratos e arbitrários. As mudanças devem fazer-se por referência e em deferência às maneiras, aos costumes, às leis, às tradições de um povo” (COUTINHO, 2014, p. 71).

12 “Apesar de tais entraves, o esforço é imperativo. Se em sua primeira publicação, A Vindication of Natural Society: a view of the miseries and evils arising to mankind from every species of artificial society (1756), Burke chegou a ser apressadamente associado à primeira expressão moderna do anarquismo racionalista e individualista, A Philosophical Enquiry into the Origin of Our Ideas of the Sublime and Beautiful, obra publicada no ano seguinte, começa a revelar com clareza os valores conservadores. O autor introduziu no livro pressupostos que se tornariam basilares para o pensamento conservador: a crítica ao racionalismo e o apreço pelo ceticismo” (QUADROS, 2015. p. 151).

13 “As reflexões sobre a Revolução na França serão escritas em 1789 e publicadas no ano seguinte, antes de os jacobinos começarem a guilhotinar os seus inimigos, reais ou imaginários, com assombrosa industriosidade. Mas Burke vislumbrou nos princípios dos revolucionários o germe de abuso e violência que eles inevitavelmente plantariam na França. [...] Nas suas Reflexões, Burke antecipava a lógica sinistra dessa violência necessária e purificadora que os movimentos totalitários do século XX levariam a outros extremos de desumanidade” (COUTINHO, 2014, p. 29-30).

14 “Interessa apenas afirmar que a revolução francesa, e a reação a ela personificada no irlandês Edmund Burke, permitiu que o conservadorismo se autonomizasse como uma resposta antirrevolucinária, e no caso do Burke, antiutópica também” (COUTINHO, 2014, p. 10).

15 “[...] os lobos não têm mais força que algumas espécies de cães. Mas devido à sua ferocidade não domesticável, a ideia de um lobo não é desprezível, não se excluindo de descrições e similitudes grandiosas. Assim somos nós afetados pela força, que é um poder natural. O poder que surge por instituição em reis e comandantes, tem a mesma conexão com o terror” (BURKE, 1757, p. 61 apud ARAÚJO, 2004, p. 7).

16 “O sublime burkeano é a mais forte emoção que o espírito humano é capaz de suportar, pois monopoliza e concentra o conjunto das energias individuais. Seu efeito característico é o terror e as reações dele derivadas, tais como o medo, a reverência e o respeito. Suas fontes são a obscuridade, a escuridão, a incerteza, a confusão, a grandiosidade e a infinidade. Todos esses sentimentos estão relacionados com o poder e a força que ameaçam o indivíduo em sua integridade” (ARAÚJO, 2004, p. 1).

17 ”O belo, por sua vez, seria o cimento que une os homens em sociedade. O sublime socializa o indivíduo pelo terror da solidão fragilisadora, a beleza torna a vida social algo mais que uma necessidade ao gerar amor e afeto entre os seres humanos.6 A beleza é definida como o conjunto de qualidades positivas dos corpos que agem de forma mecânica sobre o espírito, mediante a intervenção dos sentidos” (ARAÚJO, 2004, p. 2).

18 “A deferência de Burke pela “gloriosa revolução” decorre do pendor de permanência (ou restauração) que distinguiu esse movimento. Para ele, a própria tradição eventualmente pode reclamar reformas pontuais que garantam a constância do ethos social já enraizado. Em decorrência disso, o entendimento de Burke julgaria que “algumas reformas podem até ser admitidas, contanto que resultem de um longo processo de experimentação e não de uma ruptura radical com o passado” (QUADROS, 2015, p. 175).

19 Rompendo com a tradicionalidade dos espelhos de príncipes escritos desde o século XII como guias governamentais, onde traços da moralidade cristã são profundamente enraizadas na forma de governar desde o medievo ocidental onde as instituições eclesiásticas detinham influencia, dependendo da regionalidade, parcial ou total das diretrizes do governante, Uma das principais representações de espelhos de príncipe no período da Idade média central é o afresco de Ambrogio Lorenzetti, a Alegoria do Bom Governo (1337-1340). Esse afresco tem como base as virtudes teológicas-morais que um governante necessita ter, essa obra representa um extremo oposto do ideário de Maquiavel, onde a moralidade cristã não está, em particular, em convergência com a verdade efetiva de um governo dinâmico e real. Esses espelhos de príncipe sejam por obras literárias em prosa ou em formas ilustrativas em afrescos ou quadros são rompidos pela primeira vez por Maquiavel, “tecnicamente falando, um afresco é uma pintura mural através da aplicação de pigmentos de cor diluídos em água diretamente na parede enquanto a argamassa ainda está úmida. A imagem torna-se então parte integral da construção arquitetônica onde foi pintada, uma concepção entrelaçada e integral da de arte tipicamente medieval, além de seu custo ser bem mais barato que os mosaicos” (BORSOOK, 1960 apud COSTA, 2003, p. 57).

20 “Podemos detectar duas “matrizes” na leitura republicana da obra de Maquiavel: a primeira, embora reconheça sua importância para o pensamento político moderno, parece preocupada em chamar a atenção para sua pertinência (o que não quer dizer identificação) ao modelo antigo de republicanismo, ou o chamado “republicanismo clássico”. O que caracteriza basicamente esse republicanismo é a convicção de que a liberdade individual não pode ser dissociada da liberdade do Estado, de modo que a participação ativa dos cidadãos nos afazeres cívicos se torna uma exigência, assim como a organização institucional de um espaço em que o poder é exercido pelos membros da comunidade política. [...] ao passo que o segundo acredita mais apropriado situá-lo em relação à tradição romana [...] vai encontrar na recepção do republicanismo no período do Renascimento e em sua transmissão para a modernidade uma teoria neorromana dos Estados livres [...] A segunda matriz enfatizaria a ruptura de Maquiavel frente à tradição do pensamento político na medida mesmo em que seu pensamento revela o caráter agônico da vida civil, a “indissociável sociabilidade” que une e separa os homens vivendo em um regime político marcado pelas incessantes confrontações das forças sociais” (ADVERSE, 2007, p. 34).

21 “O desejo dos grandes, em princípio já determinado, é sempre idêntico a si. Por isso Maquiavel pode atribuir a responsabilidade pela grandeza ou decadência ao desejo do povo, como vemos também no livro III das Istorie. Se o povo passa a desejar como os grandes, isto é, quando se torna ambicioso, preocupado apenas em satisfazer seu próprio interesse, em detrimento do bem comum, então a república está com os dias contados. Desfecho catastrófico da oposição fundamental: o humor do povo se igualou ao dos grandes [...] os nobres semelhantes ao povo: dois se fez um. Fez-se um na má positivação do desejo do povo, identificado com o dos nobres. Estes tornaram-se parecidos com o povo porque o povo tornou-se parecido com os nobres: quando a cidade chega a esse ponto, não há mais vida política. Mas é necessário examinar mais de perto essa possível identificação entre os humores” (ADVERSE, 2007, p. 45).

22 “Referente à perspectiva política de Estado, diferente do termo maquiavélico, Norberto Bobbio em seu Dicionário de Política, interpreta o verbete maquiavelismo como: “É uma expressão usada especialmente na linguagem ordinária para indicar um modo de agir, na vida política ou em qualquer outro setor da vida social, falso e sem escrúpulos, implicando o uso da fraude e do engano, mais que da violência. ‘Maquiavélico’ é considerado, em particular, aquele que quer se mostrar como homem que inspira sua conduta ou determinados atos por princípios morais e altruísmo, quando, na realidade, persegue fins egoísticos” (BOBBIO, 1995, p. 738 apud FREITAS JÚNIOR, 2007, p. 206).

23“[...] Muitos de nossos filósofos, em vez de desacreditarem os preconceitos gerais, empregam sua sagacidade em descobrir a sabedoria latente que eles encerram. Se encontram o que buscam (e raramente falham), consideram mais sensato continuar com o preconceito, juntamente com razão que o envolve, do que, prescindindo desta capa, deixar a razão nua; porque o preconceito torna a razão ativa; e pela afeição que lhe inspira, confere-lhe permanência. O preconceito é de aplicação imediata em casos de emergência; dispõe previamente a mente a um curso constante de sabedoria e de virtude, não permitindo que o homem, no momento da decisão, fique hesitante, cético, confuso e indeciso” (BURKE, 2014, p. 106 apud ANUNCIAÇÃO, 2016, p. 373).

24“Coerente com a visão providencialista das coisas, Maistre anuncia que a “contrarrevolução” viria independentemente da vontade do povo francês. Refuta, portanto, a ideia de que ela poderia resultar de uma deliberação popular. Para o autor, o povo é sempre um instrumento passivo: a multidão nunca escolhe, apenas aceita. É Deus quem forma as soberanias; Ele o mostra ao não confiar ao povo a escolha de seus mestres. Assim ocorreu com a Revolução; assim ocorreria com a Contrarrevolução. ” (SAES. 2008, p. 15).

25 “O tratado de Cateau-Cambrésis (responsável pela transferência da capital do ducado de Chambéry, na Sabóia, para Turim), de 1559, e as fracassadas políticas expansionistas à oeste do seu sucessor, Carlos Emanuele I, orientaram definitivamente a política expansionista dos duques para a península itálica, a despeito das origens francesas (ou melhor, borgonhesas) do ducado. No final do século XVII e início do XVIII – isto é, após nova invasão francesa de 1690 sob a égide do “rei Sol” –, o liame orgânico que ligava o Estado piemontês com seus súditos francófilos saboianos arriscava ser rompido, como testemunharam os comandantes e oficiais de ocupação franceses entre 1690 e 1703, recebidos e aclamados em Chambéry como “libertadores”. Como todas as iniciativas dos duques dirigiam-se para os domínios da Itália, os observadores diplomáticos estrangeiros descreviam a Itália como uma alcachofra que os duques da Sabóia devoravam folha por folha”. (In: NICOLAS, Jean. La Savoie au XVIII e siècle: noblesse et bourgeoisie (1978). Montmélian: La Fontaine de Siloé, 2003. p.626-627 apud NANNI. 2012, p. 114).

26 A legitimidade do direito de sucessão pelo costume ordinário e não pela imposição, “Mas na ausência de testamento e palavras expressas é preciso guiar-se por outros sinais naturais da vontade, um dos quais é o costume. Portanto, quando o costume é que o parente mais próximo seja o sucessor absoluto, também nesse caso é o parente mais próximo quem tem direito à sucessão, visto que, se fosse diferente a vontade do que detinha o poder, facilmente ele poderia assim ter declarado quando em vida [...] porque seja qual for o costume que um homem tenha a possibilidade de regular através de uma palavra, e não o faz, está-se perante um sinal natural de que ele quer que esse costume se mantenha” (HOBBES, 2003, p. 168).

27 “A cinco dias de seu falecimento, o contrarrevolucionário saboiano Joseph de Maistre (1753-1821) fez a seguinte pergunta: “somos ou não [somos] italianos? Ao passo que em Florença somos chamados de nação anfíbia, ou enquanto por aqui dissermos “chegou o correio da Itália? ”, viverei sempre com a mesma dúvida”. (MAISTRE, Joseph de. Lettre A M. le Marquis D’Azeglio, 21/02/1821. In: Oeuvres complètes de Joseph de Maistre. Lyon: Vitte et Perussel, vol.XIV, 1886. p. 258-259 apud NANNI, 2012, p. 114).

28 “Tende-se a crer que essas qualidades morais pessoais não têm em si absolutamente nada a ver com quaisquer máximas éticas ou mesmo com noções religiosas, que, nessa direção, o fundamento adequado de uma conduta de vida como essa de negócios seria essencialmente algo negativo: a capacidade de se livrar da tradição herdada, em suma, um “iluminismo” liberal. E de fato esse é geralmente o caso nos dias de hoje, sem dúvida. Não só falta uma relação regular entre conduta de vida e premissas religiosas” (WEBER, 2004, p. 62).

29 “[...] nosso presente perigo está no exemplo de um povo cujo caráter não conhece a ponderação; é, no que diz respeito ao governo, o perigo da anarquia, o perigo de ser levado, através de uma admiração à fraude bem-sucedida e à violência, a uma imitação dos excessos de uma irracional, inescrupulosa, sangrenta e tirânica democracia. Do lado da religião, o perigo do seu exemplo não é mais a intolerância, mas o ateísmo, uma falta, um vício antinatural, inimigo de toda a dignidade e consolação da humanidade” (BURKE, 1982, p. 139).

30 Isaiah Berlin chega ao “extremo de o considerar como o pai de todos os totalitarismos do século XX, quer de direita quer de esquerda: Na prática, se não na teoria, […] a visão profundamente pessimista de De Maistre é o coração dos totalitarismos, tanto de esquerda como de direita, do nosso terrível século (BERLIN, 2003 p. 127). Se assim for, parece que as visões otimistas da humanidade e do seu destino, essas, não terão nada que ver com nenhum tipo de totalitarismo. Que dizer, então, das utopias amigas do iluminismo que degeneraram em feroz totalitarismo? Será que a circunstância de Berlin haver feito um aceno à distinção entre teoria e prática torna possível a inclusão da globalidade dos totalitarismos na descendência do Saboiano? Quererá isto dizer que o pessimismo é tendencial se não essencialmente totalitário e que o primeiro e mais extremo pessimismo do mundo foi o de De Maistre? ” (ROMÃO, 2012. p. 8-9).

31 “Antes de reconhecer a validade da crítica antirrevolucionária do autor de Reflexões sobre a Revolução na França, começou numa fase inicial por ser um dos mais vigorosos críticos do parlamentar irlandês. Para Macckintosh, Burke exibira nas Reflexões uma incomparável antipatia à razão, recusando a este qualquer papel na atividade política racional. Ora, para Mackintosh, e tal como o autor afirma na sua Vindiciae Gallicae (1791), é absurdo esperar, mas não é absurdo procurar a perfeição” (COUTINHO, 2014, p. 35).

32 É importante considerar que o conservadorismo como induto político foi, pela primeira vez, proposto por Richard Hooker (1554-1600), influente pastor anglicano e teólogo defendia em “usar e desfrutar aquilo que está disponível, em vez de desejar ou procurar outra coisa” negando uma felicidade utópica, sendo, assim, um traço característico tanto em Burke quanto em Maistre.

33 “Foi novamente Huntington quem melhor apresentou essa natureza reativa do conservadorismo como ideologia, mesmo sabendo que a palavra é um anátema para muitos conservadores. A multiplicação de forças interiores, temperamentos, fés, espíritos, instintos ou inclinações é a expressão mais evidente desse desconforto em perceber o conservadorismo como ideologia” (COUTINHO, 2014, p. 26-27).

34 “Enganam-se assim os que pensam que o conservadorismo não é uma ideologia [...] esse engano recorrente só poderá ser explicado se partirmos do pressuposto de que todas as ideologias têm de ser obrigatoriamente ideologias ideacionais, ou seja, ideologias que procuram cumprir em sociedade um programa ou um ideário político. O fato de o conservadorismo, pela sua natureza reativa e posicional, não ser uma ideologia ideacional não significa que ele não é também uma ideologia” (COUTINHO, 2014, p. 29).