A SAÚDE DO TRABALHADOR FRENTE ÀS REFORMULAÇÕES DO MUNDO DO TRABALHO E A OFENSIVA NEOLIBERAL: UM BREVE ESTUDO COM PROFISSIONAIS DE SERVIÇO SOCIAL DE CAMPOS DOS GOYTACAZES, RJ


THE WORKER'S WORKOUT PROCESS IN FRONT OF THE REFORMULATIONS OF THE WORLD OF WORK AND THE NEOLIBERAL OFFENSIVE: A BRIEF STUDY WITH SOCIAL SERVICE PROFESSIONALS FROM CAMPOS DOS GOYTACAZES, RJ


PURL: http://purl.oclc.org/r.ml/v6n2/d7


Karine de Souza Cruz


Maria Clélia Pinto Coelho



Resumo: O presente artigo tem como objetivo compreender como as transformações no mundo do trabalho afetam a classe trabalhadora, identificando assim, os determinantes sociais que impactam na saúde deste trabalhador. Para tanto, recorreu-se a uma pesquisa qualitativa realizada com duas assistentes sociais de uma instituição pública da cidade de Campos dos Goytacazes, RJ, tendo em vista a aproximação com esta realidade, em decorrência da realização do estágio supervisionado em Serviço Social, entre os anos de 2017 e 2019. A aproximação com o contexto empírico proporcionou uma análise sobre os impactos na vida pessoal e profissional destas profissionais, decorrente das atuais transformações no mundo do trabalho e da realidade dicotômica entre modernização e precarização do trabalho. Verificou-se, portanto, que as metamorfoses no mundo do trabalho vêm afetando a vida da classe trabalhadora, em seu sentido mais amplo, isto é, além das consequências sobre a saúde física/social/psicológica, mas, também, com reflexos na vida profissional.

Palavras-chave: Trabalho. Saúde do trabalhador. Neoliberalismo.


Abstract: This article aims to understand how the changes in the world of work affect the working class, thus identifying the social determinants that impact the health of this worker. To this end, a qualitative research was conducted with two social workers from a public institution in the city of Campos dos Goytacazes, RJ, to approach this reality as a result of the supervised internship in Social Work, between 2017 and 2019. The approach to the empirical context provided an analysis of the impacts on the personal and professional lives of these professionals, resulting from the current transformations in the world of work and the dichotomous reality between modernization and precarious work. Therefore, it was found that metamorphoses in the world of work have been affecting the life of the working class, in its broadest sense, that is, in addition to the consequences on physical/social / psychological health, but also with repercussions on life professional.

Keywords: Work. Worker health. Neoliberalism.



1. Introdução


A dimensão investigativa de um profissional surge através do seu interesse em aprofundar os estudos e pesquisas sobre um determinado tema ou assunto. É através dela que se podem compreender os processos históricos pelos quais a sociedade passou ao longo dos tempos e o Serviço Social, enquanto profissão de caráter interventivo, tem esse aspecto como parte integrante do seu fazer profissional.

Nesse sentido, o presente artigo busca compreender como as transformações do mundo do trabalho afetam a classe trabalhadora a partir da identificação dos determinantes sociais que interferem diretamente na saúde do trabalhador, que vem sendo alvo de grandes consequências diante da realidade capitalista imposta à sociedade atual. Tais impactos são fruto das reformulações no mundo do trabalho que vêm ocorrendo de forma incisiva, o que faz com que a classe-que-vive-do-trabalho sinta os efeitos de forma mais aguda, impactando na sua saúde, em um sentido mais global.

Isto será feito através da perspectiva do materialismo histórico-dialético, que traz em sua gênese formas de reflexão que compreendem a totalidade do ser social. Analisar esses determinantes requer um aprofundamento nos processos históricos que o capitalismo vivenciou até os dias de hoje, o que envolve aspectos fundamentais que tangem a vida do trabalhador de uma forma mais abrangente.

Para tanto, refletir sobre a categoria trabalho e suas metamorfoses é um importante trajeto a ser percorrido, porque é através dele que o capitalismo se perpetua, transformando em mercadoria as relações que a venda da força de trabalho produz em seu cotidiano.

Para a compreensão desta temática, apresentaremos análises de uma pesquisa de campo com duas assistentes sociais da cidade de Campos dos Goytacazes, região norte fluminense do Estado do Rio de Janeiro, que responderam a uma entrevista semiestruturada sobre as condições de trabalho do assistente social e sua interferência na saúde física e mental, com rebatimentos no contexto da vida social.

Será analisada, então, a categoria trabalho e suas reformulações, bem como os determinantes sociais da saúde, com um breve recorte sobre o contexto da saúde no Brasil, considerando que a saúde pública enfrenta, no percurso histórico da sua construção, os impactos dos determinantes sociais, que se relacionam com as condições materiais de existência e, portanto, exigem respostas no enfrentamento das demandas apresentadas. E, por fim, a apresentação dos resultados da pesquisa de campo, que serão analisados a partir da categoria trabalho e dos determinantes sociais da saúde. Enfim, esta será a discussão traçada neste artigo.

2. Trabalho, mundo do trabalho e suas reformulações


Há uma trajetória de estudo sobre o trabalho que nos faz refletir sobre como ele interfere no dia a dia dos sujeitos sociais, pois é através dele que suas identidades são impressas na sociedade capitalista. A produção é uma atividade social histórica da vida em sociedade, onde os sujeitos para produzir e reproduzir os meios e as formas de vida estabelecem relações sociais como vínculos que podem ou não ter alguma afetividade, mas que se fazem necessários para que a reprodução da vida social seja efetivada.

Compreender como se dá a produção das relações sociais, que são heterogêneas, é importante porque tais produções indicam formas de relação entre indivíduos e entre classes sociais que permeiam a sociedade capitalista. Nesse sentido, a relação social determinante é a produzida pelo próprio capitalismo, que compreende toda a vida social e é expressa através das mercadorias e do dinheiro, em sua forma primária. 

Tais mercadorias possuem duplo caráter de importância, quais sejam, valor de uso e valor de troca. O primeiro é condicionado pela utilidade que terá para o indivíduo, composta por propriedades que a constroem, sendo necessária a satisfação humana à medida que for efetivada pela necessidade do uso ou consumo pelo indivíduo. O segundo, de acordo com Marx (2013), é expresso por uma relação quantitativa entre coisas (ou mercadorias), onde a proporção dos valores de uso de um tipo é trocada por valores de uso de outro tipo, relação esta que se altera no tempo e no espaço.

Na sociedade capitalista contemporânea, após a crise dos anos 1970/1980 e com a transformação do modo de produção taylorista/fordista para o toyotismo§, a substituição do trabalho vivo pelo trabalho morto tem sido frequente. Isso se dá através da modernização, dos aparatos tecnológicos e da robótica, o que faz com que o trabalho, que antes era reproduzido por um operário e/ou trabalhador, agora possa ser operado por uma máquina. Porém, tal substituição não pode ser feita por completo, porque é preciso que um indivíduo opere essas máquinas, o que gera a superexploração do trabalho, conduzindo-o à precariedade.

Sabemos que o trabalho é uma produção das relações sociais expressas na sociedade capitalista. Lefebvre (1973 apud IAMAMOTO, 2010, p. 50) sugere que, ao apontar a reprodução das relações sociais no interior da sociedade capitalista não significa “sublinhar a coesão interna ao capitalismo, mas mostrar [...], como essas relações ampliam e aprofundam, em escala mundial, suas contradições e suas mistificações”. Tal proposição nos faz refletir sobre toda a conjuntura social e nos propõe analisar a reprodução das relações sociais no capitalismo como um problema que deve ser compreendido analiticamente para elucidá-lo, pois, o capital produz invisibilidade do trabalho e a banalização do humano-genérico.

As transformações do mundo do trabalho ocasionaram na desestabilização da sociedade salarial capitalista, o que fez com que o trabalhador se encontrasse fazendo parte do exército industrial de reserva (ou de sobrantes), lutando para conseguir seu espaço nesse meio. Os elementos que caracterizam as reconfigurações do mundo do trabalho são, de acordo com Mendes e Wunsch (2009, p. 242):


A reestruturação produtiva, as diferentes formas de produção, de gestão e organização do trabalho, as condições e relações de trabalho, o mercado globalizado e a expropriação dos direitos que resultam em instabilidade, incertezas e inseguranças para os trabalhadores.


Desde o início do século XX, o trabalho era baseado no sistema de produção taylorista/fordista, onde nas fábricas a produção se dava em larga escala e cada trabalhador era designado apenas para uma determinada função, tornando o processo de trabalho mecanizado. O objetivo era a maximização do lucro através de uma grande produção por menor tempo possível. Costa e Oliveira (2013, p. 71) ressaltam que a produção nas empresas se dava de forma verticalizada, ou seja, “ela deveria dominar todas as áreas de sua atividade econômica, desde a exploração de matéria-prima até o transporte de mercadorias”.

No entanto, a partir dos anos de 1970, o modelo de produção taylorista/fordista começa a sofrer uma grande mudança, isso porque o capitalismo se depara com uma crise estrutural, deflagrado com o aumento das taxas de inflação, a partir da queda da produção de mercadorias. O Estado de Bem-Estar Social ou Welfare State** passa, assim, a enfrentar grandes desafios que impactaram na vida e na saúde da classe trabalhadora.

A solução para isto se viabiliza com o surgimento do novo modelo de produção, o Toyotismo, que era mais flexível e tinha a presença da tecnologia através da robótica, o que possibilitou uma imensa transformação nas formas de gestão, produção e reprodução do trabalho. Nesse sistema, a produção de mercadorias passou a ser organizada de forma horizontalizada através das subcontratações e das terceirizações, fazendo com que a empresa economizasse seu capital. Com isso, o trabalhador precisou se adaptar às novas formas de labor, desempenhando múltiplas funções, o que acarretou grandes impactos em sua vida. Ele se viu obrigado a intensificar sua rotina, precarizando cada vez mais as condições de trabalho ao qual estava submetido.

Diante desse cenário e com a chegada da globalização, o período de crise atingiu o campo subjetivo da classe trabalhadora, fazendo com que sua consciência de classe se tornasse cada vez mais fragmentada, dificultando sua organização na luta por seus direitos. A precarização do trabalho, posta pela flexibilização, superexploração e terceirização, marcou a chegada da globalização na sociedade capitalista. A partir de então, aconteceu o que Antunes (1996) denominou como um processo de subproletarização do trabalhador, o que significou trabalhos precários, parciais e temporários, criando uma classe-que-vive-do-trabalho mais fragmentada e heterogeneizada, como bem retrata o autor: 


A década de 1980 caracterizou o momento mais agudo nessa história do mundo do trabalho, porque ela presenciou, de maneira simultânea, uma dupla crise: aquela que atingiu a materialidade, a objetividade da classe trabalhadora, acarretando metamorfoses agudas ao processo de trabalho, ao processo de produção do capital, e uma outra crise no plano da subjetividade do trabalho, que não se desvincula da primeira, mas tem características particulares (ANTUNES, 1996, p. 78).


É diante desse panorama histórico que a classe trabalhadora vem sofrendo grandes perdas no que se refere aos direitos conquistados para sua utilização no dia a dia do trabalho, que impactam diretamente na sua saúde física, mental e no campo social. O trabalhador se vê num constante estresse em meio às condições a que está submetido, que interferem também na sua vida social e trazem reflexos à sua saúde. A rotina intensa do trabalho, o esforço para cumprir todas as múltiplas funções e o medo que paira constantemente na sua vida, interferem na forma como cuida da saúde. 

A exemplo dessas perdas temos, atualmente, políticas de recessão estatal no que se refere aos direitos do trabalhador, como, a Reforma Trabalhista, aprovada em 2017 e a Reforma da Previdência, aprovada em 2019, ambas refletindo a intensa ofensiva neoliberal na sociedade. No que se refere a Reforma Trabalhista, traz consigo transformações significativas para a classe trabalhadora, como, por exemplo, todo tipo de flexibilização, seja, na estruturação do mercado de trabalho, na simplificação das relações entre trabalhador e empregador, na forma de remuneração e na redefinição da jornada de trabalho, entre outras.

Em síntese, a Reforma Trabalhista trouxe os acordos coletivos firmados entre patrão e empregado, onde a lei não mais vetará. Sabemos que nesse quesito quem perde é o empregado, que se vê obrigado a aceitar as condições impostas pelo empregador como forma de “preservar” seu emprego. A contribuição sindical também passou a ser facultativa, o que acaba enfraquecendo a estrutura sindicalista e a jornada de trabalho foi autorizada a exceder o limite de 8 (oito) horas diárias de trabalho, podendo ir até 12 (doze) horas, respeitando o limite de descanso de 36 (trinta e seis) horas, de acordo com a Lei nº 13.467/2017.

Além disso, temos também a Reforma da Previdência que aumentou a idade mínima para se aposentar (65 anos de idade para homens e 62 anos de idade para mulheres) com tempo mínimo de contribuição de 15 anos para mulheres e 20 anos para homens e o valor da aposentadoria se baseará na média do histórico de todas as contribuições. De acordo com a nova regra “ao atingir o tempo mínimo de contribuição (para o trabalhador que ingressar no mercado de trabalho após a reforma), este terá direito a 60% do valor do benefício integral, com o percentual subindo a cada dois pontos para cada ano de contribuição” (G1, 2020). E, para que o trabalhador tenha direito a receber 100% do valor integral da aposentadoria, terá que contribuir por 35 (trinta e cinco) anos, no caso das mulheres e 40 (quarenta) anos, no caso dos homens.

Note-se que as mudanças listadas acima, de forma mais geral, têm intensa influência na vida do trabalhador, que sê vê em uma situação precária de trabalho, sendo obrigado a se submeter as mudanças impostas pelas novas regras trabalhistas e previdenciárias, atingindo diretamente o seu bem-estar. Não obstante, tudo isto recai sobre os aspectos da saúde individual, pois, bem sabemos, que é difícil manter o mínimo de bem-estar físico, social e psicológico diante de reformulações que intensificam, precarizam e flexibilizam, ainda mais, o trabalho e suas múltiplas relações.

Desse modo, discutiremos no próximo item, a relação do processo saúde-doença, agravada pelos determinantes sociais da saúde, que ao atingir os trabalhadores, geralmente, desencadeia a necessidade de estes recorrerem aos benefícios da Previdência Social, no que tange ao auxílio-doença, por exemplo, para o enfrentamento dos casos de agravos à saúde, decorrentes ou não das novas expressões do mundo do trabalho. Isso são reflexos de uma sociedade moderna que precariza cada vez mais, não só a forma de se trabalhar, mas também, as relações interpessoais construídas nos espaços do trabalho.

3. Determinantes Sociais da Saúde e os impactos na saúde do trabalhador


Nessa perspectiva, percebe-se que quem mais sofre com as transformações do mundo do trabalho é a classe trabalhadora, que vê a desregulamentação dos seus direitos dia após dia, trazendo sérias e graves consequências à sua saúde, além de, também, impactar nos determinantes sociais da saúde, influenciados pelo contexto adverso, desencadeando situações de adoecimento, em sua maioria, pela falta de respostas do poder público às demandas apresentadas.

A saúde hoje é compreendida pela OMS (Organização Mundial da Saúde) como o “estado de completo bem-estar físico, mental e social e não apenas a ausência de doença”. Adotado no ano de 1948, de acordo com arquivos do portal do MEC - ensinar saúde educar para a saúde? - este conceito simboliza um alvo e/ou meta a ser alcançada no cotidiano, pois faz alusão à ideia de completa saúde do cidadão.

Entretanto, existem fatores determinantes que impactam diretamente nesse contexto, o que faz com que o conceito de saúde seja algo mais abrangente no que se refere ao completo bem-estar da pessoa, uma vez que estamos inseridos no bojo de uma sociedade de classes, capitalista, neoliberal e que em sua gênese produz desigualdades.

Por determinantes sociais da saúde entende-se que são aspectos“ [...] vinculados aos comportamentos individuais e às condições de vida e de trabalho, bem como, os relacionados com a macroestrutura econômica, social e cultural” (CNDSS, 2008, p. 3), isto é, são fatores sociais, econômicos, culturais, étnicos/raciais, psicológicos e comportamentais que influenciam a ocorrência de problemas de saúde e seus fatores de risco na população, conforme o relatório final da Comissão Nacional sobre Determinantes Sociais da Saúde (CNDSS)††, intitulado “As causas sociais das iniquidades em saúde no Brasil”, de abril de 2008.

As condições em que as pessoas nascem, crescem, vivem, trabalham e envelhecem, incluindo o sistema de saúde, são consideradas pela OMS, como determinantes sociais da saúde. Neste sentido, os determinantes sociais são os responsáveis pelas diferenças sociais, ambientais, econômicas, geralmente, evitáveis entre as pessoas. A saúde é um processo social e os aspectos sociais e as decisões políticas interferem nas condições de vida e na saúde das populações, além de “favorecer” o adoecimento.

Existem muitos estudos sobre os Determinantes Sociais da Saúde e as iniquidades em saúde que apontam a forma como as relações entre os vários níveis de determinantes sociais se relacionam com a situação de saúde de uma dada sociedade. Para efeito deste artigo, vale destacar o modelo de Dahlgren e Whitehead (CNDSS, 2008)‡‡, que apresenta uma visualização gráfica simples e de fácil compreensão do modelo de determinação social da saúde, destacando fatores que fazem parte do processo saúde-doença do indivíduo, quais sejam: condições de vida e de trabalho; redes sociais e comunitárias e estilo de vida dos indivíduos (onde fatores como faixa etária, gênero e questões hereditárias também influenciam nesse quesito).

Essa distribuição dos Determinantes Sociais da Saúde, proposto pelos autores acima, apresenta diferentes camadas de acordo com seu nível de abrangência. A primeira camada, corresponde ao “estilo de vida dos indivíduos”, com suas características individuais de faixa etária, gênero e fatores genéticos, exercendo influência sobre as condições de saúde das pessoas, ou seja, os indivíduos estão na base desse modelo. Essa camada é compreendida como determinantes individuais ou microdeterminantes, segundo Buss e Pellegrini Filho (2007).

Em uma camada intermediária, encontram-se as “redes sociais e comunitárias”, ou seja, encontram-se os códigos para a coesão social (BUSS, PELLEGRINI FILHO, 2007). Trata-se da rede de apoio que os indivíduos constroem ao longo da vida, geralmente, composta por familiares, amigos, vizinhos, incluindo, também, instituições voltadas para a superação dos obstáculos relacionados a vida. Essa camada expressa o nível de coesão social entre os indivíduos ou grupo/população, sugerindo que sociedades mais solidárias, podem desfrutar de um maior grau de saúde.

A terceira e última camada, refere-se as “condições de vida e trabalho dos indivíduos”, envolvendo não somente o dia a dia destes, mas, também, as condições e garantias de acesso a serviços de saúde e educação, acesso ao lazer, a habitação, a alimentação, como também, ao ambiente de trabalho e a garantia do próprio trabalho. Segundo a CNDSS (2008), esses determinantes são produtos da ação humana e, portanto, a ação humana pode modificá-los, por meio da criação e implementação de políticas sociais públicas, para o alcance da superação das iniquidades de saúde. Compreendem, assim, os macrodeterminantes, que envolvem as condições econômicas, culturais e ambientais gerais da sociedade.

Pode-se notar que, apesar do novo entendimento de saúde, que se apresenta para além da ausência de doença, ainda existem muitas barreiras para incorporar a concepção do social no contexto da saúde. A esse respeito, o autor Cecílio (2004 apud NOGUEIRA, 2011) nos diz que os fatores determinantes de saúde dizem respeito às necessidades de saúde, e classifica-os em quatro conjuntos, a saber:


O primeiro são as condições de vida, entendendo-se que o modo como se vive, se traduz em diferentes necessidades; o segundo diz respeito ao acesso às tecnologias que melhoram ou prolongam a vida; o terceiro bloco refere-se à criação de vínculos efetivos entre usuários e o profissional ou equipe dos sistemas de saúde. Vínculo deve ser entendido, nesse contexto, como uma relação contínua, pessoal e calorosa, fundada na dignidade humana e na igualdade intrínseca entre as pessoas; por fim, necessidades de saúde estão ligadas também aos graus de crescente autonomia que cada pessoa tem no seu modo de conduzir a vida, o que vai além da informação e da educação. (CECÍLIO, 2004, p. 28 apud NOGUEIRA, 2011, p. 53)


Dessa forma, podemos compreender que as necessidades em saúde dizem respeito a infinitos aspectos que fazem parte da nossa realidade social que, muitas vezes, não damos o devido valor. O estado de bem-estar em saúde, transportado para o aspecto social, leva em conta questões fundamentais inerentes à vida humana, como a autonomia do indivíduo e suas condições de vida. Ambas interferem diretamente na saúde do indivíduo, ou seja, na saúde do indivíduo trabalhador.

Nesse sentido, a sociedade capitalista, que em sua gênese produz desigualdades e precisa delas para produzir lucro e reproduzir as relações que se formam na sociedade pelas diferenças de classe, traz dificuldades para a classe-que-vive-do-trabalho, manter em equilíbrio a sua saúde. 

Vale assim registrar que, no modelo de sociedade capitalista, o trabalho é fator determinante para a extração da mais-valia, em que acidentar-se e adoecer são resultados da perversidade do mundo do capital, característico do processo de produção. Ou seja, o trabalhador se torna um “apêndice da máquina” e o que deveria contemplar seu campo subjetivo de prazer e alegria, ao efetuar suas atividades laborativas, torna-se algo fatigante e exaustivo e, assim, se transforma em doenças físicas, psíquicas/emocionais e sociais.

A sobrecarga do trabalhador desde o processo de trabalho até o estímulo à competitividade entre os colegas, segregando-os cada vez mais, geram consequências inimagináveis à sua saúde, refletindo na sua vida cotidiana e no trabalho em si. Estamos vivendo em uma realidade em que trabalhadores são chamados de “colaboradores da empresa”, instigados e estimulados a baterem a meta do mês e expostos publicamente quando sua atuação se destaca no universo do trabalho. Tal situação é fruto da mistificação da exploração daquele indivíduo sobreposto como trabalhador exemplar.

De acordo com o Caderno de Atenção Básica/Programa Saúde da Família/Saúde do Trabalhador, publicado pelo Ministério da Saúde no ano de 2001, existem algumas propostas de ações em saúde do trabalhador a serem desenvolvidas no nível local do serviço de saúde. Nos casos de acidente de trabalho ou doença relacionada com o trabalho, a equipe deverá adotar a seguinte conduta:

a) encaminhamento dos casos de maior complexidade para os serviços especializados em Saúde do Trabalhador;

b) notificação dos casos mediante instrumentos do setor saúde;

c) solicitação à empresa da emissão do CAT (Comunicação de Acidente de Trabalho) em se tratando de trabalhador inserido no mercado forma de trabalho;

d) investigação do local de trabalho;

e) realização de orientações trabalhistas e previdenciárias;

f) informar e discutir com o trabalhador as causas do seu adoecimento (BRASIL, 2001, p. 15).

Diante disso, tais ações são necessárias e de suma importância para que a equipe de saúde possa traçar um perfil da realidade social na qual está inserido o trabalhador, a fim de obter resultados significativos nas ações planejadas em saúde. 

No tocante a esse assunto, existe instituição especializada em saúde do trabalhador denominada SESMT (Serviços Especializados em Segurança e Medicina do Trabalho) que, de acordo com a norma regulamentadora nº 4/2008, deve ser implementado nas empresas com o objetivo de promover a saúde e proteger a integridade do trabalhador no local de trabalho.

Percebe-se, assim, que saúde do trabalhador é uma extensão da Política Pública de Saúde e traz algumas características próprias para proteger o trabalhador no exercício de suas funções. Tudo isto requer cuidados especiais, que tanto empregador como empregado, devem ter, embora as condições técnicas sejam, muitas vezes, ignoradas pelo empregador e o trabalhador acaba por enfrentar uma realidade adversa, com necessidades em saúde sendo ignoradas pelos responsáveis da instituição empregatícia e que interferem, diretamente e objetivamente, no seu cotidiano laboral.

É neste sentido que a discussão traçada neste artigo possui um caráter também investigativo, com o objetivo de compreender como as determinações sociais da saúde apresentam-se tão “caras” para quem as interessa, ou seja, para a classe trabalhadora e, quando não observadas pelas estruturas de poder econômico e político, gera e agrava desigualdades, agudizando condições de vida, historicamente, vulneráveis e/ou fragilizadas.

Com o passar do tempo o mundo do trabalho sofreu inúmeras metamorfoses e hoje se encontra em uma realidade bastante complexa. Atualmente, existem no Brasil, cerca de 13,8% de pessoas sem trabalho, até o final do segundo trimestre deste ano de 2020, de acordo com dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). É um número bastante expressivo que hoje vive a mercê dos trabalhos informais sem qualquer direito ou garantias, submetidos a subempregos e expostos a situações vulneráveis que impactam o processo saúde/doença.

A nova divisão internacional do trabalho trouxe consigo uma reconfiguração de acidentes e de doenças advindas do meio profissional que podem ser expressas pela diferenciação entre trabalhos estáveis e precários, que sobrevivem em uma nova ordem do capital que prevê novas formas de extração da mais-valia e do sobretrabalho§§, subempregos, etc.

Antunes (2015, p. 412) nos diz que os impactos das alterações da sociabilidade no capitalismo nas relações de trabalho se expressam na forma da flexibilização, ou seja, “na diminuição drástica das fronteiras entre atividade laboral e espaço de vida privada, no desmonte da legislação trabalhista, nas diferentes formas de contratação da força de trabalho”.

Inseguranças nas relações de trabalho, sobrecarga de trabalho, precariedade dos espaços de trabalho e outros fatores, contribuem para o adoecimento do trabalhador, aumentando as pressões físicas e psicológicas. Nessa perspectiva, é imprescindível que as organizações da categoria, fiquem atentas aos processos históricos que vêm se desenhando na atualidade, para que possam compreender as fontes de adoecimento e acidentes de trabalho.

Esse fenômeno faz parte da mundialização da economia nas novas formas de contratação de trabalho e é considerada como a precarização do próprio trabalho. Esta é uma contradição que existe no bojo dessa discussão, porque por um lado há uma resistência por parte da classe trabalhadora, que entende que isso é algo prejudicial à manutenção da sua sobrevivência e, por outro, é algo inerente à chegada da globalização como processo contínuo, que supervaloriza o capital e contribui para a manutenção desse sistema.

Flexibilização, terceirização, precarização… Essas são as “novas” palavras de ordem da sociedade do capital. Mesmo com todos os impactos que tais concepções causam na classe trabalhadora, existe ainda uma parcela dessa classe que tem sérias dificuldades em perceber as armadilhas do sistema capitalista e que não reconhece as estratégias da precarização do trabalho.


4. O Serviço Social e o enfrentamento da precariedade do mundo do trabalho: um breve estudo com assistentes sociais


A base para a implantação do Serviço Social no Brasil nas décadas de 1920 e 1930 veio do surgimento da questão social no interior de uma sociedade onde já existia o trabalho livre, mas com resquícios da escravidão que sofreu no passado.

A livre escolha por vender a força de trabalho se dava entre os trabalhadores e com isso a manutenção da reprodução da ordem capitalista se perpetuava ao longo do tempo. É dessa forma que o operário se torna cada vez mais explorado pela lógica capitalista que prevalece na sociedade, visando sempre o lucro obtido dessa força de trabalho.

Diante do quadro de intensa exploração, a saúde do trabalhador foi sendo cada vez mais prejudicada e o completo bem-estar físico, psicológico e social cada vez mais distante da realidade. Nesse sentido, iniciou-se às lutas por melhores condições de trabalho, ameaçando a burguesia em seus valores mais profundos. Com isso, houve a necessidade de se ter o controle social da exploração da força de trabalho e foi então, que leis sociais entraram em vigor, que segundo Iamamoto (2014, p. 134), “[...] se colocam na ordem do dia a partir do momento em que as terríveis condições de existência do proletariado ficam devidamente retratadas para a sociedade brasileira [...]”.

Dessa forma, o surgimento dessas leis sociais, entendidas como regulação jurídica do mercado de trabalho, marcou o deslocamento da questão social para o centro das contradições existentes na sociedade capitalista, expondo o antagonismo de classes, ou seja, burguesia versus proletariado.

É nesse processo que a implantação do Serviço Social se deu, a partir de iniciativas de pequenos grupos da sociedade burguesa, incitados, principalmente, pela Igreja Católica, com forte influência na sociedade. A história do Serviço Social no Brasil, enquanto profissão inscrita na divisão social do trabalho, registra-se desde a década de 1930, em um contexto social conturbado, com profundas manifestações da classe trabalhadora, reivindicando melhores condições de trabalho e justiça social (IAMAMOTO, 2011).

Nos anos de 1940 e 1950, houve o reconhecimento da importância da profissão, que foi regulamentada em 1957, com a Lei nº 3252, de 25 de agosto de 1957 (CFESS, 2020). O Serviço Social brasileiro passou a receber grande influência norte-americana, sendo marcado pelo tecnicismo, sustentado por uma base positivista e funcionalista.

Entre os anos de 1960 e 1970, iniciou-se um movimento de renovação da profissão, que buscou a reatualização do tradicionalismo profissional e uma ruptura com o conservadorismo. Despontava, assim, um Serviço Social mais crítico e reflexivo para enfrentar os desafios postos à realidade profissional no cotidiano de trabalho. No final da década, em 1979, ocorreu o Congresso da Virada***, um marco para o Serviço Social no Brasil.

Na década de 1990, o Serviço Social assume a defesa intransigente de questões emblemáticas, como, o direito à cidadania, a liberdade e a democracia, ampliando seus campos de atuação e expressando um projeto profissional comprometido com o acesso universal aos direitos sociais, civis e políticos. Acompanhando as transformações da sociedade brasileira, a profissão passou por mudanças e necessitou de uma nova regulamentação, Lei 8662/93, legitimando o Conselho Federal de Serviço Social e os Conselhos Regionais e instituindo o novo Código de Ética Profissional (CFESS, 2020).

A partir desse breve panorama histórico da profissão, podemos apresentar a pesquisa realizada com profissionais assistentes sociais de Campos dos Goytacazes, cidade do interior do Estado do Rio de Janeiro, na região Norte Fluminense, inseridas na estrutura pública de trabalho, buscando, assim, compreender a visão do profissional comprometido com a defesa intransigente dos direitos sociais e das garantias constitucionais, diante de uma realidade desafiadora, em que sua saúde vem sendo afetada de forma incisiva.

Trata-se de um estudo de campo, realizado no período de estágio supervisionado em Serviço Social, no período de abril de 2017 a abril de 2019, para fins de elaboração do TFC - Trabalho Final de Curso, que contou com a aplicação de uma entrevista semiestruturada, abordando as condições de trabalho do assistente social e a interferência deste trabalho na saúde, com rebatimentos no contexto da vida social. O universo selecionado para a aplicação das entrevistas foi uma instituição pública, que conta com duas assistentes sociais, em atividade direta com os servidores públicos desta instituição, na atenção às demandas apresentadas por estes.

Estas profissionais, que serão identificadas por assistente social A e assistente social B, para preservarmos suas identidades, foram questionadas sobre diversos aspectos da sua formação e do seu cotidiano de trabalho. Ambas exercem a função de assistente social entre 15 a 20 anos e se formaram em instituição pública de ensino. Também possuem curso de pós-graduação, sendo feito em instituição pública pela assistente social A e instituição privada pela assistente social B.

Tais perguntas se fazem necessárias para compreendermos as questões que envolvem as condições de trabalho, bem como, a saúde do trabalhador, pois as profissionais informaram que mesmo tendo procurado se atualizar após a formação acadêmica, a instituição empregatícia, a qual fazem parte, não leva em consideração essa especialização, não refletindo em ganho salarial, devido a inexistência de um PCCS - Plano de Cargo, Carreira e Salário.

O Projeto Ético-Político da Profissão prima pela atualização profissional, estimulando a categoria a buscar atualizações e especializações em referência a sua área de atuação, porém, nem sempre a instituição empregadora valoriza esse investimento e o profissional, que procura sempre estar se qualificando, para melhor atender as demandas dos usuários, muitas vezes, se sente frustrado por não ter reconhecido o esforço empregado.

Estas concordaram quando perguntadas sobre a falta de incentivo ao aprimoramento intelectual da profissão, como bem preconiza o décimo princípio do Código de Ética do/a Assistente Social. Neste sentido, a profissional “A” relatou que sente falta desse incentivo, completando:

Eu acho que iria fazer com que executasse melhor o trabalho. Muitas mudanças vêm ocorrendo e estar mais distante da Academia faz com que elas não sejam acompanhadas com mais efetividade. (informação verbal)†††


Percebe-se nesta fala que há uma grande dificuldade sentida pela profissional em acompanhar as transformações que vêm acontecendo nos últimos tempos no país. A falta de incentivo da instituição empregatícia em promover, financiar e/ou cofinanciar cursos de atualização profissional faz parte de um projeto de sociedade que visa à manutenção da ordem capitalista.

Sobre as condições de trabalho, ambas as profissionais relataram dificuldades estruturais e físicas para a plena realização do seu trabalho, impactando nos desdobramentos da sua atuação profissional, como também, na vida do usuário deste serviço, considerando que este, muitas vezes, não recebe o atendimento adequado, em decorrência da precariedade desse trabalho.

No item que aborda “Trabalho e Saúde do Trabalhador”, as duas assistentes sociais informaram que o número de profissionais no setor que trabalham não é suficiente, diante da expressiva demanda trazida pelos usuários, nos últimos tempos. A esse fato atribui-se a sobrecarga de trabalho, fazendo com que a profissional venha a ter manifestações de cansaço físico e mental mais frequentes, chegando a apresentar, em alguns momentos, um quadro diagnóstico de estafa física.

Quando perguntadas sobre a utilização de atestados médicos e/ou licenças por motivos de saúde nos últimos cinco anos, as duas responderam que precisaram fazer valer esse direito, mas, somente a assistente social “B” relatou que “as situações que vivencia no cotidiano de trabalho trazem riscos à sua saúde” e que apareceram doenças crônicas nesse período, como discopatia‡‡‡, doença que afeta as vértebras da coluna cervical, conforme explicação da entrevistada, assim como, quadro de pré-diabetes, em investigação, e depressão.

O desgaste sofrido pelas profissionais vem de um fator histórico determinante no contexto do capital. Na contemporaneidade, a sociedade capitalista opera na transformação do mundo do trabalho, a partir da retração dos direitos do próprio trabalhador, que se vê obrigado a se desgastar cada vez mais, às vezes, exercendo sua força de trabalho em dois ou três lugares distintos, para que consiga obter as mínimas condições de sobrevivência. Note-se que a saúde do profissional está em risco diante da realidade precária de trabalho e a ofensiva neoliberal está intimamente relacionada a este processo.

Amaral e Ferreira (2014) expõem que no Brasil a marca do processo da nova morfologia do trabalho é a precarização. Por sua vez, Antunes (2013) e Alves (2011) apresentam em seus textos a precarização do mundo do trabalho objetivada pela flexibilização, pelo desemprego, pelo trabalho informal, que trazem malefícios ao trabalhador nas suas dimensões objetiva e subjetiva. Objetiva, porque financeiramente tem sido cada vez mais difícil “ganhar dinheiro” num mundo terceirizado, precarizado e flexibilizado, onde as leis estão a favor, na maior parte, dos empresários e da classe capitalista e, subjetiva, porque o seu pensamento criativo, para uma produção mais crítica e consciente do trabalho, na concepção de uma realização prazerosa do fazer profissional, tem sido cada vez mais afetado.

Na sociedade capitalista, o trabalho é, para muitos, sinônimo de infelicidade, problemas, adoecimentos e sofrimentos sociais, físicos e psicológicos. A partir de então, a saúde do trabalhador ganha relevância no âmbito das políticas sociais, através da luta dos sindicatos, que enfatizam a importância de se problematizar este tema, identificando os determinantes que levam o adoecimento do trabalhador.

Neste sentido, destacamos que são sofrimentos sociais, porque as relações interpessoais tornam-se mais efêmeras, não havendo uma profundidade nas interações, restando apenas a superficialidade, a falta de empatia, a competitividade. São sofrimentos físicos, porque é notório que muitos trabalhadores adquirem doenças devido aos esforços repetitivos, que hoje são causas de afastamentos por LER/DORT§§§, por exemplo, no contexto de um trabalho sem a devida proteção. E são sofrimentos psicológicos, porque muitos se sentem pressionados a produzir cada vez mais, sem o devido descanso, geralmente, trazendo sérias consequências para a saúde do trabalhador, especialmente, quando este se vê ameaçado pela possibilidade de “perder o emprego”, numa sociedade onde o trabalho formal está cada vez mais escasso.

Nas entrevistas realizadas com as profissionais ficou bastante claro que a instituição empregatícia tem direta e/ou indireta influência nos processos de adoecimento adquiridos pelas assistentes sociais, uma vez que vivenciam em seu cotidiano de trabalho a precarização do serviço no atendimento ao usuário e, também, sofrem as pressões do processo produtivo.

A pergunta que fica é: como realizar um trabalho eficaz e efetivo, estando inserido numa ordem burguesa onde o mundo do trabalho, a cada dia, se torna mais precarizado e o usuário/trabalhador mais prejudicado? Como o assistente social pode atuar nessa conjuntura estando também adoecido pelas precárias condições de trabalho a que está, cotidianamente, submetido?

A responsabilidade do Estado em promover a proteção social da classe trabalhadora, tem sido desconstruída pela sociedade capitalista, ao longo dos tempos, e o avanço da ofensiva neoliberal tem agudizado esse cenário. As mudanças que vêm acontecendo na sociedade brasileira intensificaram a produtividade e prejudicaram, inegavelmente, a saúde do trabalhador.

Corroborando com esse breve estudo, podemos registrar o trabalho realizado por Faermann e Mello (2016), que discutem a relação do trabalho e do adoecimento no Serviço Social, no contexto da crise contemporânea do capital e das novas formas de precarização e intensificação do trabalho, buscando identificar “fatores presentes no exercício profissional que desencadeiam processos de sofrimento e de adoecimento.” (FAERMANN; MELLO, 2016, p. 96). As autoras afirmam que:


Com base nos depoimentos dos profissionais entrevistados, constatou-se que, dentre o conjunto de variáveis que influenciam a sua saúde, as condições e relações de trabalho têm sido determinantes na produção do sofrimento e adoecimento vivenciado. As doenças mencionadas pelos profissionais como ansiedade, enxaqueca, diabetes e gastrite estão ligadas, sobretudo, a fatores emocionais decorrentes do seu próprio trabalho (FAERMANN; MELLO, 2016, p. 101).


Portanto, não se pode falar em mundialização do capital sem se pensar nas consequências que são trazidas à classe que vive do trabalho e sofridas por elas. Não há como produzir, nesse ritmo, sem consequência negativa para o trabalhador, porque este é o princípio básico do capitalismo e do neoliberalismo, que atrelados a um modelo de sociedade excludente, determinam o aumento da riqueza socialmente produzida, apenas para uma classe social específica, enquanto a outra sofre os rebatimentos desse processo.

O desafio é grande, mas o espírito de resistência também!


5. Considerações Finais


Durante o processo de construção deste artigo, foi possível perceber que muitas discussões se tornaram ainda mais pertinentes, diante da atual realidade na qual estamos inseridos. Nesse sentido, buscamos compreender como as transformações no mundo do trabalho afetam a classe trabalhadora, a partir da identificação dos determinantes sociais que impactam na saúde do trabalhador e, também, como o neoliberalismo se correlaciona com as metamorfoses do mundo do trabalho, incidindo na condição de saúde, da classe que vive do trabalho.

Traçamos, assim, uma breve discussão sobre a categoria trabalho, tendo por base Marx, enquanto referencial teórico que profundamente discorre sobre esse assunto. O trabalho, portanto, é visto como a forma de produção, como atividade social desenvolvida pelo indivíduo, que possibilita a reprodução dos meios sociais e de vida, além das relações sociais interpessoais. É através dele que o capitalismo se perpetua e transforma em mercadoria todas as relações que a venda da força de trabalho produz.

Para além disso, discutimos também, as metamorfoses ocorridas no mundo do trabalho, pelo contexto do neoliberalismo, a partir do movimento de reestruturação produtiva, que trouxe consigo as novas tecnologias e a robótica, produzindo o chamado exército industrial de reserva (ou de sobrantes) na sociedade. Com a oferta de mão-de-obra cada vez maior, o valor pago por ela se torna cada vez mais baixo, além de se precarizar as novas formas de produção, no universo do trabalho.

A partir desse cenário, o processo saúde-doença, no qual o trabalhador está mergulhado, começa a sofrer o reflexo dessas relações precarizadas, que trazem malefícios à saúde destes, dificultando os processos de trabalho e, no caso mais grave, tornando esse trabalhador mais um número na lista de desempregados do país. Para conseguir sobreviver nesse cenário perverso, o trabalhador é obrigado a se sujeitar a trabalhos precarizados, prejudicando, muitas vezes, a sua saúde e, por consequência, encontrando uma real dificuldade para se reinserir no mercado de trabalho. É uma crise cíclica que se reproduz ao longo dos tempos e que faz parte da gênese do próprio capitalismo.

Nesse sentido, refletir sobre essas questões é tarefa importante, para se compreender os processos de adoecimento que invadem o ambiente de trabalho, fazendo assim, parte deste artigo, a discussão da saúde, enquanto um direto social universal, que traz características significativas para se pensar o processo de redemocratização do país, a partir da Constituição Federal de 1988 e a institucionalização do Sistema Único de Saúde, como resposta às necessidades apontadas pela classe trabalhadora, no campo da saúde ocupacional.

A partir de então, foi possível inserir o campo do Serviço Social nesse contexto e analisar as entrevistas realizadas com duas assistentes sociais que exercem sua função laborativa no setor público e lidam com as pressões do contexto neoliberal e que estão presentes, incisivamente, na sociedade contemporânea atual. Analisando as respostas dadas pelas profissionais, foi possível notar que diante das transformações no mundo do trabalho, no decorrer dos anos, até os dias de hoje, a classe trabalhadora se encontra mais adoecida, mais fragmentada e mais dispersa no que se refere à articulação para a luta pela permanência dos seus direitos, conquistados arduamente.

Em consonância com isto, entendemos que os determinantes sociais que influenciam a saúde do trabalhador, são produtos da dinâmica da sociedade capitalista contemporânea, transformando, assim, essa sociedade e o mundo do trabalho. Precarização, flexibilização, terceirização e retirada de direitos são fatores determinantes no processo saúde-doença da classe trabalhadora, que envolve o aspecto social, físico e psicológico do ser humano.

Portanto, a partir dessas análises, percebemos a importância de se discutir o tema em referência, no contexto atual, onde vivenciamos, cotidianamente, ataques à democracia brasileira e, consequentemente, aos direitos sociais adquiridos. Estar preparada/o para a luta pela manutenção e permanência dos direitos sociais só é possível através do olhar crítico e reflexivo proposto pelo movimento dialético, bem como, pelos processos de capacitação continuada no campo da formação acadêmica, que trazem à tona uma perspectiva de emancipação política e humana, contribuindo para a clarificação de ideias referentes ao modelo capitalista de sociedade e seus desdobramentos na vida da classe trabalhadora.

É preciso “alimentar” toda forma de embasamento teórico-crítico para entender o contexto vivido e, assim, lutar pela manutenção de direitos conquistados, como também, pela ampliação de outros necessários direitos.


6. Referências


ALVES, G. Trabalho e subjetividade – o espírito do toyotismo na era do capitalismo manipulatório. São Paulo: Boitempo, 2011.


AMARAL, A. S.; FERREIRA, A. M. de A. A saúde do trabalhador e a (des) proteção social no capitalismo contemporâneo. Revista Katálysis., Florianópolis, v. 17, n. 2, p. 176-184, jul/dez, 2014.


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Artigo recebido em: 9 de outubro de 2020. Aceito em: 26 de novembro de 2020

Pós-graduanda em Gestão de Projetos Sociais pela Faculdade de Educação São Luís, Jabotical, SP. Bacharel em Serviço Social pela Universidade Federal Fluminense. Autor correspondente. E-mail: souza.karinec@gmail.com

Professora adjunta do Departamento de Serviço Social, Instituto de Ciências da Sociedade e Desenvolvimento Regional, Universidade Federal Fluminense Campos dos Goytacazes, RJ, Brasil. Mestra em Políticas Sociais pela Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (UENF). E-mail: mcleliacoelho@gmail.com

§ Taylorismo, Fordismo e Toyotismo são três modos de organização da produção industrial utilizadas pelas indústrias durante a Segunda Revolução Industrial. Apesar do objetivo ser o mesmo - fabricar ao menor custo - elas têm diferenças quanto ao processo de produção, ritmo de trabalho, papel do funcionário, objetivos, dentre outros (BEZERRA, 2020).

** Welfare State, ou Estado de Bem-Estar Social, é um modelo de Estado que se encarrega da promoção e defesa social e da economia, com o intuito de garantir serviços públicos e proteção à população, onde os indivíduos são dotados de direitos sociais universais. Foi o modelo predominante nos países ocidentais na segunda metade do século XX, defendendo o desenvolvimento do mercado, porém, acompanhado de políticas públicas e da interferência do Estado na economia para corrigir os erros e proteger a população. Na década de 1970, sofreu seus primeiros abalos nos países industrializados ocidentais, devido à crise fiscal gerada pela dificuldade em harmonizar os gastos públicos com o crescimento da economia. No Brasil, o Estado de Bem-Estar Social nunca chegou a ser estruturado de fato, embora houvesse um alto nível de intervencionismo estatal na economia em alguns períodos e programas de redistribuição de renda. Hoje, a maioria dos países ocidentais assumiu um modelo neoliberal, mantendo uma estrutura social mínima (INFOESCOLA, 2020).

†† A CNDSS, integrada por dezesseis personalidades da vida civil, científica, cultural e empresarial do país e apoiada por uma secretaria técnica instalada na FIOCRUZ, desenvolve uma série de atividades que contribuíram para o debate nacional sobre a problemática dos determinantes sociais e das iniquidades em saúde. Estas atividades estiveram voltadas para a produção de conhecimentos e informações sobre os DSS e para a revisão e análise de políticas e programas de intervenção sobre estes determinantes [...] (CNDSS, 2008).

‡‡ Este modelo explica os mecanismos pelos quais as interações entre os diferentes níveis de condições sociais produzem as desigualdades em saúde, desde o individual até o nível das condições econômicas, culturais e ambientais que predominam na sociedade como um todo.

§§ O período extra de trabalho no sistema capitalista não constituiu nenhum valor para o operário, mas é essencial ao capitalista, chamado por Marx de sobretrabalho”.

*** Há 41 anos, no dia 19 de setembro de 1979, acontecia no Anhembi, em São Paulo, o III CBAS, conhecido como o Congresso da Virada. Foi a partir desse Congresso, que o Serviço Social brasileiro passou a incorporar o referencial marxista e produzir análises teóricas em uma perspectiva de totalidade, historicidade e criticidade. Consolida-se a organização política da categoria profissional, assim como, das entidades representativas da profissão, o Conjunto CFESS/CRESS, a ABEPSS e a ENESSO. O Congresso de 1979 constitui um marco de um processo histórico de renovação da profissão. A partir desse momento, começa a construção do Projeto Ético Político Profissional do conjunto CFESS/CRESS, traçado até os dias de hoje (CRESS/ES, 2019).

††† Relato da Assistente Social "A”, em entrevista realizada no estágio supervisionado em Serviço Social, no período de abril de 2017 a abril de 2019, em uma instituição pública, no município de Campos dos Goytacazes, para fins de elaboração do TFC - Trabalho Final de Curso.

‡‡‡Discopatia Degenerativa da Coluna Lombar ou Doença Degenerativa do Disco Lombar (DDD)” é uma condição que acomete os discos da coluna lombar, mais comum entre os dois últimos segmentos (L4 e L5). Com o envelhecimento, o corpo todo perde água. Isso também acontece com os discos da coluna. A desidratação progressiva faz com que o disco endureça, o que reduz sua capacidade de absorver e amortecer os impactos. (YUNES, 2020)

§§§ A lesão por esforço repetitivo (LER), também chamada de distúrbio osteomuscular relacionado ao trabalho (DORT) é uma alteração que acontece devido as atividades profissionais que afetam, especialmente, as pessoas que trabalham realizando os mesmos movimentos corporais de forma repetitiva ao longo do dia. 

Rev. Mundo Livre, Campos dos Goytacazes, v. 6, n.2, p. 400-420, jul./dez. 2020

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