PRÁTICA PROFISSIONAL DO/A ASSISTENTE SOCIAL NA SAÚDE: DIFICULDADES E POSSIBILIDADES DE SUPERAÇÃO DO IMEDIATISMO


PROFESSIONAL PRACTICE OF SOCIAL WORKERS IN HEALTH: DIFFICULTIES AND POSSIBILITIES TO OVERCOME IMMEDIACY


PURL: http://purl.oclc.org/r.ml/v6n2/d3


Naraline Beraldi Galdino


Maria Clélia Pinto Coelho


Resumo: O presente artigo tem como objetivo discutir o trabalho profissional do/a assistente social no campo da saúde pública, especificamente, no campo da urgência, apresentando uma análise crítica das dificuldades e possibilidades da realização do trabalho, que devido ao caráter emergencial encontra-se permeado pelo pragmatismo das ações. Ao considerarmos o pragmatismo como método filosófico que tem por características, a supervalorização da experiência e a desvalorização do conhecimento histórico e teórico, pontuamos que uma prática profissional pautada no pragmatismo traz aos assistentes sociais constantes desafios, que tem como traço, geralmente, a imediaticidade na atenção das demandas. No entanto, concluímos que mesmo diante das dificuldades, é latente a possibilidade de uma práxis social transformadora e crítica, ainda que dificultada pelas características do trabalho. Para esta análise, nos aproximamos do trabalho profissional do Serviço Social, em uma Unidade Pré-Hospitalar, em Campos dos Goytacazes/RJ, possibilitado através do estágio supervisionado em Serviço Social, realizado em 2017/2018

Palavras-chave: Serviço social. Saúde. Prática profissional.


Abstract: This article discusses the professional work of the social worker in the field of public health, specifically in the field of urgency, presenting a critical analysis of the difficulties and possibilities of conducting the work, which due to the emergency character is permeated for the pragmatism of actions. When we consider pragmatism as a philosophical method that has as characteristics, the overvaluation of experience and the devaluation of historical and theoretical knowledge, we point out that a professional practice based on pragmatism brings constant challenges to social workers, which is characterized by immediacy in demands. However, we conclude that even despite difficulties, the possibility of a transformative and critical social praxis is latent, albeit hampered by the characteristics of the work. For this analysis, we approached the professional work of Social Work, in a Pre-Hospital Unit, in Campos dos Goytacazes/RJ, made possible through the supervised internship in Social Work, held in 2017/2018.

Key words: Social work. Health. Professional practice.


1. Introdução


A política pública de saúde é de suma importância para o desenvolvimento da sociedade brasileira, visto que uma grande parcela da população usufrui desta política, seja nas unidades básicas de saúde, nas unidades pré-hospitalares, nos grandes hospitais de referência, no trabalho de imunização e prevenção ou nas outras múltiplas frentes que a saúde pública atua. Desta forma, pensar o trabalho profissional do/a assistente social nestes espaços nos propõe pensar as questões conjunturais políticas e sociais que compõem a sociedade brasileira na atualidade e que perpassam o fazer profissional.

Reconhecer a historicidade presente nesta política pública se apresenta como questão fundamental à medida que se faz necessário conhecer as engrenagens da grande máquina pública de trabalho, a qual o/a assistente social faz parte, junto com os outros profissionais de saúde, assim como, conceber as questões políticas e as correlações de forças presentes nesses espaços. Diante disso, pensar política de saúde como espaço de trabalho§, implica pensar as dificuldades e possibilidades presentes no cotidiano dos profissionais do Serviço Social que realizam este trabalho nas unidades de saúde.

De acordo com Guerra (2013) o Serviço Social se encontra no âmbito da divisão social e técnica do trabalho, por ser uma profissão de caráter interventivo que se institucionaliza a medida em que precisa responder às demandas fruto das expressões da questão social, cuja fonte encontra-se ligada às condições econômicas e políticas. Neste sentido, seu caráter interventivo vinculado aos elementos que estruturam o seu cotidiano, ou seja, as conjunturas sociais que estabelecem relações com a questão social, se materializam através das políticas sociais, objeto pelo qual se dá a mediação das múltiplas expressões da questão social.

A política pública de saúde traz em seu bojo as lutas e as contradições fruto do sistema de produção capitalista e das relações que este estabelece com o Estado. Na atual conjuntura a presença do neoliberalismo, da crise econômica, política e social do país tornam-se agravantes sobre essa política pública, lócus do trabalho dos/as assistentes sociais e, desta forma, pensar a política pública de saúde implica-nos discutir a sua historicidade, os impactos da atual conjuntura sobre o SUS - Sistema Único de Saúde e os rebatimentos dessas questões no trabalho dos assistentes sociais, problematizando a atuação profissional e o fortalecimento dos discursos e ações pragmáticas neste contexto.

 

É neste quadro que o pragmatismo, como representação ideal da imediaticidade do mundo burguês, encontra o solo mais adequado para influenciar a profissão dos pontos de vista prático e profissional, teórico e ideopolítico. Porque considera que o significado das coisas, dos processos e das práticas sociais, reside neles próprios e rebate sobremaneira nas intervenções sociais e profissionais, afetando não apenas as profissões dos assistentes sociais, mas os sujeitos sociais do mundo burguês e as profissões interventivas como um todo (GUERRA, 2013, p. 40).


A questão aqui apresentada parte, assim, do pressuposto sobre o tipo de trabalho exigido aos profissionais da saúde, principalmente, nos plantões, onde a urgência das demandas, muitas vezes, cobra dos profissionais uma atuação imediata. Neste sentido, a característica do trabalho em regime de plantão também pode ser um fator que dificulta o acompanhamento de uma demanda e, assim, múltiplos fatores conjunturais se somam ao trabalho no campo da saúde, se configurando como obstáculos ao fazer profissional.  

A conjuntura neoliberal fortalece também o discurso conservador, a burocracia e o sucateamento do SUS, acirrando as desigualdades sociais existentes no país que se expressam fortemente na realidade da sociedade brasileira e apresentam influências sobre a atuação profissional do Serviço Social.

O combate ao conservadorismo na profissão vem ao longo dos anos se apresentando, ainda que cerceado por muitos entraves e, de acordo com o CFESS (2009), os segmentos da categoria profissional que buscaram, através do “Congresso da Virada”**, uma transformação de sua consciência política e a renovação do seu direcionamento - voltados à crítica do conservadorismo e do sistema capitalista, alinhados a uma perspectiva marxista para a construção do seu projeto ético-político -, encontraram entraves objetivos e subjetivos, na prática cotidiana do trabalho, que ligados aos enlaces pragmáticos distanciavam o profissional dessa renovação política que a profissão vinha (e vem) construindo. No entanto, de acordo com Heller (1970), importa-nos ressaltar que no cotidiano existe, também, a possibilidade da transformação, não sendo o pragmatismo um fardo imutável deste cotidiano.

Desta forma, o debate se faz necessário à medida em que uma prática pragmática redireciona a atuação profissional para os rumos conservadores, burocráticos e acríticos que reforçam o discurso de dicotomias entre a teoria e a prática, afastando os/as assistentes sociais das prerrogativas para uma atuação em confluência com o Projeto Ético-Político Profissional. Assim sendo, reconhecemos a importância de pensarmos a atuação profissional do/a assistente social na política de saúde, visto as complexas relações que nela se estabelecem e possibilitadas pelas reflexões a partir das experiências vivenciadas no estágio supervisionado em Serviço Social, em uma Unidade Pré-Hospitalar de Campos dos Goytacazes, entre os anos de 2017 e 2018.

A Unidade Pré-Hospitalar localizada em Campos dos Goytacazes/RJ, faz parte do sistema municipal de saúde e atende demandas de ambulatório e urgência, no bairro em que se localiza e áreas vizinhas. O trabalho do Serviço Social se realiza em regime de plantão 24 horas e essa particularidade na política de saúde suscitou o debate no âmbito da imediaticidade das demandas em saúde e as possibilidades de atuação nestes espaços, ou seja, possibilitou-nos pensar como o trabalho pode ser realizado de maneira qualificada e com reflexões críticas, numa dinâmica que não favorece esta atuação e sim uma atuação pautada em respostas e ações aligeiradas. Para tanto, faz-se necessário traçar um breve relato da trajetória da política de saúde no Brasil, para estabelecermos reflexões e articulações com esse fazer profissional ameaçado, na atualidade, por práticas imediatas.


2. A trajetória da política de saúde no brasil: breve resgate sobre a conjuntura social, suas determinações históricas e o Sistema Único de Saúde


A saúde no Brasil não se constitui como um direito desde seus primórdios e um longo caminho foi traçado para que esta viesse a se configurar como direito do cidadão e dever do Estado, a partir da Constituição Federal de 1988. Neste sentido, para pensarmos no Sistema Único de Saúde como um grande avanço na esteira das políticas públicas, por ser uma política de atendimento universal, se faz necessário a realização de um breve resgate histórico da saúde no país, para compreendermos quais caminhos nos levaram ao conceito de saúde pública que hoje a grande maioria dos brasileiros têm usufruído.

O conceito de saúde vem se transformando ao longo do tempo de acordo com Buss (2010), e assim se faz possível identificarmos a existência de diversificadas noções de saúde pública atreladas às diferentes conjunturas e formações sociais. A saúde atualmente é concebida como um direito social resguardado pela Constituição Federal de 1988 e, em seu capítulo II, artigo 6°, a saúde é preconizada, então, como um direito, assim como, a alimentação, o trabalho, a moradia, a educação, o transporte, o lazer, a segurança, entre outros, explicitado, também no artigo 196°, desta Constituição:


A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. (BRASIL, 1988, n.p.).

 

De acordo com Bravo (2007), a assistência em saúde no século XVIII encontrava-se pautada na filantropia, com a centralidade apenas na doença do corpo. No século XIX, em defluência das transformações econômicas e políticas no país, algumas mudanças em saúde surgiram, como, por exemplo, a vigilância do exercício profissional e algumas campanhas sanitárias. E, apenas a partir do século XX, na década de 1930, que a intervenção estatal começou a ocorrer, juntamente com as reivindicações do nascente movimento operário. A década de 1930, foi circunscrita pelos processos de industrialização no país, pelo surgimento das políticas sociais, pela mobilização dos trabalhadores/as e, também, pela redefinição do papel do Estado, que começa a se transformar. 

A questão da saúde nos anos de 1930††, de acordo com Bravo (2007) emerge como expressão da questão social que necessita da intervenção do Estado, em um governo ditatorial e populista de Getúlio Vargas, no seio de uma política econômica capitalista pautada na exportação cafeeira, que reflete o avanço do trabalho assalariado no Brasil, onde as questões de higiene e saúde do/a trabalhador/a eclodem com significativa importância, não apenas pela reivindicação social, mas, também, para manter a reprodução do capital. Este movimento, então, se institui como o embrião do sistema previdenciário no país. 

Cabe ressaltar que a saúde na lógica econômica de produção passa a ser uma questão fundamental para o desenvolvimento do capital, pois, sem saúde não há trabalhador/a que produza e sem produção não há lucro, desta forma, a intervenção em saúde por parte do Estado, faz parte da manutenção da ordem capitalista de produção e da relação dicotômica que se estabelece entre as classes sociais e, para além de um direito conquistado, a saúde como uma via de mão dupla fortalece a manutenção do capital.

No que tange ao Serviço Social, de acordo com Bravo; Matos (2004), a conjuntura social brasileira na década de 1930, revelava uma profissão que começava a se caracterizar no país com influências europeias. A princípio, a saúde não concentrou o maior número de profissionais de Serviço Social, todavia, algumas escolas surgiram a partir da forte demanda do setor. A formação acadêmica desde seu início trazia em seu bojo disciplinas voltadas à saúde, no entanto, a expansão profissional se deu a partir de 1945, com a ampliação das exigências e necessidades sociais, fruto do aprofundamento do capitalismo no país. Neste período, a atuação profissional se ampliou no campo da saúde, por exemplo, transformando-se no setor que mais absorveu assistentes sociais.


Além das condições gerais que determinaram a ampliação profissional nesta conjuntura, o “novo’’ conceito de saúde, elaborado pela Organização Mundial de Saúde (OMS), em 1948, enfocando os aspectos biopsicossociais, determinou a requisição de outros profissionais para atuar no setor, entre eles, o assistente social. Este conceito surge dos organismos internacionais, vinculados ao agravamento das condições de saúde da população, principalmente, dos países periféricos, e teve diversos desdobramentos. Um deles foi a ênfase no trabalho em equipe multidisciplinar - solução racionalizadora -, que permitiu: suprir a falta de profissionais com a utilização de pessoal auxiliar em diversos níveis; ampliar a abordagem em saúde, introduzindo conteúdos preventistas e educativos; e criar programas prioritários com segmentos da população, dada a inviabilidade de universalizar a atenção médica e social (BRAVO; MATOS, 2004, p. 28).

Ao voltarmos nosso olhar para as determinações históricas da saúde no país, as décadas de 1960 e 1970 se constituíram como um período importante para o desenvolvimento da Política de Saúde no Brasil e, neste momento, a conjuntura social e política do país sofreu profundas transformações, no afluir do período da ditadura militar de 1964. De acordo com Bravo (2007), a ditadura militar, a qual o Brasil vivenciou, significou para a sociedade brasileira a afirmação de uma tendência de desenvolvimento econômico, social e político que estabeleceu um novo modelo de país, onde os grandes problemas não foram resolvidos e sim ampliados.

A ditadura militar fortaleceu a dominação burguesa visando beneficiar as classes proprietárias e, é nesse sentido, que nesse período houve um grande apoio ao projeto privatista de saúde. De acordo com Bravo (2007), a estrutura hospitalar privada já se encontrava posta, a partir dos anos de 1950 e, apontava na direção da formação de empresas médicas, sendo assim, as corporações médicas ligadas aos interesses do capital começavam a se organizar e pressionar o Estado em busca de financiamentos. O interesse das grandes corporações pela privatização na saúde do país já se mostrava neste momento, no entanto, esse processo só se fortaleceu a partir do golpe militar de 1964.

Nesta conjuntura, o Serviço Social sofreu profundas transformações que determinaram influências sobre a profissão e, de acordo com Bravo e Matos (2004), a classe profissional, até a década de 1960, se inseria na reprodução dos blocos hegemônicos conservadores, que conduziam as entidades organizativas, a produção de conhecimento e o próprio trabalho profissional. No entanto, esta realidade se transforma a partir do momento em que alguns profissionais, com intenções progressistas, questionaram o conservadorismo ao qual a profissão se enveredava, suscitando o debate respaldado pelas discussões existentes nas ciências sociais.

No contexto da ditadura militar, a repressão violenta e o conservadorismo, característicos deste regime, confluíram com a ampliação das políticas sociais, no entanto, estas foram desenvolvidas pelo Estado de forma burocrática e com um forte apelo privatista, como, por exemplo, o caso da saúde. A ampliação das políticas sociais tinha por objetivo aumentar o poder regulatório estatal sobre a sociedade, a fim de legitimar o seu regime político e atenuar as tensões sociais.   

No período de 1974 a 1979, o Brasil iniciou um processo de distensão política. De acordo com Bravo (1996), o bloco que se encontrava no poder desde 1964 não obteve, ao longo dos 10 primeiros anos, hegemonia em seu regime e, desta forma, foi preciso modificar a sua relação com a sociedade, buscando estabelecer novos canais de mediação entre o Estado e a população. Na década de 1970 encontra-se, também, neste cenário social e político, o afluir do movimento sanitário, um importante passo para a construção do SUS.  

De acordo com Teixeira (2006), o conceito de Reforma Sanitária encontra-se ligado ao processo de transformação da norma legal e do aparelho institucional, que são dirigentes da proteção em saúde na sociedade, assim como, de sua regulamentação. Este processo também se encontra permeado pelo referencial histórico, visto que no Brasil a reforma sanitária se apresenta no período de uma abertura política, no final dos anos de 1970, com o enfraquecimento do regime ditatorial e o avanço das lutas pela redemocratização do país e, neste contexto, encontra-se associada a emergência da classe trabalhadora como ator político.

A saúde pública na década de 1970 apresentava novas tendências relativas à organização do sistema de saúde no país, alinhadas a uma modernização administrativa e institucional do regime militar e, de acordo com Teixeira (2006), essas tendências englobaram: a) a extensão da cobertura previdenciária à toda população urbana e parte da população rural; b) a inclinação da política nacional de saúde para uma prática médica curativa individual em detrimento de seu caráter preventivo; c) o desenvolvimento de um modelo da prática médica voltada para a lucratividade, propiciando a privatização; d) a expansão do complexo médico-industrial, de sua base tecnológica e do consumo de medicamentos.

No entanto, ao fim da década de 1970, este modelo de saúde pública já se mostrava incapaz de dar conta da realidade sanitária nacional e, nesse sentido, o processo de redemocratização que se iniciava no fim desta década, encaminha ao Estado novas exigências relacionadas à implementação das políticas públicas.                              

O movimento sanitário‡‡, de acordo com Teixeira (2006), que se já se organizava nos meados dos anos 1970, envolvia intelectuais, profissionais de saúde, organizações populares e sindicais, em volta da luta pela garantia do direito universal à saúde e a construção de um sistema único estatal. Ainda que o movimento sanitário tenha sua origem nas universidades, este, não limitou sua discussão apenas à vertente teórica da produção científica em saúde, mas, ampliou sua atuação a partir das discussões acadêmicas para a difusão de novas práticas em saúde e de uma nova consciência sanitária. 

A coalizão do movimento sanitário com as organizações sindicais médicas e os demais movimentos dos segmentos da sociedade, para reivindicar transformações do setor de saúde, foram imprescindíveis para que o movimento sanitário e a questão da saúde pública tomassem grandes proporções na sociedade. A década de 1980, marca na sociedade brasileira o processo de redemocratização política do país e, concomitantemente, o aprofundamento de uma crise econômica que, de acordo com Bravo (2007), persiste até os dias atuais.

Nas discussões sobre a saúde no Brasil viu-se afluir novos atores sociais que suscitavam o debate sobre as condições de vida da população. Desta forma, a saúde deixou de ser interesse de apenas uma parcela da população (técnicos, médicos, políticos, militantes do movimento da reforma sanitária e empresas médicas privadas) para ser uma discussão presente em toda a sociedade, em todas as classes e territórios que, por maior ou menor apreensão dos pormenores da conjuntura do país e do jogo de interesses, se aproximavam da discussão sobre a saúde pública. 

Outros atores sociais de grande importância neste processo foram os partidos políticos de oposição, que incluíram em seus programas, a temática da política pública de saúde, a fim de viabilizar debates no Congresso Nacional, como também, os movimentos sociais urbanos, que articulados com as demais entidades da sociedade civil realizaram eventos para discutir a temática em questão e, também, entidades do movimento sanitário, tendo o Centro Brasileiro de Estudo de Saúde (CEBES) como transmissor da difusão e ampliação do debate em torno da saúde e da democracia, elaborando contrapropostas ao modelo privatista de saúde.

Um importante acontecimento que se insere na década de 1980 é a realização da 8° Conferência Nacional de Saúde, que ocorreu em 1986, na cidade de Brasília, que de acordo com Bravo (2007) se constituiu como um marco importante na trajetória da política pública de saúde no país, tendo como eixos temáticos “saúde como direito de cidadania; reformulação do sistema nacional de saúde; e financiamento setorial” (BRAVO; MATOS, 2004, p. 33).

Os debates realizados na 8ª Conferência Nacional de Saúde foram frutos dos fóruns específicos realizados junto a Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coletiva (ABRASCO) e o Centro Brasileiro de Estudos em Saúde (CEBES), e contaram com a participação dos usuários da saúde, sindicatos, partidos políticos, associações de profissionais e o parlamento. Nesta Conferência foi aprovada, de acordo com Bravo e Matos (2004), as propostas do movimento da Reforma Sanitária e o relatório final da mesma foi transformado em recomendações, que serviram de base para a negociação da implementação da Reforma Sanitária no país e para a formulação da Constituição Federal de 1988.

A Assembleia Nacional Constituinte, que em 22 de setembro de 1988, aprovou a Constituição Federativa do Brasil, promulgada em 05 de outubro de 1988, consagrou a saúde como um direito social e foi marcada pelos conflitos de interesses políticos difusos entre dois blocos que disputavam a aprovação de seus respectivos projetos. De um lado encontrava-se o setor privado, através da Federação Brasileira de Hospitais e da Associação de Indústrias Farmacêuticas, composta por indústrias internacionais e, de outro, o interesse público da Reforma Sanitária, representada pela Plenária Nacional de Saúde.

A proposta de Emenda Popular apresentada pela Plenária Nacional de Saúde à Constituinte§§, que teve como relator Sérgio Arouca***, foi assinada segundo Bravo (2007), por mais de 50 mil eleitores e 167 entidades, entre sindicatos, partidos políticos, associações profissionais e movimentos sociais. A Emenda Popular continha em sua maioria as requisições do movimento sanitário, no entanto, diante da pressão política, fruto da polarização dos interesses, algumas concessões foram feitas para que o projeto fosse aprovado, como a não alteração da situação da indústria farmacêutica no país. 

A Carta Magna veio consagrar a saúde, juntamente com a assistência social e a previdência social, como o tripé da Seguridade Social no Brasil, direito da população e dever do Estado. No que tange a saúde, a oferta desta encontra-se prevista de forma universal, integralizada, regionalizada e hierárquica.

A partir da análise conjuntural da década de 1980, compreendemos que houve uma ampliação da discussão da saúde e, por conseguinte, uma politização do tema, que tornaram possíveis, através das mobilizações e da organização social, a alteração das normas constitucionais e o reconhecimento da saúde como um direito social. As mudanças ocasionadas por estas propostas constitucionais se materializaram na criação do Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde (SUDS) em 1987, que visava consolidar as prerrogativas da Reforma Sanitária. Este modelo de política de saúde foi, gradualmente, incorporado ao Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (INAMPS), sendo substituído, posteriormente, pela criação do Sistema Único de Saúde (SUS).

O SUS foi instituído pela Constituição Federal em 1988, como um “passo mais avançado na reformulação administrativa do setor” (BRAVO, 2007, p. 99), sendo descentralizado política e administrativamente e de caráter universal, como previsto pelo movimento da Reforma Sanitária. Estando a saúde prevista na Constituição Federal de 1988, como um direito social e o SUS elaborado como o sistema pelo qual esta política se realizará, este foi consolidado com a criação da Lei Orgânica da Saúde (Lei 8.080, de 19 de setembro de 1990), que trata de sua operacionalização e, posteriormente, reafirmado com a criação da Lei 8.142, de 28 de novembro de 1990, que preconiza o controle social nesta política pública.

Mesmo com os avanços conquistados, destaca-se que na década de 1990, a saúde enfrentava entraves à sua implementação, visto a crise econômica em que o país se encontrava e o avanço das políticas neoliberais. Mendes (2004) nos apresenta o SUS como um processo que vem se construindo mediante as adversidades nas quais emerge, abordando-o como um processo de dimensões sociais, políticas e ideológicas.

Neste sentido, concordamos que por ser um sistema que emerge em um contexto de crise financeira e política, o SUS não foi implantado como fora preconizado e, desta forma, sua estrutura conta com déficits, seus princípios doutrinários††† e organizativos não estão plenamente implementados e o seu financiamento tem sido restringido desde sua nascitura, fatores que precarizam e impactam a implementação dos serviços.

No entanto, o SUS atende uma grande parte da população brasileira, ofertando serviços na atenção de baixa, média e alta complexidade, assim como, estratégias de educação e de prevenção em saúde. De acordo com o Conselho Federal de Medicina do Estado do Sergipe (CREMESE, 2010), nos primeiros 20 anos de sua existência, o SUS abarcou o atendimento de 80% da população brasileira, que se aproximava de 150 milhões de pessoas, consumindo 45% do total de investimentos com saúde no país. Para tanto, o setor privado de saúde abarcou 40 milhões de usuários, que representavam apenas 20% da população.

A conjuntura social da década de 1990 em diante, permeada pelas políticas neoliberais, reforça a privatização da saúde, com o enxugamento do Estado na direção das políticas sociais, conforme afirma Iamamoto (2015). Na  atual conjuntura brasileira, o SUS e as demais políticas sociais vem sofrendo constantes ataques, com o fortalecimento da política neoliberal e do modelo privatista de saúde, sob a disseminação do discurso da crise fiscal e do serviço público ineficiente, com o sucateamento dos hospitais e a falta de insumos para a realização do trabalho, projeto que fortalece o imaginário do senso comum de que a saúde pública não funciona.

A materialização desses ataques pode ser verificada na Proposta de Emenda à Constituição Federal (PEC 241/2016) concebida no governo de Michel Temer que prenuncia o congelamento dos gastos públicos por 20 anos, nas políticas de saúde e educação, em razão da dívida pública. Neste sentido, o que está posto é que não haverá investimentos nestas políticas, por 20 anos, mesmo que se registre um crescimento econômico. Este congelamento significa um sucateamento da “coisa pública”, que sem investimentos não funciona de maneira qualificada e adequada e, no caso da saúde, em uma perspectiva universal.

Veja, aqui não fechamos os olhos para a realidade das unidades de saúde e para as várias denúncias sobre o não acesso à saúde, por falta de profissionais e estruturas, mas pensamos criticamente esta realidade. Sucatear a estrutura pública a fim de privatizá-la, se configura como um ataque ao direito social que é a saúde, em um país com níveis alarmantes de desigualdades‡‡‡, onde a grande massa não tem condições de acessar a saúde a não ser pela via pública. Em algum momento da vida, todos utilizam o Sistema Único de Saúde e, desta forma, se faz necessário reconhecer o SUS como uma política pública fundamental para o desenvolvimento da sociedade brasileira.

No que tange ao Serviço Social, de acordo com Bravo e Matos (2004), na década de 1990, a profissão absorve influências da conjuntura social brasileira, de crises econômicas e enxugamento das políticas sociais, mas, no entanto, neste momento também passa por um processo de revisão de sua própria realização, negando o Serviço Social tradicional e buscando uma nova direção. Aqui ressaltamos que as políticas sociais se caracterizam como a matéria prima do trabalho profissional, por se configurar como o meio pelo qual o/a assistente social realiza sua mediação frente às demandas e, o enxugamento dessas políticas, fruto do projeto neoliberal, traz à profissão, novos desafios para a atuação profissional.

Diante do exposto, nos é possível conceber a política de saúde no Brasil como uma política complexa, que traz em seu desenvolvimento marcas das conjunturas sociais, políticas e econômicas de cada período histórico do país, envolvendo diversos atores sociais, interesses ambíguos, no campo das políticas sociais mediadas pelo Estado e nas inclinações do sistema capitalista. Os avanços sociais, neste sentido, se configuram nas lutas sociais e na relação de divergências entre as classes sociais.

Revisitar a trajetória da saúde no Brasil, ainda que brevemente, se faz imprescindível para pensarmos o trabalho profissional do Serviço Social neste espaço de atuação profissional e política, reconhecendo suas raízes, seus processos, seus avanços, bem como, as influências conjunturais de sua formação. Não é possível pensar a prática profissional, suas dificuldades e possibilidades no campo da saúde sem conhecer este espaço e as correlações de forças que nele habitam e que, por conseguinte, influenciam na realização do trabalho profissional.


3. Serviço social no SUS: um olhar sobre o trabalho profissional realizado em uma unidade pré-hospitalar, em Campos dos Goytacazes e os rebatimentos pragmáticos presentes nessa prática.

 

A Unidade Pré-Hospitalar aqui analisada, encontra-se vinculada, atualmente, a Fundação Municipal de Saúde (FMS). Antes de se transformar em Unidade Pré-Hospitalar, no ano de 2001, sob o Governo de Arnaldo França Vianna, esta foi instituída em maio de 1989 e mantida financeiramente pela Prefeitura Municipal de Campos dos Goytacazes, como uma UBS - Unidade Básica de Saúde, que funcionava apenas no turno diurno.

Esta Unidade Pré-Hospitalar é composta por uma equipe profissional multidisciplinar, em regime de plantão 24 horas, que conta com o seguinte quadro profissional: serviço social, odontologia, enfermagem e medicina, atendendo o distrito no qual está localizada e outras localidades vizinhas. Além de suprir as demandas ambulatoriais, atua também na urgência, realizando um filtro das demandas dos grandes hospitais da cidade, por se tratar de uma unidade que atende serviços diversificados, com repouso de até 24 horas, que conta com uma estrutura relativa ao atendimento de urgência, encaminhando, quando necessário, os pacientes para outras unidades de saúde.

No período da realização do estágio supervisionado em Serviço Social (2017/2018), segundo informações coletadas na UPH, na etapa da observação participante, a unidade contava com o atendimento ambulatorial médico, em áreas como, clínica geral, ginecologia, geriatria, pediatria, cardiologia, gastroenterologia, dermatologia, mastologia, pneumologia e ortopedia, além de outras referências profissionais como, psicologia, enfermagem e serviço social. A unidade também realizava atendimentos na área de vacinação, dentre outros procedimentos. Esta empregava 147 (cento e quarenta e sete) profissionais no total, que tinham como vínculos de trabalho os concursos públicos e o regime de RPA – recibo de pagamento de autônomo.

Para conversarmos com o breve resgate histórico sobre a política pública de saúde e a implantação do SUS, realizado no tópico anterior, importa-nos ressaltar que diante da conjuntura social de desmonte das políticas públicas, da realidade macroeconômica e política do país, do sucateamento do SUS, dos impasses do financiamento municipal e da precarização do trabalho, esta realidade sofre os impactos desse cenário e se transmuta, comprometendo a oferta de serviços e não permitindo que as equipes de trabalho se configurem como base de apoio na atenção à saúde da população local.

No que diz respeito ao trabalho do Serviço Social na Unidade Pré-Hospitalar, destacamos que os/as profissionais assistentes sociais - ao todo 7 (sete) profissionais -, integram a equipe multidisciplinar do setor de urgência e do ambulatório, e tem como prerrogativas ao trabalho, a atuação no atendimento direto ao usuário da saúde, a realização de análise de dados e de informações que possibilitem a identificação das múltiplas determinações das condições de vida e saúde apresentados pelos pacientes e, desta maneira, sua atuação nesta unidade de urgência, consiste na garantia plena à informação, na orientação à família e acompanhantes dos usuários, bem como, proceder a intervenção necessária, juntamente com os demais profissionais das equipes de saúde, através do atendimento coletivo e individual, dependendo do fluxo da urgência.

O trabalho dos assistentes sociais se realiza, também, como mencionado anteriormente, em regime de plantão 24 horas e, desta forma, há uma grande rotatividade de profissionais, que todos os dias realizam os atendimentos desvinculados, na maioria das vezes, de uma ação continuada, revelando uma atuação pautada na intervenção cotidiana e imediata, apesar da tentativa de superação desta prática. A observação desta atuação profissional, nos permite problematizar, por exemplo, as condições de trabalho de profissionais que acumulam vínculos para além do plantão 24 horas, na busca da manutenção de uma renda mensal compatível com as necessidades pessoais e familiares, em um sistema econômico que exige cada vez mais, o esforço da classe trabalhadora. Estes, portanto, acumulam funções que, por vezes, excedem sua capacidade humana e impactam na saúde pessoal. Na esteira desta observação, constatamos o quanto profissionais de uma mesma equipe, encontram dificuldades para criar um padrão na realização técnica do trabalho e, por conseguinte, as atuações fragmentam-se no cotidiano das instituições.

Na relação da supervisão direta de estágio, os profissionais de Serviço Social desta unidade, identificam, em sua prática profissional, as seguintes atribuições: democratização das informações necessárias ao atendimento prestado, fomentando a criação de mecanismos que possibilitem o contato da família e acompanhantes com profissionais responsáveis pelo atendimento; participação nos processos de alta ou remoção na perspectiva de garantir a plena informação e discussão sobre os direitos, deveres, possibilidades e consequências no encaminhamento deste processo; e orientação às famílias nos casos de óbito, quanto aos recursos comunitários.

Também encontra-se preconizado a participação, quando necessário, na transferência do atendimento para a emergência, em caso de internação; viabilização do acesso aos serviços, programas e benefícios disponíveis na rede; garantia da informação, no momento da alta, sobre direitos sociais, nos casos de acidente de trabalho, violência no trânsito, violência doméstica, por exemplo, notificando aos órgãos competentes, os casos de maus tratos contra crianças, adolescentes, mulheres e idosos; atendimento a demandas espontâneas, bem como, abordagens no repouso e visitas domiciliares; realização de projetos e pesquisas para levantamento de dados e desenvolvimento de um trabalho coletivo.

Os procedimentos técnicos para o desenvolvimento do trabalho do Serviço Social, se baseiam na entrevista social, onde todos os pacientes são abordados, para o devido preenchimento da ficha social, que é anexado ao prontuário do paciente. Com base nas atribuições apontadas acima, as demandas espontâneas, se configuram como a maior parte dos atendimentos na unidade e trazem demandas diversificadas, não restringidas a condição de saúde/doença, mas ampliadas a esclarecimentos sobre os direitos previdenciários e o acesso a outros benefícios. 

Desta maneira, nos é possível analisar que o Serviço Social nas unidades de saúde se configura como uma referência de acesso aos direitos, principalmente, nos territórios mais vulneráveis e, neste sentido, a presença do/a assistente social suscita, para o usuário, a possibilidade de uma escuta qualificada sobre a demanda apresentada, bem como, a solução desta demanda, da informação solicitada ou do encaminhamento realizado.

Todavia, também fazem parte das demandas espontâneas, a busca por esclarecimentos referidos ao próprio sistema de saúde; a viabilização de acesso a médicos; remédios; exames, entre outros. Neste tipo de atendimento, são verificadas as condições sociais dos usuários, para além de sua demanda na saúde, como, condições de moradia e trabalho, por exemplo, em uma perspectiva de saúde ampliada, pensando a partir dos determinantes sociais§§§. Sendo assim, é possível identificar outras demandas a serem trabalhadas pelo Serviço Social, para além dos processos de saúde/doença. Além das explicações e orientações sobre as demandas são também realizados encaminhamentos às unidades da rede que possam estar atuando na resolução das necessidades apresentadas pelos usuários.

Sobre a abordagem no repouso, que também se configura como uma ação nos atendimentos do Serviço Social na unidade, esta consiste na identificação de possíveis demandas que necessitam da intervenção profissional. Vale ressaltar que a unidade possuía, no período do estágio supervisionado, o repouso masculino, feminino e infantil, com 04 (quatro) leitos cada um. A abordagem era feita mediante a presença do/a profissional nas salas de repouso, para a verificação dos pacientes que se encontravam na urgência, buscando conhecer a demanda que trouxe o paciente à unidade pré-hospitalar e, consequentemente, ao repouso, assim como, a situação geral de saúde/doença, para a orientação adequada ao acompanhamento ambulatorial na própria unidade ou na UBS – Unidade Básica de Saúde de sua respectiva localidade.

Nos casos de atendimento de urgência, onde o paciente não se encontra em condições de responder e/ou não está acompanhado de um familiar ou responsável, cabe ao Serviço Social da unidade, o devido processo de identificação e busca familiar, se possível. Nos casos em que outras demandas são identificadas na abordagem em repouso, o paciente quando liberado é orientado a buscar a sala do Serviço Social para um atendimento individual. No que tange às visitas domiciliares, estas são realizadas com os usuários acompanhados pelo Serviço Social da unidade, quando verificadas demandas que o/a assistente social precisa intervir juntamente a família destes, conhecendo suas condições de vida para a realização dos encaminhamentos, quando necessário.

O Serviço Social da Unidade Pré-Hospitalar desenvolveu, também, em momentos anteriores, projetos destinados a uma variedade de demandas, obtendo êxito no acompanhamento destas, no período de sua execução, segundo informações dos/as assistentes sociais. No entanto, estes não se encontravam mais em funcionamento, no período da realização do estágio supervisionado, por dificuldades referentes à composição da equipe profissional, especialmente. Desta maneira, os únicos projetos que vigoravam, com a participação do Serviço Social da unidade, eram os Projetos de Intervenção construídos e desenvolvidos pelos estagiários.

Isto nos possibilita pensar como a relação que se estabelece entre as unidades de saúde e as instituições de ensino são importantes para suscitar a realização de pesquisas e projetos, e trazer mudanças no cotidiano do trabalho. Veja, o trabalho no setor de saúde encontra-se permeado pela atuação rotineira e, por vezes, pragmática que consome o esforço e o empenho profissional em desenvolver uma ação crítica e propositiva. A necessidade de ofertar respostas rápidas às demandas, principalmente, quando se trabalha uma ação profissional em regime de plantão, torna extremamente difícil uma análise crítica da realidade e o acompanhamento continuado da demanda.

A existência da ação imediata no campo da saúde, parece encontrar-se ligada estritamente a urgência da vida, enquanto um bem precioso e, neste sentido, os atendimentos nas urgências têm por características a rapidez na atuação para a resolução das patologias do corpo e, em alguns casos, da mente. Desta forma, trabalhar em unidades de saúde que oferecem atendimentos em urgência se configura como espaços desafiadores para os/as assistentes sociais, em especial, pelas características da sua formação. Quando um usuário chega ao serviço de saúde, no contexto da urgência, na maioria das vezes, o/a assistente social não consegue acompanhar o resultado final da demanda trazida por este, especialmente, se esta demanda incidir na necessidade do acesso a outros serviços de atenção à saúde, pois, muitas vezes, o retorno sobre o desdobramento do caso não acontece.

A atuação em saúde possui suas particularidades referentes a realização desta política pública, no entanto, enquanto profissionais, os/as assistentes sociais, para além das particularidades técnicas e instrumentais da atuação, lidam em seu cotidiano com as expressões da questão social, que se materializam nos processos de saúde/doença da população. De acordo com Buss (2010) a saúde e a doença são processos intrínsecos a vida dos seres humanos e, cada sociedade em suas conjunturas históricas, vão exprimir um modo de vida correspondente ao desenvolvimento de seu modo de produção e organização econômica, política e social, bem como, a sua cultura e os processos que formam a identidade social da população.

Neste sentido, para atuar na política pública de saúde se faz necessário reconhecer estes processos intrínsecos, problematizando sua historicidade fundante e relacionando-a com a conjuntura social da sociedade brasileira e com as condições de vida da população, para assim, compreender as mediações necessárias ao trabalho e desvendar o real abstruso nas demandas dos usuários e de seus territórios. Assim sendo, para realizar este movimento, o profissional precisa lançar mão de seus instrumentos técnicos, de organização e realização do trabalho, registrando-o e sistematizando-o, a fim de decodificar as particularidades e as principais demandas do público que atende, juntamente com a análise teórico-crítica da realidade, e do seu trabalho, para formular intervenções às demandas que se apresentam, em uma perspectiva alinhada com a complementação da teoria e da prática, reciprocamente.


[...] a competência teórica é indispensável para a formação profissional, mas ela sozinha não habilita para a intervenção. Sem essa formação teórica adequada, uma intervenção com qualidade fica prejudicada, visto ser a teoria que vai oferecer o significado social da ação, suas implicações e rebatimentos nas ações do outro, ultrapassando, dessa forma, o conhecimento do senso comum, rompendo, inclusive, com a visão de neutralidade dos instrumentos e técnicas. (SANTOS, 2010, p. 34).

 

As experiências de estágio, proporcionadas na Unidade Pré-Hospitalar, nos atentaram para a seguinte discussão, como é possível dentro da realidade do trabalho na política de saúde, principalmente, nos setores de plantão em urgência, realizar um trabalho qualificado, comprometido com a reflexão crítica, diante do cotidiano imediato das demandas de saúde? Neste sentido, este artigo não busca traçar uma receita infalível, que o/a assistente social possa aplicar no seu trabalho e, assim, superar seus percalços, mas, busca através da insistência sobre a necessidade e importância da aproximação desta realidade, reconhecer as dificuldades existentes neste campo e pensar possibilidades para a atuação.

Vivemos no cotidiano e este, como discutido anteriormente, pode se transformar no caos das práticas pragmáticas e imediatas, que se enlaçam na reprodução da vida e do trabalho. A imediaticidade que envolve o trabalho na saúde se fortalece na atual conjuntura, considerando, especialmente, que a precarização dos postos de trabalho torna-se um fator que traz implicações para a realização deste trabalho e para a qualidade que este obtém, bem como, para a realização da vida da classe trabalhadora.

Neste sentido, o/a assistente social enquanto trabalhador/a assalariado/a, encontra-se - assim como os demais trabalhadores da equipe multiprofissional e os que são atendidos por estes -, suscetível aos baixos salários, atrasos no pagamento, adoecimentos, regimes de trabalhos sem garantias trabalhistas, sendo necessário, em muitos casos, manter-se na prestação de serviços, em mais de uma instituição, para complementar a renda, conforme destacado anteriormente.

O cotidiano, como espaço privilegiado da ação imediata e local de realização da atuação profissional revela-se permeado pelos enlaces pragmáticos que fecundam o trabalho, fortalecidos pela conjuntura social do capitalismo, pelo desmonte da política pública de saúde, pela formação profissional aligeirada, pela burocratização e pelo afastamento do/a profissional, geralmente, das instituições de ensino, que se configuram como espaços de constante discussão do fazer profissional e possibilitam ao assistente social a reflexão, sob a luz da teoria, da sua prática cotidiana. O cotidiano acrítico, portanto, fortalece o imediatismo na atuação profissional, bem como, propicia o discurso, no meio profissional, das dicotomias entre a teoria e a prática e, assim, este desacredita do seu próprio trabalho, enquanto dimensão de atuação e reflexão.

Na Unidade Pré-Hospitalar era constatada a dificuldade dos/as profissionais em sistematizar os dados de seus atendimentos, mesmo tendo domínio das demandas do território e da rede de serviços do município. Geralmente, em suas falas não havia o compartilhamento deste saber com os demais colegas plantonistas (de áreas distintas) e a falta da troca de informações com os outros plantões, também era evidente. Neste sentido, o/a profissional de Serviço Social realizava seu trabalho de forma fragmentada, muitas vezes, visto que, além da não problematização das demandas com a equipe e da ausência da troca de informações, não havia reuniões entre os/as profissionais e, a comunicação necessária para realização do trabalho, era feita por mensagens trocadas em grupo de redes sociais e através do livro de registros.

Se o trabalho começa e finda-se nas resoluções mecanizadas do cotidiano, torna-se necessário entender o que leva a essa desarticulação profissional e, considerando a análise de Coelho (2010), sobre a imediaticidade na prática do/a assistente social, importa-nos salientar que este deve ir além do imediato e racionalizar esta imediaticidade - quase que inevitável, neste contexto real - para que esta não se sobressaia ao conhecimento científico, pois, o imediato pode levar a naturalização das ações que, nas instituições, podem ser caracterizadas pela rotina, pela repetição de tarefas e pela busca por rápidas respostas às demandas que chegam. Diante disto, consideramos que o imediatismo na atuação do/a profissional dificulta sua interação e sua articulação enquanto equipe.        

Aqui nos atentamos, não apenas para as dificuldades existentes na realização do trabalho em equipe que, fragmentado, dificulta a atuação e a compreensão coletiva das ações profissionais, mas, também, para as condições de trabalho, considerando que o Serviço Social da referida unidade contava, na época do estágio supervisionado, com estruturas mínimas para a atuação profissional, destacando, por exemplo, a sala pequena sem ventilação, com um espaço para no máximo 03 (três) pessoas, sem acesso a equipamentos de informática, com 01 (uma) mesa, 03 (três) cadeiras e 01 (um) armário, sem chave - situação que compromete o sigilo profissional dos documentos em arquivos, visto que a única segurança da sala, era a chave da porta que permanecia na unidade de saúde.  

Desta forma, importa-nos pensar se a transformação desta realidade seria possível através da articulação coletiva dos profissionais no estabelecimento de estratégias de enfrentamento às condições de trabalho, mas, ao mesmo tempo, reconhecemos que ações como estas, encontram entraves na individualidade do trabalho realizado.

A realidade conjuntural do país, de uma política neoliberal que culmina em um projeto de sucateamento do SUS, escamoteando as verdadeiras intenções do grande capital de privatizar esta política pública, se espraia para a micro realidade do território de Campos dos Goytacazes e para os seus serviços de saúde. Assim sendo, o/a profissional precisa estar atento/a às transformações da órbita do capital e suas implicações no país, para compreender como estes impactos chegarão à política pública na qual trabalha, bem como, à realização concreta da vida da população, para então, se organizar coletivamente frente a esta realidade.

Este movimento de reflexão precisa encontrar-se no crivo crítico da análise da realidade e a luz dos conhecimentos teóricos, que embasam e preparam os profissionais para compreender a totalidade das relações que se estabelecem nos contextos de crises econômicas e políticas. Diante das experiências vivenciadas no período de estágio supervisionado, podemos entender o setor de saúde como um espaço propício para a realização de um trabalho imediato, devido às suas particularidades e, sendo assim, percebemos que a prática profissional, nestes espaços, encontra-se permeada pela imediaticidade das demandas de saúde, pelo discurso dicotômico entre teoria e prática, pela supremacia do saber médico e pelas condições de trabalho precarizadas, juntamente, com a desarticulação e fragmentação do trabalho dos/as assistentes sociais que, enquanto equipe de trabalho, sofrem na “ponta”, na realização da prática profissional, a falta de estrutura institucional.

Isto é, sem dúvida, produto do avanço das políticas neoliberais de enxugamento do Estado para com as políticas públicas, neste sistema capitalista, que busca a privatização do SUS, como também, produto de uma realidade econômica municipal, impactada pela redução dos recursos do município, via redução dos royalties do petróleo.

Toda esta conjuntura, produz um profissional que “reproduz” uma prática pragmática e, de quem é a responsabilidade? Veja, seria cômodo afirmar que o profissional é o único responsável por não superar o imediatismo em seu trabalho, justificando-o como um profissional que preza pela ação mais fácil e não se importa com a qualidade de seu trabalho, no entanto, não existe um único responsável. A relação que se estabelece em sociedade é composta por múltiplos e complexos fatores atravessados pelos sistemas políticos, pelas condições econômicas e sociais, pelas formações profissionais e, neste sentido, há uma infinidade de possibilidades que levam às práticas pragmáticas e imediatas e, nenhum profissional encontra-se totalmente livre delas.

Assim sendo, identificar na prática profissional cotidiana, traços destas condições, se faz necessário, para pensarmos as possibilidades da realização do trabalho diante da realidade profissional na atual conjuntura. Não estamos com isso, isentando o profissional de sua responsabilidade com sua prática profissional, mas, reconhecendo-o como um importante ator, capaz de materializar na sua prática, ações que busquem a superação do imediatismo. E, com isso, acreditamos que esta ação não se dá na solitude, mas no coletivo, especialmente, se neste coletivo busca-se conhecimentos teóricos-metodológicos; reflexão crítica da conjuntura social e da prática profissional, através do constante aprimoramento profissional; aproximação com instituições de ensino, através da concessão de estágios; participação no controle social da política pública de saúde, através dos conselhos municipais e da luta pela construção de uma nova ordem societária.

O profissional quando envolto à estas ações, efetiva as possibilidades de superação das práticas pragmáticas e imediatas, existentes no movimento do cotidiano, de acordo com Heller (1970) e é isto que possibilita uma práxis transformadora. 


4. Considerações Finais

  

Na temática discutida, compreendemos o trabalho profissional no contexto da saúde pública, como uma ação profissional de suma importância para viabilizar estratégias que culminem na garantia de direitos e para estabelecer a mediação entre os serviços prestados e as demandas apresentadas pelos usuários. Neste sentido, o/a assistente social se apresenta como o meio para traduzir esse sistema e sua rede, transformando essa complexa estrutura em um atendimento real, permeado por informações e/ou encaminhamentos, de uma forma humanizada e compreensível às particularidades de cada pessoa que atende.

A realização deste trabalho no espaço institucional com poucas estruturas e recursos, capitaneado, muitas vezes, pela imediaticidade das urgências e pelas correlações de forças estabelecidas nas conjunturas neoliberais, colocam o fazer profissional do/a assistente social da saúde, principalmente, na modalidade de plantões, como uma ação de resistência, em meio ao sucateamento da “coisa pública”, a falta de estrutura institucional e os vínculos de trabalho fragilizados e acumulados. E é dentro desta estrutura de trabalho, que problematizamos as influências imediatistas e pragmáticas no fazer profissional.

Consideramos que na prática contemporânea do Serviço Social os ideais pragmáticos se apresentam, assim como, em toda sociedade e, se fortalecem, em uma conjuntura política, econômica e social voltada à reprodução do sistema capitalista e do fortalecimento dos interesses burgueses e conservadores. A imediaticidade e a atuação acrítica, assim como, a desvalorização da teoria e da história, características presentes no pragmatismo, quando entrelaçadas à prática profissional do Serviço Social, podem produzir uma atuação imediata, mecanizada, burocrática, com foco apenas na experiência vivida, desqualificando a importância do referencial teórico, o que pode comprometer as mediações que precisam ser feitas no cotidiano do trabalho, no âmbito das políticas sociais, visto que quando o profissional realiza uma atuação acrítica, não consegue encontrar, em sua realidade, as conexões com a teoria. Neste sentido, o discurso e o trabalho poderão voltar-se para a reprodução do controle da sociedade e, sendo assim, as mediações dos conflitos nunca atenderão os interesses da classe trabalhadora.

Cada vez que a prática pragmática é empregada, também se alimenta o conservadorismo, pois, sem o conhecimento histórico da construção da sociedade e sem o reconhecimento teórico para interpretar a realidade criticamente, não há espaço para a construção de uma identidade política e ética, pautada na transformação de uma nova ordem social, como apontam o Código de Ética Profissional do Serviço Social e o Projeto Ético-Político da profissão e, assim sendo, as velhas bases se reatualizam às sombras do novo caminho que a profissão vem buscando traçar. 

Compreendemos que o pragmatismo também se alimenta das conjunturas econômicas e políticas e este encontra, na saúde, um espaço privilegiado para a sua reprodução. A política pública de saúde que traz em seu bojo as condições históricas atreladas aos interesses do grande capital, ou seja, das políticas neoliberais de privatização, tem como demandas para o Serviço Social, as expressões da questão social, que se materializam no processo saúde-doença das pessoas.

Estas demandas, quando atendidas nos setores da urgência cobram, muitas vezes, respostas imediatas do/a profissional de Serviço Social e se confluem, às condições precarizadas de trabalho nas unidades de saúde; ao volume estressante de trabalho; a acumulação de empregos; a realidade aligeirada e sem continuidade dos plantões e as dificuldades das relações nas equipes de trabalho, que não se reúnem, que não refletem sobre essa realidade adversa, imprimindo um ritmo de trabalho pautado, geralmente, em ações e decisões particularizadas.

Outrossim, as experiências proporcionadas pelo estágio supervisionado, nos atentaram para a importância e urgência da discussão sobre esta realidade, ou seja, sobre o trabalho no SUS, principalmente, no sistema de plantão, considerando que estas unidades expressam, em sua estrutura, o projeto de sucateamento da saúde, agravado pelas condições econômicas e políticas, do referido município, neste momento histórico. Esta realidade nos apresenta a inquietante indagação de como se faz possível, diante das condições de trabalho na política pública de saúde, na atual conjuntura, realizar um trabalho comprometido com a qualidade e com a reflexão crítica, diante de um cotidiano imediato?

Ressaltamos, de acordo com Heller (1970), a possibilidade de transformação existente no cotidiano e, neste sentido, esta possibilidade confere aos profissionais uma reação frente às dificuldades do trabalho e, sobre esta prerrogativa, nos debruçamos para concluirmos que, se os movimentos do cotidiano nos permitem transformações, se faz possível a superação de uma prática pragmática e imediata na atuação profissional do Serviço Social.

Não existem receitas milagrosas, que deem conta de resolver esta questão, que se apresenta multifacetada e agudizada pela conjuntura social, no entanto, existem apontamentos que direcionam o profissional às possibilidades de superação desta realidade, como o aprimoramento profissional, que permite ao assistente social uma reflexão crítica e a realização de um movimento de conexão entre teoria e prática. 

A inserção de estágios supervisionados nos espaços sócio-ocupacionais, pode viabilizar a discussão do fazer profissional, entre as instituições de ensino e os espaços do trabalho, possibilitando, por exemplo, através dos projetos de intervenção, abertura de novas perspectivas para o Serviço Social, bem como, para a participação nos espaços de construção da Política Pública de Saúde. Portanto, essa lógica pode se caracterizar como uma ação que fortalece o enfrentamento das práticas pragmáticas no trabalho profissional e, assim, contribuir para a efetivação de uma práxis realmente comprometida com a qualidade dos serviços prestados, onde o alinhamento das dimensões teórico-metodológicas, ético-políticas e técnico-operativas, culminem em uma prática profissional afinada com o projeto de renovação da categoria, no enfrentamento ao conservadorismo e ao imediatismo.


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Artigo recebido em: 8 de outubro de 2020. Aceito em: 30 de outubro de 2020.

Bacharel em Serviço Social, Instituto de Ciências da Sociedade e Desenvolvimento Regional, Universidade Federal Fluminense, Campos dos Goytacazes, RJ, Brasil. E-mail: naralinegaldino@gmail.com

Professora Adjunto do Departamento de Serviço Social, Instituto de Ciências da Sociedade e Desenvolvimento Regional, Universidade Federal Fluminense, Campos dos Goytacazes, RJ. Mestra em Políticas Sociais pela Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (UENF). E-mail: mcleliacoelho@gmail.com.

§ A discussão sobre política pública de saúde e o trabalho profissional do/a assistente social apresentada neste artigo é decorrente de estudos realizados no trabalho monográfico intitulado, “Prática profissional do Assistente Social na saúde: dificuldades e possibilidades de superação do imediatismo”, no ano de 2019, no Curso de Graduação em Serviço Social da UFF Campos.

** Assim ficou conhecido o III CBAS – Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais, ocorrido em 19 de setembro de 1979, no Anhembi, em São Paulo. Alimentados por uma conjuntura sócio-histórica adversa, assistentes sociais começaram a tecer o entendimento do Serviço Social nos marcos da relação capital/trabalho e nas complexas relações entre Estado e Sociedade. A “Virada” teve o sabor de descortinar novas possibilidades de análise da vida social, da profissão e dos indivíduos com os quais o Serviço Social trabalha. [...] Entenderam, também, que o conformismo que se reproduz na vida cotidiana de amplos segmentos da população diz respeito ao modo de vida instituído pelo projeto do capital que atua na produção de diferentes níveis de exploração e de opressão, na perspectiva de assegurar a reprodução de seu projeto de acumulação (CFESS, 2009).

†† As principais alternativas adotadas para a saúde pública no período de 1930 a 1940 foram, segundo Braga e Paula (1986), a) ênfase nas campanhas sanitárias; b) coordenação dos serviços estaduais de saúde dos estados de fraco poder político e econômico, em 1937, pelo Departamento Nacional de Saúde; c) interiorização das ações para as áreas de endemias rurais, a partir de 1937, em decorrência dos fluxos migratórios de mão-de-obra para as cidades; d) criação de serviços de combate a endemias (Serviço Nacional de Febre Amarela, 1937; Serviço de Malária do Nordeste, 1939 e Serviço de Malária da Baixada Fluminense, 1940, financiados, os dois primeiros, pela fundação Rockefeller - de origem norte-americana); e) reorganização do Departamento Nacional de Saúde, em 1941, que incorporou vários serviços de combate às endemias e assumiu o controle da formação de técnicos em saúde pública. (BRAGA; PAULA, 1986 apud BRAVO, 2007, p. 91)

‡‡ As origens do movimento sanitário remontam aos primeiros anos da ditadura militar, quando, com o fechamento de quase todos os canais de expressão política, a universidade passou a ser o principal reduto de contestação ao governo autoritário. Nas faculdades de medicina, sob recomendação da organização Pan-americana de Saúde, foram criados os Departamentos de Medicina Preventiva, no interior dos quais se aglutina e se difunde o pensamento crítico na saúde. Através da incorporação das disciplinas sociais, o método histórico-estrutural passou a ser utilizado no campo da saúde, buscando compreender processos como a “determinação social da doença” e a “organização social da prática médica” (ESCOREL, 1987 apud TEIXEIRA; MENDONÇA, 2006, p. 204).

§§ [...] os principais aspectos aprovados na nova Constituição foram: a) O direito universal à Saúde e o dever do Estado, acabando com discriminações existentes entre segurado/não-segurado, rural/urbano; b) As ações e Serviços de Saúde passaram a ser consideradas de relevância pública, cabendo ao poder público sua regulamentação, fiscalização e controle; c) Constituição do Sistema Único de Saúde, integrando todos os serviços públicos em uma rede hierarquizada, regionalizada, descentralizada e de atendimento integral, com participação da comunidade; d) A participação do setor privado no Sistema Único de Saúde de forma complementar, preferencialmente, com as entidades filantrópicas, sendo vedada a destinação de recursos públicos para a subvenção às instituições com fins lucrativos. Os contratos com entidades privadas prestadoras de serviços far-se-ão mediante contrato de direito público, garantindo ao Estado o poder de intervir nas entidades que não estiverem seguindo os termos contratuais; e) Proibição da comercialização de sangue e seus derivados (BRAVO, 2007, p. 97).

*** Antônio Sérgio da Silva Arouca, foi médico sanitarista e político brasileiro. Como médico, como parlamentar ou como militante partidário, Arouca procurou debater e apresentar propostas associadas, predominantemente, as questões das áreas da saúde, da ciência e tecnologia. Faleceu aos 61 anos, em 2003, no Rio de Janeiro (FIOCRUZ, 2013).

††† Universalização: a saúde é um direito de cidadania, de todas as pessoas e cabe ao Estado assegurar este direito, sendo que o acesso às ações e serviços deve ser garantido à todas as pessoas, independentemente de sexo, raça, ocupação ou outras características sociais ou pessoais. Equidade: o objetivo desse princípio é diminuir desigualdades. Apesar de todas as pessoas possuírem direito aos serviços, as pessoas não são iguais e, por isso, têm necessidades distintas. Em outras palavras, equidade significa tratar desigualmente os desiguais, investindo mais onde a carência é maior. Integralidade: este princípio considera as pessoas como um todo, atendendo a todas as suas necessidades. Para isso, é importante a integração de ações, incluindo a promoção da saúde, a prevenção de doenças, o tratamento e a reabilitação. O princípio de integralidade pressupõe a articulação da saúde com outras políticas públicas, para assegurar uma atuação intersetorial entre as diferentes áreas que tenham repercussão na saúde e na qualidade de vida dos indivíduos (BRASIL, 2020, n.p.).

‡‡‡ A medição das desigualdades de renda nos países é realizada por meio do índice de Gini. A desigualdade é verificada através da concentração de renda, sendo quantificada a diferença de renda entre os mais pobres e os mais ricos. Os valores para a medição são representados entre 0 e 1. Significando que, quanto mais próximo de 0, há uma menor desigualdade no país e, quanto mais aproximado de 1, existe um maior nível de desigualdade estabelecido. Em 2016 de acordo com o Dicionário Financeiro, o Brasil encontrava-se entre os 10 países com maior desigualdade no mundo, com 0,515 no índice de Gini, daquele ano (DICIONÁRIO FINANCEIRO, 2019).

§§§De acordo com definição da Organização Mundial de Saúde (OMS), os determinantes sociais da saúde estão relacionados às condições em que uma pessoa vive e trabalha. Também podem ser considerados os fatores sociais, econômicos, culturais, étnicos/raciais, psicológicos e comportamentais que influenciam a ocorrência de problemas de saúde e fatores de risco à população, tais como, moradia, alimentação, escolaridade, renda e emprego”. (FIOCRUZ, 2014).


Rev. Mundo Livre, Campos dos Goytacazes, v. 6, n.2, p. 325-348, jul./dez. 2020

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